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2ana2015 ‘Aexpansto drabe na Africae os Impérios Neqyos de Gana, Male Songai(sécs. VIXV) | Histria Medieval - Prof. Dr. Ricardo da Costa A expansio arabe na Africa e os Impérios Negros de Gana, Mali e Songai (sécs. VII-XVI) Ricardo da COSTA (miloueandosricardocosta com) In: Historia Afto-brasileira ISBN 85-88909-20-0 - médulo D). In; NISHIKAWA, Talse Ferreira da Conceigio, Histéria Medieval: Historia I. Sio Paulo: Pearson Prentice Hall, 2009, p.34-53 (SBN 978-85-686539-90-4) {para o curso de Edueapdo a Distancia da Unopar Virtual (hip /www unoparvetual com be) Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso, Louvado seja Deus, Senhor do Universo, © Clemente, o Misericordioso, Soberano do Dia do Juizo. 56a Ti adoramos e s6 de Ti imploramos ajuda! Guia-nos senda reta, A senda dos que agraciaste, no & dos abominados, nem a dos extraviados. (Aleordo, A Abertura, * Surata). Imagens 1€ 2, Berbere do norte da Affica e sua casa I. Aexpansao militar Existem muitos fatores que contribuiram para a incrivel expansio drabe do século VII que partiu da Peninsula Arabica em diregio ao Magreb - que quer dizer “ocidente” em drabe. A baixa produtividade do solo da Peninsula e o desejo de ter uma terra cultivavel, somado a uma populagao em crescimento; 0 enfraquecimentos dos reinos de Bizincio e da Pérsia, que se encontravam devastados pelas guerras e tinham suas provincias em franco proceso de declinio (0 imperador nips ricardocosta comfarigoexpansao-ar2be-na atic ©-o:-Impetos-negroe-de-gana-mai-e-songal-secs-vi-x¥ ee 2ana2015 ‘Acxpanstoérabe na Arica e 0 Impérios Negros de Gana, Male Song (sé. VIEXV) | Histria Medieval - Prot Dr. Ricardo da Costa bizantino Herdclio [610-641] assistiu impotente & perda das provincias que havia recentemente conquistado) (ANGOLD, 2002: 50); possiveis afinidades inter-étnicas (a Siria e a Mesopotamia tinham tribos drabes), ¢ até 0 uso de camelos nas batalhas em campo aberto por parte dos exércitos mugulmanos. (HOURANI, 1994: 40) ‘Tudo isso pode ter contribuido para as sucessivas, répidas e espantosas vitérias da espada do Isla, ‘mas definitivamente 0 motivo maior e mais poderoso nas mentes de entao foi a unidade politica e principalmente espiritual promovida e realizada por Maomé (570-632). Logo apés a morte do Profeta, em 634 a Peninsula ardbica foi definitivamente unificada ¢ os primeiros exércitos islimicos foram enviados para exterior. Seus sucessores, 0s primeiros califas rashidun(os “califas corretamente orientados") (HOURANI, 1994: 459) - a palavra califa significa “representante” - foram os Iideres militares que organizaram as bases pelas quais 0 império pode crescer. as Imagem 5. A Expansio do Isla In: Atlag Historica. Barcelona Editorial Marin, 1992, p44. As tropas drabes que realizaram essa expansio tanto para o leste quanto para o oeste eram disciplinadas e coesas. Definitivamente nao eram barbaras. Conta a tradigio que Abu Bakr (623- 624), 0 primeiro califa, sogro de Maomé, teria dito As suas tropas: Sede justos, sede valentes; morrei antes de render-vos; sede piedosos; nao mateis nem velhos, nem. mulheres, nem criangas; nio destruais drvores frutiferas, cereais ou gad. Mantende vossa palavra, ‘mesmo aos vossos inimigos; ndo molesteis as pessoas religiosas que vivem retiradas do mundo, mas compeli o resto do mundo a se tornar mugulmano ou nos pagar tributo. Se eles recusarem estes termos, matai-os. (citado em DURANT, s/d:171) Assim, enquanto Khalid ibn al-Walid, general supremo de Abu Bakr, conquistava 0 Iraque € Damasco ao norte, o comandante Amr ibn al-As, outro recém-convertido e veterano das guerras sirias, partiu de Gaza, tomou Pehisio, Ménfis e, finalmente, Alexandria, apés um sitio de vinte e trés meses, em 641. O trigo do Fgito era muito necessirio para Medina, e 0 porto de Alexandria oferecia ‘um ponto seguro para a expansdo maritima islamica. (PREVITE-ORTON, 1976: 337) 5 cristéos monofisistas do Fgito (que acreditavam em uma sé natureza do Cristo), cansados das perseguigdes religiosas de Bizdncio, receberam os mugulmanos de bragos abertos - de maneira semelhante como as comunidades judaicas na Peninsula Ibérica fariam em 7m. A propésito, a estéria que Amr ibn al-As teria ordenado a destruigéo da Biblioteca de Alexandria & considerada hoje uma nips ricardocosta comfarigoexpansao-ar2be-na atic ©-o:-Impetos-negroe-de-gana-mai-e-songal-secs-vi-x¥ 2512015 A expansodabe na Aca eos impos Negras de Gan, Male Songai (sé. VILXV) | Histra Medieval - rot Dr. Ricardo da Costa versio completamente destituida de fundamento. (LEWIS, 1990: 63) Amr administrou muito bem o Egito. Apesar de ter governado com base em duros tributos cobrados da populagio local, ele reparou canais e, a partir de seu acampamento, construiu em 642 uma nova capital, de nome al-Fustat (que significa “a tenda"): mais tarde ela se chamaria Cairo. Imagem 4. Representacio de Abu Bakr De posse desse novo potentado, e preocupados com um possivel ataque bizantino vindo do ocidente, a partir de 647 os mugulmanos decidiram prosseguir em seu assalto a0 norte da Africa. Seguindo a costa africana, partiram entdo para o oeste, liderados por Ibn Sad, emir do Egito. Um. poderoso e organizado exército marchou através do deserto até a cidade de Barka (Barca, atualmente na Libia), tomando-a de assalto em 643-644. Dali avangou praticamente sem nenhuma resisténcia até as proximidades de Cartago, ja na Tripolitania. ‘Ao sul da Tiinis moderna (na Tunisia), 0 comandante Okba ibn Nafi construiu um acampamento na areia, em 670, fundando assim uma das maiores cidades do Isla bem no coragao da Africa romana, Kairuan (Karouan ou Cairudo) - 0 “lugar do descanso’, para sustar as contra-ofensivas dos bizantinos (observe a caracteristica do surgimento da cidade islamica nessa expansio militar: ela, via de regra, teve origem em um acampamento militar). Esse avango até a Tripolitania e a fundagao de Kairuan foram muito importantes para a expansio do Isla. Dali, Okba fez incursdes e massacres contra as tribos berberes, que se refugiaram nas montanhas do Atlas. Os berberes eram tribos nativas que viviam espalhadas por toda a Africa do Norte. Segundo o cronista mugulmano Ibn Khaldun (c. 1332-1395), os berberes eram quase totalmente némades, gentes que vivem em tendas © que viajam no lombo do camelo, ¢ se instalam nas alturas das montanhas(..) No deserto, a maioria da populagio mantém suas genealogias, porque, de todos os lagos que servem para vineular um povo, ode sangue & 0 mais préximo e de maior forga (.) Os povos que experimentam a influéncia desse sentimento preferem sempre a vida do desesto & das cidades... (IBN JALDUN, 1997: 633) Imagem 5. Berbere tunisino em seu camelo Imagem 6. Berberes tunisinos nips ricardocosta comfarigoexpansao-ar2be-na atic ©-o:-Impetos-negroe-de-gana-mai-e-songal-secs-vi-x¥ 2ana2015 ‘Acexpansto drabe a Africae os Impérios Negyos de Gana, Male Songai(sécs. VIXV) | Histria Medieval - Prof. Dr. Ricardo da Costa Ry Em 681, Okba atingiu o Atlintico, mas os berberes se esqueceram de sua hostilidade secular contra aos romanos € decidiram combater esse novo invasor. Sob as ordens do principe Koceila (Kossaila ou Kossayla), uma parte dos berberes derrotou Okba ibn Nafi (683), saqueou Kairuan e fez 0 exército arabe retroceder de volta para Barka. Contudo, outra parte dos berberes abragou 0 Islamismo, fato que enfraqueceu o exército de Koceila. Este, recuando para Barka em 689, foi surpreendido e massacrado por uma forga bizantina (PIRENNE, 1970: 136), ¢ 0 exército arabe, por sua vez, perseguido pelas forcas berberes chefiadas por uma misteriosa e lendiria rainha-sacerdotisa zenata de nome Kahina (ou Kahena), foi obrigado a retomnar derrotado de volta ao Egito ~ os zenatas ou zanagas eram uma etnia berbere originaria do sul do Marrocos (KI-ZERBO, s/d: 129). Hasan, governador do Egito, decidiu contra-atacar: retomou a ofensiva, reconstruiu Kairuan apoderou-se definitivamente de Cartago, em 698. Os cartagineses fugiram e a cidade antiga foi substituida por uma nova, ao fundo do gloso: Ttinis. Seu porto, Goulette, tornou-se a partir de entio ‘uma das grandes bases navais islamicas do Mediterraneo. Sim, a expansao islamica também abrangia os mares: desde o califa Moawiah (660) 0s muculmanos dispunham de uma frota, e com ela também alargaram seu poder e invadiram as ilhas de Chipre, Rodes, Creta e Sicilia, além de transformarem o porto de Cizico (Cyzicus), na Asia Menor, em uma importante base naval islamica de onde passaram a assediar Constantinopla (PIRENNE, 1970: 134- 135). Imagem 7. A expansio isLimica por 4guas bizantinas nips ricardocosta comfarigoexpansao-ar2be-na atic ©-o:-Impetos-negroe-de-gana-mai-e-songal-secs-vi-x¥ 26092015 __Aexpansto évabera Africa eos impos Negras de Gana, Malle Sonal (sé. VIXVD | Hiséria Mesieval - Prof Dr. Ricardo da Costa Assim, além do avango para o oeste pelo norte da Africa - e simultaneamente a ele - os mugulmanos se apoderam gradativamente de posigdes maritimas chaves no Mediterraneo, A resisténcia berbere foi desfeita e a rainha-sacerdotisa Kahina teve a cabeca cortada e enviada como troféu ao califa no Egito. Imagem 8. Estétua em homenagem rainha zenata Kahina SS II. A fragmentagao do Norte da Africa em potentados No final do século VII, os mugulmanos concretizaram definitivamente sua expansdo no norte da Africa, Na regio mais setentrional, outro comandante arabe, Mousa ibn Nogayr submeteu o Magreb (Marrocos) e impés definitivamente o Islamismo 3s tribos berberes. Com isso, a Africa ficou dividida em trés provincias: 2) 0 Egito, com sua capital em al-Fustat (préxima de Cairo); 2) Ifeigiya (Tunisia) com sua capital em Kairuan e 3) Magreb (Marrocos), com sua capital em Fez Durante cerca de cem anos, os emires dessas trés provincias reconheceram os califas do Oriente como seus soberanos. No entanto, devido as longas distincias ¢ as dificuldades naturais de comunicagao - que sé aumentaram com a transferéncia da capital do Império para Bagdé, essas provincias gradativamente tornaram-se reinos independentes no século IX, cada um com uma dinastia. Foram elas: 2) Dinastia tulunida (868-905), no Egito e na Siria; 2) Dinastia aglSbida (800-909), em Kairuan (dominando a Tunisia, a regido oriental da Argélia e a Sicilia) e 3) Dinastia idrisida (789-926) no Magreb. No Egito, a dinastia tulunida durou apenas duas geragdes de monarcas. Fundada por Ahmad ibn- Tulun (868-884), filho de um escravo turco, com ela, o Egito passou por um répido renascimento cultural, tanto nas artes quanto no saber. Ibn Tulun construiu uma nova capital (Qatai, subiirbio de al-Fustat), paldcios, banhos puiblicos, um hospital, um aqueduto ainda de pé e a grande mesquita Ibn Tulun, hoje uma homenagem do tempo a seu governo. Imagem 9. Mesquita Ibn Tulun, no Egito nips ricardocosta comfarigoexpansao-ar2be-na atic ©-o:-Impetos-negroe-de-gana-mai-e-songal-secs-vi-x¥ 28)002015 expand drabe na Africae os Impéios Negros de Gana, Mal eSongai(sécs. VILXV) | Histria Medieval - Prof. Dr. Ricardo da Costa No entanto, seu filho Khumarawayh (ou Khumavaraih, 884-895) transferiu a energia que herdou do pai totalmente para a luxiiria: tributou pesadamente seu povo para revestir seu palacio de ouro e construir uma piscina de merctirio, onde sua cama com almofadas (também de ouro) e sempre cheia com seu harém pudesse flutuar... Apesar disso, Khumarawayh foi reconhecido como governador do Egito, da Siria e da Mesopotamia do Norte, casando sua filha com o califa al- Mutadid-Mutadid. O poder dos tulunidas cai com seu filho Harun (896-904); outra dinastia turca, os ikshididas (935-969) tomou-lhes 0 poder. (Islamic Architecture _- _Tulunids (http://www islamicarchitecture.org/ia/dynasties/tulunids html) ) Na Ifriqiya (Tunisia), em 800, Ibrahim ibn al-Aghlab fundou a dinastia aglabida, que governou a regio até 909. Embora fossem tecnicamente submissos aos califas abdssidas, os aglabidas eram independentes. Eles foram responsdveis pela construgdo da grande mesquita e suas muralhas, € transformaram sua capital em um importante centro cultural, onde as ciéncias religiosas e a poesia puderam florescer. Os aglibidas criaram também uma marinha e desenvolveram técnicas agricolas, de irrigagdo e de arquitetura, além das artes. Grande foi o florescimento das atividades intelectuais. Nesse periodo, destacam-se Imam Suhnun, Assad ibn al-Furat (no Direito) (SOUSA, 1986), Yahia ibn Sallam (na Exegese do Alcor’o) ¢ += Tbn_—abJazzar_— (na_—- Medicina). (Qs_Aglabidas (http://www. geocities.com/ibnkhaldoun_2000/aglabidas.htm)) Os aglébidas também conquistaram e dominaram a Sicilia (827-878); dali, em 846, um exército aglabida conseguiu atacar e saquear Roma. Essa ilha permaneceu sob o dominio mugulmano mais de cem anos ¢ s6 foi reconquistada pelos cristios em 1091. Imagem 1, Ribat de Susa, na Tunisia (1) Trata-se de um clissico exemplo arquiteténico da fortaleza ribat. O niicleo dessa construgao data do periodo 770-96 e seu tiltimo estagio dos anos 821-22. Sua construgao é atribuida ao aglabida Ziyadat Allah, Consiste em um cerco fortificado com uma entrada e torres nos cantos ¢ no meio das paredes, nips ricardocosta comfarigoexpansao-ar2be-na atic ©-o:-Impetos-negroe-de-gana-mai-e-songal-secs-vi-x¥ 2ana2015 ‘Aexpanstoérabe na Africa 0s Impirios Negros de Gana, Male Sonal (ses. VIEXV) | Histria Meseval- Pro Dr. Ricardo de Costa patio & cercado por dois niveis de muros. 0 lado do sul do segundo assoalho é ocupado por uma mesquita com um mikrab no centro (0 mihrabem uma mesquita é 0 nicho decorado que indica a diregao {gibla] de Meca. MIQUEL, 1971: 556). Para a questo do ribat, ver adiante nosso item VI. Imagem 12, Ribat de Susa, na Tunisia (2), Parte interna, No entanto, uma forga religiosa tomaria Ifriqiya de assalto: os ismaelitas. Por volta de 905, Abu Abdala surgiu naquele reino pregando uma doutrina que se propagaria por todo o mundo arabe, aDoutrina Ismaelita dos Sete Imas. Com a adesao dos berberes, ele conseguiu depor a dinastia aglibida e saudar Obeidala ibn Muhammad como al-Mahdi (ou Madi), o “lider justo", aquele que viria destruir a tirania ¢ estabelecer a justiga. Contudo, assim que chegou ao poder, uma das primeiras medidas de Obeidala foi ordenar a morte de Abu Abdala. © sucesso da tomada do poder pelos ismaelitas fez surgir uma nova e importante dinastia: os fatimidas (se diziam “fatimidas” porque se consideravam descendentes de Fatima, filha do Profeta). La mesmo na Tunisia, 0s exércitos fatimidas se prepararam para a conquista do Egito, primeiro passo para se chegar ao império do Oriente. (LEWIS, 2003: 43) Aglabidas e fatimidas devolveram & Africa do Norte um pouco da prosperidade dos tempos da Roma imperial. No século IX, os mugulmanos abriram novas rotas, desenvolveram 0 comércio tanto com 0 Isla Oriental quanto com a Espanha e as regides transaarianas (como veremos a seguit), ¢ trouxeram. novas técnicas para a arte do couro, das tinturas e dos perfumes. Ao se expandirem até o Egito, tomando-o dos turcos ikshididas, os fatimidas unificaram todo o norte da Africa. Transferiram-se ento para a cidade de Qahira ("A vitoriosa’, isto & Cairo) a0 nordeste de Qatai, chegando posteriormente a ter o controle sobre toda a Ardbia ea Siria, Imagem 15, Maior extensio do califado fatimida (909-1171) Os fatimidas tornaram-se rapidamente os reis mais ricos de seu tempo. No entanto, a liberdade cultural e religiosa dos primeiros tempos deixava pouco a pouco de existir: com o califa al-Haquim (996-1021), uma série de perseguigdes contra judeus e mugulmanos teve inicio - até mesmo a Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém, foi destruida - fato que deu inicio & pregagao das cruzadas. Apesar disso, a dinastia ainda floresceu culturalmente com o longo reinado de Mustansir (1036-1094), filho de uma eserava sudanesa. Mustansir construiu um belo pavilhao e viveu uma vida de misica, vinho e conforto. Fle disse: “Isto & mais agradavel que contemplar a Pedra Preta, ouvir o zumbido dos muezins (0 enearregado do nips ricardocosta comfarigoexpansao-ar2be-na atic ©-o:-Impetos-negroe-de-gana-mai-e-songal-secs-vi-x¥ 1 26092015 __Aexpansto évabera Africa eos impos Negras de Gana, Malle Sonal (sé. VIXVD | Hiséria Mesieval - Prof Dr. Ricardo da Costa apelo & oragao) e beber agua impura”. (citado por DURANT, s/d: 258) Apés sua morte, o império se fragmentou em varias facgdes (berberes, sudanesas ¢ turcas). Ifriqiya ¢ Martocos jé haviam se separado, a Palestina se rebelou e a Siria foi perdida. Imagem 14. Moeda de ouro cunhada no reinado de Mustansir (1048-1049) III. Natureza e forca da civilizagao islamica no Norte da Africa Todas aquelas trés cortes dos reinos afticanos ~ do Cairo, de Kairuan e de Fez ~ protegeram e desenvolveram as artes - a misica, a filosofia, a poesia, a arquitetura, a pintura e as artes menores (azulejos, estampas em tecidos, vasos de cristal, etc.). Em Kairuan, em 670 foi erguida a maravilhosa mesquita de Sidi Ogba, restaurada sete vezes. Seus claustros ainda hoje so sustentados por colunas corintias das ruinas de Cartago. A riqueza da arte de Sidi Oqba tornou Kairuan a quarta cidade santa do Isla - chamada de “um dos quatro portées do Paraiso”. Imagem 15. Mesquita de Sidi Okba, em Kairuan Com um pulpito entalhado, o mais antigo minarete quadrado e macigo do mundo (o minarete a torre da mesquita), e seus interiores rodeados de pilastras corintias iluminadas com velas, a mesquita de Sidi Okba é um marco da forga da arquitetura e da fé islamica (DURANT, s/d: 258), € artisticamente contrasta maravilhosamente com a imensidao e 0 siléncio do deserto - observe que um dos pilares da contemplagdo estética & justamente observar a insergao da obra arquitetdnica no espago natural em que ela foi construida, ¢ essa interagao deve ser levada em conta quando da fruigao artistica, nips ricardocosta comfarigoexpansao-ar2be-na atic ©-o:-Impetos-negroe-de-gana-mai-e-songal-secs-vi-x¥ 28002015 expand drabe na Africae os Impéios Negros de Gana, Mal eSongai(sécs. VILXV) | Histria Medieval - Prof. Dr. Ricardo da Costa kba, em Kairuan. Interiores Ainda em relago as artes desse periodo na Africa do Norte, é importante destacar que os mugulmanos desenvolveram com intensa p: 40 € enorme paciéncia as chamadas “artes menores’, Azulejos envernizados, lougas de barro, vidros, vasos de cristal, caixas ricamente decoradas com incrustagdes de marfim, sso ou madrepérola (tanto na madeira quanto no metal), tinteiros, tudo com motivos geométricos. Enfim, todas as manifestagdes da criatividade artistica humana brotaram esplendorosamente na Africa do Norte iskimica entre 0s séculos VIL-XI. Imagem 17. Porta-jéias (esquife) fats IIL. O ensino eas letras £ sabido que 0 mundo mugulmano na Idade Média estimulou muito a educagao ¢ 0 estudo das nips ricardocosta comfarigoexpansao-ar2be-na atic ©-o:-Impetos-negroe-de-gana-mai-e-songal-secs-vi-x¥ oe 26092015 __Aexpansto évabera Africa eos impos Negras de Gana, Malle Sonal (sé. VIXVD | Hiséria Mesieval - Prof Dr. Ricardo da Costa letras. No final do século X, a biblioteca de Cairo jé era uma das maiores do mundo conhecido. O Islao patrocinava muito o saber: por exemplo, em 988 lacub Qilis convenceu o califa egipcio Aziz a custear a educagdo para estudantes na mesquita de el-Azhar. Era 0 inicio do ensino piiblico - logo seguido pelas universidades européias (embora ali os estudantes custeassem os gastos). O estudo sistematico em el-Azhar atraiu universitarios de todo o mundo mugulmano, processo que antecedeu em um século 0 movimento universitario na Europa. Imagem 19. Mesquita de El-Azhnar califa al-Haquim criow no Cairo uma instituigdo chamada Casa de Sabedoria (Dar al-Iim), que abrigava 0 ensino da teologia xiita dos ismaelitas, da astronomia e da medicina. Haquim também. doou sua colegao de manuscritos & Casa da Sabedoria “para que todo o mundo possa vir para ler, transcrever e se instruir”, (MANGUEL, 1997: 47) Ali ainda havia um observatério astronémico, onde trabalhou o maior dos astrénomos muculmanos, o egipcio Abu'l Hasan ibn Yunus (1009) (RONAN, 2001: 100-101). E de todos os nomes que brilharam dentre os doutores do Isla nesse periodo, o mais conhecido & 0 de Al-Hazin. Matematico mugulmano nascido por volta de 965 em Basra, ele tornou-se famoso por ter escrito um importante tratado de ética (Kitab al-Manazir). © primeiro a perceber a capacidade aumentativa do vidro parece ter sido Séneca (+ 65 d. C.), observando objetos através de bolas de vidro cheias d’égua, Mas foi Al-Hazin, em seu Livro de Otica, quem deu um passo importante ¢ definitivo ao trabalhar a agao dos “corpos Ienticulares”. (ERADA hu: fmulpt/public/Gabinete Comunicacao Imagem, NovaYizop%iFiginai2oGACLsite%i2s) ) Seu problema basico fora encontrar a imagem de um ponto brilhante quando refletido fora de um. nips ricardocosta comfarigoexpansao-ar2be-na atic ©-o:-Impetos-negroe-de-gana-mai-e-songal-secs-vi-x¥ 2ana2015 ‘Acxpanstoérabe na Arica e 0 Impérios Negros de Gana, Male Song (sé. VIEXV) | Histria Medieval - Prot Dr. Ricardo da Costa circulo. Isso envolvia conseguir encontrar um ponto preciso (A) na cireunferéncia de um circulo, Imagem 21. Estudo ético de Al-Hazim noraal Al-Hazin ainda observou a forma de meia-lua da imagem do Sol durante os eclipses na parede posta a uma pequena cavidade feita nas folhas de janelas: é a primeira meng3o conhecida da cimara-escura, base da fotografia. Até 0 tempo de Kepler ¢ da Vinci, todos os estudos europeus sobre a luz basearam-se na obra de al-Hazin (DURANT, s/d: 261). Por fim, 0 efeito mais duradouro da expansio do Isla no Norte da Aftica foi o quase completo desaparecimento do cristianismo. f bastante provavel que os habitantes latinos das cidades tenham emigrado para a Sicilia e Espanha, Todas as populagées, especialmente os berberes, adotaram com tal entusiasmo 0 Isla que expandirem-no para o sul do Saara, como veremos a seguit. Assim, 0 Mediterrineo deixou de ser uma rota pacifica e romana como o era no mundo antigo para se transformar em um mar de fronteira bélica de religides ¢ civilizages opostas. (PREVITE-ORTON, 1976: 337) IV. Civilizagdes negras ao sul do Saara (1): a Terra dos Maqzara e 0 reino de Tekrur Imagem 22, Feira livre em Atar (cidade a oeste da Mauritania) No extremo oeste da Africa setentrional, entre os atuais paises de Mali e da Mauritania, ao longo do tio Niger até mais a oeste, na escarpa do Tagant, com limite ao sul nos rios Senegal e Bakoy, desenvolveram-se as primeiras civilizagdes negras conhecidas: os Maqzara, 0 reino de Tekrur, € os famosos Impérios de Gana (Wagadu), ou 0 “Império do Ouro", como ficou sendo chamado, ¢ o de Songai (ou de Gao). Essas culturas negras que giravam em torno do Baixo Senegal (nome de toda essa regio) foram o resultado de um desenvolvimento autéctone bastante recuado (e de natureza pagdo-animista), iniciado provavelmente na era crista, aliado ao avango berbere-islimico em nips ricardocosta comfarigoexpansao-ar2be-na atic ©-o:-Impetos-negroe-de-gana-mai-e-songal-secs-vi-x¥ ae 2ana2015 ‘Aexpansto drabe na Africae os Impéios Negy os de Gana, Mal e Songai(sécs. VILXV) | Histria Medieval - Prof. Dr. Ricardo da Costa diregao ao sul do Sara no século IX. Essa expansio berbere havia se dirigido tanto no leste ao sul do Egito, para obter 0 controle das minas de ouro do Sudio, quanto no oeste ao sul de Magreb, e aqui no Baixo Senegal a expansio basicamente tivera como motivagio o desejo de dominar as rotas cada vez mais desenvolvidas dos trdficos de ouro, de sal e de escravos, este tiltimo um tréfico que nunca parou de crescer desde entao até meados do século XIX (KI-ZERBO, s/d: 130). O trafico de escravos - escravos que eram utilizados em sua maior parte no servico doméstico ou como soldados - acontecia tanto no sentido do sul para o norte do Saara quanto o inverso (DAVIDSON, 1992: 146). Apesar das dificuldades naturais de se atravessar o deserto, muitas caravanas de mugulmanos cruzavam o Saara a oeste para comerciarem escravos, sal, cavalos e metais (ouro e cobre) com as populagdes negras. Os berberes também compravam dos negros marfim, peles de animais, plumas de avestruz sementes de cola (com cafeina); em troca, traziam cobre, espadas decoradas de Damasco, lougas e talheres finos. Partindo-se do Magreb (de Fez, mais a oeste, ou mesmo de Tripoli), os viajantes islimicos utilizavam quatro rotas conhecidas através do deserto para chegar a quatro importantes pontos de comércio ao sul. Da esquerda para a direita: 2) De Awdaghost e Tekrur (na Mauritania atual) para Tindouf, até Marrakech, Fez e Tinis; 2) De Tombuctu (no Mali) também para Fez e Téinis, mas passando por Taouden; 3) De Gao (também no Mali) para Tripoli, passando por Ghadames; 4) De Agader, mais ao centro, no Niger, também para Tripoli, passando por Ghadames ou por Murzuk. Imagem 23, Mapa das rotas pré-coloniais da Africa Setentrional Gragas a essas regulares rotas de comércio transaarianas estabelecidas pelos berberes islamizados & que se tem noticia escrita das civilizagées negras ao sul do Saara. Um viajante e geégrafo mugulmano chamado al-Bakri (século XI) escreveu a principal fonte para essa regio, um livro chamado Descrigao da Africa (de 1087). Abu Ubayd al-Bakri, fildlogo, poeta, gedgrafo, historiador e erudito religioso, viveu em Qurtuba (Cérdoba), Al Mariyya (Almeria) e Ishbiliya (Sevilha), onde morreu em 1094. Ele ficou conhecido por seus comentarios a varias obras, principalmente o Sharth Kitav al amthalde Abu Ubayd al-Qasim ibn Sallam, e 0 Al’Alifi sharh al amdli, de al-Qali. A intengao desses comentarios muito difundidos na Idade Média era esclarecer os casos em que o significado desejado por um conhecido autor nao estava claro. Entéo 0 comentarista explicava as expressdes pouco comuns e fazia as necessérias corregdes para os novos e futuros leitores. (Poetas andalusies sevillanos (http://www apoloybaco.com/Poetasandalusies htm) ) Embora al-Bakri, da mesma forma que Tacito em sua obra Germédnia (no século 1), nunca tenha ido pessoalmente & regido que descreve em sua obra, ele conversou com viajantes e comerciantes, além nipstuwsrcardocosta comfarigoexpansao-arabe-na atic ©-o:-Impetos-negroe-de-gana-mal-e-songal-secs-vi-x¥ rae 2ana2015 pnw. ‘Aexpansto drabe na Africae os Impéios Negy os de Gana, Mal e Songai(sécs. VILXV) | Histria Medieval - Prof. Dr. Ricardo da Costa de consultar obras de geégrafos muculmanos, ¢ péde assim fazer um precioso registro de segunda mio sobre aquelas culturas negtas. (KI-ZERBO, s/d: 131-141; Al-Bakri’s online guide to Ghana Empire http://www worldbookonline.com/np/na/surf/middle/hippodrome/ghana/saibngos,htm Imagem 24. Mapa das culturas negeas de Tekrur, Awdaghost ¢ Gana x @Togharza (salina) < retire mae limite aproximado ‘i raino do Gana In: KL-ZERBO, Joseph Histéria da Africa Negra I Lisboa: PublicagBes Europa-Amiévica,s/d p.137, Assim, tomando como base esse depoimento mugulmano (¢ de outros, como veremos), sabemos que, ja a partir do século IX, uma confederagao de tribos berberes sob 0 comando de Tilutan (836- 837) - os lemtunas, os mesufas e os djoddalas - conseguiram impor sua autoridade sobre varios grupos negros e negro-berberes instalados ao redor de um povoamento chamado Awdaghost, que ficava bem no centro da regigo do Baixo Senegal. ‘Todas essas culturas préximas a Awdaghost tinham uma defesa natural que as protegiam de ataques, as escarpas do Tagant, que formam um. grande semicirculo natural protetor naquela regiao. Outro escritor islamico, Al-Idrisi (Abu al-Idrisi, mugulmano de Ceuta, no Marrocos, educado em. Cérdoba, na Espanha) (RONAN, 2001: 133) nos informa que 0 nome desse reino era Pais de Qamnuriya(Mauritania) ou Terra do Maqzara dos Negros (Ard Magzarati es Soudan). Bem no centro da rota do sal, de Buré ao sul até Teghazza, esse reino teria tanto no sul quanto no norte um povoamento concentrado em um cinturdo de cidades: ao sul, Awlil, Sila, ‘Tekrur, Daw e Barissa; a0 norte Qamnuriya ¢ Nighira. No entanto, na época da chegada dos berberes islamicos, as rotas com 0 sul (Senegal) teriam desaparecido, restando 0 contato ¢ comércio com o norte islimico. Um pouco a esquerda do reino de Maqzara, havia outro importante reino negro, na trilha da famosa “rota saariana do ouro” (que passava por Walata ¢ Sidjilmasa até Fez): era 0 reino do Tekrur. No século IX, esse reino era governado por uma dinastia peule vinda de Hodh: eram os Dia Ogo. Imagem 25, Tipo de construgio na érea rural da Mauritania scar docosta com/arigoexpansao-arabo-na atica-©-os-Imperos-negros-de-gana-mal-c-songal-secs-vil-x¥ ree 28)002015 expand drabe na Africae os Impéios Negros de Gana, Mal eSongai(sécs. VILXV) | Histria Medieval - Prof. Dr. Ricardo da Costa © Tekrur, segundo ALldrisi, era um reino com um soberano independente, que possuia tropas e muitos escravos, e era muito famoso por seut senso de justiga. Com um comércio ativo, 0 reino de ‘Tekrur importava la, cobre e pérolas do Marrocos e exportava ouro e escravos para 0 norte berbere- mugulmano. IV.1. A escravidao negra 0 trifico negreiro nao foi uma invengae diabslica da Europa. Foi o Isla, desde muito cedo em contato com a Alica Negra através dos pafses situados entre Niger e Darfur © de seus centros rercants da Aftiea Oriental primero a praticar em grande escalaotrifico negreiro (..) 0 comércio de homens foi um fato geral e conhecido de todas as humanidades primitivas. Isla, civilizagio escravista por exceléncia, nio inventou, tampouco, nem a escravidio nem 0 comércio de escravos (0s grifos so nossos. BRAUDEL, 1989: 138). Aqui fago um breve paréntese para a questo da escravidao negra. Muitos séculos antes da chegada dos brancos europeus a Africa, as tribos, reinos e impérios negros afticanos praticavam largamente 0 escravismo, da mesma forma os berberes ¢ demais etnias mugulmanas. Imaginar os portugueses, castelhanos ¢ italianos langando seus marinheiros em cagadas aos negros no coracdo das florestas africanas nao resiste ao menor exame histérico, Pelo contrério, os europeus seiscentistas tinham verdadeiro pavor de deixar 0 litoral ou mesmo desembarcar de seus navios e avangar para longe da costa e capturar escravos. Estes eram trazidos pelos préprios africanos, que tinham grandes mercados espalhados pelo interior do continente, abastecidos por guerras entre as tribos, ou mesmo puro seqiiestro aleatério, Isso pode ser facilmente comprovado, por exemplo, com a descrig3o do império de Mali feita pelo cronista mugulmano Ibn Batuta (1307-1377), um dos maiores viajantes da Idade Média, e o depoimento de al-Hasan (1483- 1554) sobre Tumbuctu, capital do império de Songai, documentos que exporemos mais adiante. Ademais, havia tribos africanas que praticavam sacrificios humanos, naturalmente de escravos. As ‘vezes, para interromper a chuva, mulheres negras (¢ escravas) eram crucificadas, Imagem 26. Antigo forte mugulmano de escravos, na Tanzania nips ricardocosta comfarigoexpansao-ar2be-na atic ©-o:-Impetos-negroe-de-gana-mai-e-songal-secs-vi-x¥ alee 28002015 expand drabe na Africae os Impéios Negros de Gana, Mal eSongai(sécs. VILXV) | Histria Medieval - Prof. Dr. Ricardo da Costa ‘Ao converter meia Africa, o Islamismo contribuiu muito para estimular ainda mais a escravidio, pois praticou-a desde cedo: antes mesmo de Maomé, jd no século VI, mercadores arabes freqiientavam todos os portos da costa oriental da Africa, trocando cereais, carnes e peixes secos com tribos bantus por escravos. As populagées negras néo-muculmanas também consideravam a escravidao um fato absolutamente normal (como veremos, normalmente os reis africanos tinham centenas de escravos como soldados ~ ¢ em suas guardas pessoais!). Imagem 27. Mercado de escravos no Yemen (1236-1257) Manuserito érabe n. 5847, fol. 105, Magdma 34, Biblioteca nacional da Franga, Divisio oriental do Departamento de Manuscritos. Por exemplo, nas minas de sal-gema de Targhaza (exatamente na rota do Tekrur em diregio a Marrakech), milhares de negros morriam para prover uma caravana de camelos cada vez maior de ano a ano - por volta de 1200 eram entre cinco e seis mil camelos que transportavam esse sal para 0 rips ricardocosta comfartigeexpaneao-aabe-na-sta-o-o8-Impecos-negrs-de-gara-mal-e-songal-ses- 2 164 2ana2015 rips ricardocosta comfartigeexpaneao-aabe-na-sta-o-o8-Impecos-negrs-de-gara-mal-e-songal-ses- ‘Acxpanstoérabe na Arica e 0 Impérios Negros de Gana, Male Song (sé. VIEXV) | Histria Medieval - Prot Dr. Ricardo da Costa sul, Outro conhecido exemplo é 0 rei de Mali, Mansa Mussa (1312-1332): negro e mugulmano, quando chegou ao Cairo em peregrinag3o a Meca em 1324, trouxe consigo quinhentos escravos, também negros, cada um com uma bola de ouro na mio (tratarei mais adiante de Mansa Mussa) (HEERS, 1983: 79; DE BONI, 2003: 317-333). Por fim, a base alimentar do povo do reino do Tekrur era o milhete (um tipo de milho pequeno), peixe ¢ leite (ROSENBERGER, 1998: 338-358). Vestiam 1a (os mais poderosos) e algodao (a maior parte da populagao). Seu primeiro rei a converter-se ao Islamismo foi War Jabi Ndiaye. Com ele, todos os stiditos também se converteram (Jabi Ndiaye morreu em 1040) (KI-ZERBO, s/d: 133). V. Civilizagdes negras ao sul do Saara (2): 0 Império de Gana (c. 300-1075) Imagem 28. 0 Império de Gana reino de Gana & chamado assim por causa do titulo de seus soberanos, Fra também chamado de Ugadu (pais dos rebanhos). Nessa época, o clima era bastante timido, o que favorecia a criagao de gado e a agricultura. Por volta do século IX, viviam na regio do Hodh e do Auker pastores de origem berbere ¢ cultivadores negros sedentirios que, com o passar do tempo, se mesclaram. Em. 876, outro cronista mugulmano, lacub, escreveu: “O rei de Gana é um grande rei, No seu territério encontram-se minas de ouro ¢ ele tem sob sua dominagao um grande ntimero de reinos” (citado por KI-ZERBO, s/d:135). Va. Gana renasce na descrigao de Al-Bakri Em 970 0 viajante mugulmano Ibn Hawkal viajou de Bagda até a margem do rio Niger, e nao hesitou em dizer do imperador de Gana: “E 0 mais rico do mundo por causa do ouro” (citado por KI-ZERBO, s/d: 133). Um século depois, outro cronista, Al-Bakri nos dé informagdes mais precisas, como disse, fem sua obra Descrigdo da Africa (de 1087). F esse texto, essa fonte que a partir de agora abrimos espago pata descrever 0 reino de Gana. (Al-Bakri’s online guide to Ghana Empire) Imagem 29. A mesquita de Djenne (Jenne, Djena), no Mali 168 28002015 __Aexpanséo drabe na Africae os Impéios Negros de Gana, Mal eSongai(sécs. VILXV) | Histria Medieval - Prof. Dr. Ricardo da Costa ‘A mesquita de Djenne era um dos prineipais centros de peregrinagao islamica nas regides meridionais do Saara ea cidade um importante entreposto comercial entre a Africa do Norte e a Africa Sudanesa, Djenne fica localizada no centro-sul do Mali, préxima a um dos vales do rio Niger. Va. O reino de Gana Al-Bakri nos conta: reino de Gana est’ povoado pelos povos de Soninke, que chamam sua terra de Wagadugu ou ‘Wagadu. © nome Gana é o titulo do rei que governa aquele império. © Estado de Soninke é forte, ¢ seu rei controla 200.000 soldados, 40.000 dos quais arqueiros que protegem as rotas de comércio de Gana, © poder do rei de Gana provém do monopélio da enorme quantidade de ouro produzida em sew reino, Esta riqueza permite aos de Soninke construir e manter enormes cidades, além de uma capital com uma populagio estimada entre 15,000 e 20.000 habitantes. Soninke também usa sua riqueza para desenvolver outras atividades econémicas, tais como a tecelagem, a ferraria e a produgio agricola, Imagem 50. Arqueiro de terracota, de Mali (sée. XIIIXV?) rips ricardocosta comfartigeexpaneao-aabe-na-sta-o-o8-Impecos-negrs-de-gara-mal-e-songal-ses- wee 28002015 expand drabe na Africae os Impéios Negros de Gana, Mal eSongai(sécs. VILXV) | Histria Medieval - Prof. Dr. Ricardo da Costa {6,9 em de altura Vaz. A capital de Gana ‘A capital de Gana é chamada Kumbi Saleh. A cidade consiste na reunio de duas cidades que se tunem em uma planieie, a maior delas habitada por musulmanos e com doze mesquitas (ver imagem 28). Kumbi Saleh possui também um grande niimero de juizes e de homens instruidos. Ao redor de ambas as cidades hi pogos de égua doce e potavel, e préximos a eles, terras cultivadas com vegetais. ‘A cidade habitada pelo rei est a seis milhas da outra cidade (mugulmana) e € chamada de Al ‘A rea entre as duas cidades & coberta com casas feitas de pedra e de madeira. O rei tem um palicio € chogas de formato cBnico, cercadas por paredes. Na cidade do rei, nfo muito Tonge da corte de justiga real, hé uma mesquita. Os mugulmanos que véem em missées ao rei podem rezar ai. Hi ainda uma grande avenida, que eruza a cidade de lest a oeste yhana, Imagem 31. Figura eqilestre de terracota, de Mali (séc. XIII-XV?) rips ricardocosta comfartigeexpaneao-aabe-na-sta-o-o8-Impecos-negrs-de-gara-mal-e-songal-ses- 106 28002015 expand drabe na Africae os Impéios Negros de Gana, Mal eSongai(sécs. VILXV) | Histria Medieval - Prof. Dr. Ricardo da Costa “possem de altura Vaz. O rei de Gana O rei adorna a si mesmo como se fosse uma mulher, usando colares ao redor do pescogo e braceletes, «em seus antebragos. Quando se senta diante do povo, fica sobre uma elevagio decorada com ouro € se veste com um turbante de pano fino. A corte de apelagdo fica em um pavilhdo abobadade, com dex cavalos estacionados ¢ cobertos com um tecido bordado com ouro, Atris do rei fieam dez pajens ‘segurando escucdos e espadas, ambas decoradas com ouro, A sua direita ficam os filhos dos vassalos do pais do rei, vestindo espléndidas roupas e com os nate do rel e os ministros cabelos trangados com ouro. © govemador da cidade senta-se na terra ficam do mesmo modo, sentados a0 redor. Na porta do pavilhio estio cSes de excelente pedigree € que dificilmente saem do lugar de onde o rei esta, pois estio ali para protegé-to. Os cies usam a0 redor de seus pescogos colares de outro e de prata cheios de sinos com o mesmo metal. A audiéncia é anunciada pela batida em um longo cilindro oco que se chama daba. Quando os povos ‘que professam a mesma religido se aproximam do rei, caem de joelhos e polvilham suas eabegas com 6, uma forma de mostrar respeito por ele. Quanto aos mugulmanos, eles cumprimentam-no somente batendo suas maos. (Al-Bakri’s online guide to Ghana Empire). Imagem 32. Vila de Songo, no Mali, com uma pequena mesquita ao centro nips ricardocosta comfarigoexpansao-ar2be-na atic ©-o:-Impetos-negroe-de-gana-mai-e-songal-secs-vi-x¥ 28)002015 expand drabe na Africae os Impéios Negros de Gana, Mal eSongai(sécs. VILXV) | Histria Medieval - Prof. Dr. Ricardo da Costa (0s tipos de “casas cdnicas” descrtas por Al-Bakzi em sua obra ainda podem ser vistas no Mali, como ‘mostra a fotografia acima da Vila de Songo, no Mal V.a.4. A economia ea justiga em Gana (rei cobra 0 imposto de um dinar de ouro para cada carga de asno com sal que entra em seu pais, & dois dinares de ouro para cada carga de sal que sai. (dinar era uma moeda de ouro criada pelos califas mugulmanos; seu equivalente em peso era o mitkal - 4,722 gramas). Os impostos sio cobrados também pelo cobre € qualquer outra mercadoria que entra e sai do Império. © melhor ouro do pais vem de Ghiaru, uma cidade distante da capital 18 dias de viagem. Todas as pegas de ouro que sao nativas e encontradas nas minas do Império pertencem ao soberano, embora ele deixe 0 povo ter um pouco de ouro em pé, isso certamente com o conhecimento de todas, Sem essa precaut valor © ouro nio s6 se tornaria abundante como praticamente perderia seu Quando um homem ¢ acusado de negar um crime, um chefe pega um barril fino de madeira dcida e amarga de provar e coloca nela um pouco de Agua. Depois disso, ele dé essa bebida ao réu para que a beba, Se o homem vomita, sua inocéncia é reconhecida e ele € felicitado. Se no vomita e a bebida permanece em seu est6mago, a acusagdo & aceita e justficada, Imagem 33. Mesquita de Bandiagra, no Mali nips ricardocosta comfarigoexpansao-ar2be-na atic ©-o:-Impetos-negroe-de-gana-mai-e-songal-secs-vi-x¥ 2ana2015 pnw. ‘Acexpansto drabe a Africae os Impérios Negyos de Gana, Male Songai(sécs. VIXV) | Histria Medieval - Prof. Dr. Ricardo da Costa Bandiagra: quatro mulheres da etnia dos dogons, com seus trajestpicos, em frente mesquita, tendo & frente um sorridente homem com uma coroa e vestida com um tecido cor de vinho. Todos esto descalgos. Observe o belo contraste entre as cores dos personagens e o tom amarelo-tijole do cenitio V.1s. A religiéo em Gana Al-Bakri nos conta: ‘Ao redor da cidade do rei hd choupanas abobadadas e bosques onde viver os feiticeiros, homens encarregados de seus cultos religiosos. Ali se encontram também os idolos ¢ os timulos dos reis. Estes bosques sio guardados: ninguém pode entrar ou descobrir seus recipientes. As prisdes dos vvivos também estio ali, e se alguém ¢ aprisionado Is, nunca mais se ouve falar dele Quando 0 rei morre, constroem uma enorme absbada de madeira no lugar do enterro. Entio trazem-no em uma cama levemente coberta e colocam-no dentro da abébada. A seu lado colocam seus ormamentos, suas armas, ¢ os recipientes que ele usava para comer e beber. A serpente é a. ‘guardia do Estado e vive em uma caverna que Ihe & devotada. Quando o rei morte, seus possiveis sucessores se retinem em uma assembléia, € a serpente & trazida para picar um deles com seu focinho. Essa pessoa é entio chamada para ser 0 novo rei, A deserigdo de Al-Bakri é sucinta e clara. A populagio de Gana, rodeada de hortas, pepinos, palmeirais e figueiras, vivia assim em uma espécie de odsis protetor na fronteira sul do deserto. Como disse acima, a mesquita de Djenne tornava a regio um importante centro islamico, com um. coméreio bastante préspero. Al-Bakri nos diz a respeito: “A criagdo de carneiros ¢ de bois ¢ ai particularmente préspera. Por um simples mitkal (moeda de ouro equivalente ao dinar ~ 4,722 gramas) podem-se comprar pelo menos dez carneiros, Encontra-se muito mel, que vem do pais dos Negros. As gentes vivem desafogadamente e possuem muitos bens" (citado em KI-ZERBO, s/d:136). © escritor mugulmano nao se esquece da cozinha e a graga das mogas da terra: “Encontramos também jovens com uma linda cara, tez clara, corpo esbelto, seios direitos, cintura fina, ombros argos, ancas abundantes, sexo estreito, etc” (citado em KI-ZERBO, s/d: 136). Embora devamos ter uma prudéncia em relacao aos textos dos cronistas mugulmanos, pois, como disse, alguns deles foram redigidos com base em narrativas orais e consulta a obras, nao no local, a obra de Al-Bakri nos sugere um grau de islamizagao ainda bastante fraco das populagdes negras (André Miquel ¢ ainda mais rigoroso: “No Ghana, de resto directamente atingido pelo choque almoravida, tanto 0 povo como o rei ter-se-iam mantido pagaos, sbmente sendo tocados pelo Islame 6s intérpretes e certos funciondrios..”. MIQUEL, 197%: 236). Tanto o rei, que ainda era escolhido com base em tradigdes animistas - a picada da deusa-serpente scar docosta com/arigoexpansao-arabo-na atica-©-os-Imperos-negros-de-gana-mal-c-songal-secs-vil-x¥ ues 2ana2015 rips ricardocosta comfartigeexpaneao-aabe-na-sta-o-o8-Impecos-negrs-de-gara-mal-e-songal-ses- ‘Aexpanstoérabe na Africa 0s Impirios Negros de Gana, Male Sonal (ses. VIEXV) | Histria Meseval- Pro Dr. Ricardo de Costa =, quanto uma parte do povo teriam ainda se mantidos pagios (embora se deva observar que a cidade com maior densidade demogréfica descrita por Al-Bakri era a mugulmana, com suas doze mesquitas). Segundo Ki-Zerbo, esse era o culto do deus-serpente do Uagadu (Uagadu-Bida), antepassado-totem dos Cissés: "Segundo a lenda, saia da toca no dia da entronizagao dos reis € recebia em sacrificio anualmente a mais bela rapariga da terra. Um dia, diz-se, Maghan, vendo a sua noiva, a jovem virgem Sai, entregue & serpente, matou o réptil. Mas 0 pitio era o deus da fecundidade. Teria sido 0 seu desaparecimento que desencadeara a desertificagao do pais” (KI- ZERBO, s/d: 138). Deve-se ainda atentar para o fato de o Império ter, segundo as estimativas dos especialistas, cerca de um milhao de habitantes (DAVIDSON, 1992: 147). De resto, Al-Bakri parece ter delimitado bastante bem a separagio entre as duas culturas religiosas naquele momento: um bom exemplo disso & a saudagao das pessoas quando se aproximavam do rei. Os animistas jogavam terra em sua cabega em sinal de respeito, os mugulmanos batiam palmas, notavel e marcante diferenga que mostra o ainda baixo grau de penetracao iskimica junto ao rei e & corte de Gana. Em suma, sabemos da existéncia desse rico império negro e escravocrata gracas aos viajantes islimicos e A presenga mugulmana na regido, com seu grupo letrado, mas que ainda nao se misturara efetivamente com a populagao autéctone, nem conseguira penetrar na casa real, ainda de forte tradigao animista. Para finalizar, como eram fisicamente os homens de Gana? Outro cronista islimico que viveu duzentos anos depois de al-Bakri, 0 historiador al-Umari (1301-1349), nos informa que 0 povo era “alto, de complei¢ao preta retinta e cabelos encrespados”. Um dos informantes de al-Umari lhe disse que *o ouro é extraido cavando-se buracos na profundidade que chegam & altura de um homem e sdo encontrados embutidos nas laterais dos buracos, ou as vezes no fundo deles” (DAVIDSON, 1992: 148), Os séculos IX e X viram 0 apogeu do império negro de Gana. No entanto, no século XI, com 0 avango almoravida, aqueles territérios foram teatro de grandes convulsdes, como veremos a seguir. VI. A gesta dos almoravidas (c. 1056-1147) 435.0 Império Almoravida em sua maior extensio (c. 1110) Atlantic Ocean Os almoravidas, cuja dinastia comegou em 448 (20 de margo de 1056), eram formados por varias tribos que se diziam descender de Himyar. As mais célebres sio as de lamtuna (ou lemtuna), da qual o principe dos crentes Ali ibn Taxufin faz parte, ¢ os chadala. Saidas do Yémen nos tempos de Abu Bakr Siddiq, que as enviou para a Siria, elas passaram depois para o Egito e depois se transferiram para 0 Magreb, com Musa ibn Nusayr. Seguiram depois para Tariq até o Tanger, mas seu gosto pelo isolamento as empurraram para o interior ¢ ali habitaram até a época que vamos 2ana2015 ‘Acexpanstoérabe na Arica e 0 Impérios Negros de Gana, Male Song (sé. VIEXV) | Histria Medieval - Prof Dr. Ricardo da Costa tratar (Kamil fi-l-Tarij, de Ibn al-Athir, In: SANCHEZ-ALBORNOZ, 1986, tomo II: 108) No século XI, do Saara Espanhol ao Marrocos, surgiu um poderoso movimento berbere islamico que varreu a costa setentrional da Africa até chegar 4 Peninsula Ibérica, conferindo um novo carater e dramaticidade tanto as culturas da Affica do Norte quanto & Reconquista Ibérica crista. Para entendé-lo, é preciso levar em conta que, durante muito tempo, os berberes, como vimos, foram reticentes com o Isla, mas depois de terem se convertido transformaram-se em uma das etnias africanas que abragaram a fé do Corao com mais forga. No entanto, no século X, 0 Islamismo ainda era praticado em muitas areas orientais africanas de maneira bastante permissiva. Isso ocortia especialmente com muitas tribos de chefes berberes da costa atlantica da Mauritdnia, como os sanhadjas. Por exemplo, eles cumpriam a obrigacao da peregrinagao a Meca somente como uma formalidade politica. Assim, ao retornar de Meca e parar em Kairuan, Yaya ibn-Ibrahim, chefe dos djoddalas, foi se consultar com um sdbio mugulmano de nome Abu Amiru (de Fez) ¢ foi repreendido por este por sua ignorancia em relagao af. sabi, chocado com o baixo vel de conhecimento da Lei coranica dos djoddalas, decidiu procurar um tedlogo para instigé-lo a ir até aquele povo berbere e guid-lo a luz da verdade sagrada, Encontrou Abdallah ibn Yacine, um grande letrado da cidade de Sidjilmasa, que aceitou ir pregar entre os djoddalas. Contudo, os berberes o receberam muito mal. Nao gostaram nem um pouco das praticas ascéticas de Yacine, queimaram sua casa e 0 expulsaram. Yacine entio se retirou (cerca de 1030) com dois discipulos da etnia berbere dos lemtunas, Yaya ibn Omar e seu irmao Abu Bakr (ndo confundir com © califa do mesmo nome do século VII), para algum lugar desconhecido da costa atlantica. Foi entao que comegaram a receber adeptos. Quando chegaram ao milhar, Tbn Yacine batizou-os de Al Morabetin (aqueles do ribat), palavra que deu origem a almordvida. ribat era uma espécie de convento militar mugulmano erguido nas fronteiras do dar al-islan (a “Casa do Isla") e que acolhia voluntarios piedosos que desejavam se retirar do mundo e que ali ficavam sob as ordens de um veterano (sheikh) para se purificar e sair em misses conforme o desejo do sheikh (DEMURGER, 2002: 43). Demurger define o ribat em uma obra dedicada as ordens militares cristas porque muitos historiadores consideram 0 ribat 0 antecessor islimico das ordens militares e 0 autor discute essa tese, da qual discorda). A idéia de posto de vigilia e mosteiro fortificado foi mais tarde valorizada pelo sufismo: os sufis evavam um modo de vida que buscava a unigo com Deus por meio do amor, do conhecimento baseado na experiéncia e ascese, que levaria a uma unido estdtica com 0 Criador. Essa invocagao tinha o objetivo de desviar a alma das distragdes mundanas para liberté-la até o v6o da unio com Deus. Uma das formas do dhikr era um ritual coletivo chamado hadra: os participantes repetiam constantemente o nome de Ald, cada vez mais rapidamente, até se chegar a um transe e perda da consciéncia do mundo sensivel (COSTA, 2002: 73-74). No tempo dos almordvidas nao se tém noticias desse sentido preciso de guarnigao religiosa. Nessa época, a palavra ribat significava “sua seita, seu corpo, suas forgas, sua guerra santa’, O tinico autor que empregou a palavra precisa de rabita (fortaleza) foi Ibn Abi Zar, em sua obra Rawd al Qirtas (de 1326), portanto, duzentos anos depois do periodo de Yacine (KI-ZERBO, s/d: 143) A missio dos almordvidas era impor a verdadeira f& pela forga aos nao-crentes. A partir de 1042, eles se langaram em uma furiosa jihad a partir das regides do Adrar e do Tagant, ambas hoje no coragio do Sara Espanhol, contra os djoddalas e os lemtunas, tendo Yacine como chefe espiritual ¢ Yaya como general. Negros do ‘Tekrur logo se juntaram a eles, desejosos de se opor ao Império de Gana. Yaya foi expulso do exército, por no concordar com os saques e violagées cometidos por seus soldados. Apés um breve © novo retiro espiritual, ele conseguiu novas adesdes de discipulos e se langou novamente no deserto. Isso, somado & pregagdo religiosa de Yacine, fez com que as forgas almoravidas ganhassem uma grande adesio de soldados (cerca de 30.000 homens armados de langas, machados, magas, a pé, a cavalo e em camelos). Esse motivado exército religioso varreu todo nips ricardocosta comfarigoexpansao-ar2be-na atic ©-o:-Impetos-negroe-de-gana-mai-e-songal-secs-vi-x¥ 28002015 expand drabe na Africae os Impéios Negros de Gana, Mal eSongai(sécs. VILXV) | Histria Medieval - Prof. Dr. Ricardo da Costa 0 Sudo ocidental, Yaya morreu em 1056 em uma batalha contra os djoddalas préxima a Atar. Yacine atacou o Marrocos (Maghreb el-Acsa) e morreu no ano seguinte, quando os almordvidas passaram a ser dirigidos pelo emir Abu Bakr. Este fundou em 1062 a cidade de Marrakech, apoderou-se de Fez, ‘Tlemcen (capital dos zenatas) e alargou seu poder até Argel. Depois disso, Abu Bakr retornou para 0 sul e se instalou no Tagant, decidido a atacar e submeter o Império negro de Gana. Imagem 35. Mesquita de Koutoubia, Marrakech (sée. XID) V1.1. Os almoravidas na Peninsula Ibérica Mas antes de tratar do declinio de Gana e de sua derrota para as forcas almordvidas, abro um pequeno paréntese 4 conquista almordvida da Peninsula Ibérica (1092-1094), devido a sua importancia para o processo da Reconquista crista. Nas palavras do conde D. Pedro de Portugal, filho bastardo do rei D, Dinis e famoso cronista do século XIV, os almoravidas eram “os melhores cavaleiros que os mouros tinham’ (Crénica Geral de Espanha de 1344, 1990, vol. IV, cap. DLXVIII: 34). Esses monges-soldados mugulmanos haviam declarado uma guerra santa contra “os mugulmanos depravados dos reinos ibéricos” (CAHEN, 1992: 295). Imagem 36. 0 movimento almorivida - do Sara Espanhol 4 Peninsula Ibériea (c. 1042-1087) nips ricardocosta comfarigoexpansao-ar2be-na atic ©-o:-Impetos-negroe-de-gana-mai-e-songal-secs-vi-x¥ 2aiea 28002015 __Aexpanséo drabe na Africae os Impéias Negros de Gana, Mal e Songai(sécs. VILXV) | Histria Medieval - Prof. Dr. Ricardo da Costa Wire Pewee ee 2 ee Zs f {HOSS Algeciras anid 6p im In: KL-ZERBO, Joseph, Histéria da Africa Negra I Lisboa: Publieagaes Buropa-Amériea, sid, 9.144 Mesmo antes da invasdo almoravida na Peninsula Tbérica, os governantes dos reinos de taifas, mais tolerantes com a convivéncia e a afinidade entre mograbes e andaluzes, jd nao se interessavam pela guerra santa. A palavra taifar (que significa “partido, fac¢ao") designa os principados que se constituiram na Hispania sobre os restos do califado omiada de Cérdoba (MIQUEL, 1971: 216). Por exemplo, o rei de Granada, ‘Abd Allah Nasir, conta em suas memérias que o hadjib Almangor (Muhammad ibn Abi ‘Amix) ndo conseguiu convencer os andaluzes a fazer a guerra, pois eles “.declararam-se incapazes de participar nas suas campanhas e alegaram (...) que ndo se achavam preparados para combater e, por outro lado, que a sta participagao nas campanhas os impediria de cultivar a terra" (MATTOSO, 1985: 194). Outro bom exemplo da nova mentalidade dicotémica desses invasores berberes & a obra Odio a cristdos e judeus do pensador cordovés Ibn Abdun (séc. XII): ‘Um mugulmano nio deve fazer massagem em um judeu nem em um cristo, nem tirar suas sujeiras fu limpar suas latrinas, pois o judeu e o cristdo sio mais indicados para essas atividades, que sio tarefas para gentes vs (..) Deve proibir-se 4s mulheres mugulmanas que entrem nas abominéveis igrejas, pois os clérigos sio libertinos, fornicadores e sodomitas. (Tratado de Ibn Abdun, In: SANCHEZ-ALBORNOZ, tomo Il: 219) Curiosamente, os almoravidas praticavam a cinofagia - morte de caes - uma pritica e habito culinario pré-iskimico presente em um hadith do profeta: “Os anjos nao entram em uma casa onde hd um cao": A Hadith consiste na tradigao oral das tribos que habitavam a Ardbia mais os ensinamentos de Maomé que nao foram para o Livro, mas que foram se formando através dos anos. Esta tradigao é que conta a histéria do Profeta, dos santos e dos outros profetas menores, entre estes Jesus, nips ricardocosta comfarigoexpansao-ar2be-na atic ©-o:-Impetos-negroe-de-gana-mai-e-songal-secs-vi-x¥ 28002015 expand drabe na Africae os Impéios Negros de Gana, Mal eSongai(sécs. VILXV) | Histria Medieval - Prof. Dr. Ricardo da Costa (Os mulgumanos acreditam também nos génios, fadas, nos espiritos bons e maus, em priticas igicas e outras coisas que, proibidas aos fidis, podem ser usadas pelos descrentes (KHALIDI, 2001: 16-17) Eles também inovaram a sociedade dos némades berberes e as das fronteiras do mundo negro, trazendo inovagoes téticas no modo de se fazer a guerra. Acrescentaram aos exércitos regulares trés fileiras de arqueiros - precedendo a Europa crista em quase dois séculos na superioridade da infantaria de arqueiros sobre a cavalaria. Além disso, numa revolugao ideolégica dos aspectos mentais do conflito, inclufram grupos com grandes tambores, com o intuito de aterrorizar os inimigos, Imagem 37. Exército mugulmano partindo para o ataque (1237) uminara das "stages de Hari (1237), manusrito da Biblioteca Nacional de Pars Fsta cena representa uma pequena paragem antes do ataque decisive, quando tocam as trombetas erufar os tambores. Ela pode estar se referindo a uma das primeiras batalhas do Islio na Peninsula Ibérica, No entanto, 0s tajes dos guerreiros e os jaezes das montadas apontam para uma origem oriental e para 1 época em que a iluminura foi claborada. In: MATTOSO, Jos (dir. Historia de Portugal Antes de Portugal, Lisboa: Editorial Estampa, s/d,p. 399. Este novo estilo de guerra, mais agressivo, era marcado basicamente pela fundamentagao religiosa (MATTOSO, 1985; 194). Isto os distinguia dos outros islamitas andaluzes da Peninsula, desprezados pelos berberes almordvidas. Assim, aconteceu a partir do século XI uma “internacionalizagao” do conflito na Peninsula Ibérica. De um lado, cristdos peninsulares ligados ideologicamente ao restante da Europa, especialmente ao reino franco; de outro, mugulmanos ibéricos dos reinos de taifas auxiliados pelo conjunto de aliados da Africa do Norte, por sua ver. intransigentes na ortodoxia. Nesse contexto deram-se as vitérias portuguesas do primeiro rei de Portugal, Afonso Henriques, na batalha de Ourique (146), e na tomada da cidade de Lisboa (1147), com o auxilio de cruzados vindos do norte europeu. VL.2. A queda do Império de Gana (1203) Até esse avango almoravida, o Império de Gana conseguira suportar os ataques estrangeiros, tanto nips ricardocosta comfarigoexpansao-ar2be-na atic ©-o:-Impetos-negroe-de-gana-mai-e-songal-secs-vi-x¥ 2ana2015 rips ricardocosta comfartigeexpaneao-aabe-na-sta-o-o8-Impecos-negrs-de-gara-mal-e-songal-ses- ‘Aexpansto drabe na Africae os Impérios Neqyos de Gana, Male Songai(sécs. VIXV) | Histria Medieval - Prof. Dr. Ricardo da Costa de tribos inimigas quanto dos proprios berberes, gracas ao seu exército composto de guerreiros soldados, cavaleiros ¢ arqueiros - citados por Al-Bakri em sua obra, como vimos. No entanto, apesar de uma forte resisténcia, eles foram derrotados pelos almordvidas e sua capital, Kumbi Saleh, foi tomada e saqueada, por volta de 1076. Com essa vitéria, os almoravidas receberam um poderoso reforco, devido as converses dos negros de Gana. Disso nos informa o cronista Al- Zuhuri: “As gentes do Gana tornaram-se mugulmanas em 1076 sob a influéncia dos lemtunas’ (citado por KI-ZERBO, s/d:147). ‘Abu Bakr prosseguia em sua tentativa de unificar as tribos berberes ¢ com elas atacar Gana. No entanto, morreu em uma escaramuga por causa de uma flecha envenenada (1087). Gana reconquistou sua independéncia, mas apés a devastagio e saque de sua capital, dez. anos antes, 0 reino negro nunca mais conseguiu recuperar seu antigo poderio. Pelo contrério, as caravanas passaram a se desviar das rotas que privilegiavam 0 coragao de Gana, ¢ os comerciantes passaram a optar por Tombuctu, Gao e Djena. Os mugulmanos ricos se refugiaram em Walata, especialmente depois do segundo saque da capital, Kumbi, em 1203, por parte do rei soso Sumaoro Kanté. Paralelo a esse declinio comercial aprofundou-se 0 proceso de islamizagao das etnias negras, embora sem nunca atingir todas as camadas da populagao - e, de resto, 0 islamismo negro era bastante mesclado com priticas animistas, VIII. O Império de Mali (c. 1235-1500) A queda do Império de Gana abriu um vacuo de poder. A grande questdo era: quem tomaria agora 0 controle das rotas comerciais préximas das fontes auriferas? Os almordvidas fracassaram em sua tentativa de monopolizar o tréfico. O reino que parecia mais préximo de conseguir esse intento era o reino sosso dos Kantés, ao sul de Gana, Em no, surgiu um guerreiro, Diarra Kanté, de um cla de ferreiros animistas adversdrios do Islio. Feiticeiro famoso e de prestigio, Kanté conseguiu tomar a cidade de Kumbi Saleh, mas sem ocupar as jazidas de ouro, controladas agora por uma tribo de camponeses, os malinqués (“‘homem de Kanté, apés dominar o Dyara, o Bakunu e o Bumbu, apoderou-se da regio do Buré. Imagem 38. Mapa do Império de Mali (séeulo XIV) Kanté foi um pequeno interregno entre dois impérios, Gana e Mali. Quanto ao segundo, nao se conhecem as origens do reino de Mali (ou Mandinga). Diferentes etnias viviam naquela regio. Seus chefes se diziam “cagadores-magicos", todos com ritos iniciatérios mais ou menos comuns. Esses clas estavam unidos pelo chamado “parentesco de brincadeira’, isto &, um curioso direito e dever de fazer troga uns aos outros. O chefe gozava do monopélio das pepitas de ouro. A estrutura social baseava-se em uma grande familia que dispunha de um campo comunitério (foroba) préximo & zea 28002015 expand drabe na Africae os Impéios Negros de Gana, Mal eSongai(sécs. VILXV) | Histria Medieval - Prof. Dr. Ricardo da Costa aldeia. Logo um dos herdeiros soso tomou o titulo de mansa (ou maghan), isto é, imperador. Paralelo a esse processo de integrago por parte dos sosso acontecia a conversio ao Islamismo. Baramendana foi o primeiro rei a se converter, gracas ao pai de Abu Bakr, em 1050. A tradigao conta que Baramendana estava desesperado por causa de uma longa seca. Entao se dirigiu a um devoto lemtuna que 0 levou a um monte para passar uma noite rezando. Pela mana choveu, e o rei mandou destruir os idolos animistas e se converteu ao Islamismo. Imagem 39. 0 Império de Mali com seus reinos “vassalos” (século XIV) ‘ik cS Sa «is wr ‘ ae Jn: KI-ZERBO, Joseph. Histéria da Africa Negra I Lisboa: Publicagdes Europa-Amézica, sf, p. 165. A partir de 1150 se conhece relativamente bem a cronologia dos reis de Mali. Hamana, Djigui Bilali (175-1200), Mussa Keita, Naré Famaghan (1218-1230) e principalmente Sundjata (ou Mari Djata, 0 “Ledo do Mali”), todos com estérias recheadas de lendas e mitos e transmitidas também pelos griot, os “transmissores de ouvido” de cada etnia que passam de geragio para geragio as tradigdes de sua cultura. Na época de Sundjata, Mali era um reino essencialmente agricola. Os malingués desenvolveram a cultura do algodio, do amendoim e da papaia, além da criagao de gado. Sundjata instituiu uma associagao de trinta clas (de artesios, de guerreitos, de homens livres - que, no entanto, eram chamados de “escravos da coletividade’, os ton dyon). Com o crescimento do reino, a categoria dos escravos se multiplicou - recorde que sempre os reinos negros praticaram a escravidao. Com o filho de Sundjata, Mansa Ulé (1255-1270) e seus sucessores - Abubakar I, Sakura, Abubakar II ~ até Mansa Mussa (ou Kandu Mussa, 1312-1332), 0 reino de Mali passou a ser conhecido no mundo ocidental. Em 1324, Mansa Mussa realizou uma peregrinagao a Meca, passando pelo Egito e com a intengao de maravilhar os soberanos arabes. Imagem 4o. Figura sentada, Mali (século XII) nips ricardocosta comfarigoexpansao-ar2be-na atic ©-o:-Impetos-negroe-de-gana-mai-e-songal-secs-vi-x¥ aia

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