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2 OS FILOSOFOS PRE-SOCRATICOS A. APRESENTAGAO GERAL DA FILOSOFIA DOS PRE-SOCRATICOS A denominagao “filésofos pré-socraticos” fe’ basicamente cronologica e designa primeiros filésofos, mencionados no capitulo anterior, que viveram antes de og (470-399 a.C.), chegando alguns dos ultimos a serem seus contemporaneos. | tes é tomado como um marco nao sé devido a sua influéncia e importancia, também por introduzir uma nova problematica na discussao filoséfica, as ques ético-politicas, ou seja, a problematica humana e social que praticamente ainda havia sido discutida, A leitura, interpretacao e discussao da filosofia dos pré-socraticos envolve, p nés, uma grande dificuldade. Suas obras se perderam na Antiguidade, e s6 nhecemos por meios indiretos. Em alguns casos é possivel até que nao tenha ha obra escrita, jd que a tradi¢ao filoséfica grega em seus primérdios valorizava ma linguagem falada do que a escrita. A filosofia era vista essencialmente como dis sao, debate, e nao como texto escrito. Platao, por exemplo, faz Sécrates se man nesse sentido no Fédon. Em muitos casos, certamente houve uma obra escrita, que conhecemos em como p.ex. 0 Poema de Parménides, e 0 tratado Da natureza de Heraclito (0 examinaremos adiante). Como dissemos, entretanto, essas obras nao sobrey: integralmente; trata-se apenas de fragmentos permitindo no maximo uma ré trugdo do pensamento desses filésofos. S40 duas as principais fontes de qu mos para o conhecimento dos fildsofos pré-socraticos: a doxografia e os A doxografia consiste em sinteses do pensamento desses fildsofos e com “ce iy Por autores de periodos posteriores, indo basi dos préprios tae : puny o(seeav IN Os fragments sata IR iereicg es 5 pré-socraticos encontradas também em ob proprias ee ents ambos é a seguinte: enquanto o tragm de outro. Assim iscena ae 8 Congrats Saale see , um fragmento quando, p.ex., Aristételes: 30 FLOSOFIA ANTION ” “Parménides afirma; ‘antes de tod: i dos O# deuses, criou oe Amor”, uma ireta as palavras de Parménides, E temon ty sopuhcr quand 9 cece Aristoteles (iI, 3) diz: "Assim parece Mace — iigua)’relatanelo o pensamernto de’ Tales, Ambassfonten entctantsnae ean : * 4 / » Ambas as fontes, entretanto, sao precarias, imprecisas ¢ incompletas. Pois mesmo os fragmentos, embora contendo as palavras do fildsofo, apresentam apenas uma pequena passage da obra origindria, e por- tanto ja refletem uma selegiio de quem faa eitagho, Porém, trata-se de uma situagao inevitével do ponto de vista hist6rico, a menos que alguma descoberta arqueoldgica revele manuscritos e textos da época, o que ¢ altamente improvavel, Uma tradigado que remonta a Aristételes (Metafisica |, 4) = € que se encontra igualmente em Didgenes Laércio (1, 14-5), cuja obra Vidas ¢ doutrinas dos fildsofos ilustres € uma das principais fontes para conhecer o pensamento dos pré-socréticos ~ costuma dividi-lo em duas grandes correntes, a escola jnica ¢ a escola italiana. Ve~ remos que esta divisao, embora a rigor imprecisa, pode ser Gtil por caracterizar uma diferenga basica de concepsio filoséfica entre as duas tendéncias. Apresentaremos, em seguida, um quadro geral dos filosifos pré-socraticos e de suas ideias centrais, destacando sua contribuigio ao desenvolvimento da filosofia antiga, embora nos limitando apenas aos mais conhecidos e de maior influéncia. Vamos concentrar nossa andlise nas doutrinas de Herdclito ¢ Parménides que, de certo modo, representam bem as duas tendéncias bésicas desse pensamento, com o confronto entre as duas doutrinas podendo ser considerado 0 primeiro grande conflito teérico da filosofia. Este confronto influencia o pensamento posterior, sendo que o proprio Platao se preocupara em superé-lo. Escola jonica: Caracteriza-se sobretudo pelo interesse pela physis, pelas teorias sobre a natureza. + Tales de Mileto (fl.c.585 a.C.) e seus discipulos, Anaximandro (c.610-547 ac.) e ‘Anaximenes (¢.585-528 a.C.), que formam a assim chamada escola de Mileto + Xenéfanes de Colofon (¢.580-480 a.C.) + Herdclito de Efeso (fl.¢.500 a.C.) Escola italiana: Caracteriza-se por uma visio de mundo mais abstrata, menos vol- tada para uma explicagao naturalista da realidade, prenunciando em certo sentido o surgimento da logica e da metafisica, sobretudo no que diz Fespeito aos cleatas. + Pitagoras de Samos (fl.c.530 a.C.), Alcmeon iS be) (flinicio séc. V a.C.), al séc. Va i tagdrica Filolau de Crotona (fl.final séc. V a.C.) € a escola pitage ; + Parménides de Eleia (fl.c.500 a.C.), € 4 escola eledtica: Zendo de Eleia (fl.c.464 a.C,) e Melisso de Samos (fl.c.444 aC.) i veres de Temos uma segunda fase do pensamento pré-socratico, denominada por inclui intes fildsofos: pluralista, que inclui os seguintes + Anaxdgoras de Clazomena (¢.500-428 er + Escola atomista: Leucipo de Abdera e Dem rito de Abdera (460-370 a.) * Empédocles de Agrigento (c.450.a.C.) FILOSOFIA ANTIGA 3 caracteristicas de sua escola, Especula-se sobre pensamento pitagdrico, jé que Pit ¢ de transmig 1 uma possivel influéncia egipcia no tagorieos i igoras defende uma concepgao de imortalidade ; Ga ‘etempsicose) da alma, embora essas crengas se encontrassem na tradigao cultural da Tracia, no norte da Gréci ang - conte ae oa longa ia ha Antiguidade, subsistindo pensadores vinculados a essa tradi soe Paar geben essa platonismo, devido & influéncia do pitagorion Sen eae Ga boa) ia do pitagorismo em Platao, Uma das principais contribuigées dos pitag6ricos filosofia eao desenvolvimento da ciéncia encontra-se na doutrina segundo a qual o ntimero é o elemento basico explicativo da realidade, podendo-se constatar uma proporgao em todo o cosmo, 0 que explicaria a harmonia do real garantindo o seu equilibrio, Os pitagéricos tiveram ‘ande importancia, portanto, no desenvolvimento da matematica grega, sobretudo na geometria. A teoria da harmonia musical reflete também a concepcao pitagorica de que ha uma proporgao ideal em todo o universo que se reflete na concepcao da escala musical. Isso resultaria dos sons emitidos pelos diversos segmentos das cordas da lira quando estendidas, sendo que a combinagao desses sons entre si pode ser tratada de for- ma harmoniosa, Daia musica ter sido tratada, em todaa Antiguidade, como disciplina matemiatica. Essa mesma concep¢ao, que busca um principio geomeétrico de propor¢ao como representante da harmonia césmica, encontra-se na arquitetura grega, de linhas fortemente geométricas, na escultura do periodo classico em que o corpo humano € representado de acordo com principios que estabelecem uma proporgao ideal entre a cabega, 0 tronco e os membros, ¢ até mesmo na ginastica eno culto ao fisico,em que o atleta deve moldar 0 seu corpo para tornd-lo harmonioso como uma escultura. Essa concep¢ao do ntimero como elemento primordial reflete-se na tetractys, ou “grupo dos quatro”, que consiste nos quatro primeiros algarismos (Us 2, 3, 4), que somam dez, (10) e que podem ser dispostos em forma triangular, simbolizando uma relacao perfeita:? b. A escola eleatica cola eledtica sera visto mais aciante em relagao O pensamento de Parmé! ides edae ao de Herdclito e dos mobilistas. D. SEGUNDA FASE DO PENSAMENTO PRE-SOCRATICO dores que, tendo sofridoa influén- jr pensa 0 ea uma tendéncia, desenvolveram Esta segunda fase caracteriza-se 5 ‘ tas vezes de mais de cia de seus predecessores, mul 35 A doutrina atomista sustenta que a realidade atomos se atraindo e se repelindo, movimento. A atragao e repul sendo quedtomos de Os ditomos sao imp consiste em dtomos ¢ no vazio, os © gerando com isso os fendmenos naturais eo 0 dos dtomos devem-se as suas formas geomeétricas, formas semelhantes se atraem e os de forma diferente se repelem. 'perceptiveis ¢ existem em numero infinito, Podemos destacar ai 9 avango em relagao as teorias anteriores na formulagao do 4tomo como elemento primordial, sobretudo ‘uanto & nogao de particulas imperceptiveis que compéem os objetos materiais e dao origem aos fendmenos e a0 movimento. Isso sem diivida ‘ecipa de maneira surpreendente a fisica atémica contemporanea, que deriva sua nogao i ‘tomo dessa tradicto, apesar, é claro, das profundas diferencas existentes entre ambas. b. Monismo x mobilismo: Heraclito x Parménides xaminaremos agora as doutrinas de Herdclito e de Parménides e seus seguidores em termos da controvérsia entre monismo e mobilismo — marcante no séc. V a.C. € que pode ser tomada como uma espécie de divisor de 4guas quanto ao sentido e influéncia do pensamento dos pré-socraticos na filosofia que se segue, sobretudo no pensamento de Plata. Embora haja dtividas sobre quem, ou que escola, constitui exatamente o alvo das criticas de Parménides e dos eleatas, em geral supde-se que se referem a Herdclito, ou talvez aos mobilistas e pluralistas em um sentido amplo. Comeg¢aremos por apresentar 0 pensamento de Heraclito de modo a permitir um confronto posterior com o pensamento eledtico. Herdclito de Efeso, embora um dos pré-socraticos de quem mais chegaram frag- mentos até nds,’ era conhecido jé na Antiguidade como “o Obscuro”, devido a di- ficuldade de interpretacdo de seu pensamento. Pode ser considerado, juntamente com os atomistas, como o principal representante do mobilismo, isto & da con- cepeao segundo a qual a realidade natural se caracteriza pelo movimento,’ todas as coisas estando em fluxo. Este seria 0 sentido basico da famosa frase atribuida a Herdclito: “Panta rei” (Tudo passa). Sua filosofia, tal como podemos reconstrui-la é, entretanto, bem mais complexa do que isso. A no¢ao de logos’ desempenha papel central em seu pensamento, como principio unificador do real € elemento basico da racionalidade do cosmo. Segundo o famoso fragmento 50,"Dando ouvidos nao a mim, mas ao logos, é sébio concordar que todas as fs wine tinica oe Assim, tudo é movimento, tudo esta em. fluxo, masa vealidade possui ie uni uae bésica, uma unidade na pluralidade. Esta “unidade na piamlaece ia eae ee dida também como a unidade dos opostos. Heraclito vé a reali po neni conflito (pélemos) entre os opostos (ft.53, 126, 80), conflito que to P i i equilibrio, através da equivaléncia e reu- carter negativo, sendo a garantia do eq trave n i SE ie eae * dia e noite, calor e frio, vida e morte sd0 opostos nia stos (fr.10). Assim, te, | : hee (f.67, 126). A existencia do movimento e da pluralidade pee 675 FILOSOFIA ANTIG: NTIGA 37 ° permanente ¢ imutavel pode ser caracterizado como o Ser, também que“éo mesmo ser eo pensat”(ft2,6), a do real e a razio humana sio d r Parménides afirma © que significa que a racionalidade 5 oct, Mas para peta asian natureza, 0 que permite ao homem pensar ; pag, uct Pensar o ser, conhecé-lo, 0 homem deve seguir o caminho da Verdade (fr.2, 8), isto &, do Pensamento, da razao, e afastar-se do caminho da Opi- niao, formada si Abitos, eC; ie t, oa . r nido, formada por seus habitos, percepgdes, impresses sensiveis, que sao ilusérias, imprecisas, mutaveis, Esses dois fragmentos de seu Parménides é considerado o pens mais basico), aquele este tipo de pensame Poema nos permitem entender em que sentido ‘ador do Ser (0 real em seu sentido mais abstrato, que é de certa forma um precursor da metafisica, exatamente lento sobre o ser, opondo-se a experiéncia concreta, sensivel e imediata que temos comumente das coisas, ‘Veremos mais adiante a influéncia que a filosofia de Parménides e sua critica aos mobilistas tera sobre o pensamento de p] e A ii > ‘incipai Platao, que o colocara inclusive como Ppersonagem central de um de seus principais didlogos, 0 Parménides, Melisso de Samos foi um dos principais discipulos de Parménides, tornando-se co- nhecido pelos argumentos que desenvolyeu em defesa da filosofia monista eledtica. Esses argumentos sao formulados contra as nogGes de movimento e de pluralidade, ¢ tém a seguinte forma (fr.2): “que é nao pode ter comeso, pois se tivesse comego deveria provir do que € ou do que nao é; mas nao pode ter vindo do que 6, porque © que é ja & também nao pode ter vindo do que nao é, porque o que nao é nao é,e nao pode vir a ser”; portanto, o Ser é eterno, imutavel, atemporal e incriado. Zenao de Eleia é um dos mais famosos fildsofos pré-socraticos, sobretudo devido aos paradoxos que formulou também em defesa da filosofia monista e contra a nocao de movimento. Os paradoxos de Zenao foram amplamente discutidos e ana~ lisados em toda a Antiguidade, suscitando interesse até hoje e, apesar de todos os desenvolvimentos recentes na légica ena fisica, ndo admitem uma solucao simples e sdo objeto de intmeras controvérsias.” Sua importancia deve-se nao apenas ao questionamento da concepgao mobilista e a discussao acerca do tempo e do mo- vimento, mas também a forma de argumentar por meio de paradoxos que Zenao aparentemente inaugura e que tem a estrutura da chamada reductio ad absurdum (redugao ao absurdo) da posigao que ataca. Parte assim da Posigao do adversa- rio, procurando mostrar que tal posi¢ao leva ao absurdo; com isso, ela ¢ refutada Aristoteles chega a considerar os argumentos de Zenao como a origem da dialética Z Sneaeaile enquanto técnica argumentativa. . j ‘Vamos examinar dois dos mais conhecidos paradoxos de Zenao para ilustrar essa forma de argumentacao. O primeiro €0 de Aquilesea eee oe dos corredores, dé a dianteira & tartaruga em uma corrida, Mesmo nin) As jamais sera capaz de alcangar a tartaruga, pois seria’ necesita eee ade dianteira dada a tartaruga; sendo tal distancia divisivel ao a aes j po ser percorrida: a diferenga iré diminuindo, Be Pee ce dec eum, O paradoxo da flecha imével diz que uma flecha a eiiee ere nde colocado a uma certa distancia jamais atingird este alvo, na v 2 FILOSOFIA ANTIGA 39 Escolas italianas: Pitagéricos: Pitégor + Bleatas: Parménide \ ¢ Seuis seguiidores (importincia da matemética) “endo, Melisso (questoes de caréter logico e metafisico) Segunda fase (séc, V a. ): (pluralistas e ecléticos) Empédocles de Agrigento (doutrina dos quatro elementos) Escola atomista: eucipo e Demécrito + Anaxagoras de Clazémena LEITURAS ADICIONAIS. Coletaneas de fragmentos e doxografia: BARNES, Jonat han. Filésofos Pré-socraticos, Sao Paulo, Martins Fontes, 1997. Bornueim, Gerd A, Os ‘filésofos pré-socraticos, Sao Paulo, Cultrix, 1994. re ie J.B. Raven, Os filésofos pré-socriticos. Lisboa, Fundagao Gulbenkian, ‘ed. 4. Larrcro, Didgenes. Vidas e doutrinas dos fildsofos ilustres. Brasilia, Ed. UnB, 1988. Os pensadores origindrios: Anaximandro, Parménides, Herdclito. Petropolis, Vozes, 1993 Os pré-socréticos. $40 Paulo, Abril Cultural, col. “Os Pensadores”, 1975. Sobre os pré-socraticos: Burnet, John. A aurora da filosofia grega. Sio Paulo Rio de Janeiro, Loyola/ PUC- Rio, 2007. Gorman, Peter. Pitégoras: uma vida, Sao Paulo, Cultrix/Pensamento, 1979. IcLés1as, Maura. “Os pré-socraticos’, in A. Rezende (org.), Curso de filosofia. Rio de Janeiro, Zahar, 1996, 6# ed. LeGranp, Gérard. Os pré-socraticos. Rio de Janeiro, Zahar, 1991. Luce, J.V. Curso de filosofia grega. Rio de Janeiro, Zahar, 1994, cap. 1-6. Sousa, Eudoro de. Horizonte e complementariedade, Sao Paulo, Duas Cidades, 1975. QUESTOES E TEMAS PARA DIscussAO 1. Qual o sentido ea importancia da contribuigao dos fildsofos pré-socraticos para a formagao e o desenvolvimento da tradigdo filosofica? oh Como se caracteriza a distingao entre a escola jnica eas escolas italianas? byl Em que sentido se destaca o pensamento dos pitagoricos e qual a sua especifici- eee aaet dade no contexto dos pré-socraticos? 4, Quais os principais argumentos de Parméni 99 2 Como voce avalia esses argumentos entido ¢ a relevancia dos paradoxos de Zenao? ides e dos monistas contra Heraclito € os mobilista 5. Como se pode interpretar 0

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