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A aprendizagem € O processo de aprender Valéria da Hora Bessa* De um modo geral aceita-se que nenhuma atividade pode ser levada a cabo com sucesso por um individuo ‘que esteja preocupado, uma vez que, quando distraida, a mente nada absorve com profundidade, ‘mas reeita tudo quanto, por assim dizer, a assoberba, Séncca a questio da aprendizagem e 0 processo de aprender, procurando introduzir 0s conceitos e teorias que serdo discutidos ao longo deste curso, Sao muitas as questdes em torno da aprendizagem e muitas so também as dificuldades encontradas pelos profissionais dessa area. N esta aula, pretende-se apresentar alguns pontos interessantes sobre A cada dia vemos surgir novas hipéteses € novos conceitos que procuram explicar por que aprendemos de determinada maneira ou mesmo de que maneira funciona o cérebro de quem aprende mais e de quem aprende menos. Mas, quais devem ser as preocupagées de um professor em relagfio aprendizagem de seus alunos? © que um professor deve saber para poder conduzir sua disciplina de maneira a facilitar a compreensio de todos? Para chegar aessas discusses, precisamos primeiro passeat pelo universo das teorias. Quais sdo elas? E de que mancira auxiliam os profissionais da Educagdo? Mais ainda: o que vem a ser aprendizagem? Como ela ocorre? E bom lembrarmos que para cada teérico ou conjunto de teorias, a aprendizagem é definida de uma maneira diferente e a explicagao sobre como ela ocorre também se diferencia. Portanto, nao devemos nos expressar de forma a validar uma € negar a outra, ou seja, nfo devemos dizer que uma esti certa € ‘outta errada. O que ocorre & que todas tém validade, pois langam um olhar sobre maneiras especificas de aprender. Por exemplo, vocés jé aprenderam alguma coisa memorizando? Jé foram capazes de aprender a partir da experimentagio do objeto (experiéncia)? Notam alguma habilidade maior ef alguma matéria ou atividade? Costumam aprender mais fagilmente quando ensinados a partir de conhecimentos que vocés jé possuem? Pois enti, todos vocés jé foram apresentados a algumas das principais, teorias da aprendizagem e todas elas trouxeram contribuigdes para a vida de aprendiz de vocés. Além disso, as respostas sobre a aprendizagem geralmente so procuradas na infancia, Isto ocorre justamente porque podemos considerar que 0 cérebro *+Doutornda em Pseoee Sac pe Universe So Exado'do Rio de Jeera Mente Paclgs Soi Pets Unversnse do ae (Ride or Proeore eases de Cradogio © Teorias da Aprendizagem infantil ainda esta em desenvolvimento e que, € a partir do nascimento que a crianga vai sendo apresentada ao mundo, fazendo uso de seus sentidos para exploré-lo, internalizando nomes, cores, sensagdes, sentiments, percepgées, gostos, cheiros, fazendo associagdes entre as informag6es que recebe. A arrumagdo ou disposigio dessas informagdes recebidas pela crianga é chamada de aprendizagem, mas o que intriga a todos nés ¢ aos especialistas é justamente de que maneira essa “arrumagao” vai sendo feita ¢ 0 que leva a crianga a associar uma informagao a outra Como ocorre a aprendizagem? Ha muito tempo o homem vem tentando explicar como aprendemos, mas é a partir do século XX, com os estudos mais profundos em Psicologia, que comegam. « surgir teorias explicativas do funcionamento do processo de aprender. A partit dos estudos realizados ao longo do século XX, percebeu-se que era através da aprendizagem que o homem adquiria hébitos e comportamentos. Além disso, a aprendizagem passou a ser definida como 0 processo de aquisigo de novos conteiidos a partir de um sistema de trocas (homem-meio) constante. ‘Segundo Ferreira (1986), a aprendizagem é definida como: Aprendizado; ato ou eftto de aprender; tomar conhecimento de; reter na meméria ‘mediante o estudo, a observagdo ou a experiéacia; tornar-se apto ou capaz de alguma coisa em conseqténeia de estudo[.] Nese ponto, introduzimos alguns novos elementos ao processo de aprender. ‘Sf eles a memoria, a ateng4o, o interesse e a inteligéncia. E claro que cada um desses termos ja merece por si s6 um capitulo, pois também sto conceitos que precisam ser definidos, mas, por ora, iremos discuti-los procurando mostrar de que maneira estes elementos esto envolvidos com o processo de aprender. Memoria ‘A meméria geralmente é tratada como a capacidade de armazenamento de informagées no cérebro, ou ainda como a capacidade de resgatar aquilo que foi armazenado. Segundo Tulving ¢ Thomson (apud EYSENCK; KEANE, 1984, p. 118), “apenas aquilo que foi armazenado pode ser recuperado, e [...] a maneira em que pode ser recuperado depende de como foi armazenado”. E por isso que a ‘meméria é um processo importante para a aprendizagem, o que no significa dizer ue s6 aprendemos memorizando, mas que a meméria, ou melhor, a capacidade que temos de armazenar conteiidos e recuperé-los em nosso cérebro, nos auxilia quando precisamos de alguma informago anterior onde uma nova possa se associar. Existem muitas teorias sobre a meméria, mas uma das mais atuais é a que faz uma analogia entre a meméria humana e a meméria dos computadores, a partir dos sistemas de input (entrada) e output (saida) de informagbes, onde as ‘mesmas so acessadas a partir de estimulos dados pelo usuario, No nosso caso, 8 aprendizes. A oprendizagem @ © processo de aprender Atencio ‘Deacordo com Eysenck e Keane (1984), o termo atengao tem sido utilizado de ‘muitas maneiras, dentre as quai destaca-se a que considera a atengdo um processo de concentrago. Podemos dizer, inclusive, que a concentragao ocorre a partir de ‘estimulos que tanto podem ser internos quanto externos. Gcralmente, prestamos atengio nas coisas ou objetos que nos despertam algum tipo de interesse. Esse interesse pode ser gerado por estimulos internos (como a vontade de conhecer mais sobre algo) ou por estimulos externos (a necessidade de aprender para passar no vestibular). Isto significa dizer que s6 conseguimos nos manter atentos aquilo que nos interessa. Logo, uma aula desinteressante, desconectada dos interesses dos alunos e de suas faixas etérias, provavelmente ndo provocaré estimulos suficientes para que os alunos se mantenham atentos ao que os professores estio dizendo ou fazendo em sala de aula. Interesse CO interesse, como acabamos de ver, pode ser definido como uma relagao entre ‘0 sujeito e 0 objeto, na qual o primeiro sente-se atraido pelo segundo por meio de algum estimulo produzido pelo segundo em relagao ao primeiro. Assim, quando dizemos que o aluno é desinteressado, estamos também dizendo que nfo fomos capazes de produzir estimulos que o atraisse para os objetos apresentados em sala de aula. Segundo Paola Gentile (2005), um aluno emocionalmente envolvido com © contetido aprende mais. Inteligéncia Costumamos definir a inteligéncia como a capacidade de uma pessoa de compreender facilmente as informagées que Ihes so transmitidas, ou seja, chamamos de inteligentes aqueles que possuem facilidade em aprender. Da mesma forma, costumamos dizer que quem aprende com mais dificuldade nfo & inteligente. Porém, se considerarmos a inteligéncia como uma capacidade de resolugo de problemas de maneiras diferentes, poderemos inserir nese conceito nfo apenas uma maneira ou uma resposta para as questBes apresentadas aos alunos sim, maneiras diferentes, como as que os alunos provavelmente terfo. Isto porque 0s caminhos da aprendizagem passam pelos caminhos da percepgo, ou seja, pela forma como cada um de nés compreende e interpreta o mundo em que vivemos. Dessa maneira, as associagdes feitas pelos alunos no momento em que aprendem alguma nova informagio influenciardo na sua maneira de resolver os problemas que lhes so propostos. Assim, no nos cabe definir ou identificar quem é mais ou ‘menos inteligente e sim, como a inteligéncia de cada um se desenvolve. Dito isso, fica mais fiicil compreendermos por que o ato de aprender & to complexo, Sabemos agora que ele ndo envvolve apenas os sentidos, mas também sistemas mais complexos como 0 interesse ¢ a atengio. ‘Dessa forma, foram sendo desenvolvidas teorias que buscavam explicar a aprendizagem pot caminhos diferentes como o do inatismo, outras que buscavam, Tecrios dg Aprendizogem explicé-la a partir do ambiente, outras a partir das ages da crianga e outras ainda a partir das relagdes sociais estabelecidas pela crianga em seu tneio, ¢€ sobre elas que falaremos agora. Teorias inatistas, ambientalistas, interacionistas e sociointeracionistas Falaremos, neste t6pico, sobre o conjunto de teorias que foram sendo criadas, para explicar de que forma aprendemos ao longo do nosso desenvolvimento. Vale lembrar que geralmente as teorias da aprendizagem esto associadas as teorias do desenvolvimento humano, justamente porque é durante o desenvolvimento ~ que vai da infancia a fase adulta ~ que podemos observar como as criangas, os ovens ¢ os adultos vio construindo suas aprendizagens a partir de seus sentidos e percepgies. Teorias inatistas ‘Voltando as teorias, iniciemos pelo primeiro grande conjunto de teorias que tentou explicar a aprendizagem, as teorias inatistas. Para comegar: vocés sabem ‘0 que significa a palavra inato? De acordo com Ferreira (1986, p. 929), significa [aquilo] “que nasce com o individuo; congénito; conato; que pertence a natureza de um ser”. Assim, as teorias inatistas sio aquelas que acreditam na existéncia de idias ou prineipios, independente da experiéncia, ou seja, para tal corrente tedrica, a aprendizagem independe daquilo que € vivido pelo sujeito, independe . de suas experiéncias no mundo, estando a aprendizagem relacionada a capacidade congénita do sujeito de desempenbar as tarefas que Ihes so propostas. Segundo Moura, Azevedo © Meblecke (2006), 0 inatismo opde-se experimentago por considerar que o individuo ao nascer jé traz determinadas as condigées do conhecimento.¢ da aprendizagem que se manifestario ou imediatamente, ou progressivamente durante o processo de seu desenvolvimento biol6gico. Assim, toda atividade de conhecimento passa a ser exclusiva do sujeito | que aptende, sem participagao do meio. Podemos classificar como teorias inatistas da aprendizagem, por exemplo, as que falam sobre a aquisicio da linguagem, como a proposta por Chomsky’. E 0 ‘que costumamos chamar de aprendizagem de dentro para fora. Teorias ambientalistas Jas teorias ambientalistas levam em considerago o meio no qual a crianga std inserida. O ambiente passa a ser o grande responsdvel pelo que a crianga ‘Seam Guay lewis aprende. Para esse conjunto de teorias, a crianga aparece como uma folha em seamen pranco, na qual serio inscritos hébitos, comportamentos e demais aprendizagens a -procurando explicar partir do meio no qual a crianga est inserida. Nesse caso, a aprendizagem efetua- se de fora para dentro. E 0 caso, por exemplo, da teoria comportamentalista ou A oprendizagem ¢ 0 proceso de aprender behaviorista da aprendizagem, que considera a aprendizagem um processo relative as respostas que o individuo dé aos estimulos gerados pelo meio, ‘Tanto no caso das teorias inatistas quanto no caso das ambientalistas, nao se fala em interagdo entre o dentro e o fora, ou seja, entre a crianga e suas estruturas internas ¢ o meio no qual ela esta inserida. Essa relagio passa a ser encontrada no conjunto de teorias conhecido como interacionistas, da qual fazem parte as teorias construtivistas, que tém como principal teérico Jean Piaget. Teorias interacionistas As teorias interacionistas percebem a aprendizagem como um processo de inter-relagao entre o sujeito ¢ 0 objeto, Segundo este conjunto de teorias, éapartir | da agao do sujeito sobre 0 objeto, ou melhor, da interagao do sujeito ¢ do objeto | que o aprendiz extrai daquilo que quer conhecer as informagdes necessérias para seu uso, caracterizando um tipo de aprendizagem ativa. E por isso que incluimos esse conjunto de teorias 0 construtivismo, pois além de ver a aprendizagem como um processo de interacdo entre o sujeito € 0 objeto, também considera 0 aprendiz um sujeito ativo, construtor (dai a origem do termo construtivismo) de seu ptéprio conhecimento. Teorias sociointeracionistas Jé as teorias sociointeracionistas explicam a aprendizagem a partir das interagdes sociais realizadas pelo sujeito que aprende. Segundo esse conjunto de ‘tcorias, éa partir das relagdes sociais estabelecidas que ocorre nfo s6 a construgo de um tipo especifico de aprendizagem, que é chamada de aprendizagem social (por imitagao, de comportamentos, que facilita a socializagao), mas também uma aprendizagem mais humana, que envolve néo apenas os processos mentais ou 0s estimulos gerados pelo meio, nem tio somente a interagio do sujeito com 0 objeto de seu interesse, mas passa a levar em considerago.também as relagbes estabelecidas pelo sujeito durante o seu processo de aprender, colocando em foo a relagdo de sala de aula, ou, mais especificamente, a relago professor-aluno. E dentro desse variado conjunto de teorias que as teorias da aprendizagem ‘vo sendo formuladas ao longo dos tempos. Passemos agora és teorias de fato Teorias da aprendizagem ‘Uma vez apresentados os conjuntos de teorias, iremos apresentar as teorias da aprendizagem que consideramos mais importantes para aqueles que vo lidar, de alguma maneira, com 0 cotidiano da Educa¢ao. Apresentamos abaixo os teéricos e as teorias mais discutidas sobre aprendizagem. © Teoria Construtivista de Jean Piaget. © Teoria Sécio-histérico-cultural de Lev Vygotsky. ‘© Henri Wallon ¢ a Psicogénese da pessoa completa. Teorias de Aprendizagen Maria Montessori e a aprendizagem exploratéria. Emilia Ferreiro e a aprendizagem da leitura e da escrita Cdlestin Freinet e a aprendizagem natural. ‘Teoria Libertadora de Paulo Freire. Jerome Bruner e a aprendizagem em espiral David Ausubel ¢ a aprendizagem significativa. ° ° ° ° (© Madalena Freire e a aprendizagem profissional. ° ° © Howard Gardner ¢ a teoria das miltiplas inteligéncias ° Philippe Perrenoud e a teoria das competéncias. ‘Alem dessas teorias, é necessério também que discutamos outras questbes bastante relevantes para compreendermos 0 processo de aprendizagem. Por isso, precisamos conhecer as préticas pedagdgicas, resgatando suas bases na Historia da Educagdo, discutir os modelos didaticos ¢ ainda analisar a formagao dos professores. Dessa forma, fica mais facil percebermos que a aprendizagem nfo & um processo individual, ou seja, que dependa somente do esforgo de quem aprende, mas sim um processo coletivo, que envolve tanto as apdes do educando quanto as agbes do educador. Educago e aprendizagem Mas, 0 que a historia das préticas pedagégicas, a formacio do professor a didética tém a ver com aprendizagem? Essa é uma pergunta muito comum, principalmente nos cursos de Licenciatura. Acontece que para podermos viabilizar a aprendizagem dos alunos por meio de qualquer uma das teotias, devemos antes ccompreender historicamente 08 usos que essa teoria teve. Mais que isso, devemos ‘também saber 0 que nés desejamos com o uso de tal teoria como suporte na sala de aula, Para tanto, devemos dispor de conhecimentos como os da Didética, que ‘nos auxiliam a planejar nossas aulas, tragando nossos objetivos e métodos a partir de qualquer teoria. ‘Dessa maneira, como professores, podemos dispor de diferentes recursos te6ricos, metodologias e conhecimentos gerais que facilitam tanto o trabalho do professor, como a aprendizagem do aluno, que pode experimentar 0 contetido a ser aprendido de maneiras diferentes. E claro que ao falarmos de aprendizagem ¢ do ato de aprender no podemos deixar de fora a responsabilidade de pais e professores. Os pais, no que diz respeito a aprendizagem escolar da crianga, devem auxiliar na resolugdo de atividades, no acompanhamento das atividades realizadas pela crianga ¢ na estimulagio para que a crianga seja capaz de superar suas dificuldades. O professor, por sua vez, precisa ter claro seus objetivos, conteiidos e métodos para o desenvolvimento de ‘uma aula clara e organizada, o que facilita a compreensio da matéria pelos alunos, em especial quando falamos da Educayao Infantil. Além disso, o professor, para garantir uma boa aprendizagem, pode também langar mao de atividades que ‘A oprendizagem ¢ 0 processo de aprender envolvam os conhecimentos prévios dos alunos ¢ a revisto da matéria para uma melhor compreensao ¢ fixasio dos conteidos apresentados. Jé a escola, precisa mantero curriculo das disciplinas atualizado, tbem como a organizagao e acessibilidade para os alunos, dando atengo aos que possuem necessidades ceducativas especiais, Concluimos, assim, que o processo de aprender ndo esté relacionado apenas com as “capacidades” intelectuais de cada aprendiz, mas, de uma forma mais ampla, o processo de aprender envolve, para além das nossas habilidades cognitivas, as relagSes estabelecidas entre professores ¢ alunos ¢, ‘conseqilentemente, a relago que se constréi em torno do ensino e da aprendizagem. Isso significa que, ‘mesmo um aluno considerado inteligente pode apresentar dificuldades se a relagio que estabelece com ‘a matéria, a partir do professor e de sua didética nao for bem construtda. EYSENCK, M. W; KEANE, M. T: Psicologia cognitiva: um manual introdutério. Porto Alegre: ArtMed, 1984, FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Diciondrio da Lingua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. GENTILE, P. E assim que se aprende, Nova Escola, Sio Paulo, p. 52-57, jan_/fev., 2005. MOURA, A.M. M,, AZEVEDO, A.M.P, MEHLECKE, Q. As teorias de aprendizagem eos recursos da internet auxiliando 0 professor na construgio do conhecimento. Disponivel em: . Acesso em: 29 jan, 2006. SENECA, L. A. Sobre a brevidade da vida. Tredupio de: William Li, Sto Paulo: Nova Alexandria, 1993. TULVING, E.; THOMSON, D. M. Encoding specificity and retrieval processes in episodic memory. In: BYSENCK, M, W3 KEANE, M. T. Psicologia cognitiva: um manual introdutério. Porto Alegre: ArtMed, 1984, :

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