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eequine. Ae Campo tun Aataotole gia T RELATIVIZANDO Q INTERPRETATIVISMO ROBERTO Da MATTA Pobuto Curde pruar, Uuieace/ ‘ Nao hd felicidadle nem infelicidade no mundo, hd apenas comparacéo de um estado com 0 outro. ‘Alexandre Dumas Nessas notas, desejo discutir alguns aspectos do viés hermenéutico ou “‘interpretativista”” que surgiu nos tltimas anos no 4mbito da Antro- pologia Cultural norte-americana, como uma reagdo aos “estruturalis- | mos” que dominaram as Ciéncias Sociais em geral e a Antropologia ' Social (ou Cultural) em particular nas wltimas quatro décadas. Nio pretendo ser nem exaustivo ou preciso, do mesmo modo que nio tenho ‘ a intengo de escrever uma teve contra um movimento que apresenta } uma série de pontos com os quais a grande maioria dos antropslogos | concorda. Além disso, creio que pars alguns etnslogos brasileiros, so- bretudos aqueies cujos primeiros estudos foram de “‘situagées de con- tao" onde as sociedades tribais que queriam “etnografar” levavam a pior e muitas vezes estavam a um passo do desaparecimento fisico, di- ad (ARMA, flo Rina: 230 yet que 0 mundo esté encolhendo, que de fato existe uma retérica xae | quando se fala do “outro” © que @ “autoridade emografica” deve ser gy Sempre posta & prova e desafiada, nZo seria uma inusitada novidade. =O a Formados dentro do que pode ser chamado de uma “‘tradicéo indige- a xy nista", conbecfamos bem — desde os nossos verdes anos — alguns Sov desses pontos mais delicades da descrigao emogréfica. Fah) Escrevo, portant, assumindo uma posgio “Telatvizadora” © we Ut vido pelo que suponho ser um sauddvel ceticismo que minha experién- § { cia profissional autoriza. Meus argumentos visam alguns aspectos do “interpretativismo” que, parece-me, ndo tem sido devidamente con- templados. Tambéim sou motivado pelo fato de ter experimentado com uma ampla variedade de “antropologias”. Realmente, em meus trinta 9 anos de prética antropolégica, estudei séria e intensivamente duas so- ciedades tribais (08 Gaviées ¢ os Apinayé), bem como o meu préprio sistema de valores, experimentando entrementes, com o estudo sociolé- sico de textos literdrios que tomei como documentos etnogréficos!. Na casio em que se oferece a Roberto Cardoso de Oliveira — que foi meu professor de Antropologia Social, no Museu Nacional, ex- ‘we 1959 © 1960 — um livro de ensaios em sua homenagem, achei apropriado tomar piblicas algumas destas idéias, Na verdade, o que tento realizar aqui, € apresentar minha opinio sobre uma perspectiva que, a meu ver, tem um pecado capital. Refiro-me ao fain de que a “antropologia interpretativa” norte-americana, além de incidir sobre Juma argumentacdo filoséfica abstrata, inclina-se para o exagero retéri- co € programético, As vezes escorrezando por um moralismo pequeno- ‘burgués irritanie, e tende a reduzir os problemas antropolégicos exclu- sivamente as narrativas de campo, deixando de lado uma problemética hisiérica ¢ teérica que tem sido a base sobre a qual repousa as preten- sées disciplinares — cientificas ou humanistas — da Antropologia?. Deste modo, 0 argumento bisico deste trabalho € que no se pode discutir essas questies, sem que se fale de dois problemas fundamen- tais. Primeiro, que a base da autoridade etnogrifics wanscende a uma polftica meramente estilistica ¢ est profundamente ligada 20 sucesso com que cata monografia ou relato etnogréfico apresenta, resolve ou maltrata uma dada questio tedrica que se apresentava como erftica no honzonte da disciplina ou da época em que o trabalho foi realizado*; e, segundo, que a antude bermenéutica tem que ser aprecndida ¢ avaliada fem contexto ¢ situagdo, isto ¢, dentro dos quadros de um universo in- telectual onde a vida académica —e eu penso obviamente na vida aca- démica norte-americana — certamente tem certas peculiaridades. 1. Nome cooterto, seria jo mencionarigusimente alguns experimenios com o'uso da “ar- 1e", priocpaimente da pintur eda fowografia, como um dado eanogrtfco, Veja-sc DaMatt, 1981 ©1987. Acredito que aigms documentiios qoe iealizel eenerevi pare atelevisio a ben we inacrevarn neta categoria. 2. Tratm de ums antropotogia gue, conforme jf slienton Wilson Trajana Filo (1989), ean ‘entndo mas preocupeds com 0 como fazer do que coe 04 problemas tradicionsis da disipli- 23. Conforms diz Faal Rot (1985), falco do modo pelo qual “antropologia interpretative” ‘caxerea # “nstridade eanogrifica": “ita not the theory of ciltre that judged inadequate tw some eapesfied may but the picture of he parson from which the etwographes portrays it Gu) That it, ce the mwomption is wade that edography iso a science, scientific andar ‘st 00 jooges emeatil even to he nique of echaograpty” (Cf. Roth, 1989:557). 50 Uma delas, 6 a extrema compartimentalizacéo; outra, é ume enorme so ‘guranga; uma terceira, & a sua crenga de que 0 mundo vive ama frag- @ ka BEMLAGSO de tipo individualista, com uma cosmopolitizacso de tude iti veiuali rune 4 todos — com a invengio ce Um Universo de combines © circ ‘bela datos fe. PENS passaseiras, code a cscolha iodivxival desempenba um papel fie -aueeei Gana importante. Ninguém, aliés, resumiu iss0 melhor do que James Clifford felt gO 1988), um dos arautos desta postura, Para ele, que & professor na cos mopolita e préspera Universidade da California em Santa Cruz, trata-se de um mundo onde “the pure products go crazy” (os produtos puros vio as brecas!). Como penso que muito do “‘interpretativismo” tem uma correlacSo direta com o cenfrio universitirio ¢ cultural norte-ame- if ‘icano — um universo, repito, englobado pelo individualismo cosmo- Supsslitaesn da polita, onde se pode efetivamente escolher comer chins, mexicano ou sued waifia 14 franets ¢ se vive num contexto cultural complexo, onde a cultura local guaudotheate © define negativamente © por urio de uma paradoxal auséncia — file pafanp ereio que se pode realizar uma discussio interessante relativamente a lntevpatta tive essa postura, a partir da observacdo de certas peculiaridades deste mo- { vimento, sobretudo quando temos em mente as antropologias produzi- \ das no Brasil. 4 meu ver, 0 trago enervante das “antropologias pis-modemas”, inspiradas na “‘descoberta” de que afinal de contas a subjetividade © a ‘ histéria permeiam efetivamente tudo 0 que fazemos, é a sua relativa in- | fun. ‘apacidade — a despeito dos rebuscados esforgos de Clifford eet 71°" GeortzS — de se debrugarem sobre 2 sociadade, a cultura € o sistema de qeafice 4 atitude bameuta-Toe fica, 4 ¥ [Estas Unidos talver sjam Gnica sociedace conhocida que eam muita contexiow se ‘scto-define como afo tendo cultura; como seado tm "melting Pot” ou Como Poesuindo Uen soujeato de “habitoe” que tf0 apenss “naturals” ¢ univers... Ora, imo coutrsta coco {$.meen come tl 20 nivenalane que profeat” ct, Dumont {985507 fico oo sume Para aoa conctuso criginale proira dain Se “nao” como una forme cera (e ‘modera) de colctvidece, veja-e 0 texto clasico de Marcel Maus (1972), Pars conser: | {cs soe dino entre wcedade¢ aug, somo dimeawtes famous da liaon oe ‘eir0”, voje-v DaMatt, 1979, anit apie, 1988, Vejen emboli 1702 Dumont (1986, 1990) pu dscumdes que ungencim o meno aces, 5. Qe tem sido muito mais ste cudato Jogos ews doe seus pasa sgidores Pe ae ic met. juice iirc Sn apes ope ‘wopologa de Clifford Geer, vej-ve Paul Shankmaa (1983), Veer peaimean, overt 40 ¢ sfbio enasio de Emest Gellner (1944). = 9 Une Hhede neue af. pecisherion (2) Come tem Ouuricaues nialipde Aus inter Uasiveraace um ave. Civil. Heesusgy [le sis valores dos pesquisadores que as tem produzido. No fundo, trata-se de Yo um deslocamento notével, porque se os fundadores da hermentutica eu- roptia — de Dilthey a Ricoeur — estavam preacupados com proble- mas, calegorias e circunstincias intimamente ligados a sua cultura ¢ s0- Ciedade, os representantes modernos desta tendéncia - ou como quer 0 Yradiedn nosso homenageado, Roberto Cardoso de Oliveira (1988:104), do “pa {oan de ‘adigma hermenéutico” — tal como ela se configura na Antropologia *“4exf> ‘torte-americana, entretanto, continuam fugindo do estudo de sua pro tio. ria sociedade como © diabo da cruz. Temos, assim, uma curiosa situa- ‘sdo: enquanto uma nova antropologia interpretativa &, no melhor estilo americano, agressivamente apresentada como uma dentincia do antori- tarismo dos modelos tradicionais, insistindo na superacso das et fias “monoldgicas” por um “dialogismo” camavalizador e polifénico, inspirado aa obra de Bakhtin®, onde pesquisador © pesquisado trocam de lugar, os trabalhos desta “escola” continuam tratando de fenémenos ex6ticos, onde a presenca do pesquisador € fundamental para sua dis- ‘cussio. No fundo, 0 problema maior das “Antropologias Culturais” do “trabalho-de-campo” que as instaura, no seria somente o de conci- i liar subjetivismo com objetividade cientifica (um “ideal” que até mes- ‘ mp 08 auais emproados estruturalistas sempre “repensaram” ¢ relativi- 3% zara’), mas de realmente inventar (as vezes, pela “primeira vez") 0 ; texto bésico (ou a narrariva de referéncia) de wma dada situagéo ou Gireunstincia humana — um documento — eis o privilégio - que de certo modo estabelece na paisagem das sociedades ¢ culturas, uma 00- va bumanidade. 7S fesse eg eee, meen enema. eter Sarat uemos teen eres Sees eee eae Seer eae naa eee eee eo ae emcee SiS eee canard ae cntermise rs Shue Sara ae noma nara See eve a oe vena tree come iar Sarno see Seer een o eee eae meee Rein copmacimat nce eretieeeee are Ginamiiemion a eheaten naa, =o pacoadon ts de dentro da ko propalada “tadicéo empicicists”, tl yada wo vocenenie cease de Evans Prichard, “Antropol tery" feecto em 1%! (cf. Evane-Prichard, 1953), onde ums orftica severa 0 ls ipo a-tundneo ¢ cat firiaa ¢ realizadac « antropol pia vxial € rita como us disciplion Srmcamente interpretative © hisica. Geller (1968) también charma sles sobre cae poo & Fi ional 2 ‘ Esse lado privilegiado, positivo ¢ até mesmo glorioso do trabalho ” ‘hecimento de mim mesmo? Conforme percebeu Merleau-Ponty, a se trata de ume antropologia para “vencer 0 primitive ou the dar raz80 ‘contra nds, mas de nos instalarmos num terreno em que sejamos um ¢ outro inteligfveis, sem reducdo nem transposilo temeréria. Eo que se faz quando se vé na fungdo simbdlica a fonte de toda a razio e de toda 8 ierazto, porque o miimero ¢ a riqueza das significagées de que dispe © bomem excede sempre o cfrculo das objetos definidos que merecem © ome de significados, porque a fungo simbdlica tem de estar sempre ‘mais avangada do que o seu objeto e somente encontra o real anteci, pando-o no imagingrio. A tarefa consiste pois em alargar a nossa razl0. para a tomar capar de compreender 0 que em n6s.¢ nos autros precede e excede a razdo” (1962:183-84). Tal questio — que ¢ profundamente dialSgica, mas que esté loage de um “dialogismo” interpretado a partir de um bias individualista — sid inserita no melhor pensamento antropolégico, distinguindo-o cla- famente das outras cifncias sociais, sobretudo nas suas variantes “his- Torizantes” como disciplinas que se movem dentro das chamadas “grandes tradicdes" ¢, por. causa disso mesmo, tendem nos seus mo- ‘entos explanatérios a confundir 0 estilo com a Fungo, caindo num Uuniversalismo descabido ¢ frequentemente ingénuo?3. 2. Geer dizer, logo w transforma no opoato da proposta bermeotatics, cuando sto wanes camo (Semulas ¢ pamndigmas como reccitm eedtcas. Repto que am moe dot darte-tmern x20m © “nlogismo” rade ater um bar ineludivelineute individuals create descorons ‘ando mum parsdigma to preciso « procto pars ter fetchizado quanto uma ewoprata once tlic ¢ sexitiva udicional. Ademais,sef preci demunciar que interpreta do “dae losiamso” Bakhtiano no eatlo da fenomenoiogia de Alfred Schatz, ou do inlracniao ate ‘alico amexicano —on te}, como tendo tim modo de riviegiaroindividvo'e vom “ocgocis, ‘ie & realidade” pelos individuos que Hobbexianamente a consitciaé algo slmmece ties 33, Dou um exemplo que me parce evelador. & comm ouvir-t gue © feels teasi= leizo ¢ ums fuogto da ‘alt de recries econdnicoe ~ algo decorate do sub-descnwonr. ‘Bento ecowtmico, Aumentem-te 0¢ recursos, dz-ee, ¢ 0 peronalimn srk mperndo cows ‘ranma at Inglatzra ¢ os Esudoe Unidos. A propesicke abvinmeate coe fiase fost coer 65

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