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A carência do herói

( Christopher Vogler )
"Os herois dos contos de fadas têm um denominador comum, uma qualidade que os une, acima das
fronteiras de cultura, geografia e tempo. Têm carência de alguma coisa, de algo que lhes foi tirado. Muitas
vezes, é só porque perderam um membro da família. Um pai ou uma mãe morreu, um irmão ou irmã foi
seqüestrado. Os contos de fadas são histórias sobre a busca de complemento e a luta pela integridade. É
comum que seja uma subtração da unidade familiar o elemento que põe a história em movimento. A
necessidade de completar a peça que falta conduz a história até a perfeição final de "E viveram felizes para
sempre". Muitos filmes começam mostrando um herói, ou uma família, incompletos. Joan Wilder, em Tudo
por uma esmeralda, ou Roger Thornhill, em Intriga internacional, são incompletos porque precisam de
parceiros ideais para equilibrar suas vidas. O personagem de Fay Wray em King Kong é uma órfã que só
sabe que "deve haver um tio, em algum lugar".
Esses elementos que faltam é que irão ajudar na criação do sentimento de solidariedade com o herói, e
levam a platéia a desejar que ele se complete, no final. O público detesta o vácuo criado por um pedaço que
falta a um personagem.
Outras histórias mostram o herói como alguém essencialmente completo, até que um amigo próximo ou
um parente é raptado ou morto no primeiro ato, pondo em ação uma história de resgate ou vingança. Rastros
de ódio, de John Ford, começa com a notícia de que uma moça foi raptada pelos índios, e assim desencadeia
uma saga clássica de busca e salvamento.
Por vezes, a família do herói pode ser completa, mas falta alguma coisa na personalidade do herói —
uma qualidade, como a compaixão, a capacidade de perdoar ou de manifestar amor. O herói de Ghost: Do
outro lado da vida é incapaz, no começo do filme, de dizer "Eu te amo". Só depois de ter percorrido a
jornada da vida à morte é que ele consegue pronunciar essas palavras mágicas.
Uma coisa que pode funcionar muito bem é mostrar um herói que, no começo da história, não consegue
cumprir uma tarefa simples. Em Gente como a gente, o jovem herói Conrad não consegue comer a torrada
que a mãe preparou para ele. Isto significa, em linguagem simbólica, que ele é incapaz de aceitar ser amado
ou cuidado, por causa da culpa terrível que carrega, devido à morte acidental do irmão. Só depois de ter
vivido uma Jornada de Herói emocional, revivendo e processando essa morte, por meio de uma terapia, é que
consegue aceitar o amor. No fim da história, a namorada de Conrad se oferece para fazer um café da manhã
para ele, e, desta vez, Conrad descobre que tem apetite. Em linguagem simbólica, voltou seu apetite pela
vida."

“Sem heróis somos todos comuns e não sabemos quão longe podemos ir. ”
(Bernard
Malamud)

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