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; | eueride ~ © Rio de Janeiro, em uma casa préxima a& praia, no bairro Recreio dos Bandeirantes, mora uma menina chamada Nininha. Nininha tem 8 anos e possui muitos amigos, fora e dentro de casa Quando digo fora, quero dizer a meninada da rua e da escola. Dentro de casa, Como sua irma é muito mais velha, os seus amigos she os bonecos ue enfeitam o seu quartinho. Na casa tambern tem um cachorro, o Hulk, chamado de “cho de guarda”. Mas, come 6 muite feroz, com ele a menina nao pode brincar Conheci Ni longa data que eu nado via ha muitos anos. Quando cheguei, ela estava no Patio, e NBo consigo esquecer sua alegria brincando com um gracioso boneco que tinha em seu colo. inha no dia em que fui visitar sua mse, uma amiga de Nininha, erianca esperta e dengosa. Com vigor ao vento brinca © balance as trancinhas, na necritude do amor Feliz, sorri a Pretinho, seu bonece querido, que com todo carinhe, agora chama Carlinhos. Nossos clhares se cruzaram e logo percebi que ainda naquele dia nos tornariamos boas amigas. Bu estavacerta, Nininha também gostou de mim © por isso N&o sossezou emauanto eu Nao conheci o seu quartinho. Voces precisavam ver que gracinhal Na entrada, expostos em cima da prateleira, havia uma linda colegao de bonecos. Todos arrumadinhos, de maozinhas dadas, dando enorme beleza ac lugar! E claro que clogiei... Foi quando ela me disse: __ Nao s80 lindos? Veja o sorriso que eles tem! Realmente, aqueles bonecos tinham uma expresske diferente de todos os bonecos que eu j4 havia visto, Pareciam ser gente de ver dade, ¢ demonstravam um certo ar de orgulho. Comentei isso com Nininha © cla me olhou desconfiada. Quando falei dos bonecos que tive quando crianga, ela me perguntou — Se eu contar um segredo, vocé promete nao revelar a ninguém? — Prometo — respondi, bastante curiosa. — Eles n&o sao iguais aos outros bonecos, pois confiam em mim S80 meus amigos, brincam ¢ falam comiso. Mas... esse ar de orgulho due voce pode perceber, nem sempre foi assim. Olhou para ver se chegava alguém e, como estavamos realmente sOzinhas, me contou o seu segredo, que agora € nosso, ¢ que quande vocés conhecerem sera também de voces. Ab! Quero que saibam que pedi permissSo & Nininha para revelar 0 Segredo, ¢ ela me deu, pois achou importante que voces também conhecessem esta historia. Assim, vou repetir o que cla mesma me contou. TX histéria comega no aniversério de B anos de Nininha. PAX sua mae a leva a uma loja de brinquedos para escother um presente e, enquanto procura, a menina vé em uma das do! Ele tem um olhar téo penetrante que parece estar pedindo pars ser excolhido. Um olhar de quem precisa de muito amor. Encantada, N decide que este seré o seu presente! estantes um boneco negro come ela, nha Loge ao chegar em casa, Nininha revela o seu segredo. O benece, feliz com a nova ay 4, trata logo de se apresentar: - Meu nome 6 Carlos, mas pode me chamar de Pretinho, como todos fazem. Carlos passa a ser Pretinho, ¢ ela, toda contente, o apresenta aos outros, colocando-o na prateleira do quarto. Nininha © Pretinho tornam-se grandes amigos! Sempre que pode, a menina esta ac lado do boneco. Leva-o para andar de bicicleta, para brincae Oe patio wadieee Sener ees epee oie pooun nie ea ee entanto, sem entender o porqué, constantemente se surpreende au: sé Be tee aac eee Ee ee omc eee meee ie ance crmarion | 1 / Bla briga com © boneco, faz com aue saia de 16 © volte ac seu lugar na | prateleira. Isso acontece por um bom tempo até que... ; Flados os dias, Nininha vai para a escola de manha ¢ aarrumadciralimpe.” com cuidade 6 seu quartinho, dando atenc&o especial aes bonecos. due termina © deixa o quarto, os bonecos adauirem vida, comecando a brincar Alias, deveriam s6 brincar, mas eles também implicam, discutem © até brigem Um belo dia, alguns boneces jogam bola, outros andam de bicicleta.. Suma confusée comesa quando Pretinhe peza um cart Malandrinho tira o bringuedo dele, dizendo: | — Sai. Pretinho, voce vai deixar tinta preta no carrinhe ¢ quan. brincar vou me sujar. - © ursinho Malaquias aproveita a ocasiac © também implica com Pretinha: Vai jogar bola, Pretinhoe. Nao aborrece! Pretinho, irritado, responde aos dois: — Fu quero andar de carrinhol © boneco Malandrinhe reage: aqui sé entra boneco branco — © dé um Ve se entende, boneco, empurrao em Pretinho. Os bonecos riem... Pretinho esta muito zangade, joga uma bola em cima do carrinho © provoca uma grande confusée. Em seguida, Vai até o armario de Nininha © se fecha 14 dentro. Os bonecos tornam a rir e voltam a brincar como =a nada tivesse acontecido. De repente, escutam um barulho no corredor e um des bone, que ext’ vinde alguém. Todos correm para os seus lugares ©, em 56 entram no quarto Nininha e sua mae. Esta vendo, mac. o quarto ests arrumadinho! — Muito bem e olhando ao redor completa —, pode ir ao cinema. Nisso a mae percebe a auséncia de Protinho e peraunta: — Ue... Onde esté 0 Pretinho? Amenina, rapidamente, olha por todo 0 quarto « afirma: — Ne armario. Ele sempre se mete no armario. Ame do pense: “Ate parece que o boneco andou sozinho para 14" Nininha Ua mae snir, abre a porta do armario diz, zangada: —o. Pretinho! — pega o boneco pela oretha © leva-o para face esté sempre no lugar errado. Aqui €.0 lugar da a pratelel ito come voce fica na prateleiral Nao teima! roupa, bo: Feliz, Nininha vai ao cinema. Quando volta ja € noite ©, ebedecendo As ordens de sua m&e, vai para a cama cedo. Deita, faz uma oracas e apaga a luz, dorminde em scauide. Porém, mais tarde, acorda com um barulho, Fica assustada! "Ai, a pensa. © barulho aumenta, ladr&o. Ladr&o nao chora..- Ja sei, 6 fantasma. E alma do outro mundo. nha esconde © rostinhe debaixo do lengal, mas toma meu Deus, sera.um lade’o?", & men parece ser um chorinhe. Nao, nao & ceragem e¢, devagar, acende o abajur Esta tremende de medo! Abre os olhos, procura ver todo o quarto © observa os bonecos “Esta faltando um. Quem sera?”, pensa apos um tempinho. Cheia de sono, nao consegue raciocinar direito. Esfrega os olhos procurando ver melhor. Sai da cama, ao abrir o armario, enxerga uns dentes branquinhos ¢ um pé de sapato. Da um grande pulo o corre eritando: ee ere eater quando ouve uma voz: pee ee Ceo et eee Tee ee eee ree Oe eee et ee eae eee Cee ee re een eat — Oi! Sou eu mesmo — © boneco responde. Dr Rea ete ert ete ee Le cca att Er Coe nea eee ned er eee ee eee ee ee eee eect ry Cre eee eee re Coe eee eee ot eee Ste eer od Fe rare ee ate eee er eee Creer arene reer — Que fei, queride Pretinho? oe Creer. Bu... Bu... Eu quero ser brance. PTT cece rere Oe ta a ctees etna enters Deo teat a tte Spee ere te ec eer oats seer noes — Cagoam de voce? SG ene eaters re ety eg en Ca tL ener eae eer eee Spelt ieee i a Gt ee Deere ere ee oar eee een Seay ae eater arate ner See ee ete ee empurram e me batem. Qualquer coisa que eu faca. loze dizem: “Tinha eee eters SS eager rer et errr ee SL eC ae ete eet eee lca Seeea eee eens eran Seat Ce Serene at Lt tn eee sre sentra eae near ee ete nee ante eee Sia eta ene eG Cec te ore eee PE ee at er recor tr eames Sc eee eae en cae eet eee tare CT en eter acetate teen eee — Pretinho, meu querido, vocé nao sabe o quanto estou triste. Eu nao entendo... Meu pai me ensinou que nés, afrodescendentes, somos muite importantes, pois a cultura africana esta dentro de cada. brasileiro. Est&é presente na musica, na religifo, nos alimentos, na formac&o das hAbitos, costumes, crengas... Além disso... — © comega @ cantar baixinho uma cangao que desde bem pequenina aprendeu Branco, preto e amarelo, todas as cores so iguais Vermetho, azul e violeta, nenhumea é a melhor! Quando vamos desenhar ¢ colorér, todas sao muito importantes. Primeiro 0 preto pra fazer 0 desenho, depois vir as demais. Quando o Grande Criador fez o Universo. Nao esqueceu de nenhumea. Todas na importéncia so iguais. Nenhuma € a methor! Quando termina a cancao, Nininha acha que consesuiu consolar Pretinho, mas ele logo repete: —Vocé pode me pintar de branco? Muito aborrecida com a proposta de Pretinho, cla reage: — Essa nao! Eu nde acredito no que estou ouvinde. Eu tenho orguiha de ser negra ¢ vocé também deve ter esse orgulho! Nés somos iguais. Eu Bosto de vocé como vocé €, € do se fala mais no assunto. Mininha vai para a cama, mas no caminho se arrepende de ter brigade: Eanto.com Pretinho. Volta e pega o boneco, levando-o delicadamente com ela. Apaga o abajur, mas logo torna a acender, pois tem a nitida impressio de ter Visto algum boneco passar correndo © cochichar com um outro. Acende a luz, ndo vé nada diferente. Tudo esta calmo, tranquile. Todos parecem dormir Cra ee a eee ene eS Te ects are tea eee tee eee ee a ees todos assumem vida. Pretinho ¢ a Boneca de Pano brincam quietos em Prenat Snete tenner to enc eieg er eee rs ea eee ee ee ee cre eee eee eat ee ee a ree eee eee Ee Ror ee een ee eee eer ee eee rt eet ered Coveney Vou zombar ce Pretinho, Seta a el ae ere eee es Senn eer ee es ne eee eee ee eee eee ee nee eee — Vamos logo, mos A obra... — diz Malandrinho, ja saindo. GisG@urcadamente ds quarts] peganda umn builds con agin. Depuls, os tren ee eee ete ete cere et eee etre roe eats eta eer crete Dead CeO ore oR earn eS eee eee en eee ee ee orcs Pe ea ees re eee oe eee Coe rere ee eee tees eee iar are Ce eae eet ee ear eed Cae aera en retire eee eter ee ed ee re eCard Se eater oe Fee ee Cea eerste ere ee se Dee eat eee eer reer Perprrei areas ee De que vecés estado brincando? — Pretinho pergunta. — De espelho... — responde Malaauias. —Vem brincar conosco — diz a boneca Fafa, Pretinho aproxima-se ¢ a boneca coloca o balde na frente dele. 2 © ursinho expli — Abaixe a cabega, préximo a dgua. Vocé vera o seu reflexo come s estivesse diante de um espelha. Pretinho, mais do que depressa, abaixa a cabeca, conseguindo se enxergar na agua. — Que legal! Sou eu mesmo? — Clare que é, bobo. Aproxime-se um pouce mais e ver4 algo muito engragado, Pre: ho abaixa mais a cabeca. — diz 0 ursinhe. Mais um pouco. Ent&o, 0 boneco Malandrinho corre por tras ¢ forga a cabeca Pretinho no balde, dando-Ihe um grande caldo. Ao retira-lo da daua, « trés correm para olhar o reste de boneco © exclamam: a 1 Voce continua preto! Apesar de estar zonzo, © bonece procura reagir e ¢ Malandrinho, mas o ursinhe Malaquias segura Pretinho, demente, impedindo qualquer reag&o, enquanto manda Fafa, Pesaro sabac. a A Boneca de Pano, aflita, grita © corre para ajudh éI5: —Larguem ele, Por que voces estac fazendo isso? Deixem ele em paz, covardes! Wy —— Fafa imediatamente empurra a Boneca de Pano, enquanto Malaquias coloca o pé na frente para que ela perca o equilibrio © caia no chao. i Malandrinho, entéo, avisa: — Nao se meta, caso contrario tambem vamos colocar vocé na 4gual E boneca de pano na agua... oe ear ect nl iets pa Sei se aie co fe | — Nao tem jeita, essa tinta nfio sai — diz Malandrinha. u — Eu tenho uma ideia — fala o ursinho. — Qual 6? — pergunta Fafa. Vamos pinta-lo todinhe — responde o ursinhe. a — Deixa comigo — diz Malandrinho, pegando trés latas de tinta do armario, verde, brance © amarelo. — Sao as cores da nossa bandeira. — Que beleza! — debocha a boneca Fafa. —Vocé tera varias cores. — Ficara lindissimo! — exclama Malaquias. Pretinho grita enquanto procura se soltar — Deixem-me em paz, seus covardes! Lutem comige frente a frent Um de cada vez. 4 — Voce nao desejava ficar branco? Agora 6 a opertunidade — fala ae es —E... Voce faz drama s6 pra dormir com Nininha — continua Fafa. — Eu quero ver se ela vai continuar gostande de vocé quando o vir de varias cores — completa 0 ursinho Malaquias. | — Entao € isso, vocés ouviram minha conversa com Nininha © estéo — CiGimes? Que nada! — diz Malandrinho. — Bu vou ter ciimes de um boneco preto ¢ feio? A Boneca de Pano, sem ninguém ven pega uma corda, Quando Malaquias levanta o pincel em diracSo ao rosto de Pretinho, ela laga o brago de boneco © puxa, fazendo com que ele derrube o pincel, Pretinho, entao, avanca, com raiva para brigar com © ursinho, mas Malandrinho vem em socorro de amigo. A Boneca de Pano, vendo que Pretinho esta em desvantagem, grita: — Foxe, Pretinho, foge! Pretinho empurra os dois e consegue escapar. Sem saber para aonde in, corre em diregao @ janela © pula para o jardim. A amiga, ao vé-lo salt grita desesperada: Tarde demais. Pretinho ja pulou. Quando a Boneca de Pano escuta o barulho do boneco caindo no chao, também ouve os latides do cachorro. — E © Hulk! — a boneca diz, assustada. = Todos imediatamente levam as maozinhas a cabeca: Sheu Dean Os bonecos ficam paralisados. Ox latidos estao cada vez mais fortes, enraivecidos, e tornam-se infernais. De repente, um grande siléncio... yoo Ab, nao! — diz 0 ursinbo. we horror! — exelama Malandrinko. A Boneca de Pano chora © diz: — Pobre do meu amiguinho! Neste exato momento, ouve-se a voz de Nininha. Fla veio mais ceda da escola e, toda contente, procura por Pretinhe. — Pretinho... Pretinho... — a menina pergunta quando entra no quarto. — Cade o Pretinho? Tenho uma surpresa para ele! Alids, para todos voces! Os boneces estac mudos, paralisados, assustadissimes. — Pretinho... Pretinhe. Nininha vai até o armario © abre a porta dizend. — Sai logo dai, Pretinho! Vem ca. Garanto que voce nunca mais voltaré a se esconder neste armario. Quando percebe que o boneco nao esta no armario, comeca a procuré-lo em diversos lugares. Os bonecos continuam estaticos, Nininha estranha o comportamento deles e desconfia que algo esta errado. Volta a procurar e @ chamar por Pretinho. Como nao obtém resposta, dirige-se aos bonecos: — Cadé o Pretinhe? a palavra © Nininha se apavora: Silencio total. Ninguém diz « — Onde est o meu boneco? Cadé o Carlos? Cadé o meu Pretinho? © @ siléncio continua. © com a Boneca de Pano: Nininha procura acalmar-se © fala especialmer —Boneca, vocés sempre foram amigos. Diga-me o que esta acontecendo. A boneca abaixa a cabeca ¢ as légrimas correm de seus olhos, molhando © manchande o seu rostinhe de pane. Depois de muito gaguejar, consegue dizer —O Hulk — 0 qué o Hulk tem a ver com 6 Pretinhe, boneca? @ custo, ela completa: Com mu — © Hulk... O Hulk comes o Pretinho, Sem querer acreditar, Nininha pergunta em um fiozinhe de vez: —Oque? Aboneca, entre ldgrimas, conta o que aconteceu. Nininha ouve tude calada, sem mexer um pedacinho de corpo. Sé.ne final ¢ que dé um erito. — NaaASBo! — sai correndo, — Manheeeee.. Nininhe «sua mie procuram o bonece em todos os lugares. Por © canil ©, para tristeza geral, encontram um pedacinho da roupa de Pretinhe ne chao. Nininha chora desesperadamente. vaonts Do quarto, pela janela, os bonecos assistem escondidos e também choram Depeis de alzum tempo. Nininha retorna ao quarto. — Eu nem sei o que dizer... Os bonecos abaixam a cabeca. Como puderam! Uma das piores coisas que pode existir € a ignorancia. E s6 a total ignorancia pode levar alguém a gostar ou ndo de uma outra pessoa por ser alta, baixa, gorda, magra, branca, preta... Nao ha justificativa para o que fizeram. — Eu 56 estava gozande com ele — resmunga o ursinho Malaquias, — Fu gostava era de vé-lo zangado, £6 isso — responde Malandrinho. Bee on oe ee heer) Ce ee ees eee errata ere eee ee eer ee ee eee ee es ee ee ee ee ors eee etree eet eee eee eerie Oe eee eee ieee ean Br ee ee er eer re ear ere Um coragdo nfo ve, nde enrende, eee eee eee eee eee peers Nee ee eee eed eee ee ere eos ee Todos assustados, mas curiosos, dirigem-se cautelosamente para a janela ¢ encontram Pretinho pendurado nela. — Socorro! Eu nae consigo subir sozinho. ho! —— Nossal E mesmo o Pret Malandrinho, rapidamente, dé a mao a Pretinho, colocando-e para dentro do quarto. — E veocé mesmo? — pergunta Malandrinho. — Clare que sou. — Nos pensamos... — diz a Boneca de Pano. — Bem... Nés pensamos que voce... — procura completar 4 frase © ursinho. — Eu vi o Hulk com um pedage da sua roupa na boca — diz Nininha — Eraa minha roupa, mas cle s6 conseguiu morder as minhas calgas, vejam — Pretinho vira de costas © mostra as calgas faltando um pedago. — Eu subi numa 4rvore e fiquei escondido. Quando vocé me chamou, Nininha, eu pensei em aparecer, mas como sua mae estava junto, eu nfo podia chegar na frente dela andando como se fosse gente. Nininha imediatamente abraca Pretinho. Meu amor! ho. — Oh! Meu boneco queride! Meu Pretinho, outros bonecos comegam também a abragar Pre: Puxa!l Nés sentimos muito — diz Fafa. — Alias — continua Malaquias —, nds sentimos muito pela mani és, Nao sei explicar porque fizemes isso. Nao sei... Por favor, perdoe a gente. ra come © temos tratade. Vocé € boneco como _— Sim, perdoe — dizem juntos, Fafa e Malandrinho. Nininha, mostrando-se muito zangada, apesar de estar aliviada pela presenca de Pretinho, persunta para os bonecos: — Voces tem nogso do que fizeram com Pretinho ¢ o que poderia ter acontecido? — Sim, temos — dizem os trés, de cabeca baixa. Voces percebem que Pretinho quase morreu? x we Sim Voc s entendem a gravidade do que fizeram? E mais Uma vez om tré= respondem: — Sim —E @ que voces merecem pelo que fizeram com Pretinho? — Nis merecemes um grande castigo. Pretinho interrompe e diz: — Deixem disso, bonecos. Eu perdoo voces! Os trés abracam o boneco. — Puxa, Pretinho. Muite obrisado! — Bu fiquei com muita raiva! Estava com vontade de bater muito em cada um de voces, por todas as vezes aque me humilharam, mas. melhor sermos amigos! acho, Nininha continua a falar muito sérin, com a testa franzida, mostrande ainda estar aborrecida. — Muito bem! Meu pai diz que devemos arcar com as consequén das coisas que fazemos, mas, se o Pretinho perdoou... — ¢ Finalmente dA um ligeiro sorriso — eu também... — a menina nao chesa a terminar a frase, pois todos pulam em cima dela. — Viva! Viva o Pretinho! Vive a Nininha! Os bonecos esto fazendo uma grande algazarra quando Nininha lombra de algo muito importante. — Nessa! Com essa confusie toda cu estava me esquecendo da surpresa. — Surpresa? — pergunta Pretinho. > ™ ge ae — Sim, uma linda surprese! Depois da conversa que tiverhos ontem, eu fiquei muito preocupada. E hoje. quando chesuei na escola. havia uma festa, em homenagem ac Dia da Consciencia Negra. — Consciéncia negra? O que ¢ isso? ‘ - E umdia para lembrar a nossa historia. A minha ea sua historia, Protinho. A historia do negro no Brasil ¢ a nossa luta, ainda hoje, contra o preconceito, a discriminacso, e para vivermos em igualdade com as outras pessoas. —F que dia € esse? — Z Dia 20 de novembro. Atualmente esta é a data mais importante para os negros ne Brasil. Foi o dia em que morreu Zumibi des Palmares, em 1695. — Quem? Zumbi de qué? — perzuntam todos os bonecos ac mesmo tempo. _— Esperem! Sentem-se aqui perto de mim © oucam. Meu professor me emprestou esta caixinha — mostra Uma caixa no tac pequena, mas bastante diferente. — Prestem muita atencgiol! Vocés irae conhecer tuma parte triste, mas importante da historia do negro no Brasil. Mininha abre a caixa, © dali sai uma boneca negra muito bonita, com uma roupa de panos coloridos. Seu nome é Zuzu, © ela. logo passa a dizer: Salve, minha gente! Salve, meus irmaos! Estou aqui para contarthes a histéria do meu povo. De uma gente de fibra, da minha gente, meus irmaos. De Zumbi, rei do Quilombo tos Palmares! Da caixa, outros bonécos com panes tambem coloridos sacm 6 espa tham-se pelo quarto, um apés outro, e comecam a falar. Quilombo era o lugar para onde os negros maltratados, que fusiam des fazendas, reuniam-se para viver em liberdacde. O maior deles foi.. © Quilombe dos Palmares! Dizem todos os bonecos que ja haviam saido da caixa. E depois cada boneco continua... Ficava na Serra da Barriga, onde, hoje, é 0 estado de Alagoas. Durou mais de sessenta anos e chegou a ter cerca de vinte mil negroes, ali morando. O seu ref, 0 seu grande lider era Zumbi Mas, dia apos dia, mais escravos fugiam das fazendas e para ld se dirigiam: Entdo 0 governo pediu a ajuda do exércite para acabar com Zumbi. Foram muitas batalhas! Mas aos poucos... 0 Quilombo dos Palmares foi sendo cercado. Qvexército invadiu e 0 quilombo incendiau, prendenda ¢ matande os negros que ali estavam Zuzu, emocionada, termina dizendo: Ao irmao negro dagui, 0 perd&e & preciso pedir! Irmao afro, o munde diz obrigade! Em seguida, acompanhados por um bonito batuque, os bonecos passam a cantar. Irmo negro daqui, vocé € Brasil. Irmdo afro, 0 munde diz obrigade! Todos dancam, cantam e contam a sua historia. ee Da terra mae arrancade, © afticano fei escravizade. Come um animal selvazem, tratado, pre muitos palzes, levado. Pre Brasil foi enviacdo, em senzalas, colocado. No chicote, maltratado, 20 trabalho, obrigado. Pra construcéo deste pats, deu 0 sangue © © coracao. Ao irmao negro daqui. © perdao é preciso pedir Irmae negro daqui, voee € Brasil. Irmao afro, © mundo diz obrigado! Pelo poder oprimido, pros quilombos corre, decidido. Com Zumbi, seu herdi, lade @ lado, quase acabou dizimada. Ao final, a liberdade, acabeu por conquistar, Mas a tal da igualdacde, nGe chegou a alcancar Pra construcdo deste pats, deu 0 sangue eo coracao. Ao irmao negro daqui, © perdaa é preciso pedi Assim que a musica termina, a voz alegre de Zuzu inicia um samba, que € cantado e dangado por todos os presentes. OLORUM, AYE, ORUM, AXE pra voce, meu irmao.. Somos bonecos negros, estamos a contar nossa histéria. Queremos deixar um abraco, pros irmGos negros daqui, pros irmaos brancos daqui, pra todos os irmaos deste imenso Brasil. Nunca esquecam o que ouviram da nossa honra e tradicao. Nosso canto ¢ de esperanca, nosso canto & de paz, nosso canto ¢ de igualdade, nosso canto é de amor A musica contagia, o quarto de Nininha transforma-se em uma grande festa, © Pretinho, todo prosa, muito orgulhoso, danga com a boneca Zuzu. Quando a festa termina, ja € hora de dormir. Pretinho agradece Nininba ©, para surpresa da menina, diz — Nininha, no me teve a mal, mas de hoje em diante eu quere ser chamade pelo meu nome, Carlos, Afinal, eu nado sabia o quanto haviamos mos livres e nos tornarmos cidadaos. Jutado para hoje se Mui chamade pelo se © bem, meu querido!l — diz Nininha. —Vece agora sera sempre A menina dé-Ihe um beijo e vai dormir N&o 6 nem madrugada quando Nininha acorda assustada com um barulhe. Levanta, acende a luz e ve Fafa, Malaauias e Malandrinho chorando, chorande que da do. — Mas 0 que ¢ isso? Carlos esta bem, foi s¢ um grande susto! Os tr@s, novamente, voltam a chorar. se que esta tudo bem! — Chega! Chegal Eu ja di — Fu sei... — fala Malandrino. — Entao, o que esta acontecendo? — pergunta N ha. — Nés queremos ser negros tambem. inha. — Vocé= nao vaio comegar tudo ee ee peraunte outra vez! Escutem, prestem muita atencdo. Eu amo vocés como 3&0! Apesar da enorme bobagem aue fizeram, eu continuo a amé-los! Minha mae sempre diz que as pessoas sao diferentes umas das outras © isso € muito bom. Jé pensaram se todas as pessoas pensassem amesma coisa, se vestissem iguais, gostassem das mesmas coisas, da mesma comida, tivessem a mesma cor, a mesma raca, fossem do mesmo sexo, torcessem pelo mesmo time de futebol, tivessem a mesma re! © mundo seria muite sem graca, n&e seria? Os trés se entreolharam e riram. — Para vivermos em paz, felizes © sermos amigos uns dos outros, precisamos accitar a nos mesmos como somos, © precisamos aceitar, amar as outras pessoas como elas sac! assing. . . Se vocés visitarem Nininha, como eu, encontrarse todos os bonecos sentados, quietinnor, de mior dadas, multe orguihosos! AhI la me esquecendo... Adivinhem quem 6 0 primeiro de todos os boneces, com 0 peite estufado, sentado om cima de uma almofadinha, bem ao lado da Zuzu, aquela linda boncca africana que Nininha ganhou de presente do professor? — Muito bem... J& sabem quem 6? Ac lado da Zuzu, todo apaixonado, est& © nosso amigo Carlos com um grande sorriso maroto.

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