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Universidade Candido Mendes Centro de Estudos Afro-Asiaticos Praga Pio X, 7-7? andar Centro CEP 2040-020 Rio de Janeiro - RJ Brasil Tel. (21) $16-2916 Fax (21) 516-3072 afro@candidomendes.br Diretor: Candido Mendes Vice-Diretor Técnico Cientfico: Livio Sansone Coordenagao do Projeto: Marcia Lima Apoio: Fundagio Ford 7 Paul Giftroy O ATLANTICO NEGRO Modernidade e dupla consciéncia Traducao id Knipel Moreira cam AoE CanDi00 MENDES EDITORA 34 Editora 34 Lida Rua Hungria, 592 Jardim Europa CEP 01455-000 Sio Paulo « SP Brasil TeVFax (11) 3816-6777 editora34@uol.com.be Copyright © Editora 34 Lida. (edigdo brasileira}, 2001 The black Atlantic © Paul Gilroy, 1993 |AFOTOCOMIA DE QUALQUER FOLHA DESTE LIVRO f ILEGAL, E CONTIGURA UMA APROPRIAGKO INDEVIDA 005 DIREITOS INTELECTUASE PATRIMONIAIS DO ALTOR. Capa, projeto grifico ¢ editoragao eletrSnica: Bracher & Malta Producdo Grafica Revisio técnica: Denise Ferreira da Silva Patricia Farias Preparagéo de texto: Sandra Brazil Tradugdo do Preficio 8 edigio brasileira: Patrica Farias Reviséo: Alexandre Barbosa de Souza 1" Edigio - 2001 Catalogagdo na Fonte do Departamento Nacional do Livzo (Fundacéo Biblioteca Nacional, RJ, Brasil) Gieoy, Paul 1956 (65882 "0 Aelbatico negro: moderidace e dusts consti Pal Gileoy tad de Co Knipe ‘Mersia,— S30 Paulo Ed, 34 Rio de Janeiro Universidade Candido Mendes, Cento studs ‘AleoAslcos, 2001 4532p, ISBN 95-7526:196% ‘Trade de: The black Atansie 1. Negrinde, 2. Modersidads. 3. Didspors, 4. Cahors comemporines. Tal, ‘cpp - 505896 O ATLANTICO NEGRO. Modernidade e dupa consciéncia Prefiicio & ediglo brasileita sno. Preficio - © Atlantico negro como contracultura da modernidade Senhores, senhoras, escravos eas antinomias da modernidade .. . “Joias trazidas da servidao”: miisica negra e a politica da autenticidade “Anime o viajante cansado”: W. E. B. Du Bois, a ‘Alemanha e a politica da (desjterritorializagéo 5. “Sem o consolo das légrimas”: Richard Wright, a Franga ea ambivaléncia da comunidade . “Uma historia para nfo se passar adiante”: a meméria viva e o sublime escravo Agradecimentos ... indice onoméstico 223 281 351 417 421 Para Cora Hatsheput e minha mae PREFACIO A EDIGAO BRASILEIRA Parece adequado iniciar esta edicio de O Atliintico negro in- dicando o impacto causado pelos movimentos negros do Brasil e de suas histérias de luta. Eles recentemente conseguiram forgar 0 reconhecimento do racismo como um aspecto estrucurante da sociedade brasileira, uma conquista que é ainda mais notavel por- ‘que ocorreu em mejo a celebragées oficiais. Entretanto, seu pa- rao de atieudes politica fornece mais do que apenas um eixo til de comparagao. Em primeizo lugar, ele ajuda a conter os descjos romanticos de empregas a cultura brasileira como um signo é ‘co que antecipa a possibilidade de um mundo sem racas.'Em se- ‘gundo lugar, dentro da perspectiva analitica fornecida pela idéia da diaspora, a historia ¢ 0s reconhecidos sucessos deste movi- mento local inevitavelmente levantam questdes sobre 0 escopo e ‘o alcance da politica negra. A tradutibilidade e 0 alcance de mo- delos politicos baseados exclusivamente na historia dos Estados Unidos tém sido ultimamente muito questionados. Esta linha de investigacdo nos estimula a perguntar como, 2a esta altura, no inicio do século XXI, um século apés a famosa “linha de cor” de W. E. B. Du Bois, devemos compreender, tal- vez mesmo se estamos preparados para re-articular, as reivindi- cages politcas que embasaram e orquestraram a prOpria nocdo de solidariedade negra. A afinidade excra-nacional que caracteri- z0u 0s movimentos negros do século XX foi fragil eesteve longe de ser automética. Ela se tornou menos atraente hoje em dia por- ‘que nao ¢ focalizada, ou estd sincronizada com o tempo da colo- niza¢do ou com os conflitos militares que almejaram assegurar a libertagéo nacional e a autonomia pés-colonial. Preficio& edigSo brasileira ° i v4 A solidariedade translocal que aquelas reivindicagdes pro- movem parece ser ainda mais preciosa a partir do momento em. que sua vulnerabilidade aos poderes destrativos da globalizagio se tornou mais Gbvia. Ela também deve conter pistas significati- vas para as implicac6es resultantes das formas politicas e cultu- rais da globalizacao. Falar do Brasil produz, corretamente, hesitagao. Tudo 0 que eu normalmente quero dizer sobre a cultura ¢ a mistura, a di ora, a histOria ¢ a socialidade trans-africana tem uma ressonan- cia diferente quando se refere a um lugar tio préximo do epicentro da escravidio racial moderna. Os pontos ctiticos que recentemente dominaram as lutas politicas dos europeus negros — como for- ar governos relutantes a reconhecetem o enraizamento ¢ a mis- tura e como defender a diferenga que eles provocam em termos de cidadania — parecem ser irrelevantes num lugar onde o pre~ judicial ideal de pureza tem um sentido muito mais frouxo em relagao & politica cultural e uma relacdo totalmente diferente com as idéias de raga e de identidade nacional. Reconhego que ninguém no Brasil precisa de licdes de estran- geiros sobre os absurdos basicos do racismo, sobre as relagies te6- ricas e politicas entre raga e classe, sobre as possiveis conexdes entre o anti-racismo politico e a consolidacao da democracia e da sociedade civil. Eo leitor brasileiro necessita menos ainda de pales- tras académicas sobre a natureza do hibridismo, do sincretismo ou da crioulizagdo, pontos que esto implicitamente conectados a debates anteriores na historia e nas ciéncias sociais brasileiras. Aqueles processos ao mesmo tempo trans e interculturais sio im- portantes e urgentes demais para serem discutidos por nés, para «que permitamos que eles caiam na drida poesia de uma academia desinteressada. Na medida em que os contatos heteroculturais, interculturais e transculturais se espalham e se tornam mais desa- fiantes, deveria ser Sbvio que a andlise politica conduzida a partir de dentro das fortificages dos paises desenvolvidos deveria estar ouvindo com muito cuidado os debates brasileiros contempora- rneos sobre a extensio de seu fracasso em abalar a desigualdade 10 © Atléotico negro social e econémica e a hierarquia racial. Esta é apenas uma das vvirias maneiras pelas quais os argumentos criticos baseados na histéria do desenvolvimento brasileiro apontam para relagSes politicas, sociais e culturais que so parte do futuro dos paises desenvolvidos. Os sentimentos de inibigao que descrevi se devem & com- preensio de o quanto a historia brasileira tem sido marginaliza~ da mesmo nos melhores relatos sobre a politica negra centrados na América do Norte e no Caribe. Hoje, espero que a nova tendén- cia sobre a idéia da diaspora possa ajudar a acabar com tal mar- ginalizacao. No espitito do que pode ser chamado de histéria “heterolégica™, gostaria que considerdssemos o carater cultural €as dimensées politicas de uma narrativa emergente sobre a pora que possa relacionar, sendo combinare unificar, as experién- cias moderfias das comunidades e interesses negros em varias par- ‘Wes do mundo. Isto deveria ser feito de forma que soubéssemos, tanto quanto possivel, o que realmente aconteceu, mas seria tam- bém uma forma de adquirir uma perspectiva mais complexa sobre a modernidade e uma compreensio mais rica, pés-antropologica, de suas culturas coloniais e pés-coluniais. (O sistema de escravidao racial e eu lugar no desenvolvimen- to do comércio global forneceram bases fortes para a andlise da escravidao, da plantation ¢ de outras modernidades coloniais. Histérias sobre o empreendimento capitalista em suas primeiras fases, comoa que € produtivamente esbogada nos capitulos iniciais do Robinson Crusoé de Daniel Defoe, sugerem maneiras impor- tantes de pensar regionalmente e translocalmente, ¢ podem ainda ‘ser usadas para unir o que parecem ser tendéncias distintas. A parte ‘© comércio global, a resisténcia a escraviddo também teve sig- nificativas dimensdes translocais que os historiadores nem sempre se sentiram A vontade para descrever. © Haiti é aqui, como diz.a angio, e devemos lembrar que isto marcou o edificio da euro- modernidade de forma muito mais profunda do que se tem reco- nhecido. Sabemos ha décadas como os interesses econdmicos € politicos europeus e norte-americanos colaboraram e prolonga- Preficio & ediglo brasileira un ram a escravidao no Brasil. Mais tarde, 0 classico estudo de Joa- ‘quim Nabuco sobre as lutas anti-escravagistas brasileiras (alias, escrito quando ele estava exilado em Londres) langou algumas pis- tas a mais sobre o impacto de figuras como John Bright, Harriet Beecher Stowe ¢ Frederick Douglass sobre o movimento abolicio- nista brasileiro. A longa e especifica historia do Brasil sobre os continuos contatos com a Africa deveria também ser produtiva- mente acrescentada as narrativas fundamentais da histéria do “Atlantico negro”. A histéria do futebol, que se transformou de ‘maneira to bonita aqui, apés sua apresentagio & elite brasileira pelos ingleses, fornece algumas instigantes possibilidades ana- liticas. De imediato, a paixdo duradoura de Bob Marley pelo time do Santos ¢ seu encontro em 1978 com Paulo César assomam & mente, Estes pontos importantes, mas normalmente deixados de Jado, afetaram minha prépria vida, quando eu era jovem, ¢, igno- rando o terror sustentado pelo Estado, que havia investido o fu- tebol de novos significados, era um dos dissidentes pés-coloniais ue sem nenhuma vergonha, entusiasticamente, escolheu torcer pelo Brasil na Copa do Mundo de 1970, quando eles tiraram de ‘um time inglés formado apenas por brancos aquilo que acredi- tavamos ser uma posigao totalmente imerecida: pedes do mundo. Asiniciativas arqueolégicas que podem iluminar tais conver- sénciase interseg6es, além de numerosas outras, sio todas necessé- rias, mas ndo so, claro, suficientes. A correc proporcionada pela idéia de um “Atlantico sul negro” é certamente precisa, mas cima desta importante meta, uma abordagem da cultura da dis- pora é necesséria, uma abordagem que seja capaz de mapear as condigies ¢ as delicadas conseqiiéncias da influéncia marua e do {que Edouard Glissant chama de “relagao”. Isso se torna particular- mente importante e desafiador 20 longo do século XX. O periodo ‘no qual a politica negra emerge em sua forma consciente deve pro- vocadoramente se iniciar com a abolicao formal da escravidio racial e terminar com a apresentacao de Ronaldo num uniforme fornecido pela Nike Corporation: uma forma diferente de servidio titulo de cam- 2 O Adléntico negro bem-remunerada para ser colocada a0 lado das variedades mais, antigas e mais familiares. ‘A reorientacZo conceitual proposta aqui necessita de um en- contro maior com as teorias da cultura e sua integridade territorial corporal, A relagao da cultura com o lugar, suas implicitas “eco- logias de pertencimento” [ecologies of belonging] e sua persistente

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