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118 NINHO CHEIO: UMA NOVA ETAPA DO CICLO VITAL FAMILIAR? ‘Ana Caroline Sari Vieira acids Itegradas de Taguara~FACCAT - Brasil Paula Grazziotin Silveira Rava Foculdades iegreda de Taquara ~PACCAT - Basi + Resumo © objetivo desse artigo é indicar aspectos que configuram 0 processo de permanéncia do filho adulto jover no lar parental, especificamente no que diz, respeito a relago com sua familia de origem. Esse estudo foi desenvolvido a partir da revisdo de alguns autores a luz da abordagem ecolégico-sistémica. A questo da safda do adulto jovem da casa dos pais, momento crucial no desenvolvimento individual © familiar, vem sofrendo alteragdes pois observamos que atualmente esté ocorrendo, em larga escala o fendmeno inverso, ou seja, a Permanéncia do adulto jovem por mais tempo na casa dos pais. Observamos, hoje, uma Yariago na fase do ninho vazio, em que os pais costumavam ficar sozinhos no lar, para 0 “ninho cheio", em que a familia permanece toda residindo conjuntamente, Palavras-chave: Adulto Jovem, ciclo vital familiar, ninho cheio. Introdugio Vivem debaixo da saia da mamée? Sio uns boas-vidas? Questionamentos como esses tém sido feitos por aqueles que atentam para um fendmeno cada vez mais frequente em nossa Sociedade: os filhos que, apesar de aptos para uma vida independente, optam por continuar vivendo na casa dos pais. Vivemos numa sociedade em crise onde valores ¢ ideologias presentes em nosso Cotidiano tém sido questionados constantemente. Essas mudangas sio observaveis_ em diversas instituigdes, sendo a familia uma delas. A partir dessa perspectiva, pode-se constatar ue 0 ciclo evolutivo da familia brasileira vem sofrendo alteragdes ¢ que essas, por sua vez, refletem as aceleradas modificagSes na estrutura e na configurago familiar na atualidade. Dentre elas, podemos observar indices menores de natalidade, uma expectativa de vida mais longa, um aumento no mimero de divércios e recasamentos, além da diferenciagiio nos Barbaréi. Santa Cruz do Sul, n. 33, ago./dez. 2010. 19 Papéis de género. Desse modo, o ciclo vital familiar correspondente as geragies assadas Recessita de novas leituras e adaptagdes em algumas de suas fases (CARTER: MCGOLDRICK, 1995; CERVENY; BERTHOUD, 1997). © estégio do ciclo vital familiar, denominado “langamento dos filhos” (CARTER; MCGOLDRICK, 1995), também conhecido por “ninho vazio”, inicia-se com a safda do Primeiro filho da casa dos pais e estende-se até a partda do itimo, Essa etapa é geralmente ‘associada a um perfodo de depressao e solidio, principalmente para as mies Botretanto, atualmente, percebe-se uma profunda transformagio nessa fase, pois para ‘muitas Famflias 0s filhos adultos permanecem morando em casa. As mudangas no ciclo de vida familiar estio eada vez mais evidentes, pois: a casa dos pais de meia idade jé nao esta ‘mais ficando tio vazia como antigamente. Em outros tempos, os jovens aos 18 anos jétinham antonomia e independéncia em muitas éreas de suas vidas, ¢ almejavam a liberdade, mas esse ‘ese $6 era realizado através da saida da casa parental (NASCIMENTO, 2006; OLIVEIRA, 2007). Todavia, atualmente, os filhos adultos frequentemente permanecem em casa ¢ a convivéncia familiar parental esté se prolongando. Sendo assim, Cerveny e Berthoud, (1997) apontam que 81% das familias paulistanas possuem pelo menos um filho adulto jovem em casa. E, ainda, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE) informa que atualmente mais de oito milhoes de pessoas entre 25 ¢ 40 anos moram na casa parental (OLIVEIRA, 2009). Este fen6meno também ‘ocorre em outros pafses. Veiga (1998) aponta que este comportamento também ocorre nos pafses da Europa, como a Espanha, onde 60% das pessoas Centre 25 ¢ 30 anos moram com 0s pais e apenas um em cada cinco adolescentes faz questo de morar sozinho, pois a maioria (54%) no deseja sair da casa dos pais. Corroborando esses dados, Féres-Cameiro, Henriques e Jablonski (2004) apontam que este comportamento também ocorre em pafses como Itilia, Franca, Portugal e Estados Unidos. Portanto, esses dados confirmam a importancia do estudo, haja vista a gama de pessoas que se encontram nessa faixa etéria, 47.939.723 milhdes de brasileiros, de acordo com o Instituto Pesquisa Econémica Aplicada (CAMARANO; KANSO; MELLO, 2006). Ainda pouco estudada, a fase do ninho cheio compreende 0 proceso de permanéncia dos adultos jovens na residéncia de sua familia de origem. Dessa forma, o presente artigo pretende realizar uma revisio de literatura sobre 0 tema, enfocando-se os seguintes aspectos conforme as sessOes que virio a seguir: A delimitacdo da faixa etdria e as diversas nomenclaturas do Barbaréi. Santa Cruz do Sul, n. 33, ago./dlee. 2010, 120 fenomeno; A familia ontem e hoje; A convivéncia familiar prolongada eo mundo do trabalho: ‘A compreensio do fendmeno a partir do marco ecolégico de Urie Bronfenbrenner: ¢ Aspectos facititadores e dficultadores da permanéncia do adulto jovem no lar parental. A delimitagao da faixa etéria e as diversas nomenclaturas do fenémeno Considera-se importante, para a compreensio da permanéncia dos filhos adultos na casa dos pais, 0 conhecimento das possiveis delimitagoes da faixa etéria em que ocorre a ‘ransi¢o da adolescéncia para a vida adulta. Observa-se aqui que os institutos nacionais ¢ imemacionais, os pesquisadores ¢ a populagio, de certa forma, néo utilizam as mesmas demarcagées para o inicio e 0 fim da adolescéncia. O presente fendmeno pode estar situado tanto na faixa do ciclo vital que compreende a adolescéncia, como na faixa do adulto jovem, dependendo da corrente tedrica de cada Pesquisador, pois no ha consenso na literatura referente ao inicio e 4 durag%o da juventude de modo geral. Para Erikson (1998), a adolescéncia compreende o perfodo dos 12 aos 20 anos eo ‘adulto jovem dos 20 aos 35 anos. As pesquisadoras, Infante-Espinola, Maddaleno e Morelo (2003) delimitam essas fases do ciclo vital da seguinte maneira: a adolescéncia é a faixa etéria entre 10 € 19 anos ¢ a juventude compreende a faixa entre 15 e 24 anos, Todavia, o Estatuto da Crianga e do Adolescente (ECA), segundo a Lei n° 8.069/1990, artigo segundo, indica que adolescentes sto 0s individuos entre 05 12 ¢ 18 anos (BRASIL, 2005). E, ainda, a Fundacio Norte Americana MacArthur aponta na pesquisa Transigdo para Idade Adulta que 0 ciclo do adulto jovem tem fim aos 34 anos (OUTEIRAL, 2008). Entretanto, existem outras manciras de se delimitar este fendmeno. Oliveira (2007) e Nascimento (2006) compreendem que a adolescéncia nio é uma fase natural do desenvolvimento humano, mas sim uma criago cultural. Sendo assim, esta etapa pode ser compreendida de diversas formas dependendo da cultura e da época em que est inserida. Sob ‘essa perspectiva, Calligaris (2000) afirma que a adolescéncia é produto da cultura moderna, sendo uma invengio da sociedade ¢ do marketing. Atualmente, observa-se uma tendéncia a0 Prolongamento desta fase, tomando complexo determinar uma idade para o final da adolescéncia (ABERASTURY; KNOBEL, 1981; ABRANTES; GUERREIRO, 2005). Sendo assim, quaisquer que sejam as delimitag6es, elas sfo arbitrérias ¢ tentar fixar a delimitago Barbar6i. Santa Cruz do Sul, n. 33, ago,/dez. 2010. 121 ctdria dos adolescentes em um tinico periodo 6 desrespeitar a heterogencidade desses grupos (CAMARANO; KANSO; MELLO; PASINATO, 2004). © comportamento dos adultos jovens de prolongarem a convivéncia familiar, atualmente, possui diversas nomenclaturas ¢ isso pode variar de acordo com a cultura e 0 pats Pesquisado e, para demonstrar essa variedade, foi realizada uma pesquisa bibliogréfica sobre 8 varias terminologias desse recente fendmeno. A terminologia utilizada na pesquisa relaciona-se ao_antag6nico ninho vazio, terminologia utilizada por Carter ¢ McGoldrick, (1995), € denominagao também utilizada pelas pesquisadoras Silveira e Wagner (2006) Ainda Féres-Cameiro, Henriques e Jablonski (2004) observam que 0 neologismo “adultescente” foi criado a partir das palavras inglesas “adult” e “adolescent”, unindo uma etapa evolutiva & outra que, na Italia, séo chamadas de “aging bambini". Nessa mesma Corrente, Outeiral (2008) nomeou adultescer com o processo de tomar-se adulto. Uma tiltima ‘erminologia € geragfo-canguru. © nome faz uma correlaglo com 0 mamifero marsupial Conhecido genericamente como canguru, que carrega seus filhotes no interior de uma bolsa na barriga da mie. Esta nomenclatura € utlizada por Féres-Cameiro, Henriques e Jablonski (2004), Assim, as diversas formas de denominagdes do fendmeno indicam sua crescente importancia no mundo atual, e a partir dessas nomeagbes, optou-se por ninho cheio como ‘nomenclatura escolhida para o artigo em questdo. A familia ontem e hoje Historicamente o conceito de familia esteve associado ao aspecto de linhagem, pois cla confundia-se com a sociedade como um todo. Com o passar dos anos, ela afastou-se cada ver mais desse conceito de linhagem, de feudalismo, ¢ comegou a moldar-se no modelo ‘burgués nuclear - pai, mae e filhos (ARIES, 1986). Ao longo dos anos, a familia foi dividida em tipos e subtipos. Bach (1983) apontou diferentes tipos e subtipos de familia. Para esse autor existia a famflia parental onde a Procriagao ¢ a educacio eram 0 eixo fundamental e essa compreendia a familia patriarcal ¢ a familia doméstica. J¢ a familia conjugal era aquela em que a moral encontrava-se nas relagées entre 0 marido e a mulher e englobava a familia nuclear, A famflia esté atrelada ao processo dinmico da hist6ria e softe modificagées, pois sua cstruturacao est intimamente vinculada com o momento hist6rico em que atravessa a Barbaréi. Santa Cruz do Sul, n. 33, ago./dee. 2010. 134 MADEIRA, Felicia Reicher. Educagio ¢ desigualdade no tempo de juventude. In: GAMARANO, Ana Amélia. (Org). Transigdo para vida adulta ow vista adulng on Transi¢do? Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econdmica Aplicada, 2006, p. 139-169. NASCIMENTO, Artindo Mello. Transi¢do para a Vida Adulta: Situagao dos filhos adultos brasileiros no perfodo 1970-2000, 243f. 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Santa Cruz do Sul, n. 33, ago./dez. 2010.

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