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) 6 6 -— cadernos de teatro EXPRESSAO CORPORAL — Nelly Laport MANIFESTO EXPRESSIONISTA — Poul Kornfeld ASSASSINO, ESPERANCA DAS MULHERES — Oskar Kokoschka A MORTE E 0 DEMONIO — Frank Wedekind DOS JORNAIS CADERNOS DE TEATRO N. 66 julho/agosto/setembro-1975 Publicagio d'0 TABLADO patrosinado pelo Servigo Nacional de Teatro (MEC) Redago ¢ Pesquisa ’O TABLADO Diretor-responsével — JoKo Séxcio Maninno Nunes Diretor-executivo — MARIA CLARA MacHADo Redator-chefe — Viroisin Vauut Diretor-tesoureiro — Eppy REzENDE NUNES Secretirio — Sixvia Fucs Redagio: © TABLADO. ‘Ay. Lineu de Paula Machado, 795 ZC 20 Rio de Janeiro — Brasil (03 textos publicados nos CADERNOS DE TEATRO 36 poderdo ser represeniados mediante autorlzagao fa SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teairais), a, Almirante Barroso, 97, Rio de Janeiro. ASSASSINO, ESPERANCA DAS MULHERES * de Oskar KoxoscuKa ‘Traducdo de Lurs Francrsco REBELLO PERSONAGENS: 0 Homes A MULuER Coro DE GUERREIROS = MULHE- RES Céu noturno. Uma torre cujo por- tio é uma grade vermelha de ferro. A iluminagdo é dada apenas por ar- ‘chores acesos. O chido & negro, sobe fem degraus do proscénio até a'torre, dando a impressio de as persona ‘gens aparecerem em relevo. 0 Homem, de rosto branco, arma- dura azul, um lenco cobrindo uma ferida, rodeado por um grupo de guerreiros de aspecto selvagem, per- rnas nuas, trajes brancos, pretos € ccastanhos, lencos cinzentos € verme- Thos, brandindo os archotes acesos, ‘murmurando confusamente; com mo- vimentos lassos procuram deter a ‘marcha do cavaleiro e da sua mon- tada e derrubé-la; mas 0 Homem segue em frente e eles abrem um cir= culo a sua volta, gritando em cres- cendo. Cono pos GuERREIos — Nés ramos 0 disco flamejante & tua vole ta, © disco flamejante A tua volta, assaltante da fortaleza inexpugndvel! Seguem-no_hesitantemente como uma procissio que ele conduz, te- vando a sua frente um homem de archote aceso. ‘Coro pos Gusrretos — Homem do rosto palide, s& 0 nosso condu- tor! Quando estéo prestes a derrubar © cavalo, o grupo das mulheres sobe pela esquerda, conduzido por uma ‘mulher alta, vestida de vermetho, ca- belos louros caldos sobre os ombros. ‘A Mutner (alto) — A minha respiragio faz ttemer 0 disco ama~ relo do sol. Os meus olhos agarram © entusiasmo dos homens. A sua balbuciante luxtria rasteja como um bicho & minha volta, As mulheres que a seguem sepa- ram-se dela, Sé depois notam a pre- senga do cavalheiro armado. 1.4 Mutter po Coo — Mulher! © seu hilito cola-se-Ihe! 1.9 GUERREIRO (aos outros) — (© nosso chefe & como a lua que des- ponta no oriente. 28 MuLuteR (desviando a vista) — Quando é que eles se enlacario jubilosamente? 5 dois coros dispersam-se em grupos, ao longo do palco. 0 Ho- ‘mem ea Mulher encontram-se ao ‘centro, diante do portdo de ferro. Pausa, A Muuaer (observa-o fascinada; para si) — Quem é este estrangeito ‘cujos olhos pousaram em mim? 0 coro feminino reune-se no pros- cénio. 1.8 Mutter Do cono (reconhe- ccendo-o, num grito) — A sua irma ‘morreu de amor! 28 MutiER — © melodia do tempo, flores que ninguém viu. © Home (surpreendido; 0 cor tej0 conduzido por ele para) — Sou ex por ventura real? O que disseram as sombras? (Erguendo 0 rosto para ela) Olhaste para mim? Olhei eu para ti? ‘A MULuER (dividida entre o dese- jo e 0 medo) — Quem & este ho- mem de rosto pélide? Nao o deixem avangar! 18 MULHER po CORO (recwando, num grito estridente) — Porque The permitiram que entrasse? Este é 0 que estrangula a minha irmd quando reza no templo. 1.9 GusRREIRo (dirigindo-se a 1. ‘mulher do coro) — Vimo-lo atra- vessar 0 fogo, € os seus pés nada sofreram, 2.8 GueRREIRO — Torturow ani- mais até A morte, com a pressiio das suas coxas matou as éguas que relin- chavam, 3.9 GuERREIRO — Cegou os pés- saros que voavam diante de nbs, afo- {gou peixes vermelhos na areia, © Home (irritado, excitado) — ‘Quem ¢ esta criatura que orgulhosa- —— 24 ‘mente, como um animal, se apascen- ta no meio do seu rebanho? 1.9 Guerreo — Ela adivinba ‘© que os outros nfo entendem, 2.0 Guerneino — E aprende 0 que ninguém viu nem ouviv. 3.° Gusrreio — Dizem que até (5 passaros mais timidos se acercam dela e deixam-se agarrar. MULER DO Coro (ao mesmo tempo que os guerreiros) — Senho- za, vamo-nos embor 28 Muir — Fujamos, senho- ral 3.8 MULHER — Que ele ndo seja nosso h6spede nem respire 0 ar que respiramos. Que no partilhe a nos- sa habitagdo. O sew aspecto causa- nos pavor... Os guerreiros, hesitantes, avan- gam. As mulheres assustadas agru- pam-se awn canto. A Mulher apro- ima-se do Homem a passos lentos, Ccautelosos, como um cacador atrés da sua presa. 1.8 Muuner — Pouca sorte a dele! 19 GueRreiRo — Pouca vergo- nha a dela! ‘A Mouiter — Porque me pren- es, homem, com o teu olhar fixo? Luz devoradora que obscurece a mi nha chamal Vida devastadora que me avassalal Arranca-me a minha terrivel esperanca! © Homest (enraivecido) — Com- panheiros, marcai-a agora com 0 meu ferro; gravai-lhe o ferro. em brasa na sua care rubra! Os guerreiros executam a ordem. Brandindo os archotes, lutam com ela, dominando-a; entdo um velho, com um ferro em brasa, rasga-the 0 vestido € marce-a. ‘A MuLiEr (solta um grit con- vuloso de dor) — Afastai de mim estes homens — cadveres devoran- tes! Precipita-se sobre 0 Homem com uma navatha, ferindo-o no jlanco. O Homem cai. Coro pos GuERREIROS — Liber- tai este homem possesso, tirai-The 0 deménio do corpo! Ai de n6s ino- centes! E preciso enterrar 0 con- quistador. 14 nfo © conhecemos. © Homem (em convulsdes, san- grando da ferida, canta) — Fome sem sentido de horror para horror! Insacidveis rotagies no vicuo! Ob, ingrato mundo! Extinguiram-se os Touvores que me dirigiam. © conhecemos; Poupai Theres) Vinde celebrar as. nossas npeias no seu leito de angista, Cono pas Mutueres — O seu aspecto enche-nos de terror. Antes dda vossa vinda, jd vos amivamos. Trés homens mascarados apare- ‘cem no topo do muro e por meio de ccordas descem um caixio; 0 Homem ferido, quase inerte, é encerrado na torre. As mulheres € 0s guerreiros retiram-se para uma zona escura do alco. O velho levanta-se e fecha a ‘chave 0 porto. Escuridao total, cor- tada apenas por wn archote que, no alto da torre, espatha wma luz azul. ‘A MULHER (gemendo, em tom vingativo) — Nio pode viver nem morrer; como ele esti pilido! (Ron- da 0 ‘portéo como wma pantera. Agarra-se lascivamente as grades; inscreve uma grande cruz branca no ‘muro; grita.) Abri este portio; Que- ro estar com ele! (sacode com deses- ero as grades.) ‘Coro Dos GUERREIROS E DAS Mu- HERES (enlagados num murmrio conjuso) — Perdemos a chave, Va- ‘mos procuré-la. Quem a tem? Quem a vin? A culpa nio é nossa, Nio sa- Demos quem ele 6... As vozes dissolven-se. Um galo canta, uma pélida luz desponta ao fundo. A Muar ( passa wm braco atra- vée das grades ¢ arranha-the a ferida, sibilando como uma serpente) — Rendes-te, homem de rosto palido? E medo que sentes? Ou estés apenas adormecide? Estés acordado? Ouves- -me? © Howest (respirando ofegante- mate, levanta com dificuldade a ca- beca; depois move wma das maos, ergue-se lentamente; cantando cada vez mais alto) — Vento que va- gucias, tempo que repete o tempo, solidio! © repouso © a fome con- fundem-se!_Mundos que rodopiam, ar parado! Tempo longo como a noi- tel ‘A Muuuer (comepa a ter medo) — Quanta Iuz a escorrer da ferida faberta! Quanta forga a. desprender- se do cadiver em que ele se tornout (Assusta-se de novo, tremendo. O Homem levantou-se lentamente, en- costow-se as grades. A mulher, escar- rninha). Encertei nesta jaula um ani- ‘mal selvagem. EB a fome que te faz ladrar? © Homem (abre a boca para falar, mas no se owe nenhum som). (Os galos cantam. A Mutuer (tremendo) — Nao © Homes (com forca) — Estre- Jase Lua! Mulher! Em sonhos ou acordado, vi uma criatura inundada de luz que cantava. Respirando, as coisas escuras tommam-se claras para mim, Mie... Assim me perdest A MULHER (cobre-0 com seu cor- po; depois separa-se e através da trade abre lentamente o porto; mur- mura em voz maixa) — Nao me esqueras. © Homest (esfrega os olhos) — © pensamento do ferro em brasa no me sai da idéia ‘A MULHER (abre @ boca como se Josse falar). © Homest (para si mesmo) — Tenho medo! ‘A MULHER — Vampiro, nfo te deixarei viver, aos poucos’ vais-me devorando, roubando-me as forgas ‘A maldicio caia sobre ti. Hei de ma- tar-te, Avorrentas-me — tu que cu venci e encarcerei, tu que me pren- des agora. Larga-me. Nao me pren- das. O teu amor aprisiona-me como se fossem cadeias de ferro, Sufoca- me, Solta-me! socorro! (desprende- ase das grades, agita-se em convul- ‘es como um animal mortalmente ferido). © Homem agora esté de pé, abre © portao de ferro, com os dedos toca tna mulher — que recua risidamente, ‘mortalmente pilida, sentindo que se aproxima_o seu fim, numa tensio que depois de atingir 0 paroxismo decresce num grito estrangulado. A Mulher cai e, na sua queda, arrasta cconsigo 0 archote aceso do guia do ‘coro masculino. O archote apaga-se € wma chuva de centelhas inunda 0 alco. O Homem esté no degrau ‘superior; os guerreiros e as mulheres ‘numa tentativa de fuga, acabam por ‘se lancar no caminho gritando: ‘Coro bos GUERREIROS E DAs Mu- LHERES — O deménio! Dominai-o! Salvem-se! Salvese quem puder! Tudo esta perdido! © Homem caminha sobre eles, ‘matando-os como moscas e deixando um rastro de sangue atrds de si. ‘Muito ao longe os galos cantar. ee ee eee Pinas oe cea gaat a eer a are eae tents te Pees a rea sc ae ee a 3S era Dial dco ae arian pcre remuanelarberie tear een erecta Riese er aa bat Sat ee See ia ee pcre bate are See ete ee noe ees See een Se aan eee aera ree ra em no: ios to ate) 25

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