You are on page 1of 25
O LEGADO CDUCACIONAL DO “LONGO SECULO XX" BRASILEIRO. Dermevar SAviANt Professor emésito da Uicane, pesquisador do NPG, | ‘coordenador geral do Grupo Nacional de Estudos Pesquisas Hsranere professor titular colaborador da USP. Campinas,SP: Autores Associados, 2004. (Colegio jo Contempordnea). p. 9-57. SAVIANI, Dermeval. O Legado Educacional do “Longo Século XX" Brasileiro. SAVIANI, Dermeval et. al. O legado educacional do século XX no Brasil. Edi recurso & categoria “século” para datar e demarcar 0s acon- tecimentos ¢ as fases histéricas é uma prética recorrente contre os historiadores, especialmente quando o objeto de estudo incide sobre as épacas moderna e contempordnea. Assim 6, tam- yém, no campo da histéria da educacao. Sem aprofundar essa ques- lio, apenas & guisa de ilustragio, menciono o livro de Luzuriaga (1959), Histdria da edueagao publica, em que ele se refere a “edu agit publica religiosa” que teria predominado nos séculos XVI e XVIT, sendo sucedida pela “edueagio pablica estatal” no séeulo XVIII. que teria dado lugar a “educagio pibliea nacional” no sé- culo XIX, culminando com a “educagao publica democratica” no século XX. Igualmente no livro Histéria da educagao e da peda: yoggia, 0 mesmo Luzuriaga (1973) distribui o conteiido em vinte capftulos tratando da educacao primitiva, oriental, grega, roma- a, medieval, humanista e rel ., 2 partir da, introduz 1 categoria “séeulo” abordando a educagdo e a pedagogia nos sé- culos XVI, XVIII, XIX ¢ XX. O mesmo procedimento 6 adotado por Manacorda (1989) no livro Histéria da edueacao: da Antigiti- dade aos nossos dias, Apés estudar a educagio no antigo Bgito, hha Grécia, em Roma, na Alta e na Baixa Idade Média, passa a tratar da eduengio no Strozentas # na quatracentos” (séeulas XT ‘e XID, “no quinhentos e no seiscentos”, ‘no setecentas", “no oito- ‘ventos", para chogar, finalmente, so capitulo X, que versa sobre ‘0 nosso século em direclo ao ano dois mil”, Um iltimo exemplo: Franco Cambi (1999), Historia da pedagogia. O livro esta divi do em quatro partes. A primeira trata da educagao no “mundo antigo” e a segunda versa sobre a educagio na “época medieval”, \Jé na tereeira parte, que trata da época moderna, apds 0 primei +o capitulo versando sobre “as caracteristicas da edueagao moder- Aa 12,0 t€cADO EDUCATIONAL 00 S¢CUKO 1 NO BRAS sucedem-se quatro capitulos que abordam, respectivamente, os séculos XV, XVI, XVII XVIII, Finalmente, a quarta parte aborda os séculos XIX e XX, século XX, mesma antes de s0u término cronolégico, jd fora objeto de andlises que procuravam apreendé-lo em seu eon. junto, na tentativa de efetuar um belango de sua trajetéria e sig. nificagao histérica, A esse respeito chamam a atengdo duas obras ‘cujos titulos aparentemente se contradizem. Trata-se de Bra dos extremos:0 breve século XX (1914-1991), de Erie Hobsbawm (1995), © O longo século XX, de Giovanni Arrighi (1996). Ambas foram publicadas na Inglaterra em 1994, Hobsbawm toma com eixo de sua andlise aquest pot a Tuz da qual oséculo XX resulta "breve" em contraposisdo ao ‘tdhigoséculo XIX", no qual o autor identifica trés nomentoes a ra da revlupboo (1700-1040), «exe de caylal GO10-1870) 00 ‘ra dos inpéros (1875-1914). Por sua ve; no "breve séoulo XX" 0 autor também distinguo trés momentosra era daealdtcoe (1914 1947), aera de ouro 1947-1973) aera do “dosmoronaments”, da instabilidadee das crises (1873-1990) Diferontemente, rrighi toma como eixo de sua andlise & problomatica econdmica. Sua motivag inieial era compreender ‘erigo mundial da década de 1970. Os primeirosentados lor ram-no situar essa crise como o tereairoedltime momento de ‘um presto ques insiou com a “Grande Deprese de 1879-1800" e teve contnuidade na“crise de 90 anosde 1814-1948" A primeira crise eorrespondo wo desnoconamentodo sistema inglés de ace, mulagio de capital om escala mundial com a correapondente ae censto do siatoma norte-americano, Pra compreenier ease peo esto o autor foilevadoa esudar cnjunto do sistema capitalata em sou desenvolvimento ao longo de toda a epoca moderna, Ins. Pirado em Braudel, Civilisation materiel conamia et captalie ime, Arrgh onceituouo "longo séeulo XX" “como o htine de ava, tro sécule longos, esruturados de forma somelhante, cada qual consttuindo uma etapa expecifica do desenvolvimento do moder 0 UGADO EDUCACIONAL 80 "LONGO SECULO xX" SRASLERO 13 no sistema capitalista mundial" (Ansio4t, 1996, p. x). Com isto, chogou & conelusio que a andlise comparativa desses “séculos longos" traria “mais revelagies sobre a dinamica e o provavel desfecho future da erise atual do que uma andlise aprofundada do longo séeulo XX como tal” (idem, ibidem). Os “quatro séculos longos” referidos abrangeriam seis séculos eronolégices, cobri do toda a evolugao do sistema capitalista, de suas origens ao mo- mento atual, abarcando os eiclos de acumulagdo genovés (do s6- culo XV ao infeio de XVI), holandés (do fim do século XVI a quase todo o XVIM, inglés (da sogunda metade do século XVII até o inicio do XX) ¢ norte-americano (dos anos de 1870 até os dias atuais). Vé-se, assim, que os quatro “séculos longos” se superpoem ceronologicamente em suas fases iniciais e finais. Quando voltamos os olhos para a situagdo brasileira, pare- como quo a idéia de um Hlonge efeulo XX" nia daiva de exercer ‘uma certa atragdo, Com efeito, as transformagdes mais decisivas do nosso pats nos planos econémico, politico, social, cultural e edu cacional parecem situar-se nas duas décadas finais do século definido cronologicamente pelo mémero XIX e ndo na virada ero- nolégica para o séeulo XX ou na Primeira Guerra’ Mundial. As- sim, se optéssemos pela categoria “breve século", terfamos de deslocar 0 inicio do séeulo XX brasileiro para 1980. Mas a expli- cago desse mareo inaugural nos obrigaria a recuar aos anos de 1880, pois é nesse momento que foram gestadas as condigdes que desembocaram nas transformagées condensadas na expresso “Revolugio de 1030". Sondo, vajamo q Do ponto de vista econmico, no ito quartel do século XIK ‘cultura do café consolidou-se como, se nao 0 ‘inico (monocultu- +a), 0 principal produto de exportagao: “a produgdo brasileira, que hhavia aumentado de 3,17 milldos de sacas (de 60 kg) em 1880-1881 para 6,5 em 1890-1891, aleangaria em 1901-1902 16,3 milhoes” (Furrsve, 198, p, 17, Benfiindo pelos altos progso pela st tuagdo de quase monopétio de que usufrufa o pafs no mercado internacional, o café propiciou um alto grau de capitalizagao que, 140 L£CAD0 EOUCACIONAL 00 SECLAO 9x NO BRASIL com a erise mundial do final dos anos de 1920, foi 0 fator bésico da industrializagdo do pals segundo o modelo de “substituigao de importagBes” que marca a nova fase vivida pelo Brasil inaugura- da com a Revoluga de 1930. Pelo aspecto social, as transformagdes mais signifieativas também datam do final do século XIX: a Aboligdo da escravatura ‘em 1888, 0 ineromenta da imigragio que passou, apenas no esta- dodeSa0 Paulo, de 13 mil imigrantes europeus nos anos de 1870 para 184 mil no decénio seguinte e 608 mil no ‘iltimo deeénio do século" (idem, p. 128) eo surginiento, também nas duas ultimas Aécadas do século XIX, de novos grupos de pressio sobre 0 setor exportador, destacando-se a ‘classe média urbana ~ empregados do governo, cvs e militares edo eomércio ~ 03 assalariados ur- bats e rurais, os produtores agricolas ligados ao mercado inter- no, as empresas estrangeiras que exploram servigos publicos” © 8 “nascentes grupos industriais” (idem, po172) No mbito politico assinala-se a queda da Monarquia e ains- talagio do regime republicano em 1889. Quanto ao aspecto cultural, vale o registro, tantas vezes lembrado, do depoimento de Silvio Romero, para quem “um ban- do de idéias novas esvoagou sobre nds de todos os pontos do hori- zoate ..]: positivismo, evelucionismo, darwinismo, critica religio- sa, naturalism, cientificismo na poesia e no romance, folelore, novos processos de critica e de historia literéria, transformagao a ntuigao da Direito e da politica” (apud Bost, 2002, p. 160), Foi esse o climu cultural que marcou as trés tltimas déeadas do sé- culo XIX. A literatura, especialmente a poesia, “ajusta seus re- gistros aos novos temas", que eram, em termos espectficos do Brasil, a escravidao, que desembocou na Aboligio em 1888, 0 re- gime polttico, que resultou na implantagdo da Replica em 1889, a questo religioss, que opunha a renovagio eatélica ao poder politico e & magonaria, e a questdo militar, isto 6, 0 problema da ingeréncia dos militares nos assuntes politicos; em termos gerais, os temas comuns a todos os paises eram: “a emancipagdo da mu (© LeGAn0 EDUCATIONAL DO “LONGO SECULO Hx" BRASILEIRO _ 15, | ther, a demoeracia, o trabalho, a distribuigao da riqueza” (Prccit0, 1997, p. 303). Em suma, os anos de 1880 e 1890 mercaram uma “omada de conseiéncia realista” (idem, p. 251) protagonizada por uma pliiade de eseritores que mereceram de Alceu Amoroso Lima a seguinte observagao: Poucas vereso Brasil ford na ribalta ume geragéo literéria como a gle se ilumina com os nomes de Machado de Assis, Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, Silvio Romero, Raul Pompéis, Raimundo Correia, Alberto de Oliveira, José Verio, Araripe ‘Sdaior, Coetho Neto, Emilio de Meneses, Licio de Mendoncs ‘Capistranode Abreu, Oliveira Lim, Jogo Ribelro..em sumaa sgeragio que fundau « Academia..[apud Proouto, 1997, p92 [Bm consondncia com o quadro anteriormente tragado, a edu- ‘cagdo sord considerada, neste texto, no ambito do “longo século XX", eujo marco inicial 6 dado pelo ano de 1890. 1. PARA UMA HISTORIA DA ESCOLA PUBLICA NO BRASIL Nattarefa de reconstruir a histéria da escola publica no Bra- sil, uma das principais questes com que nos defrontamos se re- fore A periodizagao que, @ par de ser uma exigéncia inerente & inveatigagao hictériea, é um dos problemas mais complexos ¢ con- trovertides da historiografia, j4 que ndo se trata de um dado cempirico, mas de uma questo tebrica que o historiador enfren- ta ao organizar os dados que The permitem explicar 0 fendmeno investigado. Quais os eritérios que devem presidir a periodiza- ‘gho? Essos critérios devem ser internos ou externos ao objeto in- vestigado? ‘Na histéria da educagao brasileira a periodizago mais fre- qientemente adotada, em consondncia com a situagdo geral, a. haf 1,0 L£CADO EDUCACIONAL 00 SECULO Xx NO BRASIL guiava-se pelo pardmetro politico, abordando-se, em consequén- cia, a edueacdo no periodo colonial, no Império ¢ na Republica. <> As eriticas a essa forme de periodizar levaram, num primel- ro momento, do critério da determinagdo econditica, considerandey {rosso modo, 08 periados “agréro exportador dependénte”, ‘nacio- nal desenvolvimentista de industrializagao com base na substitui- fo do importagées" ¢ “internacionaliagso do mercado interno” como o3 marcos a partir dos quais se deveria compreender @ his- t6ria da edueagio brasileira. Exemplo dessa tentatiya € 0 livre de Maria Luisa Santos Ribeiro (1998), Histéria da edueagdo brasil ra: a organizagio escolar.‘Também Otafaa de Oliveira Romanelli (1978), em Histéria da educagdo no Brasit (1990/1973), ineorpora essa preocupagio ao trabalhar com a conceito de “educaglio para o Agsenvolvimento”, em que as “necessidades do desenvolvimento” _Aparecem determinadas pela “expans4o,econdmica” (p.28). Em- volve-se uma tendéncia a se buscar uma periodizago centrada ‘nao nos aspectos externos, mas naqueles internos ao processo ‘educative. ‘Se nos guiarmos pelo ritério interno, poderiamos conside- ar como marco iniial da hist6ria da educagao brasileira a che- sada dos jesuitas em 1549. Tem inicio aio primoiro pérfodo, que se estende até 1759, quando os jeduttas foram expulsos por Pom- bal, © ensino jeauitaentio implantade, é.qus eontava com incon tivo e subsfdio da Coroa portuguesa, constitui a nossa verséo da “educagao publica religiosa”. Entretanto, seo ensino entto minitrado pelos jesuttas po- dia ser considerado como puiblico por ser mantido com recursos piiblicos¢ polo sou cardtar de ensino ealetivo, ele nao pregnchia 05 demais eritérios, j4 que as condigées tanto materiaig como pedagegicas, isto 6, os prédios assim como sua infra-estrutura, os agentes, as diretrizes pedagégicas, os componentes eurrieulares, —— .currieulares da matéria a ser ensinada, deixando a cargo do pré- (0 AEGADO EOUCACIONAL BO “LONGO SECULO Xx” BRASILEIRO _17 as normas disciplinares e os mecanismos de avaliagao se encon- travam sob controle da ordem dos jesutas, portant, sob dominio privado. Por sua vez, 0 perfode seguinte (padagogia pombalina: 1759- 1821) corresponderia aos primeiros ensaios para se instituir uma escola piblica estatal, Pelo Alvaré de 28 de junho de 1759, deter- minow-se 0 fechamento dos-colégios jesuitas, introduzindo-se as “Aulas Régias” a serem mantidas pela Corva, para o que foi ing- % Suid em 1772 0 subsfdioliterério™ 1a sdbiasrligorano, com base nas idias leas inspiradas no Te rminismo, instituem o privilégio do Estado em matéria de instr ‘gio, surgindo, assim, a nessa versio da *educagdo publica est tal”, Mas também nesse caso a responsabilidade do Estado se limitava ao pagamento do.salério-do professor ¢ as diretrizes prio professor a provisdo das condigées materiais.relativas a0 local, geralmente sua prépria casa, ¢ & sua infra-estrutura, as- sim como aos recursos pedagégicos a serem utilizados no desen- volvimento do ensino. ‘Apés a Proclamagao da Independéncia em 1822, uma esco- 1a pblica nacional poderia ter decorrido da aprovacio da Lei des Esvolas de Primeiras Letras, de 1827, mas isso acabou no acon- tecendo. 0 Ato Adicional de 1834 colocou as escolas primérias ¢ secundérias sob a responsabilidade das provincias, renuneiando, seins, a um projeto de eseala pablica nacional. Ao longo do sécu- lo XIX, poder piiblico foi normatizando, pela via legal, os meca- nismos de eriagao, organizacio e funcionamento de escolas que, por esse aspecto, adquiriam o cardter de instrugdo péblica, Mas, de fato, essas eseolas continuavam funcionando em espagos pri- vados, a saber, as préprias casas dos professores, Foi somente com o advento da Repibliea, ainda que sob a gide dos estados federados, que a escola publica, entendida em sentido proprio, fer-se presente na hist6ria da educagiio brasilei- 12f i cro0 eoucraonat 00s. no eas ra, Com efeito, 6a partir dai que o poder piblico assume a tarefa de organizar ¢ manter integralmente escolas, tendo como objet ‘v0 a difusdo do ensino a toda a populagio. Bssa tarefa material 2ou-se na instituigao da escola graduada a partir de 1890 no es- tado de Sao Paulo, de oule se irradiou para todo o pais (Sovz, 1998, p. 17). De fato, no émbito dos estados a tentativa mais avancada fem diregao a um sistema organico de educagdo no inicio do regi- ‘me republicano foi aquela que se deu no estado de Sto Paulo, Ali ‘se procurou preencher os requisites basicos implicados na orga- nizagdio dos servigos educacionais na forma de sistema: ®)'organizagio administrativa e pedagégica do sistema i) como um todo, o que implicava a eriagao de érgios cen: trais ¢ intermediarios da formulagio dac direteixes normas pedagégicas bem come de inspecio, controle coordenagao das atividades edueativas; ) construglo ou aquisigdo de prédios especificas para fun- cionar como escolas; ©) dotagio © manutengio nesses prédios de toda a infra- estrutura neeessdria para o adequado funcionamento do 4) instituiggo de um corpo de agentes, com destaque para 08 professores, definindo-se.as exigéncias de formagto, 08 critérios de admissao e a especificagdo das funcSes a serem desompenhadas; ©) definigdo das diretrizes pedagégicas, dos componentes curriculares, das normas disciplinares edos mecanismos do avaliagdo das unidades e do sistema de es conjunto; ) 1) organizagdo das escolas na forma de grupos escolares, erando, por esse meio, a fase das cadeiras ¢ classes iso- ladas, o que implicava a dosagem e graduacao dos con. {ACIONAL 00 "LONGO SECLIO XX" BRASLERO 19 tedidos distribuidos por séries anuais ¢ trabalhados por ‘um corpo relativamente amplo de professores que se en- carregavam do ensino de grande némero de alunos, emer- gindo, assim, » questao da coordenagio dessas ativida- des também no ambito das unidades eacolares. Ora, a reforma da instrugio publica paulista, implementa- 4a entre 1890 e 1896, pioneira na organizagso do ensino primé- rio na forma de grupos escolares, procurou preencher os requis 10s apontades. Tratava-se de uma reforma geral que instituiu 0 Conselho Superior da Instrugio Pabliea, a Diretoria Geral e 08 inspetores de distrito, abrangendo os ensinos primério, normal, secundério e superior (Reis Fiuo, 1996, pp. 90-202), Embora ozsa reforma paulista nfo tenha chegado a se con- sulidar, vendencta que ela reprosentava acabou por se impor, tornando-se referéncia para os demais estades ao longo da Pri- ‘meira Republica, ‘Logo apés a vitéria da Revolugdo de 1930, foi eriado o Mi- nistério da Educagio ¢ Saiide Pablica. A educagio comesava a ser reconhecida, inclusive no plane institucional, como uma questo nacional. Na seqiiéncia tivemos uma série de medidas relativas { educagao, de aleance nacional: em 1931, as reformas do minis- tro Francisco Campos; em 1982, 0 Manifesto dos Pioneiros da Educagio Nova, dirigido ao povo e ao governo, que apontava na diregto da eonstrugao de um sistema nacional de edueagéo; Constituigdo de 1934, que colocava a exigéneia de fixagao das diretrizes da educagao nacional ¢ claboragio de um plano naci nal de educacao; as “leis orgnicas de ensino", um conjunto de re- formas promulgadas entre 1942 0 1946 por iniciativa de Gustavo Capanema, ministro da Educagio do Bstado Novo. Em conseqiléncia da Constituigdo de 1946, que determinou. joa tarefa de fixar as diretrizes e bases da educagio nacio- nal, formulou-se, em 1947, um projeto que, apés diversas vicissi- tudes, veio a eonverter-se na Lei de Dirotrizes e Bases da Educa- iy 29.50 LEGADO EDUCACIONAL 00 SECULO XX NO BRASIL “sla acto), promslgadn om 20 deseo de 1961. Baa otro odicayiescubetantivas em 1968 397, ft abt eee recnl LOD promulgate em 20 de dovonbro de 1808 i B80/A: ux dow elementos apresentados, propus'uma periodiza-. Ho preliminar da histéria da escola piblieano Brasil como hipé- tase de trabalho orientadora das investigagies a ser, portanto, corrigida e aperfeigoada por essas mesmas investigagdes. Nessa Proposia de periodizagio, que antecipei em trabalho recente (Says, 2003), distingui duas grandes etapas. A primeira seria definida como “os antecedentas" o a segunda como a “histéria da escola pitblica propriamente dit. © Acprimeira etapa eomproenderia trés perfodos: o primeiro (454911765) corresponderia & pedagogia jesuftiea, isto 6, a escola péblica religiosa entendida em sentido amplo; 0 segundo (1759- 1827) estaria representado pelas “Aulas Régias”institufdas pela reforma pombalina, enquanto uma primeira tentativa de so ins- taurar uma escola publica estatal inspirada nas idéiasilumini tas, segundo a estratégia do despotismo esclarecido; eo terceiro periodo (1827-1890) consistiria nas primetras tentativas, descon tinuas e intermitentes, de se organizar a educacio como respon- sabilidade do poder pio representado pelo governo imperial e pelos governos das provincias A sogunda etapa se iniciaria em 1890, com a implantagao dos grupos escolares, e corresponderia a histéria da escola pabli- ca propriamente dita. Nela poderfainos distinguir os seguintes pe- sfodoe: 19 implantagSo progressiva e em ritmos diferenciados, nos ostados, das escolas graduadas primérias sob o impulso do Tluminismo republicano com o respaldo das escolas normais que comeyam a ser consolidadas, também,sob a forma graduada. Esse periodo abrange de 1890, quando ‘se dd no estado de Sao Paulo a organizacio da escola nor- mal graduada, até 1931, quando ¢ promulgada a refor- (© LEGADO EOUCACIONAL BO “LONGO SECULO Hx” BRASHEIRO 21 ‘ma Francisco Campos, dando infcio ao provesso de regula- ‘mentagiio da sistema de ensino em ambito nacional, 2) regulamentagio, em Ambito nacional, das escolas superio- res, seeundérias e primrias, incorporando crescentemen- te 0 idedrio pedagégico renovador. Bssa fase inicia-se em 1991 com a reforma Franeiseo Campos, aprofunda-se com 1 “leis orgnicas do ensino” integrantes da reforma Capa- nema evompleta-se com a promulgagio da primeira Lei de Diretrizes ¢ Bases da Edueago Nacional (LDB n, 4.024/61), ‘em 20 de dézembro de 1961, 3°) unificagio da regulamentagio da edueagao nacional, abrangendo as redes piibliea e privada sob o influxo di- reto ou indireto de uma concepsdo produtivista de esco- la, Esse perfoda estende-so da LDB de 1961 até a apro- vagdo da nova LDB (Lei n, 9.94/96), em 20 de dezembro de 1996. 2. A ESCOLA PUBLICA BRASILEIRA NO “LONGO SECULO Xx" Conforme indicado anteriormente, o “longo século XX" brasi- leiro, do ponte de vista da historia da escola piibliea, estende-se de 1890 aos dias atuais e corresponde & etapa da escola pablica pro- priamente dita na qual podemos distinguir trés perfodos distintos. “Abordemos seqitencialmente cada um desses trl porfodos, procu- rando identifienr o logado positive ou nogative por eles deixado edu cago das novas geragbes, 2.1. As escolas graduadas e 0 idedrio do Huminismo republicano (1890-1931) No final do Império intensificaram-se os debates sobre a questo da instrugao publica articulada com temas candentes que agitavam a sociedade brasileira, como 0 problema da Aboligio da 221% teca00 tDUCACIONAL DO SECULO AN NO BRASIL {0 {ECADO EDUCACIONAL DO “LONGO SECULO HX" BRASILEIRO. 23 eseravatura, a ampliagso do crédito, o incentive &imigraglo, a mo- dernizagio téenica da produsdo pela introdugao de méquinas, a reforma eleitoral, a questo republicana e a formagio do traba- Thador: “pensava-se na instituigo da escola piblica e na adopdo do ensino agricala para eriar 9 gosta pele trabalho no homem Ii vre nacional e ao escravo em via de libertagio” (Macuavo, 2002, P. 104). A linha geral dos debates apontava na diregio da cons- trugdo de um sistema nacional de ensine, colocando-se a instru- ‘46 paiblica, com destaque para as escolas primérias, sob a égide do governo central, seguindo, na verdade, a tendéncia dominante nos paises europous, assim como nos noses vizinhos, a Angenti- na, 0 Chile eo Uruguai, Emergia a tendéncia a considerar a esco- Ja como a chave para a solugio aos demais problemas enfrente- dog pela sociedade, dando origem a idéia da “escola redentora da huthanidade”. Nesse clima paresia que, efetivada a Aboligdo da eseravatura om 1888 o proclamada a Republica om 1689, a orga nizagio do sistema nacional de ensino, em que o governo central assumiria a tarefe de instalar e manter escolas em todos os povo- aados, seria uma conseqiéncia logica. Mas nio foi isso o que acon- teceu. Seja pelo argumento de que, se no Tmpério, que era um regime politico centralizado, a instrugio estava descentralizada, 4 fortiori na Repiblica Federativa, um rogime politico descentra- lizado, a instrugio popular deveria permanecer descentralizads; seja pela influéneia do modelo norte-americano, seja prineipal- amente pelo peso econdmico do cor eafeciro que desejave a dimi- nuigfo do poder central em favor do mando local, 0 certo & que 0 nove regime nlo asoumiu a inotrugdo publica como uma questo de responsabilidade do governo central, o que fai legitimado na primeira Constituigio republicana. Ao estipulay, no art, 35, que incumbe ao Congresso Nacional, ainda que ndo privativamente, “criar instituigdes de ensino superior ¢ secundério nos Estados” (nciso 3°) « “prover a instrugio secundaria no Distrito Federal” Gnciso 49), a Constituigéo, embora omissa quanto A responsubili- dade sobre o ensino primério, delegava aos estados competéncia para legislar e prover esse nivel de ensino. Assim, serao os esta- dos que irdo enfrentar a questo da difusdo da instrugio median- te a disseminagao das escolas primérias. Considerando-se que'o estado de Sao Paulo detinha a hege- ‘monia econdmica, dada sua condicao de principal produtor e ex- porladur de café e, com a Repablica, wlewuyuu lambém a hegemo, nia politica posta em pratica com a “politica dos governadores*, a ele coube dar a latgada no provesso de organizagio e implanta- so da instrugdo‘piblica, em sentido préprio, o que se empreen- deu por meio de uma reforma ample da instrugdo bordel periodo imperial. . Conscante a concepelo difundida na 6poca segundo a qual toda a reforma escolar poderia ser resumida na questo do mes- tre © dos métodos (Sovza, 1998, p. 39), a refursma comegou, em 1890, pela Eseola Normal. Caetano de Campos, entdo diretor da Rangel Pestana, o decreto de 12 de maryo de 1800. Inspirando-se no exemplo de paises como Alemanha, Sufga e Estados Unidos, Castano de Campos entendia que devemos “estudar nesses povos a maneira de ensinar”, considerando, porém, “a necessidade nao de adotar, mas sim adaptar esses métodos & nossa necossidade” (Reis Fuuo, 1995, p. 76). Sua convicgio era a de que “antes de re- formar a Instrugio Pablica do Estado, imperiosa e inadiavel ne- ccessidade”, se devia instalar “as ‘escolas-modelo’ de 2° e 3° graus, ‘anexas A Escola Normal” (idem, p. 78). Em conseqiéncia, é cria- da a Escola-Modelo, anexa & Escola Normal de Sdo Paulo, como uum 6tgio de demonstragdo metodologica, composta por duas clas- ses, uma feminina e outra masculina. Para reger a primeira foi contratada Dona Guilhermina Loureiro de Andrade e, para a se- gunda, Mies Méreia Browne, Em 1892 empreende-se, pela Lei n, 88 de 8 de setembro, re- gulamentada pelo Decreto n. 144B de 30 de dezembro, a reforma sgeral da instrugdo pablica paulista. Jaa decreto de 12 de margo de 1890 estabelecia em seus con- siderandos: 4) “a instrugdo piblica bem dirigida é 0 mais forte e oficaz elemento do progresso” (Reis Fito, 1995, p. 49); ) “de todos os fatores da instrugao popular, o mais vital, poderoso e indispensdvel 6 a instrucdo priméria, larga- mente difundida e convententemente ensinada” (idem, p. 50); ©) “sem professores bem preparados, pratieamente instrus- os nos modernos processos pedagégicos © com cabedal cientifico adequado as necessidades da vida atual, o en- sino nao pode ser regenerador o oficaz" (idem, ibidem). Polo primeiro considerands, fixava-se a idéia republicana da relevancia ¢ vrioridade da instrugao pablica. Pelo segundo, des- tablava-se a precedéncia do ensino primério so conjunto da ins- rug&a pishliea. R, pola tercairn, ealneava.se enma candida préwvia para a eficécia da escola priméria a adequada formagao de seus professores. Foi essa condigio que determinou a decisio de se iniciar a reforma pela Escola Normal. Feita essa reforma, cuja pedra de toque foi a implantagao da Escola-Modelo, passou-se & reorganizagdo da instrugo publica em seu conjunto. ‘Como indicado no segundo considerando do decreto de 1890, ‘embora a reforma promulgada em 1892 abrangesse a totalidade da instrugdo pablica, seu contro localizava-se na escola primdria. Ba grande inovagao consistiu na instituig&o dos grupos escola- res, “erindos para reunir em um sb prédio de quatro a dez esco- las, compreendidas no raio da obrigatoriedade escolar” (idem, p. 197). Na estrutura anterior as escolas primérias, entao chama- das também de primeiras letras, eram classes isoladas ou avul- ‘sas e unidocentes. Ou seja, uma escola era uma classe regida por uum professor, que ministrava o ensino elementar a um grupo de alunos em niveis ou estégios diferentes de aprendizagem. IB es- tas escolas isoladas, uma vez reunidas, deram origem, ou melhor, foram substitufdas pelos grupos escolares. (© LEGADO {DUEACIONAL 80 “LONGO SECULO 3X" BRASLERO 25, Cada grupo escolar tinha um diretor ¢ tantos professores quantas escolas tivessem sido reunidas para compd-lo. Na verda- de, essas escolas isoladas, uma vez reunidas, deram origem, no interior dos grupos escolares, as classes que, por sua ver, corr pondiem as aéries anuais, Portanto, a8 eseolas isoladas oram na~ seriadas, ao passo que os grupos escolares eram seriados. Por isso cesses grupos eram também chamados de escolas graduadas, uma, vyez que o agrupamento dos alunos se dava de acordo com o grau ‘ou a série em que se situavam, o que implicava uma progressivi- dade da aprendizagem, isto 6,08 alunos passavam, gradativamen- te, da primeira & segunda série e desta & terceira até concluir a iiltima série (o quarto ano no caso da instrugéo publica paulista), com a que conélufum 9 ensine orimério! Conforme registra Rosa Fatima de Souza, a razio dessa gradagio foi exposta com claroza pela diretora da Escola-Modelo “Maria Jose” em seu relatério de 1897: ‘Alga disso 0 ensino de iradativ; inte 6, em todos of anos do eurso preliminare es renter, os slunos devem aprender as mesmas enias, ensti- tuindo um conjunto de conhecimentos em graus diferentes, de modo & por i s6 formar um tedo, sendo ao mesmo tempo o preparo de ano ou do curso seguinte, Bstarepetiedo ascenden- te progressiva, e graduslmente mais desenvalvda 6 indispen- ‘sivel porque, como bem disae um dos organizadores do ensino brimério na Suigs, a8 nogbes fendamentais devem ser repeti- das tantas vezes quantas bastem para penetrar na inteligén- cio infantil, que nfo tem o poder de retengdo tt forte que 3 possem eonsiderardefinitivamente conservados os coahecimen- tos uma ver edquiridos (Sousa, 1998, pp. 184185). 1 progressive, ¢ raconalmente 1 Aveforma istitafda en 1692 previs, para cada ao do curso preliminar, 2038 fries as ees dspostivo a6 vigoros no primeiros dex anos de implantsgS0 {a reforms (Sours, 1988, p. 188) ag 24°8 csonno rovencionn 0 seu10 m1 no Bs ap seo fovenconns oo Ho no mage De acordo com o disposto no art, 5° do Regulamento da Ins- trugdo Pablica, de 27 de novembro de 1893, o curso preliminar tinha a duragio de quatro anos e compreendia o seguinte conteti- do curricular: Loitura e Dedugio de prin pios de gramstien; Bscrita e Ca ligrafia; Céleulo avitmetice sobre niémero inteiros e fragt Geometziapratica (taximetria) com as nogdes necessérias para ‘suas aplicagies & modiedo de superfieie e volumes; Sistema ‘métrio ¢ decimal; Desenho a méo livre; Moral prities; Edu capi elviea; NogSes gerais de Geografia Geral; Cosmogzafia; Googeafia do Brasil, especialmente a de Estado de Sto Paulo; [Nosées de fisice, quimica ehistévia natural, nas suse ais sim 1) Pies aplicagies, especialmente & higione; Historia e Leitura sobre a vida dos grandos homens; Leiture de Musica e Canto; Exercloos gindsticos militares, trabalhos manuais epropria- dos & idade e ao sexe [Ris Fino, 1985, p. 136). Os prineipios pedagégicas com base nos quais esses contexi- dos deveriam ser trabalhados pelo professor junto aos alunos integram aquela concepgio que a Bscola Nova velo, mais tarde, considerar pedagogia tradicional: 2) Simnplicidado, andlicee progressividade~0 ensino deve ea- ‘mopar pelos elementos mals siinples © esforgo pedagéica coxige a andlise da matéria ensinda, de modo a decouipir a num certo mimero de elementos que serdo individual. mente féceis de assimilar. 0 espirito do aluno, progressi- vamente, vai-se enriquecondo & medide que adquire os novos conhecimentos gradualmente dispostos. ') Formalismo ~0 ensino chega ao eneadeamento de aspectos { rigorosamenteligieos.O ensino esforea-s por ser dedutivo,» ©) Memorizagao ~ A decomporipao do eontaide do ensino em elementos Faciita a memoriznglo. A medida do conhesimen- (0 LEGADO EOUCACIONAL BO “LONGO SECLIO XX" BRASLEIRO_27 todo aluno é dada pela sua eapacidade de ropetir 0 que fot ensinado polo professor. 4) Autoridade A escola elabora um aistoma de prémios ecas- tigos, de sangdes apropriadas da modo a garantir que a or- ‘ranizagao pedagsgtes hind professor 1) Emulagao- A ideia de dever, anecessidade de aprovagdo e ‘sentimento do mérito ea desenvolvides para manter aati- vidado eteolar,¢ completa, desse modo, o principio de aus toridade 1 Intuigao o ensine deve partir de uma percepeto senstvel (0 principio da intugo exige o oferecimento de dados sen- siveis A otsvrvagdo © & pereepylo do aluao. Descavelvem- 6, entdo, todos o8 processoe de llustragao com objotos, ve sempre si auluridade do animais os suas Giguras fidem, p. 68 Esse tiltimo prinefpio remete diretamente ao método intuiti- vo, Tal método, que surgira na Alemanha no final do século XVIII ce que fora divulgado pelos dise/pulos de Pestalozzi no decorrer do século XIX na Europa e Estados Unidos, esteve na pauta das pro- postas de refarma de instrugio publica formuladas no final do Império, Rui Barbosa foi um grande defensor desse método, cujos prineipios ¢ fundamentos foram por ele sistematicamente apre- sentados em seus eélebres Pareceres, culminando com a tradugio do livro de Calkins sobre as ligdes de coisas, que é a esséncia do ‘método intuitivo, Caetano de Campos foi um entusiasta desse mé- todo e por ele se guiou na organizagio das escolas-modelo e dos gru- pos escolares, Diferentemente do Império, quando no havia preocupagao com as construgbes escolares, pode-se dizer que nos governos re- publicanos de Sio Paulo o processo global de reforma da instru- ‘sao publica contemplou uma politica de construgdes escolares consentanea com a importincia que se conforia & educacao, ten~ do om vista a centralidade por ela ocupada no idedrio republica- i i ‘ no, Segundo essa diretriz, foram sendo construfdos na capital ¢ nas principais cidades do interior edificios para abrigar as esco- las normais e, também na capital e ns-maioria das eidades do interior, prédios proprios para neles serem instalados os grupos cacolares. Em geral o grupo escolar era erigide nas pragas uu russ centrais das cidades, destacando-se entre os mais vistosos prédioz piiblicos, competindo com a Camara Municipal, a igreja e as re déncias dos poderosos do lugar. Os grupos escolares eram, pois, ‘um fendmeno tipicamente urbano, No meio rural ainda prevale- ciam as escolas isoladas que passaram a ter um earéter provisé- rio; eram destinadas, portanto, a desaparecer, enquanto os grupos cescolares foram firmando-se como as escolas primérias propria- ‘mente ditas, a tal ponto que grupo escolar e escola prizria se tornaram sinénimos, Deflagrado o processo a partir de 1893, ano om que se ciou a implantago das medidas institufdas pela reforma de 1892, 08 grupos escolares foram disseminando-se pelo estado de S30 Paulo, chegando, em 1910, a 101, sendo 24 na capital e 77 no inte- rior (Souza, 1998, p. 160). De So Paulo o modelo irradiou-se pelos demais estados Conforme relata Luciano Mendes de Faria Filho, ao reali- zar uma viagem téeniea em 1902, quase uma década apés a im- plantacdo dos grupos escolares em Sao Paulo, o inspetor do Bnsi- xno de Minas Gerais, Estevam de Oliveira, “ficou deslumbrado com oespetéculo de ordem, eivismo, distiplina, soriedade e competén- cia que disse observar nas instituigées de instrucio priméria da capital paulista” (Fania FiLvo, 2000, p. 27). Essa viagom foi deci- siva para transformar Estevam de Oliveira em defensor ardoro- 50 da implantagio dese modelo em Minas Gerais, no que ele foi seguido pela “totalidade dos inspetores escolares” assim como por “boa parte dos politicos e autoridades republicanas” (idem, ibidem), B, de fato, em 1906 comogam a ser implantados, a partir de Belo Horizonte, os primoiros grupos escolares do estado de Minas Gerais (idem, p. 48). (0 LEGADO FOUCACIONAL G0 "LONGO SHCULO 1X” BRASHEIRO 29 No estado da Paraiba, conforme se pode ver na mensagem. enviada a Assembléia Legislativa pelo governador do estado (Prstzino, 2002, p. 127), a proposta de eriagdo de grupos escolares data de 1908, mas a implantagdo efetiva veio a ocorrer apenas & partir de 1926 (idem, p, 159), Nu Rio Grande de Norte 0 primeiro ‘erupo escolar foi instalado em Natal em 1908 (Monstra & Anatso, 1997, p. 116), ano em que também foi criado em Vit6ria, no Bspf: rito Santo, o primeiro grupo escolar, pelo Decreto n. 166, de 5 de setembro de 1908 (Fenneira, 2000, p. 8). Bm Santa Catarina a primazia na instaldgdo dos grupos escolares pertenceu a Lages, cidade natal do entae governador Vidal Ramos, que emprestou seu nome ao primeiro geupo escolar criado em 1911 (Frost, 1991)..No Parané a criagéo dos grupos escolares comega em.1903,.em. Curitiba, “tendo por modelo a estrutura de grupo escolar do Bs- tado de Sa0 Paulo” (OLsvuina, 2000, pp. 1-2). Trata-se, pois;de um ~ modelo que se foi disseminando por todo o pats, tendy eunforum- do a organizagao pedagégica da escola elementar que se encontra em vigéncia, atwalmente, nas quatro primeiras séries do nosso en- sino fundamental, Com certeza 6 esse o principal legado educa- ‘cional que a fase inieial da “longo século XX" nos deixou. Mas convém registrar que nti foi um legado apenas positi- vo, Em verdade, a reforma paulista de 1892 nao chegou a se con- solider. Em 1° de agosto de 1896 o cargo de diretor geral da Ins- trugio Publica © a Secretaria Geral sto suprimidos pela Lei n.430. E um ano depois, em 26 de agosto de 1897, a Lei n. 520 extingue 0 Conselho Superior de Instrucdo Pablica e as inspetorias distri- tais, ficando a diregao © a inspecde do ensino sob a responsabi lidade de um inspetor geral, em todo o estado, auxiliado por dez inspetores escolares, Assim, “volta-se & pratica, anterior & refor- ima, de em eada municipio a fiseatizagio das escolas estaduais ser exercida por delegados ou representantes das municipalidades” (Reis Fito, 1995, p. 128. Essa involugdo na veforma do ensino paulista coincide com da oligacguia cafecira, que passa a gerit a consalidagso do domin' o regime republican por meio de “politien dos governadores” Seria precigo esperar o periodo final da Repablica Velha com a crise dos anos de 1920 para retomar as reformas estaduais da ins- truglo pblica erecoloearo problema do sistema de ensino, que pasoard a tor im tratamenta em ambito nacional apéx a Reval flo de 1980, Quanto ao significado pedagogio da implantagao do mode to dos grupos escolares, cumpre abservar que, de uit lado, agra dluagto do ensino levava a uma mais eficente divisto do traba- Iho escolar, a0 formar classes com alunos de mesmo nivel de aprendizagem, E essa homogeneizacio do ensino possbilitava um melhor rendimento escelar, Mas, em contrapartida, essa forma de organizagao condusia também, a mais efinados mecanismos de selesto, com altos padrves de exigénciaesctlar, “doterminando inimeras e desnecessérias barriras & continuldade do processo eaiueativo", 0 que acarretava “o acentuado aumento da repetén- cia nas primeitas séries do curso” (idem, p. 138). No fundo, era uma escola mais eficiente para o objetivo de selegao e formagao das elites, A questi da edueagdo das massas populares ainda nfo secolocava, Essa questo emergirg na reforma paulista de 1920, condusida por Sampaio Déria, nica deatre as varias reformas estadusis da década de 1920 que procurou enfrentar esse proble sa proposto nos seguintes tarmoe: “encontrar uma formula para resolver o problema do analfabetismo” numa situagdo om que mais da motade da populagdo paulista entre 7 e 12 anos deidade esta- va fora da escola eo orgamento do Estado ndo permitia a eleva: a0 substantive dos gastos com edueagdo (Nadie, 1974, p. 207). Dante dos prinefpiosrepublicanos que coloeavam a instrugdo po- polar como wm “dever primacial’, 0 entao presidente do estado concluis que “dar instrugdo a alguas endo dar a todos 6 profun- damente injusto” (idem, p. 208). A luz desse entendimento, a re- forma Sampaio Dériainsltuiu uma escola primriacuja primet- ra.tapo, com a duragto de dois anos, seria gratuita e obrigatéria para tdos, tendo como objetivo garantir a universalizago das pri {0 LiGADO EOUCACIONAL £0 “LONGO SECLLO XX" ARASWEICO 3 meiras letras, isto 6, a alfabetizagao de todas as eriangas em ida- Ge escolar. Essa reforma, que, segundo o proprio Sampaio Déria resultaria em “um tipo de escola priméria, aligeirada e simples” (idem, ibidem), recebeu muitas eritieas o acabou nao sendo ple- namente implantad: 2.2. Regulamentacao nacional do ensino e 0 ideario pedagégico fenovador (1931-1961) Do ponta de vibta da administragao do ensino pablico, 0 ad- vento da Repiblica marcow uma coatinuidade em relagdo ao Im- pétio, ag manteras escolas primérias, portanto, oensino popular, ob a dgide das provincins, transformadas em estados federados, Difereneiou-se, no entanto, pela laicidade. A primeira Constitui- do republicana definiu o ensino péblico como leign, avolindo o nein rliyioso das escolns oficaie. Bm contraposigo, « Ravaln- ao de outubro de 1980 iré ter como conseqiéncia imediata uma {nflexto na questo da laicidade, a0 mesmo tempo em que sinali- zava na diregio dese considerar a educacto, em seu conjunto, como dima questi nacional. £ essa a conelusio que podemos tirar a0 onatatar que, vitorioso 0 movimento revolucionério, fol eriado, tlinda om 1830, 0 Ministério da Bducacio e Sadde Pablica, endo aque uma das primeiras medides tomadas pelo titular da nova pas- ta foi 9 restabelecimento do ensino religioso nas eseolas pablicas. ‘Ao longo da Primeira Republica, volta e meia ocorriam re- feroncias no sentido de se envolver 0 governo central com 0 pro- blema da dissominagdo da nstrugao publica primar B em 1925, por ocasiao da reforma Rocha Vaz, do Governo Arthur Bernardes, tatabelecou-se um acordo entre @ Unido e os estados visando a promover o ensino primério que, porém, nto chegou a se traduzir tm medidas concretas, Por sua vez, o ministro da Edueagao e Sas de Palio, jé em abril de 1931, baixow um conjunto de seis deere- to, conhesidos como reforma Francisco Campos. Os refers de- crotos forex os seguintes eal eu 32,9 LEGADO eDUCACIONAL BO SLCLLD XK NO a) Decreto n, 19.860, de 11 de abril de 1981: eria o Conse- Tho Nacional de Educagao; 1b) Decreto n, 19.851, de 11 de abril de 1931: dispde sobre a “organizagio do ensino superior no Brasil e adota 0 re me universitério; ©) Decreto n, 19,852, de 11 de abril de 1931: dispde sobre a organizagio da Universidade do Rio de Janeiro; 4) Decreto n. 19.890, de 18 de abril de 1931: dispoe sobre a organizagao do ensino secundério; ©) Decreto n. 20.158, de 30 de junho de 1931: organiza o ensino comercial, rogulamenta @ profissiio de contador ¢ 44 outras providéncias; 1) Detieto n, 21.241, de 14 de abril de 1932: consolida as dispasighes sobre a organizagao do ensino seoundério, Como se vé, o ensino primério ainda ndo 6 contemplado nes- ssa reforma. Entretanto, dava-se um passo importante no sentido da regulamentacdo, em &mbito nacional, da educagao brasileira, Com efeito, o Consetho Nacional de Bducagio, eriado pelo Decre- ton. 19.850, constitui uma instancia permanente, de jurisdigao em todo o territério nacional, destinada a cuidar das questdes edueacionais, analisando-as e propondo as solugbes pertinentes, Por sua vez, o Estatuto das Universidades Brasileiras instituido pelo Decreto n, 19.851, aa prever, entre aa exigéncias para a cons- tituigdo de uma universidade, a Faculdade de Edueagio, Ciéncias e Letras, estava sinalizando a importncia da area de educagio, Alias, essa faculdade fazia-se presente também na reorganizagio da Universidade do Rio de Janeiro (Decreto n. 19.852), definida pelo ministro como “modelo para as universidades ¢ institutos equiparados” (CaPos, 2000, p. 126). Com os demais trés deere- tos, além do ensino superior, também os ensinos secundarig e co mercial foram dotados de uma estrutura organiea de cardter obri- gatério em todo o pais. © LEGAGO EOUCACIONAL 00 “LONGO SECULO XX” BRASILEIRO 33 Como uma espécie de coroamento de um processo que se vi- nha desenvolvendo desde a criagio da Associagao Brasileira de Educagao (ABE), em 1924, foi langado om 1932 o Manifesto dos Pioneiros da Edueagdo Nova. Dirigido “ao povo e ao governo", esse ‘manifesto propunha-se a reulizur x recoustiugao soctal pela re- construgio edueacional, Partindo do pressuposto de que a educa- io € uma fungdo essencialmente pibliea, e baseado nos princi- pios da laicidade, gratuidade, obrigatoriedade, co-educagao tunicidade da escola, o manifesto esboca as diretrizes de um sis- tema nacional de edueagdo, abrangendo, de forma articulada, o8 diferentes niveis de ensino, desde a educagao infantil até a uni- versidade. Apés diagnosticar o estado da educagao publica no Brasil, afirmando que “todos os nossos esforgos, sem unidade de plano e sem espirito de continuidade, nao lograram ainda eriar tum sistema de organizagao escolar & altura das necessidades ‘modernas e das nevessidades do pats” (Maxirusru, 1984, p. 407), enuneia as diretrizes fundamentais e culmina com a formulagio de um “Plano de revonstrugao educacional” (idem, p. 417). Pela leitura global do Manifesto, pode-se pereeber que a idéia de plano de educagdo se aproxima, af, da idéia de sistema educacional, isto é, a organizagao l6giea, coerente e efieaz do con- Junto das atividades educativas no Ambito de determinado pats. ‘Trata-se, no caso em questo, do conceito de plano entendi- do como um instrumento de introdugio da racionalidade cientifi- cca no campo da educacio em consondncia com o idedrio escolano- vista, para o qual °os traballos cientificos no ramo da educacso | nos faziam sentir, om toda a sua forga reconstrutora, 0 axioma, de que se pode ser tdo cientifico no estudo e na resolugo dos problemas educativos, como nos da engenharia e das finangas” (idem, p. 408). © Manifesto é um documento de politica edueacional em que, mais do que a defesa da Bscola Nova, esté em causa a defe- sa da escola pliblica, Nesse sentido ele emerge como uma propos- ta de construgio de um amplo e abrangente sistema nacional de 34 Pltecavo tOUCACIONAL DO SECULO 2% NO BRAS ‘edueagdo piblica. E esta me parece ser uma originalidade do caso brasileiro. Com efeito, na Europa (o caso dos Estados Unidos deve ‘ser considerado & parte) as iniciativas que integraram o Movimen- to da Escola Nova, via de regra, deram-se no ambito das escolas privadas, ficando & margem do sistema piihlico de ensino. Moe ‘mo quando se pretendeu atuar no ambito do ensino piiblico, a ten- tativa fracassou, como foi o caso de Freinet, na Franga, que acabou sendo demitido de sou cargo como professor puiblico no municfpio de Vence. Em conseqdéncia, fundou sua prépria escola, onde de- Senvolven suas experitncias pedagégicas. Como documento de politica educacional, 0 Manitesto ex- ressa a posicao de uma corrente de educadores que busca firmar- pela coesto interna e pela conquista de hegemonia educacional iante do conjunto da sociedade, capacitando-se, conseqiientemen- te, 0 exercicio dos cargos de dirego da educagéo publica, tanto ‘no mbito do governe central como dos ustudus federados. 0 Manifesto apresenta-so, pois, como um instrumento poli- tivo, como ¢ proprio, alids, dese “género literdrio", Expressa a po- sisdo do grupo de educadores que se aglutinou na década de 1920 ¢ que vislumbrou na Revolugio de 1980 a oportunidade de vir a exercer o controle da educagao no pais, O ensejo para isso se manifestou por ocasitio da IV Conferéneia Nacional de Educagio. realizada em dezembro de 1931, quando Getsilio Vargas, chefe do governo provisério, presente na abertura dos trabalhos ao lado de Francisco Campos, que se encontrava a testa do recém-criado Ministério da Educago e Satide Publica, solicitou aos prosentes que colaborassem na definigao da politica educacional do novo governo, O impacto gerado pela soticitagko de Vargas, que tumul- tuou 2 Conferéneia Nacional de Edueagio, seguido da resposta objetivada no texto do Manifesto divulgado em margo de 1932, rovocou o rompimento entre o grupo dos renovadores e 0 grupo eatélico, que decidiu retirar-se da ABE e fundar, em 1933, sua prépria associagio, materializada na Confederagao Catélica Bra- (© LECADO FOUCACONAL BO “LONGO SECULO Xx” BRASLRO 35 sileira de Edueagdo, que realizou em 1984 o I Congreso Nacio- nal Catélico de Edueagéo. ate (0 Manifesto dos Pioneirds da Educagio Nova pode, pois, ser considerado um importante legado que nos 6 deixado pelo séeulo XX. um marco de referéncia que insptrou as geragbes seguin- tes, tondo influenciado, a partir de seu langamento, a teoria da edueagao, a polftica edueseional, assim como a prética pedagdgi- ca em todo 0 pats. Trata-se de um rico legado que, nas palavras de Libania Nassif Xavier, representa um “divisor de éguas” na histéria da edueagad brasileira:“[..J interferiu na periodizagao de nossa histéria edveacionsl, estabelecendo novos marcos e forne- cendo novas valoragées a determinados principios e idéias, ¢ a cevtas realizacSes no campo educacional” (Kavisr, 2002, p. 71). AAs dizetrizes e posigdes firmadas no Manifesto fizeram- sentir nos debates da Constituinte de 1983-1984, influenciando texto da Constituigso de 1984, eujo art. 150, alinea “a”, estabele- cou como compoténcia da Unige “fixar o plano nacional de educa- fo, compreensivo do ensino de todos os graus ¢ ramos, comuns € cespecializados; coordenar e fisealizar a sua execugio, em todo o territério do pais". A mesma Constituigio de 1984 consagrou 0 Conselho Nacional de Educagto, atribuindo-Ihe como principal funelo a de elaborar ¢ Plano Nacional de Bducagio. Para atender essa finalidade, o Conselho eriado pelo Decreto n. 19.860, de 11 de abvil de 1981, foi reestruturado ¢ reinstalado em 11 de feve- reiro de 1981. ‘A Constituicéo Federal de 1984 foi também a primeira das nossas carlas magnas a fixar como competéneia privativa da Unido “tragar as diretrizes da educagio nacional” (art. 5°, inciso XIV), ese dispositive deixa clara a exigéncia de se organizar @ ceducagao em ambito nacional, jé que estabelece a necessidade de diretrizes a serem observadas em todo o territério do pais. Essa ‘exigincia manteve-se, embora com outra formulagao e com outro espitito, na Constituigao do Estado Novo, promulgada em 10 de novembre de 1987, que, no art, 15, iniso IX, estabelece como com- 3) vecnoo eDUCACIONAL 00 SECO HK NO BRASIL peténcia privativa da Unio “fixar as bases e determinar os qua. dros da educagio nacional, tracando as diretrizes a que deve obe- Aecer a formagti fisica, intelectual e moral da infancia e da ju- ventude”. Com essa referéncia explicita a infiineia e juventude, fica claro 0 propésite de colocar, além da edneagia secundaria ¢ superior, também a educacdo priméria sob a responsabilidade do governo central, ‘Um outro aspecto relevante que emorgiu na década de 1930 foi a questio da formacao de professores. E jd que a formagio de professores primérios havia sido de algum modo equacionada com a criagdo das escolas normais, agora as atengies se voltam pata © problema relativo ao preparo dos docentes do ensino secundé- rio, Assim é que Francisco Campos, ao propor no Decreto do Es- ‘tatuto das Universidades Brasileiras aoriagao da Faculdade de Edltcagio, Ciéneias e Letras, justifiea-a como um instituto de alta enltnra, mas argumenta quo noo pafacs'im formage coiy v nus 50 a Faculdade de Educagio, Ciéncias e Letras teria que ter um caréter misto e especial, sendo provida, ao mesmo tempo, de fun- es culturais e de um papel eminontemente utilitario e pratico. Considerando que “o ensino no Brasil é um ensino sem professo- +es, isto 6, em que os professores criam a si mesmos, ¢ toda a nossa, cultura é puramente autodidética” (Capos, 2000, p. 127), 0 mi- nistro corielui que a nova faculdade néo seria apenas um “érgio do alta cultura ou de ciéncia pura e desinteressada” mas deveria ser, “antes de tudo e eminentemente, um Institute de Educacao” (idem, p. 128) cuja fungdo precfpua'seria a formagio dos profes- sores, sobretudo ox do cnsino normal e secuuidriv, A nova faculdade prevista por Francisco Campos nao ehe- ‘gou a ser instalada, Mas o Decreto n. 1.190, de abril de 1999, de iniciativa do ministro da Edueagao Gustavo Capanema, reorga- nizou, na Universidade do Brasil, a Faculdade Nacional de Filo- sofia, que ficou estruturada em quatro segées: Filosofia, Ciéncias, Letras e Pedagogia, as quais se acrescentou, ainda, uma segao especial denominada Didétiea CG LECADO {OUEACIONAL DO “LONGO SLCLNO KX” BRASILEIRO 37 Dado que a Faculdade Nacional de Filosofia foi considera- dda modelo para as demais faculdades de flosofia,ciéncias e le- tras instaladas no pals, a partir da regulamentagao decorrente do Decreto n, 1.190/99, tados os cursos dessas faculdades se organi- zaram em cise modaldees: 9 hacharelado, com a duragio de trés anos, €a licenciatura, O curso de pedagogia foi definido como um curso de bacharelado ao lado de todos os outros eursos das demais seq0es da faculdade. O diploma de licenciado soria abtido por meio do curso de diddtica, com a duragio de um ano, acrescentado a0 curso de bacharelado, o que deu origem ao famoso esquema co- rhecido coma “2+”, que foi fexibilizado a partir de 1962. A base organizacional da formagio em nivel superior dos profissionais da educagdo, af compreendides os professores ¢ 03 pedagogos, decor- re dessa estruture implantada em 1939 que, embora tendo soft do algumas alteragtes ¢ diverse: contestagées, no fundamental rmantém-se om vigor sinds haja Baste, pois, mais um legado que 1os foi deixado pelo século XX. ae? ‘Tendo substitutdo Francisco Campos no Ministério da Bdu- cago a partir de julho de 1934, Gustavo Capanema deu seqién- cia ao processe de roforma educacional, interferindo, nos anos de 1980, no ensine superior e, a partir de 1942, nos demas niveis de ensino por meio das “leis orgdnicas do ensino*, também eonheci das como reforma Capanema, abrangendo os ensinos industrial e secundério (1942), comercial (1943), normal, primério e agricola (4946), complementados pela eriagéo do Servigo Nacional de Aprendizagem Industrial (Sex) (1942) e do Servigo Nacional de “Aprendizagem Comercial (rac) (1946). Pur essas formas o en- sino primdrio foi desdobrado em ensino primario fundamental ¢ ensino priméria supletive. Para o primério fundamental, desti- nado a eriangas entve 7 ¢ 12 anos, foram previstas duas modali- dades: o ensino primério elementar com duragéo de quatro anos ‘eo onsino primario complementar, de apenas um ano, acrescen- tado a0 eurs0 primérie elementer. O ensino primério supletiva, com a duragdo de dois anos, destinava-se a adolescentes ¢ adul- tos que nao haviam tido a oportunidade de freqtientar a escola na idade adequada. O ensino rédio ficou organizado verticalmen- te em dois ciclos, o ginasial, com a duragdo de quatro anos, ¢ 0 colegial, com a duragio de tres anos e, horizontalmente, nos ra- ‘mos secundvio e téenico-profiasional. O raio proficoional sub- dividiu-se em industrial, comercial e agricala, além do normal que mantinha interface com o secundério, Como se va, até af, a regulamentagao do ensino ia sendo fei- ta conforme as urgencias definidas pelos grupos que assumiam o controle politico do pafs. Assim, enquanto Franciseo Campos se coneentrou no ensino superior, secundério e comercial, Capane- ‘ma, nas leis organicas, comegau pelo ensino industrial, depots 0 secundétio atingindo, na seqiiéncia, os ensinos ev-nercial, normal, primério e agricola, Embora por esse caminho praticamente todo © aresbougo da educacao tenha sido afetado, prevalecia, ainda, 0 mecanismo de se recurrer a ruformas paretals, fazendo falta um plano de conjunto que permitisse uma ordenagEo unificada da edu cago nacional em seu todo, tal como preconizara o Manifesto dos Pioneiros da Educaglo Nova. Hsea exigéncia manifestou-se com 8 promulgagao da nova Constituigio Federal em 18 de setembro de 1946, que definiu como privativa da Unido a competéneia para “fixar as diretrizes ¢ bases da educagdo nacional”, Em cumprimento a esse dispositive constitueional, o entéo ministro da Educacao, Clemente Mariani, partir do trabalho pre- liminar de uma eomissao constitufda por educadores de diferen- tes tendéncias, encaminhou ao presidente da Republica para ser submetido & apreciagdo do Congresso Nacional um projeto que, apés uma longa e tumultuada tramitagao, se converteu na nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Edueagdo Nacional, promul- gada em 20 de dezembro de 1961. Do ponto de vista da organizagio do ensino, a LDB (Lei 1. 4.024/61) manteve, no fundamental,» estrutura em vigor de- corrente da reforma Capanema, flexibilizando-s, porém. Com efei- to, do conjunto das “leis orgénicas do ensino” decretadas entre © LEGADO eOUCACIONAL BO “LONGO SECULO xx 1042 ¢ 1946 resultou uma estrutura que previa, grosso modo, um curso primério de quatro anos, seguido do ensino médio com a du- ragio de sete anos, dividido verticalmente em dois ciclos, o gina- sial, de quatro anos, ¢ 0 colegial, de trés anos, divididos horizon Usluteule uos ramos secundaria, normal ¢ téonico, sendo este, por seu turno, subdividido em industrial, agricola e comercial. Ocor- re que, nessa estrutura, apenas o ensino secundério dava acesso ‘a qualquer carreira do ensino superior. Os demais ramos do en- sino médio s6 davam acesso as carreiras a eles correspondentes. Por outro lado, se uin aluno quisesse passar de um ramo a outro do ensino médio, ele perderia os estudos jé feitos, tendo que co- megar do inicio no novo ramo, [ssa estratura foi mantida pola LDB mas foi flexibilizads, isto 6, tornou possivel que, mediante aproveitamento de estudos, os alunos pudessem transferir-se de um ramo a outro do ensine médio e, apés coneluiz qualquer ramo desse nivel de ensino, vies- sem a ter acesso, por meio do exame vestibular, a qualquer eurso de nivel superior. Em suma, podemos ver que, nesse segundo periodo do “lon- go século XX", enquanto do ponto de vista institucional se cami hava, das partes para o todo, na direcdo da regulamentagio do ‘ensino brasileiro, do ponto de vista das idéias educacionais, ga- ‘hava terreno o movimento renovador, cujos representantes, des- de 1990, foram erescentemente ocupando os postos da burocracia educacional oficial, tendo oportunidade de ensaiar varias refor- ‘mas, eriar escolas experimentais e implementar os estudos peda- ‘g6gicos, impulsionados de modo especial a partir da criagdo do Inzr. Com efeito, a gestao de Anisio Teixeira como diretor geral da Instrugio Pabliea do Rio de Janeiro, entio Distrito Federal, a partir de 15 de outubro de 1981, com a eriagao da Escola de Pro- fessores em 1932; a fandagéo, pelo mosmo Anisio, em 1935 da Universidade do Distrito Federalya criagdo, em 1938, do Institu- to Nacional de Estudos Pedagégicos, o Iner, hoje Instituto Nacio- nal de Estudos e Pesquisas Bducacionais; a fundagéo da Cares,

You might also like