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capitulo 3 A TERGEIRA BEVOLUGKO URBANA MODERNA, Romano Guerra, A primeira modemidade ¢ sua revolugao urbana suscitaram novas concepges, que classificaremos como paleourbanismo, ¢ as primeiras utopias; a segunda modemidade e sua revolugto urbana pro- Guziram os modelos e deram nome ao urbanismo. A terceira modemidade e sua revolugéo urbana | Bizeram emergir novas atitudes diante do futuro, || novos projetos, modos de pensar ¢ ages diferen- | ciadas; € 0 que chamaremos de agora em diante 1 de “neourbanismo” ou de “novo urbanismo” (ain- da que esta expressio tenha assumido um sentido particular nestes titimos anos, notadamente nos Estados Unidos). Esta terceira revolugo urhana j4 comegou far tempo: em trinta anos, a evolugio foi considerdvel ras pritices dos cidadios, nas formas das cidedes, nos meios, motivos, locais ¢ horérios dos desloca ‘mentos, das comunicagbes e das tracas, nos equi= pamnentos publicos e servigos, na tipologia dos lu- gates urbanos, nas atitudes em relagio & natureza € 20 patriménio etc. Surgiram inovagbes de grande importincia na vida urbana, tais como 0 video, 0 celular, os computadores pessoais e a internet. A generalizagio do segundo automével e do TGY (trem de grande velocidade) contribuiram igual- | mente para a modificacao profunda do territério. Mas essas mudangas apenas comegaram. Existem ASCHER, F. Os novos principios do urbanismo. Trad. Nadia Somekh, Sdo Paul 2010, 103 p. Capitulo 3: A terceira revoluggo urbana moderna, P 61-79 tendéncias substanciais a caminho, levadas a cabo ¢ determinadas pelo novo processo de moderniza- G40, Trata-se de identificaressas tendéncias o mais precisamente possivel, nfo s6 para prever o futuro ou deciclr sobre ele, o que seria ilusério, mas tam- ‘bém para avaliar 0 impacto que possam ter sobre as cidades e as formas de vida urbana e elaborar consequentemente instrumentos passiveis de aju- dar a gerenciar da methor forma possivel essa evo Inga estrutural. Cinco grandes rmudangas parecem caracterizat a terceira revolugio urbana moderna: a metapo- lizagio, a wansformagao dos sistemas urbanos de mobilidade, a formago do espaco-tempo indivi- dual, a redefinigo das relacGes entte interesses individuais, coletivos e gerais, © as novas relagGes de risco. 1. Ametapolizagéio: as cidades mudam de scala e de forma A metapolizago é um duplo processo de metro- polizasio e de formacio de noves tipos de tenttétios unbanos, as metépales. Podemos definirametropolizagio.como.abusea da concentragao de riquezas humanas € materiais nas aglomeragdes mais importantes. £, um proces- so constatado em todos os paises em desenvolvi- mento, mesmo assumnindo formas diversas com especificidades regionals e nacionais; resulta prin- cipalmente da globalizagSo e do aprofundamento dla divisdo do trabalho em escala mundial, que tor- nam necessérias ¢ mais competitivas as aglome- ragdes urbanas capazes de oferecer um mercado de trabalho amplo e diversificado, a presenca de servigos de altissimo nivel, um grande ntimero de equipamentos ede infraestrutura, ¢ boas conexbes intemacionais. O emprego, o comércio, 0s equipa- rmentos de satide, de educago, os culturais e de Tazer das grandes aglomeragGes atraem igualmente a populago mais qualificada. ‘A metropolizago, como ocorrent com 0 cres- cimento das cidades, apoia-se no desenvolvimen- to dos meios de transporte de estocagem de bens, de informag&es ¢ de pessoas (sistema bip) e nas tecnologias que potencializam seu rendimento, ‘Assim, a velocidade de deslocamento das pessoas ras cidades europeizs aumentou 30% em quinze anos, enquanto ao mesmo tempo se desenvol- viam o telefone celular e 0 uso da internet, os CDs e as transmissdes via satélite, e ainda gene- ralizava-se 0 uso dos congeladores e dos fornos de rmicro-ondas, Esses meios de transporte e esto- cagem, eficazes e cada vez mais individualizados, conferem formas novas as aglomeragdes urbanas. essa forma, constitnem-se “metépales’, ou seja, vastas conurbagdes, extensas e descontinuas, he~ terogéneas e multipolarizadas. © processo de urbanizagio e crescimento das cidades, que acompanhou as duas primeiras fases da modernizagio e Ihes serviu de ponto de apoio, se mantém, porém, sob novas formas. O cresci- mento interno das aglomeragdes, por extensfo & periferia imediata e por adensamento, € substi- tuido por um crescimento externo, ou seja, pela absorgio, a sua propria zona de funcionamento cotidiano, de cidades, bairros e aglomeragées cada vex mais distantes. Os limites ¢ as diferencas fi- sicas e sociais entre cidade ¢ campo tornam-se cada vez mais ténues. A dilatagdo dos tertitérios a (0s novos prinelpias do urbanismo 6 urbanos frequentados habitualmente pelos cida- aos enftaquece a importincia da proximidade na vida cotidiana; o bairro deixa de ser 0 lugar de in- tegragio das relacées de amizade, familiares, pro- fissionais, civicas; os vizinhos imediatos no séo ‘mais necessariamente os amigos, ou patentes, ou colegas, salvo nos guetos de ricos e pobres. © local muda de natureza e sentido: ele é cada vez mais escolhido © apenas contempla realidades sociais fragmentétias. De fato, mesmo os habitantes das ccidades privadas norte-americanas (gated comm nities ou condominios fechados) vivem na escala metapolitana: eles se deslocam bastante, cotidia- natnente e cada vez para mais longe. As formas metupolitanas, muito ligadas aos meios de transporte e de comunicagio, impri- mem suas marcas progressivamente sobre todo 6 tertitério, tanto nas zonas das grandes cidades quanto nas cidades médias. As estrururas das te- des de transporte répido (em hubs e spokes, ou seja, polos e conexGes radiais) marcam cada ver mais 0s sistemas e redes urbanas. As cidades pequenas.e médias se esforgam assim em se co- nectar da melhor forma possivel as maiores aglo meracdes, para se beneficiar ao méximo da sua urbanidade (do seu potencial) ‘A metapolizacio, como a globalizagao, induz a um duplo processo de homogeneizagao e de di- ferenciagao: homogeneizagfo, porque 0s mesmos atores econémicos ou o mesmo tipo de atores eco- nOmicos estiio presentes com as mesinas légicas ‘em todos 0s paises ¢ em todas as cidades; dife- renclago, porque a competigo entre cidades se amplia e se aprofunda, acentuando a importancia das diferencas. As escolhas ao aleance dos atores locais so cada ver mais numerosas e @ relago entre terttérios “locais” com o “global” explicita e amplia as diferengas. Essa dupla dinémica de ho- mogeneizagdo e diferenciagio constitui © marco das polticas de desenvolvimento local e abre um campo de debate, de troca, de parceria entre os atores econdmicos méveis ¢ locais. A globalizagao estimula o local, porque é dentro dele que ela se confronta e toma vida. E é, em ultima instancia, a diversidade entre tertérias que estimula o movi- mento de pessoes, bens, capitaise informagiies, 2. A transformagéo do sistema de mobilidade urbana A globelizagdo e metapolisagdo se nutrem das tecnologias de transporte de comunicagio, e estimulam seu desenvolvimento. Porém, con- trarlamente 20 que se teme ou se espera, essas tecnologias no abalam a concentragfo metropo- litana, nem substituem as cidades resis por outras virtuais. O uso das TICs néo substitui em absolu- to 0s transportes: o presencial, os contatos diretos continuam sendo meios de comunicagéo privi- legiados; a acessibilidade fisica e a possibilidade do encontro so mais do que nunca as principais riquezas das zonas urbanas. Exemplo disso 6 a ri pida valorizacdo imobilidrin que ocorre proximo as infraestruturas de transportes, assim como a con- centracao espacial das atividades corporativas, do comeércio e das atividades de lazer. De certa forma, assistimos a um paradoxo: o desenvolvimento des telecomunicagées banaliza e acaba por desvalori- zar tudo que € audiovisual — que se midiatiza e se cestoca facilmente ~ e valoriza econémica e simbo- 6 Os noves principles do urbanismo licamente 0 que (ainda?) no se telecomunica, 0 “dizeto”, as sensagtes tétels,olfativas, gustativas, os eventos, as festas.. O boom das atividades esporti- vas e gastrondmicas de lazer, o sucesso das salas de cinema multiplex, a crescente mobilidade ligada ‘aos encontros familiares ¢ amistosos, a importin- cia dos grandes’ eventos esportivos ¢ festivais sao indices da importancia renovada do presencial ¢ da experiéneia direta na vida urbana. Entretanto, as telecomunicagdes contribuem para uma transformagdo do sistema de mobilidade urbana, de bens de informacées e de pessoas, bem ‘como para novas estruturagties espaciais, Assim, 0 comércio eletrénico substitui parte da mobilidade dos consumidores pelo transporte de informagées via internet ¢ pelo deslocamento comercial e pro- fissional do entregador. Isto pode acarretar modi- ficag6es importantes na localizagéo de uma parte do comércio, jé que os bens de consumo nao pre- cisam estar dispontveis nos centros comerciais de aluguéis canos, mas sim em entrepostos préximos. 2 plataformas logisticas. A impartncia dos fluxos de entrega modificaré igualmente os problemas as modalidades de gestiio da circulagao urbana e dos estacionamentos, favorecendo particularmen- te 0 desenvolvimento dos sistemas de localizagio e de monitoramento via satélite. Porém, o comércio eletrbnico no substitui 0 comércio “tradicional”, ele 0 recompse. O crescimento do consumo pros- segue paralelo ao e-commerce. Entretanto, a atra- tividade das lojas se estabelece em novos termes: 0s consumidores devem poder encontrar produtos, informagdes ¢ experimentar sensagées que 0 co- méacio cletr6nico nfo proporeiona, Isto explica 0 desenvolvimento do “eoméreia de lazer’, eventos comerciais, showrooms, objetos passiveis de ser to- cados, grandes feiras onde se pode experimentar produtos ¢ materiais, inclusive aprender a usé-los, O uso dos meios de transportes répidos e as “TICs afetam também os antigos sistemas de centa- lidade e as organizagées urbanas radioconcéntricas, centio geométrico das cidades deixa de ser o lux gat mais acessfvel, principalmente para os cidadaos que disper de automdvel. Assistimos assim, espe- Gialmente no campo comercial, a uma multplica- <0 das polatizacées. ‘A terceira revolugio urbana ndo gera, portanto, uma cidade virtual, imével e introvertida, mas sim tuma cidade que se move e se telecomunica, consti- tuida de novas decistes de deslocamento das pesso- as, bens ¢ informagdes, animada pelos eventos que exigem a copresenga, ¢ na qual a qualidade dos lu- gares mobilizaré todos os sentidos, inclusive o toque, ‘gosto, o cheit. 3-A recomposigdo social das cidades A individualizagéo do espago-tempo ‘A maior individualizagao pressupse mudangas ‘na maneira como os cidaddos organiza seu terri- trio e emprego do tempo. Eles se esforcam para controlar individualmente seu “espago-tempo" e, para tanto, utilizarn mais intensivamente todos os instrumentos e tecnologias que aumentam sua au- tonomia, que abrem a possibilidade de se deslocar ¢ de se comunicar da forma mais livre possfvel. Os meios de transporte individuais (automével, mo- tos, bicicletas, patinetes etc.) expressam, cada um & sua maneito, essa crescente exigéncia de auto- nomia ¢ velocidade. Os objetos portiteis , antes o ‘Os novos prneipios do ubanisme de tudo, o celular, sio testemunhas dessa busca do“onde quero, quando quero, coma quero”. Esta exigéncia de autonomia toma-se assim uma obti- gacdo, na medida em que a sociedade se organiza baseada nessa individualizago. A histéria recente do celular indica: pouco @ pouco, torou-se in- dispensavel ne insergo ne vida urbana, © mesmo aqueles que resistiram a télo sfo.obrigados, em algum momento, a adquirir um. A flexibilidade e a personalizacio erescentes de horétios de trabalho ilustram igualmente 0 modo em que a sociedade se organiza hoje, fundamentada na individusliza- Gao crescente, inclusive para maximizar os resul- tados econémmicos, desenvolvimento dos meios de transporte ‘edas telecomunicagées abre para cada individuo equivaléncias e vinculos diretos entre espago e tempo: as distancias fisicas nfo se teaduzem mais, ‘em tempos fixos de deslocamentos, mas mudam. conforme os mados de transporte e comunicagdo € segundo as horas; os cidudios podem cada vez mais escolher o Ingar e a hora da sua atividade; podem também arbitrar entre uma mudanga de local (um deslocamento) ¢ uma mudangz tem- poral (uma dessincronizagao). De fato, as ferra- mentas, téenicas € modalidades que permitem modificar o tempo ¢ o lugar das atividades indi- viduais e coletivas constituem um dos prineipais tragos da nova revolugao urbana moderna. O uso do correio eletrénico ilustra perfeitamente essa evolugdo, pois permite a transmisstio acelerada de informacdes e sua gestio coordenada a partir de qualquer lugar conecsavel “Todas essas técnicas sio, por sua vez, técnicas de dessincronizagio ¢ ressineronizagto, de des- Jocamento e “substituiglo”. O sucesso da dupla micro-ondas/congelador evocado anteriormente ilustra bem: favorece a autonomia alimentar dos individuos e ao mesmo tempo toma posstvel refei- «bes coletivas de pratos individuais diferentes. E © instrumento por exceléncia da familia contem- portinea na qual os individuos se esforgam “em ser lives, juntos”. O telefone celular é, a0 mesmo tempo, instrumento de conexio ¢ deslocamento: permite, por exemplo, a organizagéo répida e de altima hora de organizagdo das revs. ‘A preocupacio de poder escelher o lugar € © momento da sua atividade 6, a0 mesmo tempo, uma resposta & incerteza de uma vida cotidiana ‘menos rotineira, composta de minieventos,e ainda um fator de desmontagem da rotinizagio e de aue rento das incertezas. A flexbilidade toma-se uma nogfio-chave dentro fora do trabalho, pois permite a adaptagdo a um contexto mais vatiado e de cit- cunstancias menos previstveis. Isto conduz.a uma erise des antigos modos de regulacio. A sirene da fabrica, o sino da igre 0 sic nal da escola jé nfo marcam o ritmo da vide urbana € 0 servigo de trinsito se revela cada ver mais inca- paz de prever as horas ou os dias de congestiona- ‘mento, O hordrio comercial se amplia para permitir atodos aceder a ele a qualquer momento, enquanto tem alguns paises, as cidades e diversos atores so- ais buscatn estabelecer novos dispositives para as- sogurar a todos o acesso & cidade e a seus servigos: conciliagdo de hordros, planos diretores temporais, centros comerciais ¢ de servigos 24 horas. A socie- dade promove igualmente vérios eventos que t8m 0 érito de permitir "elocalizagtes” e ressincroniza- ‘982s coletivas, da escala do hair a do planeta, do eI Os now prineinios do urbanisrna 70 almogo anual entre vzinhos aos tomeios esportivos mundi, passando por festivas,feiras, col6quios ccongressas ete Novos tipos de servigos piblicos A individualizagio da vida urbana provoca também uma crise na concepgéo e funciona- mento dos equipamentos ¢ dos servicos piiblicos, Da ‘mesma forma que os produtores privados enfrentam uma segmentacao fina e flutuante do mercado, que obriga o desenvolvimento de um marketing personalizado, os servigos pablicos, tradicionalmente concebidos para servir a todos, devem responder & falta de atualizacao de seus equipamentos e prestagées ante a diversificagao | das necessidades sociais. O aso dos transportes publicos ilustra particularmente essa crise ¢ a necessidade de desenvolver novas concepcoes Nas metépoles, com efeito, os cidadios se des- Tocam cada vex mais em todas as direcées, a toda hora do dia e da noite, de formas diferenciadas € mutantes a cada dia ou temporada. Os desloca- mentos pendulares domicilio-trabzlho, tomaram- se minoritérios, assim como os deslocamentos concéntricos. De fato, os transportes piblicos, tens, bondes, Onibus clissicos foram concebi- dos segundo 0 modelo fordista, baseado em um principio de repetigiio, de produco em massa e de economias de escala: o mesmo transporte, no mesmo itinerério, para todos, simultaneamente. Este tipo de transporte continua sendo eficien- te, inclusive do ponto de vista ecol6gico, nas z0- nas densas € nos grandes eixos. Porém, isso s6 representa uma parte minoritéria e decrescente dos transportes. Os habitantes das metipoles que nfo dispdem de transporte individual, par- ticularmente do automével, tornam-se deficien- tes, pois a cidade Ihes € menos acessivel com 0 transporte coletivo clissico, embora ela Ihes seja cada vex. mais indispensivel, Com a diminuigo das necessidades de mobilidade, decorrente do retorne aos centros antigos pela maioria da po- pulago, é preciso desenvolver servicos puiblicos de transporte mais individualizados, atendendo © conjunto dos teritérios metapolitanos, combi- nando diversos modos de transporte e utilizando as possibilidades que oferecem as TICs, de modo ‘aproximar-se de um servico “porta a porta’, que seria, em relag&o ao transporte, o mesmo que o ‘one-to-one & para o marketing. ‘A autonomia erescente dos individuos € redo- brada pelo aumento da sua dependéncia ante os sistemas técnicos cada vex mais claborados e so- cializados. Os minimos atos cotidianos dependem assim de dispositivos complexos, geralmente de mereado, Estes constituem-se, de fato, nos pon- tos de apoio para desigualdades sociais, visto que as multiplicam, criando novas desvantagens. As dificuldades econdmieas efou culturais de certos grupos sociais ou etfrios, que se utilizam desses Instrumentos, sio fatores de desigualdade que tor- ham mais importante o desenvolvimento de novos, tipos de servicos pliblicos adaptados as cidades da terceita revolugo urbana. ‘A complexidade das préticas sociais e das ne~ cessidades, e, ainda, a indispensével individualiza- go do fornecimento tomam igualmente necessé- rio recortet a prinefpios de equidade mais do que de igualdade, quando da eriagao desses servigos € do seu correspondente financiamento. n (Os novos prneipies do urbanismo 2 4-Aredefinicao das relagGes entre interesses individuais, coletivos e gerais AA diversificagdo dos interesses individuais e coletivos A terceira fase de modemizagto caracteriza-se notadamente pela existincia-de vinculos sociais mais “frdgels", menos estiveis, porém muito mais numerosos, variados, conectados nas miltiplas re- des da sociedade hipertexto. Nesse contexto, os gru- os sociais, entendidos como grupos de pertinéncia, ‘eujos membros compartilham de forma duradoura um grande niimero de caracteristicas (renda, cul- tura, nivel de formagao ete.) tendem a perder sua importincia objetiva e subjetivamente. Os indivf- duos jé nao tém a sensacao de compartilhar com ‘outros individuos um grande ntimero de interesses comuns, em diversos campos. Isto complica pro- fundamente o funcionamento da democtacia re- preseniativa que esté precisamente fimdamentada na capacidade de representar um grupo de eleitotes entre duas eleigGes. Isto abala também aquelas or- ganizagGes que pretendem integrar posigtes sobre 0 mais diversos assuntos em um mesmo conjun- (o ideolégico ou programético. Esta evolugéo tem mniitiplas consequéncias que conformam a terceir revolugo urbana modema, Em primeira lugar, ela toma necesséria uma refundago da arquitetura institucional territorial © uma renovagio das modalidades de funciona- ‘mento da democracia, em geral, ¢ da democracia local, em particular. O encaixe de diversos nifveis, assumindo o prinefpio de encaixe das bonecas rus- sas (do bait ao continente europeu, passando pelo municipio, aglomeragio, estado, regio, na- 0), no 6 mais vidvel a médio prazo, na forma atual. Em uma sociedade de m dimensées e em territérios que mudam de tamanho e de natuteza, conforme as priticas e as mobilidades individuais, toma-se necessério elaborar dispositivos de ambi- to estatal com escalas relativamente flextveis, fun- damentadas mais forteménte sobre o principio da subsidiaridade, permitindo mecanismos de con- sulta & populago e aos atores de forma continu- ada diversa. A democracia eletrOnica apresenta ppetigos, pois nfo deixa muito tempo para reflexio debate, porém também abre outras possibilida- des de enfrentar novos desafios da dernocracia. Em segundo lugar, a dindmica da sociedade hipertesto obriga a renovagio profunda das moda- lidades de definigfo dos interesses coletivos e de construgio pablica das decisbes, tratando-se des- de o interesse geral A francesa ou mesmo do inte- resse comum anglo-saxio. O chamado “nimbismo” (not in-my backyard, ou seja, nfo no meu quintal) ¢ 0 desenvolvimento do contencioso no dominia do planejamento refletem 2 crise da legitimidade publica, a diversificagao e a instabilidade dos inte- resses coletivos. Em terceiro lugar, finalmente, assistimos a emergéncia de problemas ligades ao desen- volvimento de novas formas de segregacio so- cial, Estas sfo produzidas por diversos fatores. Primeiramente, existe uma tendéncia de forma- ‘edo de guetos de pobres, nos quais se agrupam, através de diferentes mecanismos econémicos, sociais e politicos, populages exclutdas do desen- volvimento econémico, ou seja, rejeitadas pelas indangas sociatéenices. O desenvolvimento dos meios de transporte oferece novas possibilidades 2 (0s nouns prncipios do urbenisma 1" de escolha das localizagses residenciais, provo- cando agrupamentos de pepulag3o em bases que podem ameagar 4 coesdo social e urbana, Assiste- se, assim, em certos patses, & formagzo de bairtos privados cercados de muros. Essas tendéncias A fragmentag3o social e ao fechamento espacial se somam 3 tentagfo de ruptura do pacto social € dos vinculos de solidariedade local e nacional Esse movimento € acampanhado, em todo lugar, particularmente nos Estados Unidos, de uma re- cusa mais explicita em pagar impostos locais, sob 0 pretexto de que esses bairros poderiam tornar~ se progressivamente autossuficientes. Por fim, um terceiro processo contribui, de certa forma, para a segregagao social: trata-se do aumento da veloci- dade de deslocamento. Uma mesma "forga segre- sadora” diferencia socialmente o espago, no plano do edificio, em uma cidade onde nos deslocamos a pé a seis quilémettos por hora; no plano de bairro, em uma cidade onde nos deslocamos de énibus ou bonde a vinte quildmetros por hora; eno plano cdo municipio, nas eidades onde o deslocamento feito por automével a cinquenta quildmetros por hora, De fato, 0 aumento de velocidade dos deslo- ‘camentos leva a tepensat as questies de mistura e de diversidade nas cidades contemporiness, Uma democracia de procedimentos ¢ deliberativa, uma solidariedade mais reflexiva O desafia que se coloca para a sociedade mo- dema avangada € 0 da renovagio dos conceitos € das modalidades do politico ¢ da politica, e da construgdo das decisées piblicas, particularmen- te no campo das politics urbanas. Aqui nilo é 0 lugar pare discutir propostas conoretas, mas fica claro que a democracia seré to mais eficaz, quan- to mais estiver em consonancia com as estruturss, os modos de funcionamento, os tipos de represen- tagdo caracteristicos da sociedade hipertexto. Isto implica uma democracia mais de procedimentos, mais reflexiva e mais “compreensiva’, isto é que considere um formato onde os préprios individuos representam suas situagBes, seus comportemen- tos, suas agées, O lugar que o debate deve assumir, nao 36 na vida politica, mas no funcionamento dos aparelhos pablicos e estatais, ndo questiona a democracia representativa, as regras majorits- rias ¢ a responsabilidade dos politicos. Mas esta democracia “modema’ avangada” deve ser mais deliberativa, pois em uma sociedade hipertexto camplexa e nao programével, nfo $6 a maioria dos problemas a resolver sio imprevisiveis e nao cons- tituem objeto de um mandato dos eleitores, mas também as maiorias estdveis sobre varias questées tomam-se raras, enquanto as minorias variveis se agregam de maneita aleatéria, conforme as cit- cunstancias. O politica deve considerat que a ago piiblica se constr6i no ambito local, atualmente, muito mais através da dinamica dos projetos do que pela implementagao de um programa, muito ‘mais por solugdes ad hoc do que pela aplicagéo de notmas, mais através de consensos parcizis do que por grandes acordos globais, Ainda assim, as regras gerais e as responsabilidades dos politicos do devem ser desagregadoras, mesmo quando houver desacordlos explicitos em questdes impor- tantes ou tiverem fracassado todas as tentativas de se produzit um grande consenso. A legitimidade de uma decisdo pablica e sua eficécia sio maiores, na medida em que tenha sido elaborada através 5 COsnovos prineipias do urbanismo 6 de um processo que redna ‘os protagonistas em torno de um projeto,comur, Este suplemento de legitimidade, trazido pelo processo de negociacio, é particularmente necessétio em uma sociedade onde as referéncias e e6digos prolifera. E a van- tagem definitiva de uma governanga interativa em relacao aos métodos tradicionais de governo. As reivindicacées de classe, assim como 0 Individualismo tal como se institucionaliza atu- almente, ndo devem ser consideratlas como ego- fsmo, mas como expressio de novas estraturas sociais que necessitam redefinir as nodes de so- lidariedade e de responsabilidade. Entao, em vez de se falar de um declinio da moral, deve-se vis- Jumbrar, com essa modemidade avangada, uma “transigdo moral” que conduza a emancipagio dos individuos ante as obrigagées impostas por regras “superiores" e em relacto hs definigées normativas do valor das condutas, que fundamentam 0 res- peito 8s regras, aos cédigos e aos valores coletivos, ¢ a uma consciéncia reflexiva com sua real neces- sidade para a sociedade. E evidente, no entanto, que todos os problemas nfo poderio ser resolvi- dos pelo debate e, inclusive, para alguns deles, 0s, conflitos serdo inevitaveis e até necessérios. As cidades de todos 08 riscos Se, como afirmava o ditado medieval “a ar da ei- dade liberta’, a contrapartida é que a cidade é tam- bém local de todo perigo, fisico e moral. De fato, as cidades foram sempre ambivalentes, do ponto de vista da seguranca, garantindo protegées diversas, mas suscitando igualmente toda sorte de perigos. Essa dupla natureza da cidade pode ser constata- da, atuslmente, pela dinamica da modemizagao que segue modificando as relag6es da sociedade & dos individuos, ante 0 acaso e 0s perigos que as, trensformam em riscos. A sociedade modema tem. como caractertstica tipica 0 esforgo para controlar o futuro e, para tanto, busca conhecer e medir as, probabilidades de acontecer tal ou qual problema para prever possivels solucdes. O risco, caracterts- tico da modemidade, invade as praticas sociais ¢ dé Ingar e uma “sociedade do risco”: tanto os individ (0s quanto os atores econdmicos ¢ socizis fazem do risco uma questio-chave e permanente da sua vida e de suas agies. © paradoxo da modemizagio & que 0 desen- volvimento do conhecimento € da técnica, bem como a citculagio acelerada e expandida das in- Formagées, aumentam os riscos: 0 progresso da ciencia traz consigo a emergéncia constante de novos riscos relacionados & poluigdo, as emissBes, do gis carbonico na atmosfera, a0 uso dos siste- mas de refrigeragdo etc. O avango da informagao trouxe também 2 imediata difustio dos aconte- cimentos, contribuindo para a imagem de um mundo urbano pleno de perigos. Mas o aumento do risco nao se traduz necessariamente no sen- timento de que a sociedade ests mais perigosa Pois, de um lado, as necessidades de seguranca aumentam e, de outro, certas incertezas aumen- tam efetivamente. O progresso da técnica € uma faca de dots gumes: abre novas possibilidades, mas também aumenta os estragos que pode pro- vocar. Além disso, a sociedade hipertexto emer gente tem dificuldade em achar novas formas de regulacdo, assiste-se assim, em muitos pafses, a um aumento da “violéneia urbana” e delitos de toda ordem. ipios do urbanizeno (0 novos pri Essa nova relagdo com os riscos, com a incer- teza e com o futuro, constiui, em grande parte, 0 sucesso das questées referentes ao desenvolvimen- to sustentivel, afinal, em simultaneo, a busea do pprocesso de modemizagSo segue transformando a relagio da sociedade com a natureza, Hoje a “natu- reza" vivenciada como algo inserido ne social, que supée decisdes de controle ¢ protegio. A nogdo de “pattiménio natural” exprime uma atitude profunda- mente moderna de apropriaglo da natureza pelas sociedades humanas. © aumento do risco na sociedade, isto 6, a pre- ‘ocupagio crescente com a seguranga fisica, econd- ‘mica, social, Familiar, resulta das incertezas de toda order, bem como da ambigZo crescente de realiza- io de projetos, de implantagio de estratégias, de Controle do futuro. Por isso, atores sociais e econd- ricos estio cada vez mais & procura de tudo que ;possa garantr,assegurar, produzir confianga, Nesse quadro, deve ser entendido o “principio de precau- 4c, 120 difundido a ponto de dificultar a sua apli- cago. O principio de precaugio surge, com efelto, quando hé incerteza sobre as consequéncias de uma decisio, seja porque ndo se pode conhec#-las ‘ou mensuré-las, seja porque nio existe consenso a respeito entre 0s especialistas. Quando os impactos io conhecidos ou previsiveis, 0 principio de pre- ‘cauigtiojé n&o é necessério, porque nos encontramos no fimbito de um exereicio normal da escolha e da responsabilidade. E nao se deve confundir o fato de set precavido com 0 “prinefpio da precaugto”, Este Lhuimo remete especificamente nos procedimentos ‘a ser tomados quando nfo se sabe: desloce para 0 politica o peso da decisto, da medida suspensiva ou cilatéri, ou a tomada de risco. Risco e principio de precauedo constituem, as~ sim, elementos determinantes do contesto no qual atuam hoje poder piblico, os urbanistas, os pla nejadores e todos os atores privados e associativos implicados na producto e gestio das cidades. " (0s novos prnctpios do urbanismo

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