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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE CIENCIAS ECONOMICAS CENTRO DE DESENVOLVIMENTO E PLANEJAMENTO REGIONAL 0 QUE £ 0 URBANO, NO MUNDO CONTEMPORANEO: Roberto Luis Monte-Mér PhD. em Planejamento Urbano, University of Califomia- Los Angeles, 2004 Professor Adjunto do Departamento de Ciéncias Econdmicas da UFMG. CEDEPLAR/FACE/UFMG BELO HORIZONTE 2006 SUMARIO INTRODUGAO .. 6 A CIDADE INDUSTRIAL, A RELAGAO CIDADE-CAMPO E O.SURGIMENTO DO URBANO... 8 A URBANIZACAO CONTEMPORANEA: SEU CARATER EXTENSIVO E OUTRAS IMPLICAGOE! A URBANIZACAO EXTENSIVA NO BRASIL CONTEMPORANEO.. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ......0. 7 a RESUMO Conceitos centrais da vida contemporinea—politica, civilizagao, cidadania—derivam da forma e organizagdo da cidade. A cidade expressa a divisio sécio-espacial do trabalho ¢ Henri Lefebvre propde pensar sua transformagio a partir de um continuum que se estende da cidade politica ‘a0 urbano, onde se completa a dominagao sobre o campo. A efetiva passagem da cidade ao wrbano foi marcada peia tomada da cidade pela industria tazendo a produgdo—e o proletariado—para 0 espaco do poder. A cidade, lacus do excedente, do poder ¢ da festa, cendrio privilegiado da reprodugao social, ficou assim subordinada légica da indistria. A cidade sofreu entdéo um duplo processo: sua centralidade implodiu sobre si mesma e sua periferia explodiu sobre 0 entorno sob a forma de recido urbano, que acabou por carregar consigo 0 germe da polis e da civitas. Assim, a préxis urbana, antes restrita 4 cidade, re-politizou todo 0 espago social No Brasil, o urbano teve sua origem na politica ao mesmo tempo concentradora e integradora dos governos militares que deram seqliéncia a centralizago e expansionismo Varguista ¢ interiorizagao desenvolvimentista Juscelinista. Hoje, o urbano-industrial se impée virtualmente a todo © espago social, na urbanizagdo extensiva dos nossos dias. Palavras chave: cidade, Lefebvre, urbano, urbanizagao extensiva ABSTRACT Central concepts of contemporary life—polities, civilization, and citizenship—derive from city form and organization. The city expresses the socio-spatial division of labor and Henri Lefebvre proposes to think of its transformation on the bases of a continuum that extends from the political city to the urban, when and where it completes its domination over the countryside. ‘The city’s transformation into the urban was marked by the industrial takeover that brought production — and the working class ~ to that space of power. The city, Jocus of the surplus, power and the flesia, a privileged scenario of social reproduction, was thus subordinated to the industrial logic. ‘The city thus suffered a double process: its centrality imploded upon itself and its outskirts exploded ‘upon surrounding areas through the urban tissue, which carried within it the germ of the polis and the civitas, Therefore, the urban praxis, formerly restricted to the city, has now re-politicized social space asa whole. In Brazil, the urban had its origin in the concentrating and integrating politics of the military governments that gave sequence to Vargas’s centralization and expansionism and Kubitschek’s developmental interiorization, Today, the urban-industrial process imposes itself virtually over all social space, along the extended urbanization of our days. Key-words: city, Lefebvre, urban, extended urbanization INTRODUCAO. A relagio entre cidade ¢ campo se situa, histérica e teoricamente, no centro das sociedades hhumanas. A dominagao da cidade sobre o campo, como resultado da divisto entre trabalho intelectual e trabalho manual ¢ através do comando do mercado sobre as atividades de produgao, & fato que marcou as sociedades humanas desde tempos remotos, ¢ particularmente as sociedades capitalistas industriais modernas em que nos inserimos. 5 adjetivos urbano e rural, todavia, referentes a cidade e ao campo, ganharam autonomia ‘apenas recentemente e dizem respeito a uma gama de relagdes culturais, sécio-econdmicas e espaciais entre formas e processos derivados da cidade e do campo sem, no entanto, permitirem a clareza dicotémica que 0s caracterizava até o século passado. Ao contrario, cada vez mais as fronteiras entre 0 espago urbano e 0 espaco rural so difusas e de dificil identificagdo, Pode-se supor que isto acontece Porque hoje esses adjetivos carecem da sua referéncia substantiva original, na medida em que tanto a cidade como 0 campo nio so mais conceitos puros, de fic identificago ou delimitagao. O que so, hoje, as cidades de Belo Horizonte, Sdo Paulo, Rio de Janeiro, Bela Vista de Minas ou qualquer outra cidade grande, média, ou mesmo pequena, no Brasil contempordneo ou no mundo? Onde comegam ¢ conde terminam? De outra parte, o que & hoje o campo? A cooperativa agricola da Cotia ou a Barretos do pedo boiadciro em Sao Paulo? Povoados e distritos distantes como Miho Verde ou a periferia das cidades, chamada “érea rural”? Ou as grandes fazendas, as agroindiistrias, 0s acampamentos do MST, no nordeste, no cerrado ou na Amazinia? Em qualquer caso, a defini¢do dos limites e da natureza, tanto do campo como da cidade é cada vez mais difusa e dificil. Legalmente, no Brasil, cidades sao definidas pelos perimetros urbanos das sedes municipais, e 08 territérios © populagdes considerados urbanizadas incluem os perimetros das vilas, sedes dos distritos municipais. Entretanto, as éreas urbanizadas englobam amplas regides circunvizinhas as cidades cujo espaco urbano integrado se estende sobre territérios limitrofes e distantes em um Processo expansivo iniciado no século XIX e acentuado de forma irreversivel no século passado. Por outro lado, cada vez mais as cidades, ou o espago politico e sécio-cultural formado a partir delas, se tomaram o centro da organizagdo da sociedade e da economia. Na escala mundial, poucas cidades organiza e comandam grandes blocos de interesses e reordenam o espago econémico global’; nas escalas local, regional € nacional, as cidades definem as formas de organizagtio da populagio e localizagdo das atividades econOmicas, referenciam identidades socia formas varias de constituigtio comunitéria, definem as De fato, alguns dos conceitos centrais da vida contempordnea derivam da cidade, tanto em sua forma espacial quanto em sua organizagdo social. Da idéia grega de polis vem o conceito de politica, enquanto do latim civis e civitas vém cidadao, cidadania, cidade e mesmo, civilizagéo”. Também do latim veio o sentido de urbano, com dupla conotagao: de urbanum (arado) veio 0 sentido de povoag’o, a forma fisica da ocupagdo do espago de vida delimitado pelo suleo do arado dos bois sagrados que * Uma vast literatura discute as cidades mundiais eglobais; ver (Friedmann, 1988; Sassen, 1991) > Até recentemente, 0 reconhecimento de uma cvilizagdo implicava a existéncia de civis, da cidade e assim, 08 povos nativos brasileiros e norte-americanos. considerados semi-némades e que no constuiram eidades duradouras eram considerados nio-civlizados, em oposigto as civilizagdes dos Maias, Asteas e Ineas, que produziram cidades eujasruinas perdurar Abordagens etno-histiricas, antropol6gicas ¢ arqueoldpicas recentes questionam, entotanto, a petinéncia dessas classtieagdes enquanto a geografiacontemporinea questiona proprio sentido da cidade como ume construgdo posterior & ‘hamada “revolugio agricola”. Ver, entre outros: (Erieson, 2001; Fausto, 2000; Roosevelt, 1994; Soja, 2000), mareava 0 territério da produgdo e de vida dos romanos; da sua simplificagao semantica vieram urbe e urbs, este iltimo termo referindo-se a Roma, cidade-império, centro do mundo e assim, desaparecido até as grandes cidades da era moderna’. Cidade e campo, elementos sécio-espaciais opostos e complementares, constituem a centralidade ¢ a periferia do poder na organizagao social. As cidades garantem a diversidade e escala da vida social bem como a competicao e cooperagao caracteristicas da vida humana contemporénea. Os campos, por sua vez, tio diversos entre si, garantem também diversidades dentro das suas homogeneidades extensivas € escalas de produgio quando tomados de forma abrangente. Contém também processos de competigdio © cooperagdo, mesmo gerenciados pelas cidades e limitados pela auto-suficiéneia relativos que ainda mantém, A cidade, na visio histérica dominante na economia politica, constitui 0 resultado do aprofundamento da divisdo sécio-espacial do trabalho em uma comunidade', Este aprofundamento resulta de estimulos provocados pelo contato externo e abertura para outras comunidades envolvendo processos regulares de troca baseados na cooperacao ¢ na competigao. Implica, assim, de um lado um sedentarismo e uma hierarquia sécio-espacial interna & comunidade e de outro, movimentos regulares de bens € pessoas entre comunidades. Localmente, exige uma estrutura de poder sustentada pela extrago de um excedente regular da produgdo situada no campo. Assim, a cidade implica a emergéncia de uma classe dominante que extrai e controla este excedente coletivo através de processos ideolégicos acompanhados, certamente, pelo uso da forga. Segundo Paul Singer (1973), a cidade & 0 modo de organizagao (sécio)espacial que permite & classe dominante maximizar a extragdio regular de um mais-produto do campo e transformé-lo em garantia alimentar para sua sustentagao e de um exército que garanta a regularidade dessa dominagdo e extragdo. Posto dessa forma, estabelece-se assim 0 que Henri Lefebvre (1969; 1999) denominou cidade politica, ou seja, a cidade que mantém seu dominio sobre © campo (com a conseqliente extragdo do mais-produto ou excedente) a partir do controle apenas politico. Nesse contexto. a produso é centrada no campo € a cidade, espago ndo-produtivo privilegiado do poder politico e ideolégico, retira do excedente produzido no campo as condigdes de reprodugdo da classe dominante e de seus servidores diretos, militares e civis, que a habitam’, Lefebvre prope, entretanto, que se pense um continuum da cidade poli ica” (0 urbano), passando pela cidade mercantil e pela cidade industrial. A primeira passagem é marcada pela entrada da praga de mercado no interior das muralhas das cidades controladas pelos mosteiros ou ccastelos. Incentivadas pelas feiras locais e regionais (em miitiplas escalas, mesmo “internacionais”) de artigos de luxo, as elites gradativamente permitiram a entrada da burguesia nascente no espago do ica a “zona c 0 termo urbana foi resgatado apenas no século XVI em portugues, segundo Antonio Housiss (2001), para se refers @ cidade-império, particulamente no século XVII & eidade-sede do Império Britinico em construgao, segundo o Webster's Lexicon (1987), sendo que mesmo a palavra city (vinda do franescitée do Latin cvitas) se imps na lingua ingles a partir do centro financeiro de Londres, generalizando-se no periodo vitoriano em contraposigio ao eampo. Raymond Williams (1973; 1983) mostra que a palavra cin apareceu no séeulo XIII de forma paradigmiticareferindo-se a cidades| Ideas ou biblicas (em lugar de borough ou town) e qualificando representagies do poder: cidade provincial, cid. Je catedral et. Para uma breve discussio dos eonceitos de pois, civiias,e urbs ver Cardoso (1990) e Carpintcro (1998), “A hipétese, muito heterodoxa ¢ sistematicamente rejeitada, da precedéncia da cidade sobre 0 campo, fi inicimente apresentads por Jane Jacobs (1969) com base em descobertasarqueolégicas da cidade de Catal Huyuk. Hoje, a diseussio desta precedéneia vem ganhando peso com novas pesquisasarqueolégieas envolvendo, entre outas a lendria Jerie8. Ver (Soja, 2000) * Considerando as novas abordagens ctadas acima, a cidade sempre foi mais produtiva do que o campo, © que garanti de fato seu dominio, sendo que muitas vezes ela produziu seu espago rural a posteriari poder, logo deslocando a centralidade do poder dos palicios e mosteiros para a praga de mercado, consolidando a economia de mercado que teve nas cidades seu espago privilegiado’ Assim, a cidade mercantil, 0 lugar central para onde os excedentes regionais eram voluntariamente trazidos e comercializados, resulta da entrada da burguesia na cidade, e sua eventual conquista. Os burgos mercantis deram novo sentido e forga a cidade politica, transformando-a_m centro mercantil. A relag2o campo-cidade teve entéo sua primeira inflexdo, e a extrago do mais- produto nao era mais apenas possibilitada pela coergao politico-ideolégica e militar, mas também de ‘um movimento voluntério do campo em diregdo & capacidade articuladora da cidade enquanto Iécus do mercado. A inflexao do campo a cidade foi entdio marcada pela economia: a produgo do campo s6 se realizava na praga de mercado, modificando e ampliando a dominagaio da cidade sobre o campo. Cabe ressaltar também a sinergia da vida urbana na cidade mercantil, lugar central de inovagao € provimento dos bens e servigos para produgtio no campo e também espago privilegiado da vida em comunidade onde a divisto do trabalho se aprofunda através das especialidades © complementaridades que ali se desenvolvem. A CIDADE INDUSTRIAL, A RELAGAO CIDADE-CAMPO E 0 SURGIMENTO DO URBANO A segunda transformagio e efetiva passagem da cidade em diregao a0 urbano foi marcada pela entrada da industria na cidade, processo longo na histéria ocidental, como enfatiza Singer (1973). Na verdade, a urbanizagio tal como hoje a entendemos se iniciou com a cidade industrial. Até 0 surgimento da indiistria fabril e sua concentragao nas cidades e metrépoles européias, 0 processo de urbanizagao se restringia a algumas poucas cidades onde 0 poder e/ou o mercado se concentravam. Poucas eram as aglomeragdes humanas que hoje poderiam ser chamadas cidades no periodo que antecedeu a “revolugdo industrial”. A populagao vivendo em cidades nao ultrapassava 20% em quase todos os paises (Davis, 1970) ¢ a cidade significou condigo fundamental para o desenvolvimento da industria, concentrando a populagio consumidora, os trabalhadores, ¢ as condicdes gerais de produgéo’ para instalago das empresas fabris, presentes (ou criadas) apenas em algumas cidades, como até recentemente no Brasil A cidade industrial foi assim marcada pela entrada da produgio no seio do espago do poder, trazendo com ela a classe trabalhadora, 0 proletariado. A cidade passou a ndo mais apenas controlar ¢ comercializar a produgdo do campo, mas também a transformé-la ¢ a ela agregar valor em formas quantidades jamais vistas anteriormente. O campo, até entdo predominantemente isolado ¢ auto- suficiente, passou a depender da cidade para sua propria produgdo, das ferramentas e implementos aos bens de consumo de varios tipos, chegando hoje a depender da produgao urbano-industrial até para alimentos e bens de consumo bisico. Para Lefébvre (1999), essa inflexdo significa a subordinagao total do campo a cidade. Lewis Mumford (1965)descreve com bilhantismo a passagem da praga de mercado & economia de mereado, nose Famoso livro Cidade na Histéria, ° As condides gerais da produgdo, um conceito marxista resgatado por téricos urbanos neo-marvstas (Lojkine, 1981; Topalov, 1979), incluem: provsio pelo Estado do aparat legal que garanta as relagdes de propriedade privada e livre irculagdo de mercadorias (ncluindo terra e forga trabalho), servigns de transporte © comunicages, © a proviSio da inffae «satura bisie esevigos para o capital industria e nance, assim como para a reproduc da forg de taba, Na cidade industrial, hé também uma transformacao radical. A indistria impde & logica centrada na produgo € 0 espaco da cidade organizado como Iécus privilegiado do excedente lade sua econdmico, do poder politico e da festa cultural, legitimado como obra e regido pelo valor de uso coletivo, passa a ser privatizado e subordinado a0 valor de troca. Segundo Lefebvre, a cidade se transforma também em produto indust © espago privilegiado da reprodugfo da sociedade fica, entio, subordinado a légica do industrialismo” € as necessidades indistria e como tal, devendo reunir as condigdes de produgao necessrias. Entre essas, com destaque, estd a reprodugdo coletiva da forga de trabalho, sintetizada pela habitagdo e demandas complementares*. O espaco urbanizado passa entdo a se constituir em fungdo das demandas colocadas ao Estado tanto no sentido de atender & produgdo industrial quanto, ¢ particularmente, as necessidade da reprodugdo coletiva da forga de trabalho. As grandes cidaes industriais se estendem entao sobre suas periferias de modo a acomodar as indtstrias, seus provedores e trabalhadores, gerando amplas regides urbanizadas no seu entorno: regides metropolitanas. I, seguindo as mesmas leis econdmicas que regem a produgdo. A cidade, no entanto, locus da triade do excedente coletivo, do poder politico e da festa nfo poderia desaparecer, pois representa ¢ sintetiza a sociedade que a gerou. Lefebvre (1999) descreve ‘entio, metaforicamente, o que the acontece: a cidade industrial sofre um duplo processo, de implasdo € explosdo. A implosdo se dé na cidadela sobre si mesma, sobre a centralidade do excedente/poder/festa que se adensa e reativa os simbolos da cidade ameagada pela logica (capitalista) industrial”. A explosdo se dé sobre 0 espago circundante, com a extensio do tecido urbano, forma e processo sécio-espacial que cartega consigo as condigdes de produgdo antes restritas as cidades estendendo-as ao espago regional imediato e, eventualmente, a0 campo longinquo conforme as demandas da produgdo (e reprodugio col processo de expansio do fendmeno urbano que resulta da cidade sobre o campo e, virtualmente, sole ) assim 0 exijam. O tecido urbano sintetiza, assim, 0 ‘© espaco regional e nacional como um todo. A URBANIZACAO CONTEMPORANEA: SEU CARATER EXTENSIVO E OUTRAS IMPLICAGOES, que é, entio, o urbano no mundo contempordneo, esse “tecido” que nasce nas cidades e se estende para além delas, sobre o campo e as regiGes? O urbano, entendido desta forma, é uma sintese da antiga dicotomia cidade-campo, um terceiro elemento na oposigaio dialética cidade-campo, a manifestago material e sécio-espacial da sociedade urbano-industrial contemporinea estendida, Virtualmente, por todo 0 espago social. Lefebvre (1999) usa a expresso sociedade urbana como sintese dialética (¢ virtual) da dicotomia cidade-campo, superada na etapa contemporiinea do capitalismo que ele alcunha sociedade burocrdtica de consumo dirigido (Lefebvre, 1991), © urbano, * Manuel Castells (1983) desenvolveu uma influenteabordagem de inspiraglo neo-marxista onde defini a especificidade do espago urtano dentro do sistema econdmico capitalsta como o locus privilegiado da reprodugdo da forga de trabalho, tomada possivel pela concentrayto dos meios de consumo coletivo, Castells sofreu diversas critcas, de Lajkine (1981), Topalov (1979) e outros autores, que chamaram a atenglo para 0 fato de que a fungto do urbano no sistema capitalsta twanscendia a reprodugdo da forga de trabalho, constituindo-se também em cus privlegiado das jéreferidas condigses _gerais da produsdo. * Isto explica em pare, no atual processo de industilizagdo, a énfase na “revitalizaglo de reas centras”,espagos simbeicos ‘do poder politic eresgate de valor de uso das elites, mais ou menos estendidos an conjunto ds populagio ‘ou 0 espago urbano-industrial contempordneo, metifora para o espago social (re)definido pela urbanizagao, se estende virtualmente por todo 0 territério através do recido urbano, essa forma sécio- espacial herdeira e legatéria da cidade que caracteriza o fendmeno urbano contemporineo © a sociedade urbana. “O tecido urbano prolifera, estende-se, corrdi os residuos de vida agréria. Estas palavras, ‘o tecido urbano’, nao designam, de maneira restrita, o dominio edificado nas cidades, mas 0 conjunto das manifestacdes do predominio da cidade sobre o campo. Nessa acepeao, wna segunda residéncia, uma rodovia, um supermercado em pleno campo, fazem parte do tecido urbano.” (Lefebvre, 1999: 17) No entanto, a cidade industrial que transbordou sobre as regides circundantes deu origem a uma nova forma de urbanizagio que ao mesmo tempo estendeu e integrou também a praxis s6o- Politica e espacial prépria do espago urbano-industrial (a qual Lefebvre chamou praxis urbana) a0 espago social como um todo. A medida que o tecido urbano se estendeu sobre o territério, levou com ele os germes da polis, da civitas, da praxis politica urbana que era propria e restrita a0 espago da cidade. A luta politica pelo controle dos meios coletivos de reprodugao que caracterizam a cidadania ‘contempordnea e 0s movimentos sociais urbanos que emergiram nos anos setenta mostraram que a luta Pela cidadania estava latente nas cidades e nas dreas urbanas. A década de oitenta, no entanto, mostrou esses movimentos haviam se estendido para além desses limites, atingindo todo 0 espago social. Os ‘movimentos sociais perderam sua adjetivacdo de urbanos na medida em que passaram a abranger populages rurais e tradicionais, como indios, seringueiros, trabalhadores sem terra, entre outras. Assim, @ questio urbana havia se transformado na questo espacial em si mesma e a urbanizagdo passou a constituir uma metéfora para a produgao do espaco social contemporineo como um todo, cobrindo potencialmente todo o territério nacional em bases urbano-industriais. Por outro lado, a politizagao prépria do espago urbano agora estendida ao espaco regional reforga preocupagdes com a qualidade da vida quotidiana, 0 meio ambiente, enfim, a reprodugao ampliada da vida. O industrial passou a ser, pelo menos virtualmente, submetido a limitagdes do urbano e por exigéncias da reprodugiio, Nesse contexto, a re-politizagao da vida urbana torna-se a re-politizagao do espago social: ‘A problemaitica do espago, a qual subsume os problemas da esfera urbana (a cidade e suas s) e da vida cotidiana (consumo dirigido) deslocou a problemtica da industrializagdo”. (Lefebvre, 1991:89). Tenho chamado de urbanizaedo extensiva"® esta materializagao sécio-temporal dos processos de produgio ¢ reprodusto resultantes do confronto do industrial com o urbano, acrescida das questées s6cio-politicas € cultural intrinsecas & polis ¢ A civitas que t8m sido estendidas para além das aglomeragdes urbanas ao espago social como um todo. E essa espacialidade social resultante do fencontro explosive da indistria com a cidade—o urbano—que se estende com as relagdes de Produgtio (¢ sua reprodugao) por todo o espago onde as condigdes gerais de produsio (e consumo) "0 termo urbanizaedo extensiva, apesar de sua inspragao claramente lefebvriana ao pretender resgataraspectos centr do pensamento de Lefebvre sobre o fendmeno urbano, mais particularmente aliando 4 dimensdo sBcio-espacial o elemento Politico implicito na praxis urbana, ¢ de mina total responsabilidade e no foi utilizado por Lefebvre. Para otras efiniges do temo, ver (Monte-Mér, 1994; 1997; 2003) determinadas pelo capitalismo industrial de Estado se impdem a sociedade burocratica de consumo dirigido carregando, no seu bojo, a reagao e organizagao politicas que so proprias da cidade. Essa é a realidade—a sociedade urbana—que se impde hoje como virtualidade e objetividade no Brasil, cconstituindo-se em condigao para a compreensio do espaco social contemporaneo.. A URBANIZACAO EXTENSIVA NO BRASIL CONTEMPORANEO'! Diante do quadro exposto jé se pode falar de uma sociedade virtualmente urbana no Brasil. A urbanizagdo brasileira se intensificou na segunda metade do século XX, quando o capitalismo industrial ganhou momento no pafs e dinamizou a economia a partir da consolidagio das grandes cidades industria, particularmente Sao Paulo, o grande pélo industrial do Brasil. A transformago de ‘uma economia agro-exportadora em uma economia centrada na substituigo de importagdes para 0 mercado interno redefiniu a cidade industrial como polo de dinamizagao e de transformagdes seletivas no espago e na sociedade brasileiras. A cidade industrial surgiu no Brasil a partir de duas vertentes principais, nao necessariamente excludentes entre si: a primeira, a transformagao da cidade politica, tradicional sede do aparelho burocritico de Estado e espago de comando das oligarquias rurais ligadas 4 economia agro- exportadora, em cidade mercantil, marcada pela presenga do capital exportador e/ou concentrago de comércio e servigos centrais de apoio as atividades produtivas rurais em centro de produgo industrial; a segunda, a criagdo e/ou captura de pequenas cidades como espagos de produgao mono-industrial por Brandes indistrias. Apenas essas cidades industria, grandes, médias ou pequenas (mono-industriais) reuniam as condigdes exigidas pelo capitalismo industrial, onde o Estado regulava as relagdes entre capital ¢ trabalho, fazia investimentos em infra-estrutura, garantia os meios de consumo coletivo, cenfim, criava as condigdes gerais de producdo para a indistria. Essas condigdes de produgdo estavam restritas a0 que Milton Santos (1994) chamou arguipélago urbano, evidenciando 0 cariter fragmentério ¢ desarticulado da sociedade urbana brasileira. Nesse contexto, a cidade industrial ra pega central da dinmica capitalista articulando-se com cidades comerciais e centros urbanos que canalizavam a produgdo para sua érea de influéncia e controle, Era também nessas cidades, e apenas nelas, que se concentravam as possibilidades de acesso as facitidades da vida moderna, a cidadania, & urbanidade e & modernidade. © ‘tecido urbano, no Brasil, teve sua origem na politica territorial ao mesmo tempo concentradora e integradora dos governos militares em seqiiéncia & centralizagdo e expansionismo do periodo Vargas ¢ as agdes de interiorizagao do desenvolvimento do periodo Juscelinista. O velho bindmio “Energia e Transporte” transformou-se nos anos 70 em investimentos em infra-cstrutura (rodovias, hidrelétricas), comunicagdes, servigos financeitos, entre outros. Os capitais intemnacionais ‘que demandaram o Brasil associaram-se a construgto civil, ao latifiindio subsidiado e agro-empresa, que constitufam alguns dos acordos das elites econdmicas nacionais e regionais para apoio a0 militarismo (inter)nacional. Através do tecido urbano estenderam-se o (aparato do) Estado, a legislagto (trabalhista e previdenciaria), redes de comunicagdes, servigos urbanos e sociais (producto € consumo), potencialmente por todo o pais, dos centros dindmicos as fronteiras de recursos naturais " Partes do texo nese item foram apresentadas em um capitulo de lv ititulado Urbanizagdo e Modernidade na Amazénia Contempordinea (Monte-Mér, 2004), A partir dos anos setenta, a urbanizacao se estendeu virtualmente ao territério nacional integrando os diversos espagos regionais a centralidade urbano-industrial que emanava de So Paulo, desdobrando-se na rede de metrépoles regionais, cidades médias, nicleos urbanos afetados por grandes projetos industriais e atingindo, finalmente, as pequenas cidades nas diversas regides, em particular onde o processo de modemizagao garihou uma dindmica mais intensa ¢ extensa. “Jd ndio hé ‘mais problema agrério, agora se trata do problema urbano em escala nacional”, dizia de forma quase panfletéria 0 economista e socidlogo Francisco de Oliveira na SBPC de 1978 em seu texto conhecido como “o Ovo de Colombo da urbanizagdo brasileira” (Oliveira, 1978: 74). De fato, a0 final daquela década, as relagdes capitalistas virtualmente jé haviam sido estendidas a todo 0 espago nacional, E a essa urbanizagdo que ocorreu para além das cidades e éreas urbanizadas, e que carregou com ela as condigdes urbano-industriais de produgdo (e reprodugo) como também a praxis urbana e 0 sentido de modemidade e cidadania, que tenho chamado urbanizagdo extensiva. A urbanizagio extensiva atingiu nos tltimos 30 anos praticamente todo o pais: estendeu-se a partir das regides ‘metropolitanas articulando-se aos centros industriais, 4s fontes de matérias primas, seguindo a inf:a- estrutura de transportes, energia e comunicagdes, criando e estendendo as condigdes de produgfio ¢ os rmeios de consumo coletivo necessarios ao consumo da produgao industrial fordista que se implantava no pais a partir do “milagre brasileiro”. Ao final do século XX, 0 urbano se fazia entéo presente em todo 0 territério nacional, com destaque para a fronteira amaz6nica e do centro-oeste onde a producdio do espago jé se dava a partir de uma base urbano-industrial que emanava dos centros metropolitanos e de seus desdobramentos sobre as regides agrarias articuladas a base agro-industrial do pais. E neste sentido amplo que se pode falar de uma urbanizagao extensiva que se impée no espago brasileiro para muito além das cidades, integrando espagos rurais e regionais ao espago urbano- industrial através da expansao da base material requerida pela sociedade e economia contemporéineas & das relagdes de produgdio que sao (ou devem ser) reproduzidas pela propria produgao do espago. Neste contexto multipticam-se as fronteiras (urbanas), tanto internamente ¢ nas franjas das aglomeragdes industrial dominante. A quanto nos espagos regionais e rurais incorporados & légica urbant urbanizagdo extensiva caminha assim ao longo dos eixos vidrios e redes de comunicagao e de servigos em regides "novas" como a Amaznia ¢ 0 Centro-Oeste, mas também em regides "velhas", como 0 Nordeste, em espagos residuais das regides mais desenvolvidas, nas "ilhas de ruralidade" no interior mineiro ou paulista, Em toda parte, a légica urbano-industrial se impde a0 espago social ‘contemporaneo, no urbano dos nossos dias. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS CARDOSO, C. F. $. (1990). 4 eidade-estado antiga, $0 Paulo: Editora Atica, CARPINTERO, A. C. C. (1998). Brasilia: prética e teoria urbanistica no Brasil, 1956-1998. Unpublished Doutorado, Universidade de So Paulo, So Paulo, CASTELLS, M. (1983). Questo Urbana. (A. Caetano, Trans. Vol. 48). Rio de Janeiro: Paz e Terra DAVIS, K. (1970). Cidades: a wrbanizagiio da humanidade. Rio de Janeiro: Zahar. ERICSON, C. L. (2001). Pre-Columbian Roads of the Amazon. 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