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LEYLA PERRONE-MOISES ALTAS LITERATURAS Escolha e valor na obra critica de escritores modernos 2 reimpressdo oot las LETRAS Copyrigit © 1998 by Layla Perrone Moisée Caps Mocma Cavalcanti Indice onoméstico Maria Clad Carvalho Matos Prepargt: Inabel Jorge Cury Revisto ‘Ana Pata Castellani Er Todos os dito desta eo reservados Rua Bandeira Paulista, 702 6.32 (04532-002 — Sto Paulo —s Telefne: (11) 3707-3500 ax: (11) 3707-3801 sw conspanhiadisletras com br A pesquisa que deu origem a este livro foi iniciada em 1980, na Univer: sidade de Yale, com uma bolsa da Fundagao Fulbright, e terminada em 1998, em So Paulo, com 0 apoio do CNPq. Ao longo desses anos, desenvolvi o tema em cursos de pds-graduacio: na Universidade de Montreal (1987), na Universidade de Paris vii — Vincennes/Saint-Denis (1988); na Unicamp (1995), 0 dislogo com esses alunos qualificados obrigou-me ¢ ajudou-me a Aaprofundar varias questoes. ‘Muitos amigos colaboraram com leituras,discussBes, sugestbes préstimos de livros ou com a publicagio dos resultados parciais em suas revis- tas. Alguns deles jase foram, como Emir Rodriguez Monegal, Jean-Francois Lyotard, Jacinto do Prado Coelhoe David Mourio-Ferreira, Outros, felizmen: 1e, esto muito vivos eativos: Trvetan Todorov, que lew e comentou meu p ‘meiro projeto: Wladimir Krysinski, que me convidou aapresenti decurso, no Canada: 0s colegas da Universidade de Paris vit, que o discutiram ‘Comigo cm seminsrio: Albert Audubert, que me enviou preciosos recortes de Jomal: Joao Alexandre Barbosa, que leua versio final do livro com atengo de especialistae paciéncia de amigo. A todos eles. e 20s nd citados mas lembra dos, meu muito obrigada LPM. INDICE ORIA LITERARIA E JULGAMENTO DE VALOR ... itura da hist6ria literdria eso e permanéncia.. geraisefatos particulares ade e subjetividade 46 ONE DOS ESCRITORES-CRITICOS 1.00.0 ‘cinone, paideuma ol geral das escolhas dos escritores-criticos. 66 foi estabelecido o quadro \SOS EXEMPLARES. saat n-aso de confirmagao: Dante Alighieri (1265-1321) 84 o de recuperagio: John Donne (1572-1631) - 100 de reconhecimento: Stéphane Mallarmé (1842-98)... 111 1941)... 128 |MODERNOS a 143, ncipios que presidem a escolha dos escritores-criticos ..... 143 {comuns aos escritores-criticos 5. A MODERNIDADE EM RU Asescolhas de Modernidade e pés-modemidade. Morrerio os imortais? A literatura na era da globalizagio, 174 179 190. 203 217 233 INTRODUGAO Pela propria etimologia da palavra, critica implica julgamento ‘nein = julgar). Desde sua pratica autoritéria no século XVit, sob a na de decretos da Academia, passando pelas escolhas J pessoais quandoela ating plenitude de seus meios e de seu poder como instituicao autGnoma, critica literdria reivindicou e exerceu a funcdo de julgar. Sainte- Wve, em suas Causeries du lundi, ¢ Bruneti¢re, na Grande Ency- lopédie du XIX’ siécle, declaravam magistralmente: “Criticar € jul- -. Victor Hugo, no auge do romantismo, resolvia sumariamente a st20: “A obra é boa ou ma? Eis todo o dominio da erica” (Prefé- ide Les Orientales). ‘Ao longo do século XX, essa certeza foi sendo abalada. No mal- de um julgamento cada vez mais desprovido de critérios estiveis, critica, modlesta, contentou-se em explicar os textos ou, “cientifica”, ‘a analisar. Até que a desconstruissem, indagando se “o simples ijeto de um hrinein nao pertenceria a0 mimetologismo metafisico”. No vocabukirio critico de nosso século, os adjetivos qualificativos tomnaram raros e discretos. Quando se fala de um “belo livro” ou de “um “grande escritor”, confia-se num vago senso comum partithado ‘Pelo interlocutor. De modo geral, preferem-se os qu “comprometedores: forte, interessante, curioso, sensivel, imaginative, ‘nteligente, astucioso etc. Dentre os adjetivos. dois (que se reduzem a _ um) tém sido utiizados sem constrangimento ao longo de nosso sécu- Ho: novo e original. Nascidos com a estética romantica, os valores ovidade” ¢ “originalidade”, desconhecidos anteriormente, tém tido Juma longa vida. Ao abolir os critérios e as egras clissicas, os romdnti- ificativos menos 9 Te quate persicae cos desencadearam a valorizagao da ruptura e da diferenga. Na célebre postulagao do Belo por Baudelaire (permanéncia e novidade), a mo- dernidade privilegiou o segundo elemento, Mas, medida que nosso século passava, as rupturas e as diferengas se sucederam com tal abun- incia e em tal velocidade que se comegou a questionar: 0 novo pode subsistir a repetigao jd tradicional de sua busca?® O que é original, quando s6 hd diferengas? E quanto ao julgamento: nio é paradoxal ter se, como nico valor estavel, a mudanga? Abolidos todos os cédigos. ficou entretanto um mandamento: contrariar 0 e6digo. (ra, se um discurso sobre as obra literdrias continua aexistir, seu autor ndo pode evitar a questio do valore 0 exercicio de um julgamen- to, mesmo que este seja técito. Assim, juizos continuam sendo emiti- dos, mesmo quando se evita pudicamente a explicitagio de seu funda- mento isto é, suas lei {Quslaveraue sejao “métodade andlise”, cada : Se oh de di vez que uma obra € eleita por algugmcomo objeto de discurso, essa escolha jéé expresso de um julgamento, Lire. élive"("Ler,eleger"), Sintetizava Valé: Dentre as numerosas reflexdes que uma pesquisa sobre 0 juizo estético no século Xx pode suscitar, hd uma que ainda no foi feita de ‘maneira sistemética e que pode ser particularmente esclarecedora: a Oexercicio intensivo da ativid teristica da modernidade. O proprio fato de que numerosos escritores ‘de nosso século tenham acrescentado, a sua obra poética ou ficcional, uma obra paralela de tipo te6ricoe critico tem a ver com omal-estar da avaliagao. Esse exercicio particular da critica, que €a critica literia, se ins- reve num contexto filoséfico maior, de profanizagao da esfera dos valores, ide valorizacao da subjetividadg, de perda de respeito pelas autoridades legiferantes p toncomitante reivindicagio do livre exame ¢ do livre-arbitrio. Desdel Hegel ja propria conccitualizagio da mo- demidade coincide com ua eritica da mesma. Na medida em que a modernidadg se concebe como ollugar privilegiado do qual seencara a historia como um todo, um lugar em que se prepara o futuro e se opera ‘uma ruptura com o passado, bla tem de se autocriicar sem apoi dela mesma, "A modemidade”, diz Habermas, “nio pode e nio quer ‘continuar a ir colher em outras Epocas 0s critérios para sua orientacao, ela temde criaremsiprépriaas regras por que se rege.” E, como lem- uy 10 bra o mesmo Habermas, foi no dominio da critica estética que surgiu, inicialmente, a questo de uma fundamentagdo da modernidade a par- tirde si propria, desde a Quevelle des Ancienset des Modernes (final do século Xvi!) até Baudelaire, o primeiro a usar o substantive “moderi- dade” Napritica, o exercicio da critica pelos proprios escritores se deve, ‘em grande parte a0 fato de os principios|as regras¢ os valores literé- ‘ros terem deixado de ser, desde 0 romantismo, predeterminados pelas ‘Academias ou por qualquer autoridade ou consenso;Diluiram-see per- ‘deram-se, pouco a pouco, os cédigos que orientavam a produgio lite- cédigo moral (0 Bem), cédigo ¢ (0 Belo), c6digo de géne- ros (determinado pela expectativa social), de estilo (orientado pelo Zosto), cédigo candnico (a tradigao concebida como conjunto de ‘modelos aimitar), Cada vez mais lives, através do sSculo XIK e sobre- tudo do Xx, 0s esertores sentiram a necessidade de buscar individual- ‘mente suas razées de escrever,¢ as razdes de fazé-lo de determinada ‘maneira|Decidiram estabelecer eles mesmos seus principiose valores, e passaram a desenvolver, paralelamente as suas obras de criagdo, Exiensas obras de tipo tebrico eeritico. Escrevendo sobre as obras de seus predecessores ¢ contempori- ineos, os escritores buscam esclarecer sua propria atividade e orientar ‘05 rumos da escrita subsequente.|A critica dos escritores ido visa sim- plesmente auxiliar ¢ orientar o leitor (finalidade da critica institucio- nal), mas Visa principalmente estabelecer critérios para nortear uma ago: sua propria escrita, presente e imediatamente futuraNesse sen- ido, é uma critica que onfirma e cria valores ;Enquanto a critica lite- réria institucional, na sua vertente universitéria, tornou-se cada vez mais analitica (com pretensdes a ciéncia) e cada vez menos judicativa, acritica dos escritores lida diretamente com os valores ¢ ¢xerce, sem pudores, a faculdade de julgar. ‘Ao escolher falar de certos escritores do passado e nao de outros, 6s escritores-crticos efetuam um primeiro julgamento. Assim fazen- do, cada um deles estabelece sua prépria tradiga0 e, de certa maneira \reescreve a hist6ria literrig. Os indices dos livros criticos assinados Dor escritores nos fornecem os mapas de seus percursos historicos, as vias de suas revises do passado, Em cada coletinea critica, determina- ‘dos nomes formam uma figura, fragmentada e lacunar com relaco aos “quadros completos" das histrias da literatura, uma figura que sugere wtiqy dot / bonus + ei

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