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B tecnologia O efeito Google no cérebro DURANTE MILENIOS A TRANSMISSAO DE CONHECIMENTO FO! APENAS ORAL. HOJE TEMOS A REDE DE COMPUTADORES, QUE ESTA TRANSFORMANDO NAO APENAS HABITOS, MAS O MODO COMO PERCEBEMOS O MUNDO QUE NOS RODEIA E NOS LEMBRAMOS DELE por Daniel M. Wegner e Adrian F. Ward im casal recebe um convite para uma festa de aniversério. Habituados um a0 outro, cada um ja sabe intutivamente o que fazer. Um deles pesqui- a Se a roupa deve ser formal ou descontraida. O outro faz uma anotacao mental do horario e local da reunio para nao se esquecerem. Até certo ponto, todos delegamos tarefas mentais para os demais. Quando apresentados a informagbes novas, dstribuimos automaticamente a respon- sabilidade de lembrar fatos e conceitos entre os membros do ‘grupo social aque pertencemos, deixando algo em nossos re- gistros e confiando nos outros para se lembrarem do restante. osauTores Quando nao recordamos um nome, ou no sabemos como DANIEL M. WEGNER (148-2013) psicloge _cOnsertar um equipamento com problemas, simplesmente ‘il profesor da Universidade Harvard, ADRIAN. recortemas a alguém que possa nos ajudar. Se o carro faz WARD ¢dutorem piss pal Universidade um baruho estranho,chamamios o amigo que tem nogBes Vira pon dards om acing Piv“{iswestinedoCaketi, | de mectnica, N3o consegue lembrar quem atuou em Case p> tecnologia Apropensao para armazenar recordagdes em. fontes digitais € tao poderosa que muitas vezes somos incapazes de memorizar detalhes quando temos um computador a m&o blonca? Aquela colega ciné fila certamente sabe. Todos 0 tipos de conhecimento, do prosaic ao confidencal, ‘to compartilhedos pelos membros de um grupo, seja ‘aunidade socialem questio, tum casal ou departamento de contabilidade de uma rmultinacional. Em cada caso, no sabemos apenas as in- formagoes armazenadas na nossa mente, mas também “sabernos” que tipo de da- dos & confiado a lembranca de outras pessoas de nosso grupo social. Essa divisio evita esforco desnecessério € serve para expandir a capacidade de meméria do grupo. Quando delegamos a responsabilidade de informagBes especificas para outros, libe- ramos recursos cognitivos que seriam usados para lembraressa informagao;em troca, usamos alguns desses recursos para aprofundar o conhe- ‘cimento em dreas pelas quais nos responsabil: 2zamos. Quando membros do grupo compart lam a recponcabildade de informacées, cada lum tem acesso a conhecimento mais amplo profundo do que poderia ser obtido sozinho. A ‘meméria distribuida conecta o grupo: qualquer pessoa ¢ incompleta sem conseguir acesso 20 conhecimento coletivo do conjunto do grupo. Retomando o exerplo do casa: se estivessem separados ha pouco terpo, um deles poderia ficar perdido por alguns minutos nas ruas ves- tide com trajes sociais; 0 outro chegaria a festa pontualmente usando um moletorn ‘A tendéncia de distribuir informagées pelo “sistema de meméria transacional’ se desen- volveu em um mundo de interacdes face a face, fem que a mente humana representou o auge de armazenamento de informacdes. Mas esse ‘mundo nao existe mais. Como deserwolvimen- toda internet, a mente humana foi reduzida de uma usina de processamento para mera funglo coadjuvante. Incorporar o aplicativo Siri do ‘Phone (que permite controlar as funcies do ce- lular comavoz) em seu grupo social muda tudo." Nosso trabalho sugere que tratamos a internet deforma semelhante a um parceiro de meméria ‘ransacional humano. Despejamos recordagdes para’a “nuvem” to facilmente como farfamos com um membro da familia, amigo ou amante. A internet, porém, também é diferente de um parceirode meméria transacional humane, pois sabe mais ¢ consegue produzir essa informacao ‘mais rapidamente, Hoje, quase toda informagao estd disponivel por meio de uma pesquisa na internet. E possivel que ela esteja tomando o lugar como forte externa de meméria ndo sé de outras pessoas, mas também de nossas proprias faculdades cognitivas. A internet ndo apenas consegue eliminar a necessidade de um parceiro com quem compartlhar informacbes, ‘mas também prejudica a inscricdo, em nossos bancos de meméria bioldgicos, de alguns fatos importantes, recém-aprendidos. Aisso chama- mos efeito Google. A INTERNET SABE Uma experiencia recente de nosso grupo de- monstrou de que forma a internet comecou 2 substituir um amigo ou membro da familia como companheiro na partiha das tarefas didrias de memoria. A psicéloga Betsy Spar rov, da Universidade Columbia, a analista de dados Jenny Liu, na época na Universidade de Wisconsin-Madison, e um de nés. Daniel ‘Wegner, pediram a participantes que copias- sem 40 factoides que chamavam a atencdo em um computador. Por exemplo: “O olho da avestruz é maior que seu cerebro”. Metade das pessoas no experimento foi informada de que seu trabalho seria salvo no computador, as demais, disseram que seria deletado. Sol- citaram depois, também, que metade de cada ‘grupo se lembrasse da informacdo, estivesse ‘ou nao armazenada no computador. Descobriu-se que os que acreditavam que 0 ‘computador tinha guardado a lista de fatos tive ram mais dificuldade de se lerbrar. As pessoas pareciam trataro computador como parceiro de ‘memoria transacional,nosso tema de estudo ha décadas: armazenando informagies na “mente dda nuvem’, em ver de registrélas na propria. Essa tendéncia persistiu mesmo quando as, ‘pessoas foram explictamente solicitadas a me- morizar as informagdes. Parece que a propensdo para guardar dados em fontes digitais ¢ tao poderosa que muitas vezes somos incapazes de fiardetalhes em nossa propria meméria quando ‘temos um computador & mo. Outra experi: «ia de nosso grupo observou a rapidez com Yahoo! Bing Flickr Coca-Cola Hering Nestlé Samsung .Google Gmail Nike Ford Buzzfeed Wikipedia Facebook YouTube IBM Nintendo Bradesco que récorremos & internet quando tentarnos responder a uma pergunta. Para testar esse conceito, usamos 0 que os psicélogos deno- ‘minam teste de Stroop, no qual participantes ‘examinam uma série de palavras grafadas em cores diferentes e devern acertaracor,tentando no deixar significado das palavras interferir ina tarefa (ogja imagem acima). Ro medirmos a rapidez com que a cor de cada palavra é enun- ciada, podemos dizer até que ponto cada uma delas capta sua atenclo. Se os participantes, forem relativamente lentos para nomear a cor, € possivel que o significado da palavra seja relevante para algo em que esto pensando, Pessoas privadas de alimento por 24 horas, por exemplo, s40 mais lentas em nomear a cor de uma palavra relativa a determinado alimento do {ue as que comeram. Como as palavras relacio- rnadas a alimentos sio rlevantes no momento, ‘0 quase impossiveis de ignorar, provocando assim tempo de reagao lento. Em nosso experimento, os participantes ccompletaram dua tarefas de Stroop: uma de- pols de uma tentativa de responder a perguntas simples sobre curiosidades e outra depois de serem questionados sobre assuntosdificeis. No teste, as palavras grafadas eram relacionadas internet ~ Google em letras vermelhas ou Yahoo em azul, por exemplo ~ ou a nomes de ‘marcas em geral ~ Nike en amarelo ou Target ‘em verde, entre outras, AUTOESTIMA COGNITIVA Encontramos um efetoimpressionante associa do &s perguntas difcels, isto ¢, questdes quase impossiveis de responder sem pesquisa, como “Todos os paises tem pelo menos duas cores em suas bandeiras?”, Os voluntirios se mostraram significativamente mais lentos para responder sobre a cor de palavras relacionadas & internet, mas no aos nomes de marcas, o que sugere que a rede veio rapido & mente quando nao sa biam a resposta de uma pergunta. Ao que tudo indica, quando solictados ¢ dar uma informagio {que desconhecemos, nosso primero impulso é pensar na internet, essa onisciente “amiga” que pode tirar nossas dividas ao custo de alguns dlgitos natela do celular oucomando de voz ser esforgo. Amedida que deegarnosresponsabilda de por dversos tipos de informagao para a rede de computadores, podemos estar substtuindo ‘outros parceiros de meméria transacional em potencial - amigos, membros da famfia e ou- teos especialistas humanos ~ pela nogdo de que 6 possivel acessar sempre que necessério uma rnuvem digital aparentemente segura eonisciete, [ADAPTAGHO D0 TESTE malo 2015-mentecérebro 65 & tecnologia O advento da “era da informac¢ao" ter criado uma geracdo que pensa que sabe mais; sua dependéncia de mecanismos de busca, porém, indica o contrario HA ALGUNS ANOS, confrr uma refertnca cm lve demandava 3 ‘ipeitcia de rats biblioteca vagar poe comedores at lcaizar uma obra entre centenas— hoe, basta gar na tla ocala 66 Essa transiclo de dis. tribuigdo de informagdes entre os membros de uma rede social transacional de amigos e conhecidos para a nuvem digital ¢ logica Diante disso, os inime- ros dados dispersos pela internet guardam alguma semelhanga com o que esté nna cabega de um amigo. A grande rede armazena in. formagdes, recupera-as em resposta 2 perguntas e até mesmo interage conosco de maneira surpreendentemente hu- ‘mana, lembrando nosso aniversario e até res- pondendo a comandos de voz, Por outro lado, 1ndo é como qualquer pessoa que conhecemos antes: estd sempre presente, sempre ligada e sabe virtualmente quase tudo. A informacao cobtida em um smartphone de certa maneira é muito maior que a que pode ser armazenada Por uma iinica pessoa ou, muitas vezes, gru- Pos inteiros. Esta sempre atualizada e, salvo um apagdo de energia, isenta das distorcies e lesquecimentos que interferem nas memérias guardadas na mente humana, A surpreendente eficiéncia da internet parece Contrasta com antigos métodos de pesquisa Questionar amigos para obter informagoes rmuitas vezes exige rastred-os, esperando que conhegam 0 fato desejado, ouvindo alguns gemidos, gagueira e um pigarro ou dois & medida que evocam as préprias memérias. Da mesma forma, encontrar informagoes em um livtodemanda caminhar até uma biblioteca € vagar pelas prateleiras até localizar a obra que pode conter o que se esté procurando. Préprio ato de buscar um fato ou citacio de um conhecido em urn liv de referéncia, ali. ressalta nossa dependéncia de fontes externas de informacées. © Google e a Wikipédia mudaram isso A distingdo entre 0 interno e 0 externo ~ 0 que esté em nossa mente, em oposiczo 20 {que ur amigo sabe — se alter radicalmente quando o confidente é a internet. Atualmente 2 informacdo buscada na internet chega as vezes mais répido do que se estivéssemos vasculhando 0 fato em nossa meméria. & velocidade com que um resultado de pes 4uisa surge na tela de um smartphone pode comesar a confundir as fronteiras entre me~ ‘mérias pessoais eas incontiveisinformaces distribuidas pela internet. Recentemente nosso grupo realizou experimentos na Uni versidade Harvard para testar até que ponto as pessoas incorporam a internet em um sentido subjetivo. Nesse estudo, mais uma vez procuramos saber como nossos pensa-_ ‘mentos se voltam imediatamente para os mecanismos de busca quando confrontados com uma questio de conhecimentos gerais. Antes de realizarmos o estudo, elaboramos uma escala de medicdo sobre como pessoas ‘autoavaliam sua memoria, Pode-se dizer que alguém que concorda com as declaracdes “Sou inteligente” e “Minha meméria & boa” tem uma boa “autoestima cogritiva”, Depois, pedimos as pessoas que respondes- ‘sem a uma série de perguntas de conhecimentos ‘perais, com ou sem 2 ajuda do Google e, em seguida, aplicamos essa escala. A autoestima ‘cognitiva foi significativamente maior nos que tinham acabado de usar a internet para buscar respostas. Por incrivel que parega, apesar de as respostas terem sido levantadas na integra a partirde um site, pessoas noestudo mantiveram a ilusto de que as propria capacidades mentais haviam garantido as respostas, ndo o Google. Para verficar se as pessoas ndo se sentiam ‘mais intligentes simplesmente por responder a mais perguntas com a ajuda do mecanismo de busca, seguimos com um estudo semelhan- te em que os que no usaram osite receberam falsa comprovagao de que haviam fornecido respostas certas para quase todas as questoes de conhecimentos gerais. Mesmo quando participantes dos dois grupos acreditavam ter se said igualmente bem, os que usaram a internet relataram sentir-se mais eficientes. UMA NOVA INTELIGENCIA Esses resultados sugerem que usar 0 Google da as pessoas a sensacto de quea internet se tornou parte de seu proprio conjunto de fer- ramentas cognitivas. © resultado da pesquisa foi lembrado no como uma data ou um nome tirado de uma pagina da web, mas como um produto que integra as proprias memérias, dos participantes do estudo, permitinde-thes aceitar efetivamente o crédito por saber de coisas que foram produto de algoritmos de busca do Google. © impacto psicologico de compartilhar as memérias igualmente com Google e o proprio cérebro aponta para uma ironia persistente. O advento da “era da in- formagio" parece ter criado uma geracdo que pensa que sabe mais que nunca, quando na realidade sua dependéncia do Google indica que ela pode saber cada vez menos sobre 0 mundo a seu redor. Mas talvez, conforme nos tornamos parte da “intermente”, também desenvolvamos. uma nova inteligéncia, nfo mais ancorada em memérias locas aljadas apenas no cérebro. medida que formosliberados da necessida de de lembrarmos fats, conseguiremos, em contrapartid,utlzar nossos recursos mentais recémdisponiveis para empreendimentos am biciosos. Etalvez a evolugdo da “intermente’ consiga reunira criatvidade da mente humana individual com a amplitude de conhecimento da intemet, ransformando o mundo para me- thor ~e resolvendo alguns desencontros que criamos para nés mesmos. CConforme avangos na computacdoe trans feréncia de dados estreitam as fronteiras entre mente e maquina, podemostranscender alguns limites impostos pela cogri¢zo humana, mas essa mudanga nio significa que estamos cor- rendo o pergo de perder a propria identidade. Estamos simplesmente nos fundindo com algo aio, formando uma parceratransacional nfo apenas com outros humanos, mas com uma fonte de informacées sem precedentes. (QUANDO APRESENTADOS 1 dads novos, dtbines ‘comatiamerte 2 response de erbr [tore concer entre or memos do gre fecal que petencemoe; ear ager nies registres, mas tumbem Confamos nosotros PARA SABER MAIS Cocgle effets on memory: cognitive contequences of faving information tour fingertips. Be) Sparow 533, pags. 767783 oe agosto 201, Tanaactve memory: contemporary ana of the group mind Dane IM‘ Mlegner em Theos of Behonor Esta oo Mien George Springer 386. aio 2015 -mentecérebro. 67

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