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MAIMONIDES O Guia rx iia lah “Abram os portdes e venha a nacio justa, guardia das, crengas.” | (Isaias 26:2) captruto 1 IMAGEM (TSELEM) E SEMELHANCA (DEMUT). A INCORPOREIDADE DE DEUS E A POLIVALENCIA DO TERMO IMAGEM ‘Jase pensou que o termo imagem (tsélem), em hebraico, significava 0 contorno (temund) de uma coisa e 0 seu aspecto(téar); disto deduziu-se a existéncia de um corpo completo [para Deus}, em relaglo ao que foi dito: "Facamos o homem & nossa imagem, segundo nossa semelhanca” (Génesis 1:26). Assim, Deus teria a forma (tsurd) humana, ou seja, 0 ‘mesmo contorno e aspecto. Comprometeram-se com esta idéia e acre- ditaram nela, Acharam que, caso se afastassem desta crenca, estariam desmentindo as Escrituras e até mesmo negando a existéncia de Deus, se Este nao tivesse um corpo dotado de faces e maos como os deles, em contorno e aspecto, salvo que maior e mais esplendoroso, segundo acre- ditavam, e Sua matéria também nao fosse de “carne e sangue".' Isto é tudo o que pensavam da grandeza da constituicio de Deus. ‘Quanto ao que precisa ser dito para se descartar a corporeidade e afir- mara unicidade verdadeira — cuja veracidade basela-se na incorporel- dade —, voce tera uma comprovacio ao longo deste tratado. Todavia, meu objetivo neste capitulo elucidar os termos imagem (isélem) © se- melhanga (demi). 1 “Came e sangue”; expressio biblica hebraica referente ao homem em seu as- ecto fisio. 54 MAIMONIDES Digo, pois, que, para a forma conhecida entre o povo — 0 contor- no € 0 aspecto da coisa — o termo préprio em hebraico € tdar (aspec- to). Por exemplo: “(...) formoso de aspectoe de aparéncia” (Génesis 39:6); “(.) que aspecto tem Ele?" (I Samuel 28:14); “(...) com o aspecto dos filhos do rei” (Juizes 8:18). E da forma artificial se diz: “delineou-o com giz (...) com o compasso contornou-o” ([saias 44:13). E um termo que absolutamente nao se aplica a Deus, longe de nés! Quanto a0 termo imagem (tséler), este se aplica & forma natural, ou seja, 8 esséncia constitutiva de uma coisa, o que ela é em si mesma, sua realidade enquanto ser. No homem trata-se do lugar de onde procede a capacidade de compreensio, e é afirmado sobre a causa desta compreen- sto: “(..) & imagem de Deus o criou” (Cénesis 1:27) Portanto ¢ dito: “(..) suas imagens desprezarés” [dos tdélatras] (Sal- mos 73:20), pots o desprezo afeta a alma, que € a forma especifica, no © contorno e o aspecto dos membros. Portanto, afirmo que o motivo pelo qual os idolos sio denominados imagens (selamim) basela-se no fato daquilo que se esperava deles, o que era considerado, nao seu con- torno e aspecto. Digo 0 mesmo a respeito da expressao: “imagens das ‘suas hemorrdidas” (1 Samuel 6:5), pois o que se queria delas era o meio. para afastar o mal das hemorréidas, nao o seu aspecto. Por fim, se tiver que admitir * ‘magensdas suas hemorréidas” e “suas imagens’ [dos ido- Jos] como expresses do contorno e do aspecto das mesmas, entio 0 ter- mo imagem deve ser polivalente, referente 2 forma especifica, & forma artificial e do que deriva dela— como contornos e aspectos dos corpos naturals. Assim, 0 que se quer dizer com: “Fagamos o homem a nossa ima- gem” refere-se a forma especifica, ou seja, & capacidade de compreen- so mental, néo ao contorno e aspecto. Fica entio explicada a diferenca existente entre imagem (tsélem) e aspecto (waar), bem como esclarecido 0 termo imagem. No que se refere a semelhanca (demu), € um derivado de damé (raiz do verbo “assemelhar-se”) e indica, assim, algo semelhante a determi- nada coisa, como foi dito: “Assemelhava-me a uma ave noturna (ked) no deserto” (Salmos 102:7), ndo que se assemelhasse em relagio as suas sas e plumagem, mas sim & tristeza de uma e de outro; o mesmo em: “Nenhuma arvore do jardim de Deus se astemelhava & sua beleza” (Ezequiel 31:8) — semelhange quanto & questo da beleza; “Tém ve- reno & semelhanga do veneno das serpentes” (Salmos 58:5); * Aseme- ‘hase a um leo ansioso por estracalhar” (Salmos 17:12). Em todos ha uma semelhanca com idéias, no de contorno nem de aspecto. Do © GUIA Dos PERPLEXOS mesmo modo: “A semelhanca de um trono” (Ezequiel 1:26) indica uma semelhanga quanto a sua elevagio e grandeza, ndo a sua quadratura, largura ou distancia entre os pés, como imaginam os pobres [de espiri- to]; © 0 mesmo com respeito a “semelhanca entre os animais” (Ezequiel 1:13), Dado que o homem ¢ impar, pelo fato de ser muito diferente naqui- Jo que falta entre os demais seres existentes sob a esfera lunar, a saber, sua capacidade de compreensio mental — para a qual nao emprega ne- nhum sentido, nem parte do corpo, nem mao, nem pé —esta tem sido comparada @ capacidade de compreensio divina, que néo depende de qualquer instrumento (mesmo que nao exista semelhanca de fato, po- rém, A primeira vista, s6 aparente). Diz-se do homem que é assim por causa da mente divina nele colada, pois ele é 4 imagem de Deus e a Sua semelhanca — e nto que Deus seja um corpo dotado de contorno. 55 “Porque sabe Elohim que, no dia em que comerdes dele abrir-se-do 0s vossos olhos e sereis como Elohim, conhecedores do bem e do mal.” (Genesis 3:5) capiruto 2 SOBRE GENESIS 3:5, Ha alguns anos um erudito me apresentou uma objecao importante ‘Vejamos qual foi, bem como a nossa refutacao. Entretanto, antes de me ocupar de uma e de outra, direi o seguinte: qualquer hebreu sabe que o termo Elohim é polivalente, pois designa a divindade, 0s anjos e 0s governantes. Jé Onkelos, o Prosélito? (que a paz esteja com ele e com a verdade que esclareceu) explicou que a expres- ‘ao: “Sereis como elohim (deuses [senhores]), conhecedores do bem edo ‘mal” (Genesis 3:5) deve ser entendida em sua tiltima acepcao. Por isso traduziu como: “E sereis como senhores”. ‘Apés a minha proposta para o significado desse termo, passemos & objecio. Conforme o sentido literal do texto biblico, a primeira intencéo, no que diz respeito ao homem, era que se assemelhasse aos animais irra- cionais: incapaz.de diferenciar o bem do mal: e, quando se rebelou, isto Ihe trouxe esta grande capacidade exclusiva do homem: nosso discerni- mento, a mais nobre das capacidades das quais somos dotados. F ineri- vel que o castigo por sua rebeldia foi receber uma capacidade que antes 1ndo possuia: a inteligéncial Compara-se ao que se conta de certo indi- 2 Onkelos: tradutor do Pentateuco para 0 aramaico. 58 MAIMONIDES viduo que, apés cometer uma transgressio, foi considerado bom e co- locado como um astro no céu — esta era a intengao e o sentido da objecao, ainda que nao com as mesmas palavras. (Ouca agora nossa refutagao. Dizemos que voc’ é um individuo atento 20 principio das suas idéias e pensamentos mal-intenclonados; que pensa que compreende um livro — orientador tanto dos antigas quanto dos contemporaneos — dedicando-Ihe simplesmente alguns momentos de intervalo entre @ bebida e 0 sexo, como se se tratasse de um livro de cronicas do cotidiano ou de poesia! Tome seu lugar e observe, pois @ questo néo é como vocé apresentou a principio, mas, clareceremos. A inteligencia que o Criador infundiu no homem —e que constitui sua perfeico suprema — é a que Ado possuia antes de sua rebeldia; por isso declarou-se que foi criado 4 imagem de Deus e & sua semelhanga e por iso [Deus] falou com ele e lhe ordenou, confor- me fol dito: "E ordenou YHVH Deus ao homem (...)" (Génesis 2:16). Ordens nao sio dadas a animais irracionais nem a alguém carente de inteligéncia. Mediante a inteligéncia, o homem discernia o verdadeiro do falso; ele possuia esta capacidade perfeita e completa. Pois bem, a feiira ea beleza estao no campo da opinigo, nfo da razio, pots nZo foi dito que “o céu € esférico” seja belo, nem que “a terra é plana’ seja feio, mas que isto é, respectivamente, verdadeiro e falso. Assim, em nossa lingua (hebraico] fala-se do verdadetro (cashét) e do falso (bate) respecti- vamente como verdade (eméi) e mentira (shéker), e do belo (nad) e do feio (meguné como bem (tov) e mal (rd). homem sabe o que é verda- dee 0 que é mentira por meio da razio, ¢ isto vale para todas as coisas |. como es- inteligiveis. Deste modo, quando Adio se encontrava na plenitude e perfeicdo de sua razo e inteligéncia, foi dito, a seu respeito, que ele era *(..) um pouco menor do que Elohim [Deusou anjas (...)” (Salmos 8:6). Ele nao sabia absolutamente como utilizar e formar opiniGes; até mes- mo que hé de mais reprovavel — a exposicio da nudez — ndo lhe era feio nem compreendia a sua feitira. Apés rebelar-se, ceder aos seus ins- tintos imaginativos e as deli¢ias dos sentidos fisicos, como foi descrito: *(..) que era boa a arvore para comer e desejével para os olhos (..)” (Genesis 3:6), [Adio] foi castigado com a privacto da compreensio racional: isto 0 levou a transgredir a ordem dada, levando-se em conta sua inteligéncia, o que fez com que obtivesse a capacidade de apreensio das opiniées: afundou na feiira e na beleza. Entio se deu conta daqui- Jo que perdeu, do que Ihe foi despojado e a qual estado foi reduzido. Este é0 sentido de: "“(...) esereis como Elohim, conhecedores do bem e do mal” (Genesis 3:5). Nao foi dito: “conhecedores da mentira eda ver- 1 “conscientes da mentira e da verdade”, pois o bem e o mal © GUIA DOS PERPLEKOS no slo absolutamente da ordem do necessario, como o sto a mentira € a verdade, Preste atencao a esta declaracio! “(..) e foram abertos (eipacdchna) os othos de ambos, e souberam que estavam nus" (Génesis 3:7). Nao foi dito: “e foram abertos os olhos de ambos, e viram”, pois © que era visto antes também foi visto depois — e nao havia ld vendas sobre os olhos que depois foram retiradas, mas sim eles passaram 2 um_ novo estado [de consciéncia] no qual consideraram felo 0 que antes nao Ihes parecera assim. Saiba que esta palavra —~ refiro-me a pacdach (abris) — somente é empregada no sentido de revelar 0 conhecimento, nao de recobrar os sentidos, como por exemplo: “E abriu Deus seus olhos (..)” (Genesis 21:19); “E abrirao os olhos dos cegos (..)” (Isaias 35:5); " Abriream os ouvidos, mas nao escutaram” (Isaias 42:20); “Tem olhos para ver, mas nao enxergam” (Ezequiel 12:2) Com respeito ao que foi dito de Adio: “Mude o seu rosto e sera enviado [dequi]" (Jo 14:20), o significado e a explicacao disto sio: quan- do mudou seu propésito, foi expulso ~~ porque a palavra resto (panim) € derivada da raiz pand (voltar-se) — pois é com o rosto que o homem se volta para equilo que constitui a sua intenco. Por isso foi dito: quando mudou de direcdo e se dirigiu até onde lhe foi dito para que nao fosse, foi expulso do Jardim do Eden. Este foi o castigo pela sua rebeldia, “medida por medida’: foi-lhe permitido comer coisas agradaveis e se deleitar com calma e trangitilidade. Todavia, quando seu desejo cres- ‘cou e perseguiu seus prazeres e fantasias, como dissemos, e comeu o que Ihe havia sido proibido, fol privado de tudo e obrigado a comer uma comida pior, que antes nao lhe servia de refeicio; e ainda mais, a custa de trabalho duro e muito esforco, conforme foi declarado: “E espinho eabrolho produzira para ti (...); Com o suor do teu rosto (...)" (Genesis 3:18-19); e explicado: “E enviou-o, o Eterno Deus, do jardim do Eden, para trabalhar a terra (..)" (Genesis 3:23). E o fez igual a0s animais em ‘suas refeigdes e na maior parte das situagdes, como foi dito: “(.. merés a erva do campo” (Genesis 3:18); afirmou-se, como explicago para esta passagem: "Mas o homem em gléria ndo perdura, compara-se 20s animais silenciados" (Salmos 49:13). Louvado seja o Dono da Vontade [Deus], cuja intenc&o e sabedoria sto inaleancéveis! 59 cartruLo 3 MODELO (TAVENIT) E CONTORNO (TEMUNA} E opiniao corrente que os termos contorno (temuné) e modelo (cavenit) sfo sinénimos em hebraico, mas no ¢ verdade. Este ultimo é derivado de ban6 (construir) e designa a construcdo e estrutura de uma coisa, ou seja, seu aspecto, seja quadrado, redondo, triangular ou com qualquer utra configuragdo. Assim é dito: “(..) do modelo do Tabernéculo e do ‘modelo de todos os seus utensilios (..)" (Exodo 25:9); “(..) segundo seus ‘modelos, como te foi mostrado no monte” (Exodo 25:40); “Ao modelo dde qualquer péssaro” (Deuteronémio 4:17); "Ao modelo de uma mao” (Ezequiel 8:3); “Ao modelo de um salio” (I Crénicas 28:11). Tudo isso se refere ao aspecto [estrutural], razdo pela qual 0 idioma dos hebreus Jamais emprega este vocébulo para descrigdes referentes a divindade Contorno (temund) & wen termo que se encaixa em trés significados diferentes: 14) Quanto a forma de um objeto percebido pelos sentidos, sem in- tervengao da razio, ou seja, o seu aspecto, como por exemplo: *(...) e fizerdes estatua segundo 0 contorno de (temundt) alguma coisa (...)" (Deuteronémio 4:25); “(..) porque néo vistes eontorne algum (cél- temuna) (...)" (Deuteronémio 4:15). 28) Quanto a forma imaginaria encontrada na imaginacao de qual- quer pessoa depois que [o objeto] se oculta [da percepeio] dos senti- dos, como por exemplo: “Nas visdes de representacdes noturnas (..)” 62 MAIMONIDES (Jo 4:13) que termina com estas palavras: “(..) parou diante de mim, porém nao reconheci seu semblante; um contorno diante dos meus olhos” (Jé 4:16), ou sefa, uma forma imaginéria diante dos olhos, du- rante 0 sono. 38) Quanto & nogao verdadeira de algo, captada pela razio. Somen- te de acordo com este terceiro significado é que se pode falar do contor- node Deus, como por exemplo: *(..) E 0 contorno de YHVH ele] olhara (..)” (Numeros 12:8), cujo significado ¢: alcancaré a verdade divina. capiruLo 4 VER (R44, OLHAR (HABIT) E ENXERGAR (CHAZA) Saiba que os trés verbos — ver (rad), olhar (habit) e enxergar (chaza) — aplicam-se & percepeao visual e, metaforicamente, & apreenséo ra- cional Aquilo que se refere ao verbo veré conhecido de todos. Quando ¢ dito: “E viu, e eis um poco no campo (...)” (Genesis 29:2), trata-se de uma percepgao visual. Quando ¢ afirmado: “(...) e meu coragdo viu muita sabedoria e conhecimento” (Eelesiastes 1:16), refere-se a uma apreensio racional. Segundo esta metéfora, 0 verbo verse aplica a di- vindade assim como em: “(..) VFYHVH (..)" (Reis 22:19); "E fez-se verYHVH (...)” (Génesis 18:1); “(..) e vis Deus que era bom” (Genesis 1:21); “(...) Fazei-me ver Tua gloria” (Exodo 33:18); “E viram o Deus de Israel (...)” (Exodo 24:10). Tudo isso € apreensio racional e jamais ppercepgao visual, pois os olhos percebem somente o corpo [isco] e ainda parcialmente, com alguns acidentes, ou seja, a aparéncia fisica, seu as- pecto e o que deriva dele. Portanto, a divindade nao ¢ apreendida pelos sentidos, como seré explicado, ‘Do mesmo modo, o verbo olhar refere-se a perceber com os olhos, como por exemplo: “(..) nao alhes por trés (...” (Génesis 19:17); "E athou sua mulher para trés dele [de Lot] (...)” (Genesis 19:26); “(..) e colhou para a terra (..)" (Isaias, 5:30). Por outro lado, emprega-se em sentido metaférico [como observar] a observacao racional e a maneira de ver algo até alcancar sua compreensao. Assim foi dito: “No obser- 64 MaIMONIDES vou iniqitidade em Jacob (...)” (Numeros 23:21), sendo que a iniqii- dade é imperceptivel ao olho; “(..) e observava Moisés por trés (..)” (Bxodo 33:8) — os Sébios disseram que se trata do mesmo caso: con- tava-se dele que suas acdes e palavras eram observadas, meticulosamen- te examinadas; e também: “(..) Observeo céu (...)" (Génesis 15:5), pois se tratava de uma visdo profética. Por sua vez, 0 verbo olhar sempre € aplicado metaforicamente a divindade, como em: “(...) pois teve medo de olhar para Deus” (Exodo 3:6); “(.. € 0 contomo [gloria] de Deus othara (..)” (Nuimeros 12:8); *(..) E a observagdo do esforco no podes suportar (...)" (Habacuque 1:13) Quanto a enxergar, aplica-se & percepedo visual, como em: “(..) € enxerguem [a ruina de] Sion com seus olhos” (Miquéias 4:11); e, meta- foricamente, a apreensio emocional, como em: *(..) que enxergou Juda Jerusalém” (Isafas 1:1); “(..) a palavra de Deus a Abrio em visio [pro- fética] (...)" (Genesis 15:1); e foi dito, em sentido andlogo: “(...) e en- xergaram Deus (...)” (Exodo 24:11). Saibam disso. 3. “E quando Moises saia (do acampamento) para a tenda, levantava-se todo 0 ovo e punha-se de pé, cada um a entrada de sua tends, e observava Moises ‘por trds, até entrar na tends.” (Exodo 33:8) “Evvisionaram o Deus de Israel; e havia debaixo de seus pés como uma obra de safira, e como a visio dos Céus, em sua limpidez.” Exodo 24:10) cartruto 5 SOBRE BXODO 24:10 ‘Antes de realizar investigacées e demonstrages em assuntos muito pro- fundos, 0 maior dos filésofos [Aristételes] fez a seguinte apologia! o in- teressado em suas obras nao deveria atribuir as investigagées do autor & presungio, ao auto-elogio ou ao orgulho proprio nem criticé-lo em as- ssuntos que ignorasse; a0 contrario, caberia reconhecer a sua agilidade e esforco em descobrir e estabelecer teorias verdadeiras, segundo as pos- sibilidades do ser humano.* Do mesmo modo, dizemos que uma pessoa nao deve criticar ime- diatamente um tema téo relevante e importante, sem antes ter forma- cao em ciéncias e filosofia e refinar com afinco seu comportamento até desvencilhar-se de seus impulsos e desejos imaginativos. Somente quan- do compreender certos pressupostos verdadeiros, dominar as regras da analogia e da demonstracao e souber evitar os erros do intelecto é que poderd se lancar a investigacdo deste tema. Nao deverd declarar, de imediato, algo do pensamento que Ihe vier ao coracdo, nem transmitir imediatamente seus pensamentos e consideré-los aptos @ apreenso da divindade, mas segurar-se, controlar-se e conter-se, a fim de avancar paulatinamente. 4 Em Aristoteles, Os Cus ¢ 0 Mundo (De Coe). 66 MAIMONIDES Declarou-se sobre isso: “(..) E escondeu Moisés suas faces, porque teve medo de olhar para Deus” (Exodo 3:6), referindo-se aquilo que percebeu com os sentidos, quanto ao seu temor em olhar para a luz vVisivel — e ndo que seus olhos apreendessem a divindade, que se eleva acima de todas as imperfeicdes com grande superioridade! Moisés foi logiado por seu comportamento e Deus derramou sua bondade sobre ele — tanto que dele foi dito: “(..) Eo contomo de YHVH others (..)” (Numeros 12:8); os Sabios asseguraram que foi uma recompensa por ele ter “escondido suas faces” de imediato, a fim de nao “olhar para Deus” Todavia, “os nobres (atsi/é) entre os filhos de Israel” (Exodo 24:11) criticaram e transmitiram seus pensamentos imperfeitos, e sobre eles fot declarado: “E viram o Deus de Israel; e sob seus pés(..)” (Exodo 24:10), e nao simplesmente: “E viram o Deus de Israel”, posto que 0 versiculo, ‘como um todo, apenas detalha o que viram, mas nio descreve como vi- ram. Na verdade, detalhou-se 0 contetido da percepgao derivada dos sen- tidos — eo que foi percebido levou & critica antes que houvesse condi- ‘ges para fazé-la. Mereceram o exterminio; contudo, Moisés intercedeu em favor deles e Deus Ihes outorgou um prazo, até que foram queima- dos em Taveré — segundo a tradicao auténtica, Nadav e Avih [filhos de Aarao, irmao de Moisés] foram queimados na Tenda da Reuniéo (Levitico 10:2): Se esta foi a sentenca deles, tanto mais seré @ nossa — que somos Inferiores, e daqueles que estdo abaixo de nés — que precisamos nos

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