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Jéréme Baschet A CIVILIZAGAO FEUDAL Do ano mil a colonizagao da América traducgao: Marcelo Rede Professor do Departamento de Histéria da Universidade Federal Fluminense prefacio: Jacques Le Goff © pre : INTRODUGAO POR QUE SE INTERESSAR PELA EUROPA MEDIEVAL? A TpADE MEDIA TEM MA REPUTAGAO. Talvez, mais do que qualquer outro perio- do hist6rico: mil anos de histéria da Europa Ocidental, entre os séculos v e xv, entregues as idéias preconcebidas e a um menosprezo inextirpavel, cuja fungao é, sem duvida, permitir que as €pocas ulteriores forjem a convicgao de sua pro- pria modernidade e de sua capacidade em encarnar os valores da civilizagao. A obstinagao dos historiadores em desafiar os lugares-comuns nao fez nada con. tra isso, ou muito pouco. A opiniao comum continua sendo associar a Idade Média as idéias de barbarie, de obscurantismo e de intolerancia, de regressao econdmica e de desorganizagao politica. Os usos jornalisticos e da midia confir- mam esse movimento, fazendo apelo regularmente aos epitetos “medieval”, ou mesmo “medievalesco”, quando se trata de qualificar uma crise politica, um declinio dos valores ou um retomo do integtalismo teligioso. A construedo da idéia de Idade Média E verdade que a imagem da Idade Média é ambigua. Na Europa, pelo menos, 0s castelos fortificados atraem a simpatia dos alunos e os cavaleiros da Tavola Redonda tém ainda alguns adeptos, enquanto a organizagao de torneios cavalei- rescos ou de festas medievais parece ser um eficaz argumento turistico, inclusi- ve nos Estados Unidos. Griangas e adultos visitam as catedrais géticas e sao impressionados pela audacia técnica de seus construtores; os maisigsainitnoses impregnam-se com deleite da pureza mistica dos monast ios romanicos. O caré- ter bizarro das crengas e dos costumes medievais excita os amadores do folelo- re; a paixao pelas rafzes, exacerbada pela perda generalizada de referencias, A CIVILIZAGAO FEUDAL 23 ‘certo reequilfbrio na compara¢ao com uma Antiguidade militarista e e Y empurra em massa para essa idade recuada ¢ misteriosa. J4 0 romany cf Oe nirapé do Iluminismo, comprazeu-se em Valorizas ee pane ‘ ae Iter Scott dava sua forma romanesca maig a a Re senate a hoé), tedricos como i ibaa mo cavaleiresco (Ivanhoé), wei Novalis ou there es avilhoso e a espiritualidade medievais ao ricionalisme et pres A dinheiro, caracteristicos de a é ear a mesmo a Ruskin, que via na Idade Média Sa ae 0 €o qual a Europa | saido somente para cair na decadéncia, chegou a a expressag « Ages” — com a qual 0 Iluminismo denegria os tempos nega mas pary > aplicé-la, a contrapelo da visio moderna, a sua propria €poca. Todo 0 europeu se cobriu de um manto cinza de castelos e de igrejas neogéticas, feng, meno no qual confluem a nostalgia de um passado idealizado e 0 esforco dy Igreja Romana para mascarar — sob as aparéncias de uma falsa continuidade, da qual 0 neotomismo é um outro aspecto — as Tupturas radicais que a afirma. a0 da modernidade capitalista a obrigava a aceitar entao. Faz agora dois séculos, ao menos, que a Idade Média ¢ balangada de ym extremo a outro, sombrio contraponto dos partidérios da modernidade, ingénuo refiigio daqueles a quem o presente moderno horroriza, Existe, de ponto comum entre a idealizagdo romantica e os sarcasmos modernistas: sendo a Idade Média o inverso do mundo moderno (0 que é inegivel), a visto aus oferece dela é inteiramente determinada pelo julgamento feito te. E assim que uns a exaltam para melhor criticar sua propri enquanto outros a denigrem para melhor valorizar os progressos Se convém, agora, acabar com os julgamentos sumérios sobre o “mil tista’, nao se pretende substituf-los pela imagem de uma €poea idi nosa, de florescimento espiritual e progresso partilhado. A questao: bilitagdo da Idade Média, ainda que nao fosse totalmente inttil ch ta, abusivamente ornada, pela burguesia dos séculos XVII @ XIX, | ideais de um classicismo imaginado, ou ainda lembrar q caga as eiticeiras ndo é a Idade Média, como se acredita co sséculos XVI e XVII, que pertencem a estes ‘Tempos que se cl Mas 0 essencial é escapar da caricatura sinistra tanto quanto da j ‘nem legenda negra, nem legenda rosa’, escreveu Jacques Le C que se formaram esta mé re Putagao tenaz da Idade Média e seu reflexo invert dp. A Idade Média carrega 24 Jérdme Baschet Oh lorizagado. Media aetas, medium aevum, em latim, nas linguas européias significam a idade do meio, ser nomeado positivamente, um longo paré giosa e uma época nova, enfim, moderna segunda metade do século xv — como Gio em 1469 — que € as expresses equivalentes um intervalo que nao poderia ntese entre uma Antiguidade presti- . Foram os humanistas italianos da wanni Andrea, bibliotecério do papa, Comecaram a utilizar tais expressie: tempo, ornando-o com Prestigios literdrios e artfstico ciando-o dos séculos imediatamente anteriores, Mas é preciso esperar 0 século Xvll para que 0 recorte da histéria em trés idades (Antiguidade, Idade Média, ‘Tempos Modernos) se torne um instrumento historiografico corrente, notada- mente nas obras dos eruditos alemaes (Rausin, em 1639; Voetius, em 1644; € Horn, em 1666). Enfim, no século xvi, com o Iuminismo, essa visio da hist6- ria se generaliza, enquanto se urde a assimilagdo entre Idade Média e obscuran- tismo, da qual se percebem os efeitos ainda hoje. Quer se trate dos humanis- tas do século Xvi, dos eruditos do século xvii ou dos filésofos do século xvill, a Idade Média aparece claramente como 0 resultado de uma construgao histo- riografica que visa valorizar o presente através de uma ruptura proclamada com 0 passado proximo. r s para glorificar seu proprio ns da Antiguidade e diferen- Nessa matéria, 6 a época das Luzes que constitui o momento fundamen- tal. Para a burguesia, que cedo se apropria do poder politico, a Idade Média constitui um contraponto perfeito; Adam Smith evoca a anarquia e a estagna- cao de um perfodo feudal enterrado nos corporativismos e nas tegulamentagées, por oposi¢ao ao progresso trazido pelo liberalismo, Voltaire e Rousseau denun. ciam a tirania da Igreja e forjam a tematica do obscurantismo medieval, a fim de melhor valorizar as virtudes da liberdade de consciéncia, E entéo que toma corpo, de maneira decisiva, a visdo da Idade Média que perdura até nossos dias, pois o Iluminismo se define em oposicao a ela e a imagem das trevas medievais torna mais estrondosa a novidade deste. Ele deve, entao, mostrar que tudo “o que o havia precedido era somente arbitrario na politica, fanatismo na religiao, marasmo na economia” (Alain Guerreau). A construgao historiogréfica da Idade Média permite, assim, exaltar os valores em nome dos quais a burguesia se apro- pria do poder e recomp@e a organizagao social, a0 mesmo tempo que legitima a tuptura revolucionéria com a-ordem antiga, Ora, ndo apenas 0 pensamento do lluminismo conduz a uma radical dentineia das trevas anteriores, mas também leva a tornar incompreensfvel a época medieval, 0 que s6 faz acentuar sua des- valorizagao. Criando conceitos inteiramente novos de economia (Smith) e de religido (Rousseau), os pensadores do Iluminismo provocam o que Alain Guerreau nomeia a “dupla fratura conceitual”. Ocultando as nogées que dao sentido & sociedade feudal, eles tornam impossivel toda captagao da légica pré- A CIVILIZAGAO FEUDAL 25 cao e fazem-na afundar na incoeréncia e n contribuindo, assim, para justificar a necessidade de abolir a Uma ver que ela constitui uma €poca manchada por um p almente vigoroso, a Idade Média convida, jo sobre a construgao social do passado pria & sua organiza mante excepcion: dade, a uma reflex: | sente da representagao do passado. Como acaba de ser dito, milénio de obscurantismo.corresponde a interesses precisos: ¢ © humanistas, de inicio, e, mais tarde, o eli revolucionario dos 5 gueses ocupados em solapar os fundamentos de um regime Idade Média € a quintesséncia. E preciso considerar que mundo ao qual eles deram forma, pois sua visio da Idade exercer 0 papel de lugar-comum. Sem diivida, a necessidade de ‘0 € mais tao imperiosa como era no fim do século XViil. Ent sado, to longinquo como barbaro, ainda presta bons e leais ‘quase inextirpavel das idéias preconcebidas sugere que nao s mente ao muito comodo contraponto valorizador medieval. Est _ga0.A maior parte das culturas teve grande necessidade da imag ros (ou dos primitivos), pertencentes a um lugar distante exéti para além de suas fronteiras, a fim de se definirem elas mesmas goes. O Ocidente nao é excegio, mas ele apresenta também es de de ter uma época barbara alojada no seio de _caso, 0 alhures ou 0 antes barbaro sao decisivos para constitu humanas em fungao de tal oposi¢ao: é também a isso que nos | ria da Idade Média. a Estudar a Idade Média em terras americanas Mas que sentido existe em estudar o Ocidente medieval a parti ricanas e, em particular, mexicanas? Por que se interessar, a partil Por uma sociedade to longinqua no tempo e no espago? A data de I: de articulagdo convencional entre Idade Média e Tempos Modernos um primeiro elemento de res| ;telacao de ev Ocidente: alé posta. Este ano 6 mareado por uma notéi entos de primeira importincia para a Peninsula Ibéric m da chegada de Colombo as ilhas das Carafbas, 0 glo nada levado a cabo por Fernando de Aragao € Isabel 26 Jerome Baschet uulsdo dos judeus dos reinos de Aragio e Castela, sem falar na publicagao da primeira gramatica de uma lingua vernécula, a Gramidtica castellana, de Antonio de Nebrija. A conjungao desses eventos em alguns meses nao se deve ao acaso, mas corresponde, ao contrério, a um encadeamento légico, bem sublinhado por Bernard Vincent. Interessa-nos, particularmente, aqui, o laco entre o fim da Reconquista e o inicio da aventura maritima langada em diregao ao Oeste, que rapidamente conduziré & Conquista. Os dois fatos — assim como a expulsao dos judeus — participam de um mesmo projeto de consolidagéo da unidade crista, da qual os Reis Catélicos Pretendem, entre os soberanos ocidentais, ser os campedes. Igualmente, uma vez eliminada a dominagao mugulmana na Peninsula Ibérica e afirmada a unidade crist desta, era légico que Fernando e Isabel pusessem um fim a longa espera de Golombo e aceitassem, finalmen- te, apoiar seu empreendimento, na esperanga de projetar essa unidade para além dos territérios recentemente Conquistados, para a maior gloria de Deus e de seus servidores reais. Nesse sentido, Reconquista e Conquista revestem- se de uma profunda unidade e participam de um mesmo processo de unifica- ga0 e de expansao da cristandade. Em 1552, 0 cronista Lépez de Gémara 0 diz, de resto, com uma extrema clareza: “Desde que foi terminada a conquis~ ta sobre os mouros [...] eomecou a conquista das {ndias, de modo que os espa- nhois estiveram sempre em luta contra os infiéis os inimigos da fé". Outra marca de continuidade: os conquistadores das terras americanas adotam como protetor € santo padroeiro Santiago Matamoros, como no. tempo da Reconquista contra os mugulmanos. Pouco importa que no exista nenhum “mouro” por aqui; basta que os “indios” fagam suas yezes, de onde a perpetua- 40, até nossos dias, da danga dos mouros e dos cristdos, praticada na Espanha desde o século xit. De resto, a cristianizagao dos “indios” prolonga e reproduz a dos mouros de Granada, seu preltidio imediato. E verdade que a Conquista deve ser compreendida em decorréncia da luta simultnea contra o isla e, particularmen- te, contra o perigo otomano, que preocupa entao os soberanos hispAnicos ainda mais do que as Indias (até que eles percebam em suas riquezas uma util ajuda para fazer face a ofensiva turca [Hernén Taboada]). No entanto, mesmo se a refe- réncia antiislamica da Conquista é tanto presente como passado, pode-se enfa- tizar que existe uma forte continuidade entre um fendmeno tipicamente medie- val como a Reconquista e um outro fato, a viagem para o Oeste e a conquista americana, que é geralmente considerada profundamente moderna. Nesse sen-\) tido, 1492 nao é a linha divis6ri época: como o dia @ a noite, mas sim o ponto de jungo de dois momentos histéricos dotados de uma profunda unidade. E verdade que a Conquista nao é uma repro“ een oo , ll dugao idéntica da Reconquista, mas ela é seu inegavel prolongamento. E preciso, tao estranhas uma & outra, A civiLizagho FeuDat 27 v portanto, reconhecer que o recorte tradicionalments oc 4 e Tempos Modernos deve ser amplamente ere lo e que’ gulha suas raizes na histéria medieval do Ocidente. Os espanhéis que tomam pé no continente americano ievais. Os primeiros fio de mundo in qieatngram um mundo desconhecido. osteo 7 procurava e nao sabe que 0 que ele encontra ndo ‘ tl a cl verdade, nuangar a oposigao tradicional ee Col lombo, descol cle mesmo, e Vespticio, verdadeiro “inventor” do continente a que o primeiro, quando de sua terceira viagem, evoca uma terra qual ninguém jamais teve conhecimento”. Permanece 0 fato, no. ele morre sem renunciar a acreditar que atingira seu objetivo, q ras que pertencem ao que nés chamamos Asia. Colombo nao t modemo. E é preciso, se ainda hd necessidade disso, dissipar entendido: seu génio nao esta absolutamente no fato de ter defe dade da Terra, jé admitida na Antiguidade e, depois, por uma boa logos medievais, como Alberto, 0 Grande, ou Pedro de Ailly. 0. de Colombo, além de seus talentos de navegador e de organiza acumulagao de uma série de erros de célculo. O debate suscitado Colombo, ao longo dos anos que precederam sua aprovagéo, cardter esférico ou nao da Terra, mas a avaliagao da distancia ma corrida, a partir da Europa, para atingir 0 Japao pelo Oeste e, por ao carter factivel da rota ocidental para as {ndias. E por que na base de uma interpretac err6nea dos dados incompletos d tempo, que o limite terrestre ocidental e as terras do oriente ext dos somente por “um mar estreito”. Finalmente, a despeito das conseqiiéncias imprevistas de sua a € um viajante medieval, inspirado por Marco Polo, mercador ver lo xill, e por Pedro de Ailly, cardeal e tedlogo escolastico da vira Para o século xv. Fundando o essencial de suas teorias sobre a Jone Ultimo, que nao é uma obra particularmente encontrar 0 Grande Khan, a fim de concretizar as esperangas d xadas por Marco Polo, ¢ em Procurar 0 acesso para o Japao, « Cipango, porque este autor enfatiza que, lf, as casas sf feita Conquistadores exploram as terras american: geogratia imagin: inovadora, ele se « 28 Jerome Baschet muitos outros partilham esses sonhos, quando nao afirmam mesmo ter encontra- do os povos monstruosos, como os panécios de grandes orelhas ou os cinocéfa- Jos, descritos pela tradigao enciclopédica medieval desde Isidoro de Sevilha, no século Vil. Assim, mesmo quando se reconhece, algumas décadas apés a primei-, ra viagem de Colombo, que as terras entdo atingidas formam um continente até ld ignorado pelos europeus, e ao qual se comeca a dar um nome novo — e mesmo quando se reconhece que se tratava de um evento considerdvel, 0 mais importante desde a Enearnacio, diz Gémara —, a novidade do mundo assim “descoberto” tem bastante dificuldade de ser assumida pelos contemporaneos. Como sugeriu Claude Lévi-Strauss, os espanhéis deixaram suas terras menos para adquirir conhecimentos inéditos do que para confirmar suas velhas crencas; = eles projetaram sobred Novo Mundo aeildade ea: tadictes do antigo. No ha simbolo mais estrondoso desse espirito — preocupado em confirmar um saber estabelecido mais do que descobrir o desconhecido — do que a atitude de Colombo obrigando seus homens a professarem, sob juramento, que Cuba nao uma ilha e prevenindo que castigaria os recalcitrantes, simplesmente porque suas teorias requeriam que assim fosse (Tzvetan Todorov). Neste ponto, € inevitavel evocar os objetivos da descoberta e, depois, da conquista. Tradicionalmente, sao evocados trés: a necessidade de uma via para 0 ouro e para as especiarias das Indias, permitindo contornar 0 bloco otomano; a busca de diferentes produtos de consumo corrente, como a madeira, 0 peixe do Atlantico Norte e a cana-de-agticar, cuja produgao, desenvolvida na ilha da Madeira e nas Canérias, est4 entao em pleno desabrochar; e, enfim, 0 desejo de converter e de evangelizar novas populagées. Esses objetivos podem ser redu- zidos a dois: um_material- (do qual o ouro é o simbolo) e outro espiritual (a evangelizacao); ou, ainda, um politico (a gloria do rei) e outro religioso (a glé- ria de Deus). Tal apresentacdo viola radicalmente a légica dos quadros mentais em vigor naquela época. No entanto, certos autores, como Pierre Vilar ou Tzvetan Todorov, sublinharam corretamente que 0 ouro e a evangelizagao nao deviam ser percebidos como objetivos contraditérios. Eles combinam-se sem dificuldade no espfrito dos conquistadores; e se Colombo esta preocupado até a obsessfio com 0 ouro, € notadamente porque este deve servir para financiar a expansao da cristandade e, em particular, o projeto da cruzada destinada a reto- mar Jerusalém dos otomanos, do qual ele espera convencer Fernando de Aragao. A viagem indiana deve, finalmente, reconduzir 4 Terra Santa, segundo 0 modelo medieval da cruzada; seu objetivo tltimo nao € outro sendo a vitéria universal de Cristo. Mais largamente, seria preciso se perguntar 0 que 0 ouro representava phra os homens desse tempo e deixar de considerar evidente que ele nao pode- rid significar nada além do que ele € para nés: um equivalente monetario, uma \ A CIVILIZAGAO FEUDAL 29 queza material, um capital a entesourar ou a inet Na ane me, dk de, 0 ouro é também um metal dotado de See mente, de um uso monetério. Mas sus sii Sear ; e Je é revestido hoje do que muta tt ators romente € eDLSou a a dispendiosas, estranhas 4 mental idade conte aaa um elemento de riqueza aus be posal “a signo e uma ocasido de prestigio. Para Co oe i ae Pa sua descoberta ¢ uma esperanga de alta digni a és a res, ele € 0 meio de alcangar uma posi¢ao socia maishg a nobreza. Assim, 0 ouro significa menos um el oon social (“ele confere a gléria e o poder; ele é 0 simbol lo tanto de outro”, sublinha Pierre Bonnassie). Além disso, ele ndo € ape material, tao importantes sao as virtudes magicas e 0 simbolisn Ihe sao agregacos. O ouro é menos matéria do que luz, e seu bril a sugerir as realidades celestes; ele articula valores materiais e esp ainda menos a ver com uma légica de tipo capitalista. H4, entdo, go em ler os fatos da aventura americana creditando aos seus al pria mentalidade, quando ¢ altamente provavel que seus valor Nao € somente por suas formas de pensamento que o mun faz presente em terras americanas. Muitas das instituigdes esse zacao colonial sao retomadas mais ou menos diretamente da Euro Discute-se para definir em que medida a encomienda esta ligada & feudais. Quanto a Igreja, cujo papel na estruturacdo da dominaca fundamental, teriamos dificuldade de encontrar muitas difere Romana medieval. As ordens mendicantes, que tém papel quista espiritual (e material) de numerosas regides, so o europeu, enquanto o culto dos santos e das imagens, que tanto { conversao das populacdes indigenas, constitui_ uma das medievais. Para nao prolongar de modo desmesurado a lista, fazé-lo, lembro apenas alguns exemplos, como as universidad criagao dos séculos XII xt, {ue se reproduz no Novo Mundo (tao que a Universidade do México, criada em 1551, adota os es dade Salamanca, que remontam ao século xu), ' , as cidades da Améri 30 Jerome Baschet segundo a planta em tabuleiro das cidades novas européias do século ainda as instituigdes comunais importadas da Europa (ainda hoje, um dos drios municipais, 0 alcalde, deve seu nome ao termo arabe al-cadi, utili- Espanha medieval e que significa “juiz”). “herencia medieval de México"? resumo, existe 0 que Luis Weckmann chamou uma “herencia medieval de o”. Entretanto, esta expressao, assim como 0 livro a que ela serve de titulo, ma diversas observagées criticas. Como sempre, em histéria, a nogao de ranga nao deixa de ser arriscada, pois, como a nogdo de influéncia, sugere a ida passiva de elementos anteriores e incita o historiador a sucumbir a esta ‘do das origens” denunciada por Mare Bloch. No caso de Luis Weckmann, conduz também a isolar os aspectos que, na sociedade medieval e na socie- colonial, so idénticos ou similares, a fim de listd-los sob a forma do que is parece um catdlogo (um inventario pés-morte, poder-se-ia dizer, pois se trata ica). Mas, do ponto de vista da anilise hist6rica, tal procedimento perma- impressionista e impede toda compreensio em profundidade tanto do do medieval e do México colonial como da dinamica histérica que os une. Ele ece muito distanciado de um verdadeiro empreendimento comparativo, ie deve se preocupar tanto com as diferengas como com as semelhancas e que ua desprovido de toda pertinéncia se nao se funda, primeiramente, sobre abordagem global da Idgica de conjunto das sociedades comparadas. Por tro lado, Luis Weckmann permanece prisioneiro de uma concepgdo tradicio- da oposigao entre Idade Média e Tempos Modemos. Igualmente, para basear itese — de resto, justificada — da importancia do componente medieval na igo do México colonial, ele deve recorrer ao argumento do atraso espanhol. No inicio do século xvi, 0 Renascimento florescia em toda a Europa, mas a panha seria ainda medieval. E um curioso paradoxo pensar que os reinos que se langam na ambiciosa aventura proposta por Colombo e, em seguida, na colo- nizagdio da maior parte do continente americano seriam justamente os mais retr6- dos do continente europeu. Mas a argumentagao é tao inutil quanto pouco rivel: os reinos espanhéis eram, entdo, notavelmente sélidos e estavam em pleno ‘desenvolvimento, e tao pouco atrasados que Fernando de Aragio serviu de mode- Joao Principe de Maquiavel. Em vista dessas observagdes, 0 mais sensato seria, sem duivida, renunciar & ossanta ruptura entre Idade Média e Renascimento. Este é um problema geral, jue ultrapassa amplamente o livro de Luis Weckmann e invade a bibliografia sobre A CIVILIZAGAO FEUDAL 31 ‘Ao longo das obras, pergunta-se se eval ou moderno: Colombo, medieval ou mod artolomeu de Las Casas, precursor da rdeiro tardio da escolstica tomi as tentativas para separar 2 duas facetas de u outra medieval. Assim, Colombo p aventureiro, mas medieval por seu ligada a outra, e como se 0 mistic nao alcangasse os cumes durant se hipsteses repousam sobre (e largamente pejorativ. da Idade Média, e supdem que radical entre a Idade Média e o Renascimento que eles cor que, mesmo se renunciamos a uma data nue possivel classificar cada ser ou cada fato conforme essa admite que essa visio deva ser criticada, chega-se a idéia de « Jeituras da Conquista repousa sobre uma visio dramati [dade Média e sobre uma idéia insustentével da ruptura ent Modernos. Pode-se, ao menos, sugerir que é duvidoso que: ra satisfat6ria da Conquista enquanto nao se esteja livre milénio medieval como um contraponto que valoriza a mo Sejam quais forem as reservas suscitadas pela andl e sua nocao de “herencia medieval”, pode-se retomar uma par a Conquista, é 0 mundo medieval que toma pé deste lado do que é apenas um pouco exagerado afirmar que a Idade Mé de das raizes da histéria do México. Como jé foi dito, nao se registrar uma heranga recebida, cujos elementos poderi uma intermindvel lista. Uma visao hist6rica mais global reconhecer 0 peso de uma dominagao colonial surgida da d conduz a transferéncia e a reprodugao de instituigées e péias, mas sem ignorar que uma realidade original, irred idéntica, toma forma nas colénias do Novo Mundo. Trat objetivo transborda as possibilidades do presente livro — ra global sociedade medieval e sociedade colonial e de ¢é ca que as une, em um processo em que se misturam dependéncia e especificidades, dominacao e criagdo. B1 init, se quisermos compreender minimamente a fol hoje € 0 México, ter alguma idéia sobre o que foi a civilizag vt ten sn no ne en u cada regido européia apresentasse im} 0 século xvi colonial. gem é medi dal ou humanista? tos do homem ou he artificiais dade, uma moderna € no por sua audacia de ni fosse intimamente de Avila e muitos outros, Todas essas interrogagoe: rias exclusivas, € 32. Jerome Baschet des, a cristandade medieval constitufa uma entidade unitéria e larga- homogénea, que nao pode ser compreendida sem que se a considere em njunto. Aplicar a Idade Média o quadro de uma histéria nacional, herdada 0 XIX, significa privar-se de compreender sua légica profunda. A hist6- México apresenta, é verdade, certos lagos particularmente estreitos com a anha; mas, através desta, é na dindmica de conjunto da cristandade medie- aquela mergulha a parte mais ignorada e a mais rejeitada de suas raizes. Estudar a Idade Média européia é, entao, voltar o olhar para a civilizagao est na origem da conquista da América. Esta nao € 0 resultado de uma edade que, repentinamente, rompeu com a estagna¢ao medieval e foi brus- nte iluminada pela claridade do Renascimento. Se a Europa se langa nessa ‘a, que € somente a primeira etapa de um processo mais geral que con- z, sob formas variadas, 4 dominacao ocidental de todo o planeta, nao é sob 0 feito do toque da varinha magica de um Renascimento autoproclamado. Defen- se-4, aqui, a idéia de que a conquista e a colonizagao no sto agées de uma ade européia liberada do obscurantismo e do imobilismo medievais ¢ j4 das na modernidade. Sao muito mais 0 resultado de uma dinamica de simento e de expansao, de uma lenta acumulagao de progressos técnicos e electuais, préprios aos séculos medievais e dos quais 0 momento mais inten- toma forma por volta do ano mil. Também nisso pode ajudar a hist6ria da lade Média: a compreender como a Europa encontrou a forca e a energia para engajar na conquista do novo continente e depois, finalmente, do mundo eiro, a tal ponto que o Ocidente constitua ainda hoje, através de seu apéndi- se norte-americano, a poténcia que domina a humanidade. E por isso que o pre- livro terd como eixo principal a andlise dessa dinamica de expansao e de cdo que se afirma pouco a pouco na Europa medieval e que a conduz, mente, até as terras americanas. Pretende-se compreender 0 choque vio- ento entre a Antiguidade indigena e 0 Ocidente medieval, que é uma parte inante da histéria do México. ‘inevitdvel evocar os recortes habituais do milénio medieval. A data de 476 rca tradicionalmente o seu inicio: nesse momento, nao ha mais imperador em Roma; Odoacro é ali proclamado rei, até ser eliminado pelo ostrogodo feodorico, Sem diivida, esta data nao teve, na propria época, a ressonancia que foi dada depois, sobretudo porque Odoacro testitui, entdo, as insignias iais a Constantinopla, o que garante a continuidade do Império Romano, A civitizagao reupat 33

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