You are on page 1of 40
CT ean CSO ee emer |) <3[2! CONCEITOS DA PSICANALISE Inveja KATE BARROWS Editor da série Ivan Ward Ideas in Psychoanalysis - Envy foi publicado no Reino Unido em 2002 por Icon Books Ltd., The Old Dairy, Brook Rd, Thriplow, Cambridge SG8 7RG Copyright do texto © 2002 Kate Barrows Conceitos da Psicanalise - inveja é uma co-edigao da Ediouro, Segmento- Duetto Editorial Ltda. com a Relume Dumara Editora, Ediouro, Segmento-Duetto Editorial Ltda.: Rua Cunha Gago, 412, 3° andar, S40 Paulo, SP, CEP 05421-0071, telefone (11) 3039-5633. Relume Dumard Editora: Rua Nova Jerusalém, 345, Bonsucesso, Rio de Ja- neiro, CEP 21042-236, telefone (21) 2564-6869, Copyright da edigao brasileira © 2005 Ouetto Editorial Indicagao editorial Alberto Schprejer (Relume Dumara Editora) Coordenagao editorial da série brasileira Ana Claudia Ferrari e Ana Luisa Astiz (Ouetto Editorial) Tradugao e edigao Carlos Mendes Rosa Revisdo técnica Paulo Schiller Revisao Eliel Silveira Cunha Capa Imagem de fundo: detalhe de Primavera, de Boticelli Diagramag&o Ana Maria Onofri CIP-Brasil. Catalogagao-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RU. B2a6i Barrows, Kate Inveja / Kate Barrows ; tradugaéo Carlos Mendes Rosa. - Rio de Janeiro : Relume Dumara : Ediouro ; Sd Pauto : Segmento-Duetto, 2005 (Conceitos da psicandlise ; v.19) Tradugao de: Ideas in psychoanalysis ; envy ISBN 85-7316-460-3 4. Freud, Sigmund, 1856-1939. 2. Klein, Melanie, 1882-1960. 3. Abra- ham, Karl, 1877-1925. 4. Inveja. 5. Psicandlise. |, Titulo, }). Serie. 05-3890. CDD 152.48 CDU 159.942.52 Todos os direitos reservados. A reprodugao nao autorizada desta publicagao, por qualquer meio, seja ela total ou parcial, constitui violagdo da Lei n® §.988. INTRODUCAO Muito antes do surgimento da psicanilise, a inveja era tida como um dos maiores pro- blemas da humanidade. E, afinal, um dos sete pecados capitais e, segundo Geoffrey Chaucer — escritor inglés do século XIV -, “o pior peca- do que existe. Isso porque, na verdade, todos os outros pecados sao cometidos contra uma virtude especifica, mas a inveja se volta con- tra todas as virtudes e toda bondade [...] e é€ como o demOnio. que sempre se regozijou com o mal do homem”!. Inveva Chaucer dizia que a inveja se entristece com a bondade e a prosperidade dos outros, mas se deleita com a desgraca alheia. A caracteristica singular da inveja é esta: ndo ter nenhum fim positivo. Os outros pecados tém o objetivo, em- bora equivocado ou interesseiro, de conquistar um objeto de desejo. Gula, avareza, luxtria, orgulho, todos sao motivados a seu modo por algo desejavel, ainda que em detrimento de ou- tra pessoa. S6 a inveja nao traz vantagem algu- ma, pois ela destréi o objeto de admiragao e, assim, o torna indesejavel. A wnica vantagem Obvia seria o prazer sadico — “a alegria com 0 mal de outro homem”?. Chaucer citou algumas das maneiras como a inveja se apresenta, que sao conhecidas de muita gente. Falou da “calunia ou detracao” e de alguém que elogia o vizinho com “ma in- tencdo, pois ele sempre coloca um ‘mas’, que é uma censura muito maior do que todo 0 elo- Derinigties BE trive se, gio”. Certo sujeito trabalha duro e com abne- gac4o para uma entidade beneficente, mas nao passa de um benfeitor. Outro é um excelente pianista, mas toca um pouco rapido demais. Alguns amigos foram muito solicitos, mas sao presuncosos demais. DEFINICOES DE INVEJA Antes de avancar mais. eu gostaria de dei- xar claro que existem dois usos bem diferen- tes da palavra “inveja”. Chaucer a empregava em referéncia a carga destrutiva, arrasadora. que se volta contra a propria pessoa ou as qualidades admiradas nela. Esse € 0 tipo cz inveja que a psicanalise também descreve. Nz entanto, o termo é usado frequentemente Tn linguagem popular para indicar uma espé<:z de inveja que ndo tem um carater pernit so; ao contrario, consiste na aflicao dolores: decorrente de uma admiragao que faz o indi- Inveva viduo se conscientizar das suas deficiéncias. Esse segundo tipo de inveja pode motivar a imitagdo ou levar a aceitagao das proprias li- mitacdes, e nado a uma tendéncia destrutiva. Invejo em vocé as virtudes, as habilidades e a beleza, o que nao significa necessariamente que eu queira destrui-las. Na verdade, a mi- nha admiracdo por esses atributos pode me inspirar a usar melhor os meus. Mesmo que o individuo nao tenha como conseguir aquilo que inveja, ele pode se en- riquecer com isso e obter algo de bom. Uma pessoa idosa que inveje os jovens talvez se sin- ta estimulada com a vivacidade e o otimismo deles, ainda que exista ai a dor de reconhecer o fato de que ela nunca mais sera jovem. Alguém que inveje um artista ou um escritor nado pode esperar conquistar o talento e a aptidao deles, mas pode se inspirar na criatividade deles e na sua concepcdo do mundo. DerisigGes DE [NVEJA Essa inveja é intrinseca a avaliacao dos ou- tros e daquilo que eles tém para oferecer. E as vezes chamada de “inveja de imitagdo”. Eu nunca serei uma instrumentista brilhante, mas ainda assim posso me inspirar nas qualidades da musica e da emocdo que ela transmite. E muito mais dificil conviver com a inveja destrutiva, mas ela também constitui a natureza humana. Talvez seja por essa raz4o que compre- endemos algumas das personagens literarias in- vejosas, embora as deploremos, embora, de certa forma, elas nos instiguem. Além de provocarem um sentimento de indignacao justa, como o lago de Shakespeare e o Satanas de Paraiso Perdido, de John Milton, essas personagens também induzem solidariedade: sabemos 0 que significa ser elas. E muito comum os vildes da literatura motivarem um interesse e uma compreensdo maior do que os alvos admiraveis da inveja e da destrutividade deles, pois em cada um de nés ha um vildo. Inveia Podemos ter conhecimento das nossas qua- lidades aceitaveis, mas a literatura nos ajuda a aceitar certos tracos da nossa personalidade que nado aturariamos tao bem nao fosse ela. A inveja destrutiva talvez seja o sentimento mais dificil de identificar em nos mesmos, jA que aparentemente € a tinica emocao que ataca a bondade so porque € boa. Além disso, o efeito da inveja é solapar a bondade e as capacidades do individuo assim como as da pessoa invejada. EFEITOS DA INVEJA NO EU Milton e também Chaucer atribuiram a in- veja ao deménio, uma vez que Satands a per- sonifica pelo seu dio tanto a criatividade e ao poder de Deus como a sexualidade e ao amor imaculado de Addo e Eva. Expulso do Paraiso por ter tentado destronar Deus, Satanas ver a terra e espiona Adao e Eva. A inveja o domina: 10 Ereitos Da Invewa NO EU Que espetaculo mais odioso, mais atormentador! Entdo esses dois emparaisados, um nos bracos do outro, o Eden mais feliz, vao desfrutar 0 seu quinhao de mais e mais felicidade, enquanto eu ao Inferno sou lancado.* Como se sabe, Satands se poe invejosamente a arquitetar o fim da felicidade e a expulsao de Adao e Eva do Jardim do Eden. O diabo pune a eles e a Deus por sua desgraca, e Milton descre- ve a angustia intoleravel que se seguiu ao ata- que de inveja de Satanas contra Deus e ao seu exilio do Paraiso: Eu, um desgracado! Para onde fugirei da infinita colera e do infinito desespero? Todos os caminhos me levam ao Inferno; o Inferno sou eu. E no mais profundo dos abismos um chao ainda an Inveua, mais fundo que ameaca devorar-me escancara-se, comparado com o qual o Inferno que padego parece o Céu.* A ganancia insaciavel e a inveja voraz de Sa- tanas sdo projetadas na boca descomunal do In- ferno. A sensacao de descer vertiginosamente, de profundezas infinitas e desesperadoras, pode resultar de inveja extrema, pois as figuras inter- nas boas sao atacadas, deixando o individuo sem amparo para evitar a queda. Uma menina de seis anos que queria dese- nhar muito bem nao suportava que uma colega de classe fosse obviamente muito mais talen- tosa e fizesse desenhos muito melhores que os dela. Certo dia, quando se viu sozinha na sala de aula, ela rasgou o desenho que a mais bem- dotada deixara secando. Pouco depois, ficou extremamente apavorada com o que tinha fei- to, com uma vergonha imensa e se sentindo 12 Eretos ba INvevaA NO Eu ainda mais imprestavel do que antes. Sua rela- tiva falta de talento aumentou bastante com o sentimento de culpa e a falta de esperanga de consertar a situacao. Quando atacamos um objeto externo admi- rado, atacamos também a representacao dele em nossa mente. Isso nos deixa sem um apoio inter- no, ea culpa do ataque afeta o nosso senso de va- lor pessoal. O ataque interno as pessoas e as qua- lidades que prezamos — os nossos “objetos bons”, como dizem os psicanalistas — pode provocar um sentimento de destruicao e desolacao interna. O que, entao, teria levado a menina de seis anos a rasgar a pintura ou Satanas a declarar guerra a Deus? Talvez nao so porque os objetos de inveja sejam considerados bons ou melho- res, mas porque a qualidade deles faz a garota, Satanés ou qualquer um se sentir incapaz. As vezes o individuo nao suporta nado ser o me- Thor. Entéo, 0 ataque ao que é bom talvez nao 13 Inveva se deva apenas ao desejo gratuito de prejudi- car e tenha outra motivagao: destruir algo ou alguém cuja qualidade o individuo entende de um modo que 0 faz se sentir mal. Na inve- ja sempre existe uma comparacaéo — inveja-se aquilo que n4o se tem. INVEJA E CIUME E importante diferenciar a inveja do seu par, o citime, embora os dois estejam quase sempre intimamente ligados e se confundam. Existe ciume quando queremos ter alguém ou uma coisa. O motivo € a posse, e a destrutividade é um meio para esse fim. Na lei francesa se prevé que o homicidio cometido por citime, chama- do crime passional (crime de paixao), é sujeito a uma pena menor do que o assassinato cometi- do com outro motivo.” O rival é morto em ra- * No Brasil, quem comete crime passional pode ser beneficiado com redu- cao da pena sob certas condigdes. (N. do T.) Inveua & Crome zao de um amor ardente, ainda que possessivo e mortal. Mas a forma destrutiva de inveja nao poupa nada: 0 objeto admirado deve ser elimi- nado para que ninguém possa usufrui-lo. A dificuldade de distinguir o cittme da inveja fica clara nesta historia comovente. Um meni- no de dois anos ficou empolgado com o nas- cimento do irm4o. Enquanto o recém-nascido e a mae continuavam na maternidade, ele fez muitas perguntas ao pai sobre os fatos da vida: como o bebé apareceu, como foi feito e como saiu da barriga da mae. O pai se esforcou ao maximo para explicar delicadamente essas coi- sas ao filho, que pareceu satisfeito. Um pouco mais tarde, porém, o menino teve um chilique porque queria ir 4 maternidade. O pai, achan- do que o filho estivesse com citme do recém- nascido, perguntou-lhe se queria ficar com a mae. O garoto exclamou veemente: “Nao! Eu quero ser a maméae!” O fato de ele ter visto a Svea mae gravida e ter ouvido falar do nascimento provocou a inveja, que se manifestou no fani- quito mas foi controlada de certa maneira na conversa com o pai. A inveja desse menino, to- davia, era controlavel e suportavel e, portanto, diferente da inveja mais perniciosa, muito mais dificil de mudar. Exemplos como o da menina que rasgou a pintura e o do menino a espera do nascimen- to do irm&o acontecem todo dia. O menino conseguiu revelar o que sentia ao pai, que reconheceu a inveja e a frustracdo do filho de nao ser a mae, 0 que o ajudou a supor- tar esses sentimentos. Com o apoio do pai, o menino comecou a criar uma figura interna que lhe permitiu compreender e tolerar a in- veya. Por outro lado, s6 muitos anos depois a menina conseguiu contar o que fizera e con- tinuava a se sentir mal com o acontecimento e incompreendida. 16 Invess & Cue © mundo interior das pessoas é criado em parte pelos sentimentos e em parte pela convi- véncia com os outros. © ataque de inveja pode nos deixar sem apoio interno porque achamos que as outras pessoas estéo impregnadas dos nossos sentimentos negativos. A menina con- cluiu que nao podia recorrer a ninguém porque na mente dela as figuras que a ajudariam tinham se tornado hostis e agressivas como ela. A ga- rota tinha medo de que essas pessoas “arran- cassem um pedaco dela”, do mesmo modo que ela havia rasgado a pintura. Em certos casos, os pais podem ser realmente severos e aplicar cas- tigos, dando a crianca bons motivos para ndo contar o que fez. A dificuldade também pode estar na crianca. Todavia, quase sempre essas situagdes se misturam. As duas criangas mencionadas nos exemplos demonstram dois tipos de consciéncia. O me- nino conseguiu fazer o pai ajuda-lo a adquirir 7 Inve uma consciéncia benevolente ou compreensi- va, que reconhece os sentimentos mas nao se vinga e, assim, contribui para conter a agressi- vidade ou a dor. Fosse por que fosse, a menina, com uma culpa solitaria, estava a mercé de uma consciéncia punitiva e impiedosa, a qual, ainda que a ajudasse a se comedir no futuro, nao per- mitiu que ela se perdoasse por ter sentido inve- ja. Todos temos esses dois tipos de consciéncia — a compreensiva e a impiedosa — e os usamos em momentos diferentes. Eles sao constituidos por uma mistura dos nossos sentimentos e da bondade ou da severidade real das pessoas ao redor. A inveja destrutiva € freqtientemente acompanhada de uma consciéncia persecutd- ria, que por sua vez implica solidao e sensacao de abandono. A literatura ajuda a nao nos sentirmos so- zinhos com a inveja, pois permite conhecer as nossas emocées mais profundas — os exemplos 18 Frevo que apresento neste livro esclarecem o que é sentir inveja. A terapia psicanalitica é outra ma- neira de as pessoas descobrirem a propria in- veja e aprenderem a lidar com ela, em vez de deixa-la estragar tudo. O que dizem os psicana- listas a respeito da inveja? A partir de Sigmund Freud’, muitas figuras importantes do mundo da psicanalise descobriram que a inveja pode ser o maior empecilho para o sucesso da andli- se € que a aceitacdo da inveja pode ter impor- tancia fundamental para o bem-estar e a satide mental do paciente. FREUD Em “Andlise Terminavel e Interminavel”, en- saio que escreveu dois anos antes de morrer, Freud mostra que o paciente pode se recusar a aceitar a ajuda do analista. Ele supés que a recusa resultasse do medo da passividade, no homem, e da inveja do pénis, na mulher. INVEJA A supercompensacdo rebelde do homem produz uma das mais fortes resistencias de transferéncia. Ele se recusa a se submeter a um pai substituto ou ase sentir em divida com ele por qualquer coisa, e, consequentemente, recusa-se a aceitar que o seu restabelecimento parta do médico. Nenhuma transferéncia andloga pode surgir do desejo da mu- Ther por um pénis, mas esse desejo é fonte de crises de depressao grave nela, devido a conviccdo de que a andlise nao sera proveitosa e de que nada pode ser feito para ajuda-la.’ @rifos meus) Ainda que o ponto de vista de Freud se centrasse no pénis como simbolo de enorme poténcia e mérito fisico, ele apontou um pro- blema clinico significativo associado a inve- ja: por definicdo, o invejoso nao pode aceitar ajuda por nao suportar que lhe déem nada. A dificuldade em ambos os sexos € aceitar algo que venha de outras pessoas. 20 Freuo Seria impossivel falar do desenvolvimen- to das idéias da psicandlise sobre a inveja sem mencionar de passagem uma das mais polémi- cas e contestadas contribuicgdes de Freud para a teoria psicanalitica, a “inveja do pénis”. Ele afirmou que as criancas sabem de apenas um orgao genital, o pénis. No seu entender, a me- nina pequena percebe que nao tem pénis ou até se acha um menino castrado, em vez de possuir algo que é so dela. Freud supés que a inveja do pénis pudesse provocar dificuldades futuras para aceita-lo nas relacdes sexuais. Embora muitos analistas concordem que existe inveja do pénis em ambos os sexos — afi- nal, o garotinho pode invejar o pénis desenvol- vido do pai —, a idéia de primazia do pénis foi contestada ferrenhamente. Como explicarei, a idéia da inveja na infancia passou a abranger a inveja da mae ja na primeira mamada. O con- ceito também foi ampliado para dar conta da 21 Inveua énfase nas funcdes unicas do orgao invejado ou da mae ou do pai invejado. Entao, o pénis é invejado pela poténcia; o seio, pela capacidade de alimentar; o corpo da mae, por ser capaz de gerar bebés; e ambos os pais por serem, cada qual a seu modo, fontes da vida. As feministas declaram que a inveja recai so- bre as prerrogativas dos homens na sociedade e nao no pénis em si. Do mesmo modo, as prer- rogativas biologicas e sociais das mulheres, que geram filhos, lhes dao de comer e cuidam de- les, aumenta a inveja que os homens tém delas. Isso porque € a diferenca que motiva a inveja, sobretudo se essa diferenca for fundamental. ABRAHAM O psicanalista Karl Abraham (1877-1925) propés a tese de que a inveja causava dificul- dades numa fase inicial da vida e destacou a possibilidade de 0 bebé ter inveja do seio. 22 ABRAHAN Assim como Freud, Abraham deu grande én- fase a relagdo com o pai. Mas também apresen- tou idéias que mudariam a feicao da psicanali- se e seriam aprimoradas por outros analistas, especialmente por sua paciente Melanie Klein (1882-1960), pioneira da psicanalise de crian- cas e adultos. Abraham afirmou que o bebé talvez achasse dificil aceitar a produtividade do seio e também a poténcia do pai. Ele ressaltou que “devemos ter claro que o prazer do periodo de amamen- tagao é€ em grande medida um prazer de pe- gar, de receber algo”® (grifo meu). Ele descre- veu como na relacao alimentar a inveja pode interferir no prazer do bebé de ser alimentado e levar a um padrao de relacionamentos insatis- fatorios em que o individuo nao consiga aceitar o que venha dos outros. A proposicaéo de que a inveja ja existe nes- sa fase inicial foi um dado novo na psicanilise. 23 INvEus, Abraham achava que o otimismo e a capacida- de de desfrutar a vida derivassem de uma rela- cao alimentar satisfatoria. No entanto, quando essa relacdo da errado e 0 individuo nao conse- gue estimar o que lhe € dado, a situagao pode se complicar bastante. Abraham descreveu um tipo de paciente que nao toleraya aceitar o que o analista Ihe propunha. Em vez de estabelecer uma transferéncia, esses pa- cientes tendem a se identificar com 0 médico. Em lugar de terem uma relagdo mais proxima com o meédico, eles se colocam na posi¢do deste. Adotam os interesses do médico e gostam de se ocupar da psicandlise como ciéncia, em vez de deixd-la agir neles como método de tratamento. Eles tendem a trocar de papel, como faz a crianca ao brincar de ser o pai. Eles ensinam o médico ao lhe oferecer a sua opinido sobre a propria neurose, que eles consi- deram especialmente interessante, e irmaginam que 24 ABRAHAM a ciéncia se enriquecera com a andlise deles [...]. Acima de tudo, eles desejam superar 0 médico e depreciar a aptiddo e as conquistas psicanaliticas dele. Eles afirmam ser capazes de “fazé-lo melhor” [...]. Indubitavelmente, existe nisso tudo um qué de inveja.° @rifos meus) A observacao de que o paciente “troca de papel” com o analista é uma constatacdo sur- preendentemente simples do mecanismo que mais tarde se tornou conhecido como “iden- tificacdo projetiva”. Com esse artificio, o indi- viduo se apodera das qualidades invejadas na outra pessoa e projeta nela os seus sentimen-~ tos indesejaveis. A crianca se coloca acima do pai pondo-se de pé num mével mais alto, por exemplo, e lhe dizendo que ele é pequeno e nao sabe nada. Abraham, com o humor que torna as suas obras tao interessantes, descreveu um neurotico obsessivo que durante alguns meses 25 Inveva se apegou a idéia de que sabia mais de psica- nalise do que o préprio Abraham. Enfim, ele teve o bom senso de comentar: “Agora comeco a perceber que vocé sabe um pouco sobre neu- rose obsessiva!”!® KLEIN Perto do fim da vida, Melanie Klein, como Freud, se convenceu da ubiquidade da inveja e escreveu sobre ela no seu ensaio essencial “Inveja e Gratidao”. Ela considerava a inveja uma manifestacéo da pulséo de morte, con- ceito que era objeto de polémica acirrada en- tre os psicanalistas. Quer se acredite na exis- téncia de uma pulsdo de morte em si, quer se pense que existam forcas destrutivas na na- tureza humana, a inveja é indubitavelmente uma expressao delas. Isso se deve a investida da inveja contra a bondade e, assim, contra a propria vida. Klein foi ao cerne da questao: 26 Kuen “A capacidade de dar e de preservar a vida é tida como a maior das dadivas, e portanto a criatividade se torna a causa mais forte da inveja”’’. Ela supunha que a inveja se dirigis- se para a m&e como fonte de vida e sustento, para as qualidades mentais e também para a capacidade fisica. Klein afirmou que a paz de espirito de outra pessoa pode ser motivo de inveja. Ela mostra como “a infelicidade, a dor e os conflitos [que © paciente] atravessa se contrapdem ao que ele acha ser a paz de espirito do analista — na ver- dade, a sanidade dele ~, o que € um motivo especial de inveja”!’. Uma paciente chegou a uma sessao da sua andlise se queixando de que “tranqutilidade mental” era o que ela mais desejava e nao tinha. Entao, passou a criticar num tom de censura e inveja algumas pessoas que a ajudavam. Ficou claro que ela nao queria que essas pessoas nem 27 Iveva, a analista tivessem tranqtilidade mental, mas que se preocupassem com tudo que estivessem fazendo de errado. Quando, por meio da anéli- se, a paciente percebeu que o que lhe provoca- va insatisfacdo era a sua dificuldade de aceitar ajuda e viver sem preocupacao, ela ficou cada vez mais feliz e conseguiu esquecer algumas das suas queixas. Melanie Klein, como Abraham, achava que a inveja estivesse presente ja na primeira relacao de dependéncia para com a mae e 0 peito ou a mamadeira. Ela formulou a hipotese de que [...] 0 objeto bom primordial, 0 seio da mde, cons- titui o nucleo do ego e contribui intensamente para o seu crescimento. [...] todos os desejos instintivos [do bebé] e suas fantasias inconscientes atribuem ao seio qualidades que vao muito além do alimen- to que ele proporciona [...] [e] enriquecem de tal forma o objeto primordial que ele continua a ser 28 Kien o alicerce da esperanca, da confianca e da crenca na bondade.** Para evoluir a partir dessa base € necessdario um trabalho emocional. Klein pressupés que o bebé dividisse a principio os sentimentos em bons e maus, idealizados e persecutorios. Os bebés oscilariam entre os estados de contenta- mento pleno e aflicdo e raiva intensas, e nds considerariamos isso normal." Aos poucos, pelo fato de a mae assimilar os sentimentos intensos do bebé e ajuda-lo a su- porta-los, os sentimentos positivos e negativos dele nao precisam se manter tao separados. O bebé percebe que a mae que ele odeia ¢ também aquela que ele ama, e adquire a capacidade de tolerar sentimentos ambivalentes. Se a inveja in- terferir muito nessas fases iniciais, o objeto idea- lizado e depois bom nao conseguira se firmar na psique do bebé, que ficaré confuso entre o bem 29 INVEJA eo mal. Klein supés que isso constituisse a base dos estados de confusao. (Essa idéia foi desen- volvida mais adiante por Herbert Rosenfeld.') O bebé — ou, depois, a crianga e 0 adulto — pode também ter dificuldades alimentares se imaginar que atacaram o seio invejado e 0 envenenaram. No futuro, essas fantasias iniciais podem preju- dicar a confianca nas pessoas. Da mesma manei- ra, numa anilise, {...] a inveja e as atitudes a que ela da vazéo in- terferem no crescimento do objeto bom na situacdo de transferéncia. Se, numa fase inicial, o alimento bom e 0 objeto primario bom ndo foram aceitos nem assimilados, isso se repete na transferéncia, prejudi- cando o andamento da andlise.'° Em outras palavras, o paciente sente dificul- dade de digerir e assimilar a descoberta que a analise lhe proporciona. Kuan O exemplo de uma andlise pode esclarecer a ligacao entre as perturbacées concretas com 0 seio e as perturbac¢ées simbélicas com a cria- tividade e a realizacgdéo. Uma jovem com um disttrbio alimentar grave e fobia social achava, apesar disso, que o seu maior problema fosse a dificuldade de se interessar pela vida. Ela ti- nha consciéncia suficiente para perceber que nado era a falta de dinheiro ou de posses nem a sua satide fisica que mais a incomodavam, mas a sua dificuldade de manter um interesse vivo nas pessoas e no que o mundo lhe oferecia. Soube-se depois que o problema da jovem estava ligado as dificuldades alimentares e a fo- bia, uma vez que a suspeita da comida e das pessoas tinha a mesma origem. Sua primeira re- lacéo com uma fonte de alimento e de interesse e criatividade havia sido destruida pela inve- ja, de modo que ela nao podia se apoiar num objeto bom interno para confiar nas fontes de 31 INVEJA alimento ou nas fontes de contato e interesse humano, No entanto, o fato de a paciente ter-se agar- rado ao desejo de se interessar pela vida a aju- dou muito. Deu-lhe motivagéo para mudar e contribuiu para que ela saisse do isolamento e convivesse com os outros. Para tanto, foi neces- sario enfrentar na andlise um lado seu invejoso que prejudicava a sua capacidade de se interes- sar e ter prazer e atacava a competéncia da ana- lista para ajuda-la. Quando conseguiu manter o interesse e o envolvimento, ela ficou feliz com a analise e com a propria vida. Poderiamos perguntar: “Por que alguém se voltaria contra o seu potencial?” Lembre-se de que é impossivel atacar a pessoa que tem o que se quer sem atacar também a capacidade de se relacionar com essa pessoa e de aceitar o que venha dela — que sao faculdades importantes. O bebé que precisa esperar pela mamada e depois 32 INvevA Na INFANCA se afasta do seio ou a crianca que esta zangada com a mae porque esta da atencao aos outros ou a si mesma acaba sentindo que o que a mae da nao é bom. Isso também prejudica o seu afe- to e a sua capacidade de desfrutar o que a mae pode dar e de se sentir grato por isso. Klein escreveu apaixonadamente sobre as vicissitudes da inveja e a importancia da grati- dao, do amor e do prazer quando esses efeitos nocivos sao enfrentados. Ela afirmou que, se o bebé tivesse experiéncias plenamente satisfat6- rias nos primeiros meses de vida, se formaria uma base de gratidéo capaz de diminuir a in- veja e a destrutividade. Entdo se estabeleceria uma figura interna boa, “que ama e protege o eue €amada e protegida pelo eu”!”. INVEJA NA INFANCIA As emocées associadas ao seio e a mae tam- bém sao sentidas pelo pai, pelos pais como casal 33 INveda e€ por outros bebés, reais ou imaginarios. Todo novo relacionamento traz sentimentos antigos que serao reelaborados de um modo diferente e com uma pessoa diferente, para que, se certas propensoes se firmarem na primeira relacdo, existam oportunidades de aprimoramento. A relacdo diferente com 0 pai pode as vezes tor- nar a inveja menos intensa do que com a mae, ou 0 pai pode ajudar a lidar com a inveja. Foi o que aconteceu com o menino citado, que que- ria ser a sua mae quando ela teve outro bebé. No entanto, nao so a mae e o pai sao inve- jados, mas também o elo entre eles. Quando o bebé se da conta de que os pais tém uma rela- cao propria, diferente, é€ provavel que ele tenha varios sentimentos: interesse, animacao e segu- tanca com o fato de que a vida prossegue in- dependentemente dele. Os bebés e as criancas pequenas costumam brincar alegres se ha gente por perto conversando. As vezes, porém, eles 34 INVEUA Na INFAROIA, sentem inveja e citime e se ressentem do fato de que os pais nao existem exclusivamente para eles. Em certo momento do desenvolvimento da crianca, ela costuma interromper aos gritos a conversa dos pais por querer participar. Do mesmo modo, a dificuldade de dormir e o desejo de ficar entre os pais na cama podem resultar da inveja da crianca do relacionamento sexual dos pais, porque ela, embora nao conhe- ¢a o sexo da perspectiva dos adultos, percebe um aspecto excitante e importante da relacdo de que a excluem. Por isso a crianga as vezes tenta atrapalhar o relacionamento do casal. A inveja, apesar de evidente nessas primei- ras relacdes, também se insinua em situacdes novas e reacende conflitos antigos. Ressaltei que a inveja é mais perceptivel num relacio- namento de dependéncia. Ela também é mo- tivada por mudancas, que geram inseguranca e a sensacdéo de que alguém esta em melhor 35 Inveva, posicdo. Principalmente as novas fases do desenvolvimento costumam desencadear in- veja: o desmame, outro irméo, a entrada na escola e a saida de casa podem provocar ciu- me e inveja daquilo que se deixou para tras e do fato de que outro, na realidade ou na fan- tasia, ocupa o lugar anterior. Temos de per- ceber uma vez mais que o mundo nao gira a nossa volta, que na verdade 0 seio ou a mae, a situacdo de que nos afastamos, pode perfei- tamente ter vida propria sem nos e ser uma fonte independente de alimento e apoio — a outra pessoa. Existe ainda a inveja daqueles que se firmaram e séo mais bem-sucedidos na nova fase. Quanto mais satisfeito o individuo tiver sido na fase anterior, maior a possibilidade de ele se libertar e passar para a proxima fase sem gran- de ressentimento. Mas, se houve pouca satisfa- ¢4o0, torna-se mais dificil se libertar das prerro- 36 INvEJa Na INFANCUA gativas de uma fase e passar para a seguinte. A crianca talvez se recuse a andar, pois isso im- plica nao ser mais levada no colo, ou a apren- der a falar, que significa claramente ter uma mente separada da mente da mie. Se a inveja é excessiva, a experiéncia de desenvolvimento pode ser amarga e a magoa prevalece. A chora- minga e as queixas as vezes mascaram a inveja que a crianca tem da mae que nao se dedica exclusivamente a ela e 0 ciime dos outros que recebem a atencdo da mae. Em situacdes como essa, a inveja se confunde com o citime, mas a intensidade da amargura ou do ressentimento da uma idéia de quanta inveja existe por tras das reclamacées. A inveja as vezes é disfarcada se 0 bebé, ou o lado infantil do adulto, sentir que domina a fonte de alimento a ponto de nao reconhecer a existéncia de outra. A crianga ou o adulto que repetem uma grande descoberta como se fosse 37 INvEDA exclusiva podem ser comparados ao bebé que acha que o seio é so dele. INVEJA NA ADOLESCENCIA A adolescéncia é um periodo em que a in- veja se intensifica, pois o adolescente precisa enfrentar a inseguranca e a incerteza com o futuro e coma sua identidade ainda em desen- volvimento. © trabalho e as relacdes sexuais, até essa altura prerrogativas dos adultos, po- dem ser almejados, mas ainda assim dificeis de conquistar. O adolescente talvez inveje aqueles que sa- bem o querem fazer na vida ou tém meios e ca- pacidade para tanto. Talvez inveje os que estao empregados ou tiram notas boas nas provas, ou os que tém um relacionamento sexual estavel. Todavia, € mais claro que nunca que o que ele fara da propria vida cabe somente a ele, pers- pectiva que pode ser assustadora. Na pior das 38 Inveua wa ADOLESGENGAL hipoteses, o adolescente se refugia no ceticismo quanto aos valores, ao trabalho e as relacées dos adultos — 0 que talvez denuncie uma inveja das coisas que parecem dificeis de conseguir. O adolescente se recusa a estudar, a conseguir um emprego, a ajudar em casa, achando insuporta- vel nado ter imediatamente as pretensas realiza- cdes da vida adulta. Nessa faixa etaria, as pessoas sao especialistas em causar inveja nos outros. As meninas e, cada vez mais, os meninos usam as roupas e a aparén- cia para transmitir inveja aos amigos, certos de que estéo “numa boa”. Estar “numa boa” é dar a impressdo de nao estar angustiado, de nao ser afetado pela ansiedade e pela agitacao dos ami- gos e, claro, deles mesmos. Assim, a inveja pro- jetada é a inveja de um estado de espirito des- preocupado, em que o adolescente nao se sente na turbuléncia inevitavel da idade. A inveja do adolescente quase sempre esta acompanhada da 39 INVEUA inseguranca e € um denominador comum a to- dos. Nem sempre é um traco de personalidade permanente e talvez diminua a medida que o adolescente se sinta mais seguro de si. No entan- to, se a inveja foi um problema sério na infancia, ela é bem mais arraigada no adolescente. Uma jovem que, quando pequena, invejava demais a mae tentou controlar a inveja sendo muito competitiva e aplicada e transferindo-a para os irmaos mais novos. Na adolescéncia, ela nao conseguiu manter essa conduta e desis- tiu de tudo, ausentando-se de casa e da escola e rejeitando todas as tentativas de ajuda-la. Tor- nou-se promiscua e perdeu as esperancas em si mesma e no futuro. Viu-se diante da inveja das realizacoes e da sexualidade dos adultos, que ela negara por tanto tempo, o que a fez se afastar do que ela gostaria de realizar. A jovem acabou fazendo terapia e conseguiu enfrentar a inveja que a impedia de viver a vida. 40 INVEJA NA VIDA ADULTA Na maturidade, assim como na infancia e na adolescéncia, a inveja que foi descontrola- da numa fase inicial reaparece nos momentos de tens4o e precisa ser superada para que haja criatividade e otimismo. Os momentos de ten- sdo sao as épocas dificeis (doencas ou adversi- dades) e as de mudanca ou de desafio. Um paciente que tentava conseguir emprego numa firma sonhou que tinha uma cicatriz no ombro que reabriu em um ponto, que estava entdo recoberto por uma cicatriz parecida. Ele disse que o sonho o lembrou de que ele costu- mava enfrentar situacdes novas (como mudar de escola) com “a chip on his shoulder” em vez de reconhecer que havia pessoas de que ele po- deria gostar e que poderiam aceité-lo.” Como esse paciente tinha ficado muito irritado com * $6 em inglés funciona a analogia da ferida e da cicatriz no om expressdo “to have [to carry) a chip on his shoulder” (literalmemte. lasca no ombro”, mas, no uso corrente, “estat ressentido”). Inveua o nascimento dos irmaos — o primeiro “grupo novo de pessoas” da sua vida —, a invejae o cit- me da infancia reapareciam em situacdes novas. Ele enfrentara o problema do nascimento dos irmaos mostrando-se ressentido e inacessivel. As situacdes novas realmente fazem aflorar cicatrizes e sentimentos antigos, que precisam ser superados de novo. No entanto, as expe- riéncias novas também proporcionam a possi- bilidade de mudanca ou de aturar melhor os antigos sentimentos primitivos. O sujeito res- sentido do caso citado acima usou a descoberta feita na andlise para se tornar mais comunicati- vo e dar mais de si no trabalho e nos relaciona- mentos e aproveita-los melhor. Se a inveja predominou em situacdes ante- riores, ela reaparecera nos momentos de mu- danca. Quando envelhecem, as pessoas costu- mam. ter alguma inveja da geragao mais nova e do futuro que ela tem pela frente. A aflicao 42 Invewa NA VipS ADU provocada pela inveja € pela perda pode ser compensada no prazer com a vida dos outros e na gratidao para com a vida que os préprios idosos tiveram. Todavia, a inveja, sé for muito intensa, pode levar a critica aos “jovens de hoje” — uma inveja disfarcada de desaprovacao. Milton falou do “tempo, 0 ladrao sutil da ju- ventude”'’, e a devastacdo provocada pelo tem- po pode mesmo parecer um roubo por inve}a Quando chegam a velhice, os mais idosos s€ convencem de que as coisas estéo sendo rou- badas deles — 0 seu dinheiro ou 0s seus objetos queridos, por exemplo. As vezes pode ser uma expressao concreta da sensacdo de que as suas faculdades, a sua riqueza interior, as coisas Va- liosas que eles tem por dentro, por assim dizer. estao sendo roubadas por alguém que inves 0 seu tesouro psiquico e as suas aptidées. Ne velhice, a personalidade tende a se fragmentar quando é grande a perda da memoria ou de ou-

You might also like