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Alimentos Transgênicos
– sim ou não?
Transgenic Food – yes or not?

CARLOS OTAVIO MARIANO


Universidade Metodista de Piracicaba
cmariano@unimep.br

RESUMO – Este trabalho apresenta uma revisão bibliográfica de artigos publicados na internet a respeito de alimentos
transgênicos, devido à importância do assunto e ao caráter polêmico que o mesmo gera, pois trata-se mais uma questão
pessoal de cada pesquisador frente ao tema. A intenção aqui não é tomar partido quanto à pergunta apresentada no
título, mas apresentar a maneira como são desenvolvidos os alimentos transgênicos, os principais produtos existentes no
mercado, as vantagens e desvantagens de sua utilização e a posição da legislação brasileira no desenvolvimento desses
produtos.

Palavras-chave: ALIMENTOS TRANSGÊNICOS – TRANSGÊNICOS – BIOTECNOLOGIA – ENGENHARIA GENÉTICA.

ABSTRACT - This paper presents a bibliographical revision of papers published in the internet about transgenic foods. Due
to the importance of the subject and to the controversial character that this subject generates, therefore is a personal point
of each researcher have about the theme. The intention here is not to take a party with relationship to the question pre-
sented in the title, but to present the way as are developed the transgenic foods, the mean products existent in the market,
the advantages and disadvantages of the uses and the position of the Brazilian legislation in the development of the trans-
genics products.
Keywords: TRANSGENICS FOODS - TRANSGENICS - BIOTECHNOLOGY – GENETICS ENGINEER. HYDROLOGY – TREND ANALY-
SES – TIME SERIES.

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INTRODUÇÃO assim como maior tolerância a fatores de estresses


bióticos e abióticos. Para tanto, os biólogos molecula-

E ste trabalho apresenta uma revisão bibliográ-


fica realizada a partir de textos obtidos na
internet sobre o assunto. A biotecnologia teve
um progresso crescente até o início da segunda
res lançam mão de complexos sistemas de cruzamen-
tos e retrocruzamentos, quando os genes de interesse
localizam-se na mesma espécie. Porém, quando os
genes de interesse encontram-se fora do pool gênico
metade do século passado, porém sem apresentar primário da espécie, a engenharia genética oferece as
grandes novidades depois disso. No entanto, na ferramentas básicas para identificar, selecionar, isolar
última década, ela rejuvenesceu com a revolução e transferir genes específicos escolhidos dentro de um
provocada pela engenharia genética. Inúmeros pro- vasto pool gênico englobando um amplo espectro de
dutos biotecnológicos deixaram de ser uma pro- seres vivos como fonte de genes, conforme Binsfeld
messa para se tornar uma realidade do nosso (2000). A figura 1 mostra um esquema comparativo
cotidiano. Entre eles, destacam-se diversos produtos das duas abordagens para melhoramento de plantas.
usados na medicina, no processamento industrial, Plantas transgênicas ou organismos genetica-
na produção de alimentos e na agricultura (tab. 1). mente modificados (OGM) caracterizam-se por pos-
A engenharia genética consolidou produtos suir um ou mais genes provenientes de um pool gênico
controlados por genes únicos, ou seja, monogenes. mais distante. Com o uso dessa tecnologia, espera-se
O grande desafio que agora se apresenta é controlar produzir novos produtos ecologicamente sustentáveis,
processos ou rotas metabólicas que envolvam genes mais produtivos, com superior qualidade e que sejam
múltiplos. Assim, a biotecnologia ingressará numa capazes de colaborar na solução dos problemas nutrici-
rota de evolução, com possibilidades de gerar pro- onais dos mais de 1,5 bilhões de pessoas no mundo
(Malik, 1999), bem como reduzir substancialmente a
dutos inovadores (Binsfeld, 2000).
agressão ao meio ambiente (Sachse, 1998).
Tab. 1. Alguns exemplos de produtos obtidos por meio da
Fig. 1. Representação esquemática do vasto pool gênico
engenharia genética que já são amplamente utili-
e métodos de melhoramento aplicados na transfe-
zados no cotidiano (Kleinmann, 1998; Sachse,
rência de genes entre espécies, em programas de
1998; e Malik, 1999).
melhoramento de plantas.

O melhoramento de plantas agrícolas é obtido


por meio do acúmulo de genes que conferem maior
produtividade e qualidade aos produtos agrícolas,

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DESENVOLVIMENTO um único gene. Deve ser salientado que certas carac-


terísticas importantes, como resistência a seca, salini-
Os Genes de Interesse dade ou acidez do solo, são muitas vezes definidas
Gander e Marcellino (2000) salientam que o por vários genes. Todas elas são produto de ações
genoma de uma bactéria contém aproximadamente coordenadas em tempo e em espaço por baterias de
5 mil genes, o de plantas tem em torno de 40 mil a genes e, devido a essa complexidade, a identificação
60 mil, enquanto o genoma de seres humanos é for- de todos os componentes genéticos que resultem nes-
mado por cerca de 100 mil genes. Independente- sas características ainda está em início de estudo.
mente do organismo e de sua complexidade, os
genes são segmentos de um mesmo tipo da molé- A Engenharia Genética
cula: o ácido desoxirribonucléico (DNA). Essa Com o advento da tecnologia do DNA
característica permite que genes de um organismo recombinante, foi aberta a possibilidade de isolar e
sejam potencialmente funcionais em outro. Uma clonar genes de bactérias, vírus, plantas e animais,
das possibilidades para isolamento de um gene é a introduzi-los e expressá-los em plantas. Dessa
construção de uma biblioteca genômica. Para tanto, forma, a barreira do cruzamento entre espécies, e
o DNA do organismo contendo o gene de interesse até entre diferentes reinos, foi rompida. A transfor-
é extraído. Em seguida, esse DNA é cortado em mação genética de vegetais permite a introdução de
fragmentos menores, utilizando as enzimas de restri- genes específicos no genoma de cultivares comerci-
ção – que são tesouras moleculares. Esses fragmen- ais. Essa tecnologia vem auxiliar os programas de
tos são ligados a outros fragmentos de DNA, melhoramento, permitindo o fluxo de genes para
inseridos em bactérias e aí replicados diversas vezes. plantas que seriam impossíveis de ser transferidos
A partir daí, seleciona-se a colônia de bactérias que através de cruzamentos sexuais ou fusão de geno-
contém o fragmento do DNA correspondente ao mas (Aragão et al., 2000).
gene de interesse. Dessa maneira uma quantidade As primeiras plantas transgênicas foram desen-
impressionante de genes de bactérias, plantas, ani- volvidas em 1983, quando um gene codificante para
mais e humanos é isolada e posta à disposição da a resistência contra o antibiótico canamicina foi intro-
comunidade científica. duzido em plantas de fumo (Gander & Marcellino,
Diversos genes de interesse agronômico estão 2000). Desde então, após os primeiros testes de
isolados e disponíveis, com potencial de uso no campo com plantas transgênicas, já foram realizados
melhoramento de plantas. Eles são: experimentos com mais de 40 espécies de culturas
• gene que codifica uma proteína de alto valor agrícolas transformadas em 31 países (Bilang & Potri-
nutricional, presente na castanha do Pará. Esse kus, 1997). Desde que se iniciou o uso comercial de
gene poderia ser usado para aumentar o valor plantas transgênicas nos Estados Unidos, em meados
nutricional de algumas culturas importantes, da década de 90, tem havido um crescimento médio
como feijão, soja, ervilha etc.; de 20% ao ano na oferta de novos produtos proveni-
• genes que codificam proteínas capazes de modi- entes da engenharia genética (Kleinmann, 1998).
ficar herbicidas, inativando-os. Herbicidas são Por meio da engenharia genética de plantas,
muito usados no controle de ervas daninhas em pode-se alterar importantes rotas metabólicas e,
algumas culturas. Entretanto, algumas plantas com isso, promover mudanças no tipo e composi-
não sobrevivem à aplicação dos produtos. ção de amido, óleos, proteínas, vitaminas etc. (Bins-
Assim, culturas contendo esses genes poderiam feld, 2000). Com essas modificações, objetiva-se:
se tornar resistentes aos herbicidas, facilitando o • elevar o valor nutricional dos alimentos;
controle das ervas; • desenvolver plantas transgênicas que funcionem
• genes bacterianos que codificam proteínas tóxi- como biorreatores capazes de produzir polipep-
cas para insetos. Os insetos que se alimentassem tídeos de valor farmacêutico, como vacinas na
de plantas expressando estes genes morreriam forma de antígenos de vírus ou anticorpos;
ou se desenvolveriam com menor eficiência, • produzir inúmeras enzimas (proteínas) para fins
levando ao seu controle na cultura. industriais.
O exposto indica características monogênicas, A lista de possibilidades de aplicações dessa
em que o fenótipo é determinado pela expressão de tecnologia poderia ser significativamente estendida.

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A Transferência dos 1) eletroporação de protoplastos e células vege-


Genes de Interesse tais: os protoplastos são células de vegetais
Sendo o isolamento de genes uma técnica desprovidas de parede celular. Para a trans-
dominada pela ciência atual, para obter uma planta formação, são incubados em soluções que
transgênica é necessária a inserção do gene isolado contêm os genes a ser transferidos e, em
em células vegetais. A natureza já realiza esse processo seguida, um choque elétrico de alta volta-
antes mesmo de o homem se tornar o Senhor do Pla- gem é aplicado, por curtíssimo tempo. O
neta. Logo, não se trata de uma invenção humana. choque altera a membrana celular, o que
Na verdade, o homem apenas aprendeu a usar uma permite a penetração e eventual reintegra-
ferramenta oferecida pela própria natureza. ção dos genes no genoma. Esse processo
apresenta uma baixa taxa de transformação
Gander e Marcellino (2000) afirmam que as
quando aplicado em células vegetais;
bactérias do solo do gênero Agrobacterium asso-
ciam-se a plantas dicotiledôneas, causando-lhes 2) biobalística: é baseado no princípio da
tumores. Estudos demonstraram que esses genes arma de fogo (fig. 2). A diferença é que, na
estão codificados no DNA de grandes plasmídeos engenharia genética, os microprojéteis são
de Agrobacterium, os plasmídeos Ti (Tumor indu- de ouro ou tungstênio acelerados a alta
cing = indutores de tumores), em um segmento de velocidade com pólvora ou gás (superior a
DNA denominado T-DNA (Transferred DNA = 1.500km/h) para carrear e introduzir genes
DNA transferido). O T-DNA carregando os genes de interesse em células de tecidos in vivo.
bacterianos integra-se ao genoma da planta, que Na figura 3, é apresentado um equipa-
passa a expressar esses genes – o que resulta na sín- mento típico de biobalística. As micropartí-
tese de auxinas e citocininas que levam à formação culas (fig. 4) são aceleradas para penetrar
de tumores em plantas e em aminoácidos modifica- na parede e membrana celulares de
dos (opinas), substâncias necessárias à sobrevivência maneira não letal, localizando-se aleatoria-
da bactéria. Em outras palavras, através dessa estra- mente nas organelas celulares. Em seguida,
tégia, a agrobactéria transfere alguns de seus genes o DNA é dissociado das micropartículas
para a planta com os seus plasmídeos Ti, que repre- pela ação do líquido celular, ocorrendo o
sentam vetores naturais de transferência de material processo de integração do gene exógeno
genético para plantas. no genoma do organismo a ser modifi-
cado. Por esse processo, pode-se introduzir
Para aproveitar-se dessas propriedades naturais
a expressão gênica em qualquer tipo celu-
na transferência de genes de interesse em plantas, é
lar (Aragão et al. 2000).
necessário eliminar as características indesejáveis do
T-DNA, mantendo sua capacidade de inteirar-se ao Plantas Transgênicas
genoma da planta hospedeira. Ou seja, os genes res- Uma vez inserido o gene na célula vegetal por
ponsáveis pela formação de tumores devem ser elimi- meio de um dos métodos mencionados, essa célula,
nados e no lugar deles, inseridos os genes de interesse. ou grupo delas, é estimulada a gerar uma planta
Com as tesouras moleculares, é possível executar a inteira transformada. Assim, essa tecnologia vem
substituição desses genes sem interferir nas proprieda- sendo mais e mais utilizada. Em 1987, cinco tipos de
des que permitem a integração do T-DNA ao DNA plantas transgênicas foram testadas no campo. Já em
da célula hospedeira. Assim, qualquer gene pode ser 1995, um total de 707 tipos de plantas transgênicas
introduzido em uma célula vegetal com essa ferra- foram para o campo. Entre as espécies geneticamente
menta. manipuladas, encontram-se aquelas que são as mais
importantes na alimentação humana e animal e na
Transferência Direta de Genes indústria de tecido, ou seja, milho, batata, tomate,
Os genes são inseridos diretamente na célula soja, feijão, algodão e, como planta modelo em expe-
vegetal sem intermédio da agrobactéria. Há dois rimentos de pesquisa básica, o fumo, sobre o qual
métodos, basicamente, para transferência em plantas foram realizados os primeiros ensaios de transgenici-
monocotiledôneas, como milho, trigo etc. São eles: dade em plantas. Além dessas espécies, foram trans-

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formadas melancia, couve, cenoura, alfafa, arroz, 30% dos casos, o objetivo da transformação gené-
trigo, girassol, alface, maçã e amendoim, entre outras. tica foi aumentar a qualidade dos produtos, e o res-
tante visou a resistência a fungos, secas etc ou a
Fig. 2. Desenho esquemático do equipamento de bioba- obtenção de conhecimentos básicos nas áreas de
lística. biologia molecular de plantas ou das interações
entre patógenos e plantas (Gander & Marcellino,
2000).
Hoje, a grande polêmica se dá em torno da
soja transgênica. A linhagem em questão, conhecida
como Roundup Ready ou soja RR, foi obtida a par-
tir da inserção de três genes estrangeiros na planta.
Um deles foi extraído de um vírus e os outros, da
bactéria Agrobacterium sp. Essa modificação gené-
tica não incrementa a produtividade da cultura ou o
valor nutricional do grão, mas o resultado da modi-
ficação, alegado como economicamente vantajoso,
consiste em possibilitar a substituição de vários her-
Fig. 3. Equipamento utilizado nos processos de biobalística. bicidas por apenas um, o Roundup da Monsanto. O
glifosato, princípio ativo do Roundup, é a terceira
maior causa de problemas de saúde em agricultores
americanos, em virtude do alto grau de alergias de
vários tipos que provoca. Cerca de 70% dos alimen-
tos processados têm soja ou milho entre seus ingre-
dientes. A soja está presente em quase 60% dos
alimentos vendidos nos supermercados.
Com relação à utilização em escala comercial
da cultura da soja transgênica requerida pela Mon-
santo no Brasil, a Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança (CTNBio) regulamentou, por meio
da Instrução Normativa n.o 18, de 15/12/98, os pro-
Fig. 4. Micropartículas de ouro com 1 a 3 micrômetros de cedimentos a observar para sua liberação planejada
diâmetro recobertas com o DNA a ser introduzido no meio ambiente e seu plantio comercial por
na célula vegetal. entender que, do ponto de vista da biossegurança,
não há risco ambiental ou para a saúde humana e
animal na utilização da soja em questão, exceto
aqueles inerentes ao consumo do grão pela parcela
da população que apresenta reações adversas à
ingestão da soja em geral (Scholze, 2000).
A batata é um cultivar muito suscetível a vírus,
fungos e bactérias, causando grandes prejuízos
quando é infectada. A batata transgênica, resistente
ao vírus do mosaico (PVY) a partir da variedade
Achat com resistência ao vírus PVY, foi desenvolvida
no Brasil em um trabalho de parceria entre a
De maneira geral, mais de 50% dessas espé- Embrapa Hortaliças, a Embrapa Recursos Genéti-
cies foram transformadas com genes que conferem cos e Biotecnologia, a Universidade Federal de Pelo-
resistência a herbicidas, vírus e insetos. Em outros tas e o Instituto de Ingenieria Genética y

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Biotecnologia (Ingebi-Argentina), com apoio do ente desses aminoácidos essenciais. Para tanto,
CNPq, programa RHAE/Biotecnologia do Centro foram desenvolvidas plantas transgênicas expres-
Brasileiro-Argentino de Biotecnologia e da FAP/DF. sando o gene da albumina 2S da castanha do Pará,
No Brasil, esse cultivar é um dos mais importantes, proteína que possui um alto teor de metionina
ocupando cerca de 45 mil hectares (25% da área (18%). Essas plantas encontram-se em estudos de
total cultivada com batata no país). Esse genótipo é aplicação no campo (Aragão et al., 2000).
um dos mais facilmente encontrados comercial- O Brasil é o maior produtor de mamão do
mente. O efeito direto do vírus se traduz na redução planeta, responsável por aproximadamente 40% da
da produtividade na lavoura e o indireto reflete-se produção mundial, tendo plantado em 1997 cerca
no aumento dos custos do produto. O projeto per- de 40 mil hectares e produzido quase 1.550 milhões
mitiu a introdução no genótipo da batata do gene de frutos. Porém, só cerca de 1% do mamão produ-
da capa protéica do próprio vírus. Assim, as plantas zido é exportado, o que rendeu ao país quase 10
portadoras do gene adquiriram resistência ao vírus milhões de dólares em 1998. É uma fruta com alto
(Torres et al., 2000). valor nutritivo, ficando em primeiro lugar quando
O feijão transgênico resistente ao vírus do comparada a frutas de regiões tropicais, subtropicais
mosaico-dourado (BGMV) está sendo desenvolvido e temperadas. Um dos principais fatores que limi-
em parceria pelos grupos do Centro Nacional de tam sua cultura no país é uma doença provocada
Pesquisa de Arroz e Feijão (Embrapa/CNPAF) e do pelo vírus da mancha anelar, o mamoeiro ou
Centro Nacional de Pesquisa de Recursos Genéticos papaya ringspot virus (PRSV). Os mamoeiros ataca-
e Biotecnologia (Embrapa/Cenargen). A cultura do dos por essa doença apresentam clorose e mosaico
feijão ocupa uma área de 12 milhões de hectares, e nas folhas jovens, que perdem considerável área
o grão constitui-se na leguminosa mais importante foliar na medida em que maturam, resultando em
para a alimentação de mais de 500 milhões de pes- diminuição na taxa de crescimento da planta, e con-
soas na América Latina e na África. O Brasil é o sequentemente na produtividade, e em manchas
maior produtor, da ordem de 2 milhões de tonela- anelares no fruto, reduzindo sua aceitação no mer-
cado. O mamão transgênico resistente ao PRSV foi
das por ano, o equivalente a cerca de 20% da pro-
desenvolvido no início da década de 90, resultado
dução mundial. As plantas foram geneticamente
de uma colaboração entre a Universidade de Cor-
transformadas por meio do seu meristema apical, e
nell, a Universidade do Havaí e a empresa UpJohn,
pelo método da biobalística receberam as seqüên-
todas nos Estados Unidos. Porém, essa planta mos-
cias do BGMV (AC1, AC2, AC3 e BC1) em seu
trou-se susceptível quando cultivada em outras regi-
DNA. Em seguida, os brotos transgênicos foram
ões geográficas, inclusive no Brasil. A Embrapa,
regenerados a partir das células transformadas. Esses
através do Centro de Mandioca e Fruticultura na
brotos foram transferidos para o solo e geraram
Bahia, em acordo com a Universidade de Cornell,
sementes transgênicas. As plantas foram autofecun-
desenvolveu um mamoeiro transgênico resistente
dadas durante cinco geraçõe, e então desafiadas
ao vírus brasileiro isolado. Os novos mamoeiros,
contra o vírus. A inoculação do vírus foi feita através
expressando o gene de capa protéica do vírus brasi-
das moscas brancas virulíferas (vetor responsável
leiro, demonstrou resistência não somente ao doa-
pela transmissão do vírus na natureza). Algumas
dor isolado como também a isolados do Havaí e da
linhagens não apresentaram diferença significativa Tailândia. A perspectiva é que até o final de 2001,
em relação às plantas correspondentes não transgê- depois de encerrados os ensaios de campo, seja pos-
nicas, mas duas linhagens apresentaram um retarda- sível ter um material em condições de ser transfe-
mento no aparecimento dos sintomas, estando eles rido para o produtor (Souza Jr., 2000).
bem enfraquecidos. Outro objetivo do melhora-
mento genético é aumentar a qualidade nutricional, A Legislação
principalmente no teor de metionina e triptofano Em 5 de janeiro de 1995 foi sancionada pelo
nos grãos, já que se trata de uma planta importante presidente Fernando Henrique Cardoso a Lei
para a alimentação humana e extremamente defici- 8.974, que estabelece normas para o uso das

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técnicas de engenharia genética e a liberação no vas para a produção de vacinas, biofármacos e


meio ambiente de OGM. A partir dessa lei, em medicamentos;
junho de 1996 foi criada a Comissão Técnica Naci- • grupo 5. Biotecnologia e Legislação: investi-
onal de Biossegurança (CTNBio), órgão do Minis- mento em educação ambiental e de biossegu-
tério da Ciência e Tecnologia com a função de rança. Criação de um Comitê Nacional de
examinar a segurança dos OGMs. Ela emite parece- Bioética pluricameral. Ampliar o número de
res e autorizações no caso da certificação de semen- representantes na CTNBio de forma a abranger
tes, mas o plantio cabe ao Ministério da Agricultura. mais áreas do conhecimento (por exemplo, eco-
O Senado Federal organizou um seminário a logia e toxicologia) e da sociedade civil. Rotula-
respeito de transgênicos, o Clonagem e Transgênicos gem obrigatória dos produtos. Obrigatoriedade
– impactos e perspectivas, realizado em Brasília no do EIA e respectivo RIMA, levando em conta a
período de 8 a 10 de junho de 1999. O seminário supremacia do texto constitucional. Reconhecer
contou com seis grupos de trabalho: a competência da CTNBio para propor a Polí-
• grupo 1. Biotecnologia e Meio Ambiente, cuja tica Nacional de Biossegurança vinculada aos
síntese conclusiva é: como não se pode prever as objetivos dispostos na Lei 6.938/81, que institui
conseqüências a curto, médio e longo prazos da a Política Nacional de Meio Ambiente, Lei
liberação de OGMs no ambiente, é necessário 9.605/98 (crimes ambientais), Lei 9.279/96
que se estabeleça uma avaliação de riscos caso a (patentes), Lei 9.456/97 (cultivares) e na revisão
caso, considerando as variações de cada orga- e aperfeiçoamento da Lei 8.974/95 (Biossegu-
nismo em cada um dos ambientes em que se rança);
proponha sua liberação e/ou cultivo; • grupo 6. Bioética: estabelecimento de programas
• grupo 2. Biotecnologia: educação, ciência e tec- educacionais que estimulem o ensino e a refle-
nologia: a educação científica deve formar o xão crítica das questões de bioética, com enfo-
cidadão responsável, crítico e capaz de tomar que particular sobre OGMs. A linguagem de
decisões. Para tanto, é fundamental fortalecer o rotulagem deve ser precisa e acessível aos consu-
ensino de ciências nos 1.o e 2.o graus e reforçar o midores. Criação de uma Comissão Consultiva
ensino superior nas diversas áreas científicas; Nacional de Bioética.
• grupo 3. Biotecnologia X Agronegócios: há Transgênicos e o Meio Ambiente
necessidade de ajustes e adequações da legisla- É prematuro fazer afirmações sobre as conse-
ção aos fatos relacionados com OGMs. Sugere- qüências que os transgênicos poderão causar ao
se o congelamento da liberação comercial de meio ambiente, uma vez que ainda não existem
OGM, concentrando esforços apenas na área de dados consistentes sobre o impacto que poderão
pesquisa e desenvolvimento. Os OGMs envol- causar. Alguns partidos políticos assumiram posição
vem toda a cadeia de agronegócios e deverão ser contrária, em consonância com ativistas como a
vistos como mais uma opção de mercado para Organização Greenpeace, entre outros, mais isola-
os agricultores decidirem seus processos produ- dos.
tivos. Mas deverão atender a preceitos de bios- Para Menasche (2000), entre as possibilidades
segurança, com a participação representativa da de uso irresponsável da engenharia genética estão o
sociedade e da comunidade técnico-científica, e empobrecimento da biodiversidade – na medida em
a uma liberação planejada, seguindo o princípio que as plantas modificadas geneticamente podem
de precaução; interagir no meio ambiente com as variedades natu-
• grupo 4. Biotecnologia e Saúde: formulação de rais –, a eliminação de insetos e microrganismos
proposições ou exigências para que a introdu- benéficos ao equilíbrio ecológico, o aumento da
ção de novos produtos biotecnológicos no mer- contaminação dos solos e lençóis freáticos – devido
cado brasileiro tenha experimentos realizados ao uso intensificado de agrotóxicos – e o desenvolvi-
no país, financiados pelos órgãos/empresas de mento de plantas e animais resistentes a uma ampla
origem. Incentivo a novas tecnologias alternati- gama de antibióticos e agrotóxicos, o que poderá

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estimular o aparecimento de novos vírus, mediante teor protéico e proteínas mais completas,
a recombinação de vírus engenheirados com os já óleos mais saudáveis, arroz com carotenos,
existentes no meio ambiente. entre outras;
Caso algumas dessas conseqüências negativas 4) o princípio da precaução, enunciado em
da engenharia genética ocorram, será talvez impos- 1992 na Declaração do Rio sobre Desen-
sível controlá-las, pois, à diferença de outros polu- volvimento e Ambiente, diz: “lack of full
entes químicos, os OGMs, por serem formas vivas, scientific certainly shall not be used as a
são capazes de sofrer mutações, multiplicar-se e dis- reason for postponing cost-effective measu-
seminar-se no meio ambiente. Como lembra o Gre- res to prevent environmental degradation”
enpeace, todas as substâncias responsáveis por (possível tradução: “a falta do fundamento
catástrofes ambientais em nossa época contaram científico certamente não deverá ser usada
com o endosso de cientistas responsáveis: o DDT, o como razão para adiar medidas de custo
ascarel e a talidomida, entre outros. efetivo para prevenir a degradação ambi-
ental”). Agora está claro que são as plantas
Plantas Transgênicas:
transgênicas com suas defesas genéticas
vantagens e desvantagens
Conforme publicado por Cordeiro (2000), que representam a esperança de uma efe-
somente depois de muitos testes e controles as plan- tiva redução da presença dos agrotóxicos
tas que apresentam o resultado desejado são multi- nos custos produtivos e aumento da pro-
plicadas in vitro, passando depois para aclimatação dução.
em câmaras de cultura, estufas e finalmente cantei-
Desvantagens:
ros experimentais isolados, onde são selecionadas
1) somente poucos laboratórios têm os dis-
em competição com as cultivares originais sob todos
pendiosos equipamentos e reagentes e os
os aspectos possíveis. Antes do lançamento da trans-
pesquisadores capazes de obter organismos
gênica como produto, são feitos testes de campo em
transgênicos com toda a segurança exigida
grande escala para verificar se há vantagem dessa
pela Lei de Biossegurança e fiscalizada pela
cultira em relação à original. As transgênicas são
CTNBio;
liberadas condicionalmente, ficando em observação
permanente. 2) após a obtenção do organismo transgê-
nico, segue-se a fase mais longa e dispendi-
Vantagens: osa, de cinco ou mais anos e milhões de
1) toda a variabilidade genética dos organis- dólares, para selecionar e desenvolver o
mos da Terra fica à nossa disposição. Por- produto. Apenas empresas têm arcado
tanto, não haverá jamais exaustão da com os custos necessários para lançar
variabilidade genética para o melhora- novas culturas transgênicas;
mento de vegetais e animais domésticos; 3) apesar de todas as precauções, as pessoas
2) em uma construção, é possível usar um leigas e mesmo pesquisadores de áreas
gene e um promotor para funcionar de afins temem que possa haver inconvenien-
maneira programada no tecido ou órgão tes no futuro;
com a intensidade e no tempo de desenvol- 4) apesar das plantas transgênicas serem culti-
vimento do organismo escolhido. Também vadas em 39,9 milhões de hectares e consu-
é possível usar promotores que superati- midas por milhões de pessoas há mais de
vem o gene com o aumento ou a redução dez anos sem inconvenientes, é fácil para
da temperatura ou luminosidade ambien- organizações leigas intimidar, sem provas, os
tes; consumidores submetidos a propagandas
3) obtêm-se plantas resistentes a insetos e pra- movidas por milhões de dólares. Amedron-
gas, herbicidas, metais tóxicos do solo, fun- tado, o público paga essas organizações para
gos, amadurecimento precoce, com maior ser informado;

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5) os alimentos orgânicos, isentos de agrotóxicos ficariam os consumidores que são vegetarianos?


e transgênicos, parecem ideais. Entretanto, sua Esses consumidores não deveriamser informados?
produção é mais cara, demanda muito tra- O risco à saúde animal e humana da alimenta-
balho, espaço e não passa de 1% do neces- ção com produtos geneticamente modificados são
sário para atender o mercado. Infelizmente, imprevisíveis, embora já se tenha detectado alguns
orgânicos foram os alimentos dados às vacas casos de alergia desenvolvida pelo seu consumo.
e aos porcos na Inglaterra que se contamina- Contudo, ainda não existe no mundo um grupo de
ram com graves doenças. Também o monitoramento a esse tipo de procedimento. É
estrume de vaca usado na cultura de verdu- necessário adotar uma política de precaução e pesqui-
ras orgânicas pode conter a Escherichia coli sar muito mais para conhecer os riscos e possíveis
715 H7, que é letal. benefícios dos alimentos geneticamente modificados.
Alimentos Bioengenheirados:
benefícios e riscos CONCLUSÃO
Existem atualmente duas importantes corren- No início do século passado, um pesquisador
tes sobre a questão da rotulagem dos alimentos com americano resolveu estudar o processo de hibridiza-
transgênicos. Uma propõe três tipos de rótulos: 1. ção vegetal com o milho objetivando melhor produ-
não contém OGM; 2. contém OGM; e 3. pode tividade. Os resultados foram desastrosos, sendo ele
conter OGM. A outra simplesmente defende a não estimulado a abandonar seus estudos. No entanto,
identificação da tecnologia que envolve a produção um grupo resolveu continuar com o trabalho. No
de tais alimentos. Os produtos bioengenheirados, início da década de 30, os resultados já se apresenta-
como frutas, podem manter o sabor e a consistência vam satisfatórios (Stadler, 1932). Nos anos 40, o
por vários dias em temperatura ambiente, e vegetais
milho híbrido fazia o maior sucesso em termos de
podem ser produzidos sem a necessidade de
produtividade. Hoje, são inúmeras as culturas
agrotóxicos (Valle, 2000). Há, ainda, a possibilidade
híbridas na agricultura, que têm contribuído no
de introduzir genes que possam alterar importantes
combate à fome.
rotas metabólicas no cultivar e com isso alterar o
tipo e a composição de amido, óleos, proteínas, O desenvolvimento de transgênicos está ainda
vitaminas etc., objetivando elevar o valor nutricional muito embrionário, o que torna difícil qualquer
dos alimentos e melhorar o processamento indus- conclusão definitiva no momento. Com certeza, um
trial e a comercialização dos produtos. estudante universitário do ano de 2060 responderá
Entretanto, quando tentaram melhorar a qua- se estávamos certos ou não em nossos atos. Por isso,
lidade nutricional da soja com genes da castanha do não me sinto à vontade em apresentar qualquer res-
Pará, algumas pessoas que eram alérgicas à castanha posta à pergunta: alimentos transgênicos – sim ou
passaram a apresentar os mesmos sintomas quando não?
ingeriam a soja modificada. A CTNBio é um órgão governamental, que já
Há, ainda a questão ética. Se um gene animal elaborou normas de procedimentos para o desen-
fosse incluído em um determinado vegetal, o vege- volvimento de OGMs, com plena capacidade de
tal passaria a produzir uma proteína animal. Como acompanhar esse processo.

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REVISTA DE CIÊNCIA & TECNOLOGIA • V. 8, Nº 18 – pp. 119-128 127


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128 Dezembro • 2001

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