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Série de Robert C. Martin ~~ Codigo Limpo Habilidades Praticas do Agile Software Prefacio Um de nossos doces favoritos aqui na Dinamarca é 0 Ga-Jol, cujos fortes vapores de licorice s4o um complemento perfeito para nosso clima timido e, geralmente, frio, Parte do charme do Ga-Jol, para nos dinamarqueses, séo os dizeres sabios impressos em cada caixa. Comprei dois pacotes dessa iguaria essa manhi e nela veio este antigo ditado dinamarqués: Erlighed i sma ting er ikke nogen lille ting. “Honestidade em pequenas coisas no é uma coisa pequena”. Era um bom pressagio para com 0 que eu ja descjava dizer aqui. Pequenas coisas so importantes. Este ¢ um livro sobre preocupagdes modestas cujos valores esto longe de ser pequenos. Deus est nos detalhes, disse o arquiteto Ludwig Mies van der Rohe. Essa citag%o retoma, argumentos com contemporancos sobre o papel da arquitctura no desenvolvimento de software, especialmente no mundo Agile. Bob ¢ eu, as vezes, acabavamos engajados entusiasmadamente debatendo sobre este assunto. E sim, Mies van der Rohe atentava para os utilitarios ¢ as formas imemoriais de construgdo que fundamentam uma étima arquitetura. Por outro lado, cle também selecionava pessoalmente cada maganeta para cada casa que ele projetava. Por qué? Por que pequenas coisas sdo importantes. Em nosso “debate” sobre Desenvolvimento dirigido a testes (TDD, sigla em inglés), Bob € eu descobrimos que concordamos que a arquitetura do software possuir um lugar importante no desenvolvimento, embora provavelmente tenhamos perspectivas diferentes do significado exato disso. Essas diferengas so relativamente irrelevantes contudo, pois podemos admitir que profissionais responsaveis dedicam algum tempo para pensar ¢ planejar o inicio de um projeto. As nogées de desenvolvimento dirigido apenas por testes ¢ por cOdigos do final da década de 1990 ja nao existem mais. Mesmo assim, a atengao aos detalhes é um fundamento de profissionalismo ‘ainda mais critico do que qualquer visio maior. Primeiro, € por meio da pratica em pequenos trabalhos que profissionais adquirem proficiéncia e confianga para se aventurar nos maiores. Segundo, a menor parte de uma construgao desleixada, a porta que nao fecha direito ou o azulejo levemente torto do chao, ou mesmo uma mesa desarrumada, retiram completamente o charme do todo. E sobre isso que se trata 0 cédigo limpo. Ainda assim, a arquitetura é apenas uma metéfora para o desenvolvimento de software, especialmente para a parte que entrega o produto inicial no mesmo sentido que um arquiteto entrega uma construgio imaculada, Nessa época do Scrum e do Agile, o foco esta em colocar 0 produto rapidamente no mercado. Desejamos que a indistria funcione em velocidade maxima na producao de software. Essas fabricas humanas: programadores que pensam ¢ sentem que trabalham a partir das pendéncias de um produto ou do user story para criar o produto, A metdfora da fabricago estd mais forte do que nunca no pensamento. Os aspectos da produg&o da manufatura japonesa de automéveis, de um mundo voltado para a linha de montagem, inspiraram grande parte do Scrum. Ainda assim, mesmo na indistria automobilistica, a maior parte do trabalho nao esta na fabricag&o, mas na manuten¢&o — ou na prevengdo. Em software, 80% ou mais do que fazemos é chamado de “manutengao”: 0 ato de reparar. Em vez de abragar o tipico foco ocidental sobre a produgdo de bons softwares, deveriamos pensar mais como um pedreiro que conserta casas na industria de construgdo, ou um mec4nico de automéveis na area automotiva. O que 0 gerenciamento japonés tem a dizer sobre isso? Por volta de 1951, uma abordagem qualitativa chamada Manutengao Produtiva Total (TPM) surgiu no cenario japonés. Seu foco era na manutenc&o em vez da produgao. Um dos maiores fundamentos da TPM €0 conjunto dos chamados 5S principios. 5S ¢€ uma série de disciplinas—uso aqui o termo “disciplina” para fins educativos, Os 5S principios, na verdade, sao os fundamentos do Lean — outro jargao no cenério ocidental, e cada vez mais conhecida no mundo dos softwares. Esses prineipios nao s’o uma op¢&o. Assim como Uncle Bob diz em suas preliminares, a pratica de um bom software requer tal disciplina: foco, presenga de espirito c pensamento. Nem sempre é sobre fazer, sobre pressionar os equipamentos da fabrica para produzir em velocidade maxima. A filosofia dos 5S inclui os seguintes conceitos: Seiri, ou organizacao (pense em “ordenar”). Saber onde esto as coisas — usar abordagens como nomes adequados — é crucial. Acha que dar nome a identificadores nao ¢ importante? Leia proximos capitulos. Seiton, ou arrumacdo (pense em “sistematizar”). Ha um antigo ditado americano que diz: “Um lugar para tudo, ¢ tudo em scu lugar”. Um pedago de cédigo deve estar onde voeé espera encontra-lo — caso ndo esteja, refatore ¢ o coloque la. Seiso, ou limpeza (pensem em “polir”): manter 0 local de trabalho livre de fios pendurados, gordura, migalhas ¢ lixo. O que os autores falam aqui sobre encher seu cédigo com comentarios ¢ linhas de cédigos como comentarios que informa o passado ou os desejos para o futuro? Livre- se deles. Seiketsu, ou padronizago: a equipe concorda em manter o local de trabalho limpo. Vocé acha que este livro fala algo sobre ter um estilo de programagao consistente e uma série de priticas dentro da equipe? De onde vém tais padrdes? Continue a leitura. ‘Shutsuke, ou disciplina (autodisciplina). Isso significa ter disciplina para seguir as praticas e refletir frequentemente isso no trabalho e estar disposto a mudar. Se aceitar 0 desafio — isso, 0 desafio — de ler e aplicar 0 que é aconselhado neste livro. yocé entendera e apreciard o ultimo item. Aqui estamos finalmente indo em direcao as raizes do profissionalismo responsavel numa profisso que deve se preocupar com o ciclo de vida de um produto. Conforme facamos a manutencao de automdveis e outras maquinas na TPM, a manutengdo corretiva — esperar que bugs aparegam — ¢ a excegao. Em vez disso, subimos um nivel: inspecionamos as méquinas todos os dias e consertamos as partes desgastadas antes de quebrarem, ou percorremos o equivalente aos famosos 16km antes da primeira troca de 6leo para testar 0 desgaste. No cédigo, a refatoragdo é impiedosa. Vocé ainda pode melhorar um nivel a mais com o advento do movimento da TPM ha 50 anos; construa maquinas que sejam passiveis de manutengio. Tornar seu cédigo legivel € téo importante quanto torna-lo executavel. A iltima pratica, adicionada 4 TPM em torno de 1960, é focar na incluso de maquinas inteiramente novas ou substituir as antigas. Como nos adverte Fred Brooks, proyavelmente devemos refazer partes principais do software a partir do zero a cada sete anos ou entao se livrar dos entulhos. Talvez devéssemos atualizar a constante de tempo de Fred para semanas, dias ou horas, em vez de anos. E ai onde ficam os detalhes. HA um grande poder nos detalhes, mesmo assim existe algo simples ¢ profundo sobre essa abordagem para a vida, como talvez esperemos de qualquer abordagem que afirme ter origem Japonesa. Mas essa nao é apenas uma visio ocidental de mundo sobre a vida; a sabedoria de ingleses e americanos também est cheia dessas adverténcias. A citag3o de Seiton mais acima veio da ponta da caneta de um ministro em Ohio que visualizou literalmente a organizagéo “como um remédio para todos os niveis de mal”. E Seiso? Deus ama a limpeza. Por mais bonita que uma casa seja, uma mesa desarrumada retira seu esplendor. E Shutsuke nessas pequenas questdes? Quem € fiel n0 pouco também € no muito, E que tal ficar ansioso para refatorar na hora certa, fortalecendo sua posigao para as “grandes” decisdes subsequentes, em vez de descarté-las? Um homem prevenido vale por dois. Deus ajuda a quem cedo madruga. Nao deixe para amanhf o que se pode fazer hoje. (Esse era o sentido original da frase “o ultimo momento de responsabilidade”, em Lean, até cair nas maos dos consultores de software). E que tal aplicar local de esforgos pequenos e individuais num grande todo? De grao em grio a galinha enche o papo. Ou que tal integrar um trabalho de prevencao no dia a dia? Antes prevenir do que remediat. O cédigo limpo honra as profundas raizes do conhecimento sob nossa cultura mais ampla, ou como ela fora um dia, ou deve ser, € podera vir a ser com a atengao correta aos detalhes, Mesmo na grande literatura na area de arquitetura encontramos visOes que remetem a esses supostos detalhes. Pense nas macanetas de Mies van der Rohe. Aquilo é seiri. E ficar atento a cada nome de varidvel. Deve-se escolher 0 nome de uma varidvel com cuidado, como se fosse eu primeiro filho. Como todo proprietério de uma casa sabe, tal cuidado e constante refinamento jamais acaba, O arquiteto Christopher Alexander — pai dos padrdes ¢ das linguagens de padrdes ~ enxerga cada o proprio design como um conserto pequeno e local. E ele enxerga a habilidade de uma boa estrutura como 0 Unico objetivo do arquiteto; pode-se deixar as formas maiores para os padrdes: © seus aplicativos para os moradores. O design é constante nao sé ao adicionarmos um novo cémodo a uma casa, mas ao nos atentarmos a repintura, a substituigao de carpetes gastos ou a melhoria da pia da cozinha. A maioria das artes reflete relacdes andlogas. Em nossa busca por outras pessoas que dizem que a casa de Deus foi feita nos minimos detalhes, encontramo-nos em boa companhia do autor francés Gustav Flaubert, do século XIX. O poeta francés Paul Valery nos informa que um poema nunca fica pronto e requer trabalho continuo, e parar de trabalhar nele seria abandona-lo. Tal preocupagao com os detalhes é comum a todos os encargos de exceléncia. Portanto, talvez haja pouca coisa nova aqui, mas ao ler este livro voeé serd desafiado a retomar a disciplina que vocé ha muito largou para a apatia ou um desejo pela espontaneidade ¢ apenas “respondia 4s mudangas”. Infelizmente, nfio costumamos enxergar essas questdes como pegas fundamentais da arte de programar. Abandonamos nosso cédigo antecipadamente, ndo porque ele ja esteja pronto, mas porque nosso sistema de valores se foca mais na aparéncia externa do que no contetido que entregamos. No final, essa falta de ateng%o nos custa: Dinheiro ruim sempre reaparece. Pesquisas, nem no mercado ¢ nem nas universidades, sAo humildes o bastante para se rebaixar ¢ manter 0 codigo limpo. Na época em que trabalhei na empresa Bell Labs Software Production Research (produgao, de fato!), ao ficarmos mexendo aqui e ali, nos deparamos com descobertas que sugeriam que 0 estilo consistente de endentacdo era um dos indicadores mais significantes estatisticamente da baixa incidéncia de bugs. Queriamos que a qualidade fosse produzida por essa ou aquela estrutura ou linguagem de programagio ou outra nogao de alto nivel; conforme as pessoas cujo suposto profissionalismo se di ao dominio de ferramentas e métodos de design grandioso, sentimo-nos ofendidos pelo valor que aquelas maquinas de fabricas, os codificadores, recebem devido a simples aplicagio consistente em um estilo de endentagao. Para citar meu préprio livro de 17 anos atras, tal estilo faz.a distingao entre exceléncia e mera competéncia. A visto de mundo japonesa entende o valor crucial do trabalhador diario e, além do mais, dos sistemas de desenvolvimento voltados para as aces simples c diarias desses trabalhadores. A qualidade € 0 resultado de um milhao de atos altruistas de importar-se — nao apenas um grande método qualquer que desga dos céus. Nao € porque esses atos sdo simples que eles sejam simplistas, « muito menos que sejam faccis. Eles so, ndo obstante, a fabrica de magnitude ¢. também, de beleza em qualquer esforyo humano. Ignord-los é nao ser ainda completamente humano. E claro que ainda defendo 0 conceito de um escopo mais amplo, e, especialmente, 0 do valor de abordagens arquiteténicas arraigadas profundamente no conhecimento do dominio ¢ de usabilidade do software. Este livro nao 6 sobre isso — ou, pelo menos, nao de modo direto. Mas ele passa uma mensagem mais sutil cuja esséncia nado deve ser subestimada. Ele se encaixa 4 maxima atual das pessoas que realmente se preocupam com o cédigo, como Peter Sommerlad, Kevlin Henney e Giovanni. “O cédigo 0 projeto” e “Cédigo simples” sao seus mantras. Enquanto devamos tentar nos lembrar de que a interface ¢ o programa, ¢ que suas estruturas dizem bastante sobre a estrutura de nosso programa, € crucial adotar a humilde postura de que o projeto vive no cédigo. E enquanto o retrabalho na metéfora da manufatura leva ao custo, 0 no projeto leva ao valor. Devemos ver nosso cédigo como a bela articulaga0 dos nobres esforgos do projeto — projeto como um processo, € nO uma meta estatica. E no cédige que ocorrem as medidas cstruturais de acoplamento € coesio. Se vocé vir a descrigao de Larry Constantine sobre esses dois fatores, ele os conccitua em termos de eédigo— e no em conceitos de alto nivel como se pode encontrar em UML. Richard Gabriel nos informa em seu artigo Abstraction Descant que a abstragao é maligna. O cédigo é antimaligno, ¢ talvez 0 cédigo limpo seja divino. Voltando a minha pequena embalagem de Ga-Jol, acho importante notar que a sabedoria dinamarquesa nos aconselha a nao s6 prestar atengdo a pequenas coisas, mas também a ser honesto em pequenas coisas. Isso significa ser honesto com o cédigo ¢ tanto com nossos colegas ¢, acima de tudo, com nés mesmos sobre o estado de nosso cédigo. Fizemos o Melhor para “deixar © local mais limpo do que como 0 encontramos"? Refatoramos nosso codigo antes de verificé- lo? Essas ndo sao preocupagdes externas, mas preocupagdes que esto no centro dos valores do Agile. Que a refatoragdo seja parte do conceito de “Pronto”, é uma pritica reeomendada no Scrum. Nem a arquitetura ¢ nem o cédigo limpo exigem perfeigao, apenas honestidade e que fagamos o melhor de nés. Errar é humano; perdoar ¢ divino. No Scrum, tornamos as coisas visiveis, Arejamos nossa roupa suja. Somos honestos sobre o estado de nosso cédigo porque © codigo nunca € perfeito. Tornamo-nos mais completamente humanos, mais merecedores do divino © mais proximos da magnitude dos detalhes. Em nossa profiss4o, precisamos desesperadamente de toda ajuda que conseguirmos. Se o piso de uma loja reduz os acidentes ¢ suas ferramentas bem organizadas aumentam a produtividade, entao sou totalmente a favor. E relagao a este livro, ele ¢ a melhor aplicagdo pragmatica dos principios de Lean ao software que jé vi. Eu no esperava nada mais deste pequeno grupo pratico de individuos que se esforcaram juntos por anos nao s6 para se aperfeigoarem, mas também para presentear com scus conhecimentos o mercado com obras como esta em suas maos agora. Isso deixa o mundo um pouco melhor do que quando 0 encontrei antes de Uncle Bob me enviar © manuscrito. Apés ter finalizado estes exercicios com conhecimentos tio sublimes, agora vou limpar minha mesa. James O. Coplien Mordrup, Dinamarca Introdu¢ao [he omy vAticl neaueenen oF code Quaciry: WTFs/ninure wrr Good code. BAA codle. Reproduzido com a gentil autorizagaio de Thom Holwerda. http:/Avww.osnews.com/story/19266/WTFs_m (c) 2008 Focus Shift Que porta representa seu cédigo? Que porta representa sua equipe ou sua companhia? Por que estamos naquela sala? E apenas uma revisdio normal de codigo ou encontramos uma série de problemas terriveis logo apés iniciarmos a apresentag’io? Estamos depurando em panico, lendo meticulosamente um cédigo que pensdvamos que funcionava? Os clientes estao indo embora aos bandos e estamos com os gerentes em nossos pescogos? Como podemos garantir que cheguemos atras da porta certa quando 0 caminho fica dificil? A resposta é: habilidade profissional Ha duas vertentes para se obter habilidade profissional: conhecimento e trabalho. Vocé deve adguirir 0 conhecimento dos principios, padrdes, priticas e heuristicas que um profissional habilidoso sabe, ¢ também esmiugar esse conhecimento com seus dedos, olhos corpo por meio do trabalho arduo ¢ da pratica Posso the ensinar a mecanica para se andar de bicicleta. Na verdade, a matemitica clissica € relativamente direta. Gravidade, atrito, momento angular. centro de massa, e assim por diante, podem ser demonstrados com menos de uma pagina cheia de equacdes. Dada essas formulas, eu poderia provar para vocé que ¢ pritico andar de bicicleta e Ihe dar todo o conhecimento necessario para que vocé consiga. E mesmo assim vocé caira na primeira vez que tentar. Programar nao ¢ diferente. Poderiamos pér no papel todos os principios necessarios para um cédigo limpo e, entio, confiar que vocé faré as tarefas (isto é, deixar vocé cair quando subir na bicicleta), mas que tipo de professores e de estudantes isso faria de nds? Nao. Essa no ¢ a forma que este livro seguira, Aprender a criar cédigos limpos é uma tarefa ardua e requer mais do que o simples conhecimento dos principios ¢ padrées. Vocé deve suar a camisa: praticar sozinho ¢ ver que cometeu erros; assistir a outros praticarem e errarem; vé-los tropegar e refazer seus passos; Vé- los agonizar para tomar decisdes e 0 prego que pagardo por as terem tomado da maneira errada. Esteja preparado para trabalhar duro enquanto ler este livro. Esse ndo ¢ um livro facil simples que vocé pode ler num aviao e terminar antes de aterrissar. Este livro Ihe fard trabalhar, ¢ trabalhar duro. Que tipo de trabalho vocé far? Vocé leré cddigos aqui, muitos cédigos. E vocé devera descobrir 0 que esta correto ¢ errado nos codigos. Vocé tera de seguir 0 raciocinio conforme dividirmos médulos e os unirmos novamente. Isso levari tempo ¢ esfor¢o, mas achamos que valerd a pena. Dividimos este livro em trés partes. Na primeira ha diversos capitulos que descrevem os principios, padrées ¢ priticas para criar um cédigo limpo. Ha um tanto de cédigos nessa parte. ¢ ser desafiador Ié-los. Eles Ihe prepararao para a se¢do seguinte. Se yocé deixar o livro de lado apés essa primeira parte. Bem, boa sorte! Na segunda parte entra o trabalho pesado que consiste em diversos estudos de caso de complexidade cada vez maior. Cada um é um exercicio para limpar um cédigo — resolver alguns problemas dele. O detalhamento nesta segdo ¢ intenso. Vocé terd de ir e voltar por entre as folhas de textos ¢ cédigos, c analisar ¢ entender 0 cédigo com o qual estamos trabalhando e captar nosso raciocinio para cada alteragao que fizermos. Reserve um tempo para essa parte, pois deveré levar dias. A terceira parte é a compensagao. E um tinico capitulo com uma lista de heuristicas e “odores” reunidos durante a criagao dos estudos de caso. Conforme progredirmos e limparmos os cédigos nos estudos de caso, documentaremos cada motivo para nossas agdes como uma heuristica ou um “odor”. Tentaremos entender nossas proprias reagdes em relag%io ao cédigo quando estivermos Iendo ou alterando-o, ¢ trabalharemos duro para captar por que nos sentimos de tal forma por que fizemos isso ou aquilo. O resultado sera um conhecimento base que descreve a forma como pensamos quando criamos, lemos e limpamos um eédigo. Este conhecimento base possui um valor limitado se vocé no ler com atengiio ao longo dos casos de estudo na segunda parte deste livro. Neles, anotamos cuidadosamente cada alteracio que fizemos com referéncias posteriores as heuristicas. Tais referencias aparecem em colchetes, assim: [H22]. Isso lhe permite ver 0 contexto no qual so aplicadas e escritas aquelas heuristicas! Essas. em si, nio sio téo valiosas, mas, sim, a relagao entre clas ¢ as diferentes decisdes que tomamos ao limpar o cédigo nos casos de estudo. A fim de lhe ajudar ainda mais com essas relagdes, colocamos no final do livro uma referéncia cruzada que mostra o nimero da pagina para cada referéncia, Vocé pode usd-la com um guia répido de consulta para saber onde uma determinada heuristica foi aplicada. Mesmo se vocé ler a primeira e a terceira segdes e pular para os casos de estudo, ainda assim teré lido um livro que satisfaz sobre a cria¢do de um bom software. Mas se no tiver pressa e explorar os casos de estudo, seguindo cada pequeno passo e cada minuto de decisao, se colocando em nosso lugar e se forgando a seguir a mesma linha de raciocinio que usamos, entdo vocé adquiriu um entendimento muito mais rico de todos aqueles principios, padrdes, priticas © heuristicas. Todo esse conhecimento ficara em cada fibra de seu corpo. Ele se tomnara parte de vocé da mesma forma que ao aprender a andar de bicicleta, cla se torna uma parte de sua vontade de pedalé-la. Agradecimentos Tlustracgées Meus agradecimentos a minhas duas artistas, Jeniffer Kohnke ¢ Angela Brooks. Jennifer ¢ a responsavel pelas maravilhosas e criativas figuras no inicio de cada capitulo ¢ também pelos retratos de Kent Beck, Ward Cunningham, Bjame Stroustrup, Ron Jeffries, Grady Booch, Dave Thomas, Michael Feathers e de mim mesmo. ‘Angela é a responsavel pelas figuras engenhosas que enfeitam os capitulos.Ao longo dos anos, ela criou bastantes imagens para mim, incluindo muitas das que est8o no livro Agile Software Develpment: Principles, Patterns, and Practices. Angela também é minha primogénita e de quem me sinto muito orgulhoso. Sobre a capa A imagem da capa se € a M104 — a Galaxia Sombrero ~, que fica na constclago de Virgem e esta a pouco menos de 30 milhdes de anos-luz de nés. Em seu centro hd um buraco negro supermassivo cujo peso equivale um bilhao de vezes a massa do sol. Aimagem Ihe faz lembrar da explosio da lua Praxis, de Klingon? Eu me recordo vividamente a cena de Jornada nas Estrelas VI que mostrava um anel equatorial de destrogos voando devido & explosdo. Desde essa cena, 0 anel equatorial se tornou um componente comum as explosdes em filmes de ficcao cientifica. Ele até foi adicionado & explosao de Alderaan nas iltimas versdes do filme Jomada nas Estrelas. O que causou a formagio desse anel em torno de M104? Por que ele possui um bojo 120 amplo ¢ um nileo tao minusculo ¢ brilhoso? Parece-me como se 0 buraco negro central perdeu sua graca e langou um buraco de 30,000 anos-luz no meio da galaxia, devastando quaisquer civilizagdes que estivessem no caminho daquele distarbio césmico. Buracos negros supermassivos engolem estrelas inteiras_no_almogo, convertendo_uma considerdvel fragaio de sua massa em energia. E = MC2 ja € bastante poténcia, mas quando M é uma massa estelar: Cuidado! Quantas estrelas cairam_ impetuosamente naquelas presas antes de o monstro ficar saciado? O tamanho do vao central poderia ser uma dica? ‘A imagem de M104 da capa é uma combinagao da famosa fotografia de luz visivel do Hubble (foto superior) com a recente imagem infravermelha do observatério espacial Spitzer (foto inferior). E essa segunda imagem que nos mostra claramente a natureza do anel da galaxi Na luz visivel, vemos apenas a extremidade frontal do anel como uma silhueta. O bojo central ofusca o resto do anel. ‘Mas no infravermelho, as particulas “quentes” — isto 6, altamente radioativas — no anel brilham através do bojo central. A combinagaio de ambas as imagens nos mostra uma visdo que ndo haviamos visto antes e indica que, ha muito tempo atras, la havia um inferno enfurecido de ativi ‘Cover mage: © Sper Space Telescope Cédigo Limpo HA duas razdes pelas quais voce esta lendo este livro: vocé é programador e deseja se tomar um ainda melhor. Otimo. Precisamos de programadores melhores. Capitulo 1: Cédigo Limpo Este livro fala sobre programagao ¢ est repleto de cédigos que examinaremos a partir de diferentes perspectivas: de baixo para cima, de cima para baixo e de dentro para fora. Ao terminarmos, teremos um amplo conhecimento sobre cédigos e seremos capazes de distinguir entre um cédigo bom ¢ um cédigo ruim. Saberemos como escrevet um bom cédigo e como tornar um ruim em um bom. O Cédigo Podem dizer que um livro sobre cédigos ¢, de certa forma, algo ultrapassado, que a programago deixou de ser uma preocupagio € que devemos nos preocupar com modelos ¢ requisitos. Outros até mesmo alegam que o fim do eédigo, ou seja, da programagio, esta proximo: que logo todo cédigo sera gerado, ¢ no mais escrito. E que nao precisarao mais de programadores, pois as pessoas criardio programas a partir de especificages. Bobagens! Nunca nos livraremos dos eédigos, pois eles representam os detalhes dos requisitos. Em certo nivel, no hé como ignorar ou abstrair esses detalhes; eles precisam ser especificados. E especificar requisitos detalhadamente de modo que uma maquina possa executé-los é programar ~¢ tal especificagao é 0 cédigo, Espero que 0 nivel de de nossas linguagens continue a aumentar © que 0 mimero de linguagens especificas a um dominio continue crescendo. Isso sera bom, mas no acabaré com a programagdo. De fato, todas as especificagées escritas nessas linguagens de niveis mais altos ¢ especificas a um dominio serdo cédigos! Eles precisardo ser minuciosos, exatos ¢ bastante formais ¢ detalhados para que uma maquina possa entendé-los ¢ executd-los. As pessoas que pensam que 0 codigo um dia desaparecera so como matemiticos que esperam algum dia descobrir uma matemitica que no precise ser formal. Elas esperam que um dia descubramos uma forma de criar maquinas que possam fazer o que desejamos em vez do que mandamos. Tais maquinas terdo de ser capazes de nos entender tio bem de modo que possam traduzir exigéncias vagamente especificadas em programas executaveis perfeitos para satisfazer nossas necessidades. so jamais acontecerd, Nem mesmo os seres humanos, com toda sua intuigo e criatividade, tém sido capazes de criar sistemas bem-sucedidos a partir das caréncias confusas de seus clientes. Na verdade, se a matéria sobre especificagio de requisitos ndo nos ensinou nada, € porque os requisitos bem especificados so to formais quanto os cédigos e podem agir como testes executaveis de tais cédigos! Lembre-se de que o cédigo é a linguagem na qual expressamos nossos requisitos. Podemos criar linguagens que sejam mais proximas a eles. Podemos criar ferramentas que nos ajudem a analisar a sintaxe ¢ unir tais requisitos em estruturas formais. Mas jamais climinaremos a preciso necessiria — portanto, sempre haverd um cédigo. Cédigo Ruim 3 Cédigo ruim Recentemente li o preficio do livro Implementation Patterns! de Kent Beck, no qual ele diz “... este livro bascia-se numa premissa fragil de que um bom cédigo importa...”. Uma premissa fragil? Nao concordo! Acho que essa premissa ¢ uma das mais robustas, apoiadas ¢ plenas do que todas as outras em nossa rea (¢ sei que Kent sabe disso). Estamos cientes de que um bom cédigo importa, pois tivemos de lidar com a falta dele por muito tempo. Lembro que no final da década de 1980 uma empresa criou um aplicativo extraordinario que se tornou muito- popular ¢ muitos profissionais 0 compraram € usaram. ‘Mas, entao, o intervalo entre os langamentos das novas distribuigdes comegou a aumentar. Os bugs ndo eram consertados na distribuicio seguinte. E 0 tempo de carregamento do aplicativo ¢ o ntimero de travamentos aumentaram. Lembro-me do dia em que, frustrado, fechei 0 programa ¢ nunca mais o usei. A empresa saiu do mercado logo depois. Duas décadas depois encontrei um dos funcionarios de tal empresa na época e o perguntei 0 que havia acontecido, e 0 que cu temia fora confirmado. Eles tiveram de apressar 0 langamento do produto ¢, devido a isso, o cédigo ficou uma zona. Entao, conforme foram adicionando mais € mais recursos, o cédigo piorava cada vez mais até que simplesmente nao era mais possivel gerencia-lo. Foi o cddigo ruim que acabou com a empresa. Alguma vez um cédigo ruim jé Ihe atrasou consideravelmente? Se vocé for um programador, independente de sua experiéncia, entdo jé se deparou varias vezes com esse obsticulo. Alids, ¢ como se caminhassemos penosamente por um lamacal de arbustos emaranhados com armadilhas ocultas.Isso é 0 que fazemos num cédigo ruim. Pelejamos para encontrar nosso caminho. esperando avistar alguma dica, alguma indicagdo do que esté acontecendo; mas tudo 0 que vemos é um cédigo cada vez mais sem sentido. E claro que um cédigo ruim ja lhe atrasou. Mas, enti, por que vocé o escreveu dessa forma? Estava tentando ser rapido? Estava com pressa? Provavelmente. Talvez vocé pensou que no tivesse tempo para fazer um bom trabalho; que seu chefe ficaria com raiva se vocé demorasse um pouco mais para limpar seu cédigo. Talvez vocé estava apenas cansado de trabalhar neste programa ¢ queria termina-lo logo. Ou verificou a lista de coisas que havia prometido fazer ¢ percebeu que precisava finalizar este médulo de uma vez, de modo que pudesse passar para o proximo. Todos jé fizemos isso, j4 vimos a bagunga que fizemos e, ent&o, optamos por arruma- las outro dia. Todos j4 nos sentimos aliviados ao vermos nosso programa confuso funcionar ¢ decidimos que uma bagunga que funciona ¢ melhor do que nada. Todos nos ja dissemos que revisariamos ¢ limpariamos o cédigo depois. E claro que naquela época nao conheciamos a lei de LeBlane: Nunca é tarde. 1. ecko)

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