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BERERGS'p DO ee CAMINHO EUDALDO LIMA iPS) in ut i ae BILLY GAMMON Propria e pessoalmente, vim a conhecer Billy 14 pelos idos de 1950, quando, presidente do S{nodo “Bahia-Sergi- pe”, tomei parte ativa na Comissdo Executiva do Supremo Concilio. Esse Sinodo que foi organizado com grande amor € com Os santos propésitos de limpar a Igreja dum pietismo doentio, foi dissolvido em julho de setenta e quatro, altas -horas da noite, pelo egoismo puramente utilitarista e a ra- posicé herodiana dum politico ladino e sem entranhas, cujo nome significa violéncia, acumpliciado por eleitorado com- posto daquela facg4o de inocentes titeis que compdem o grupo de gente séria; os acomodados, aqueles que deixam ficar assim para ver em que dd; e 0 terceiro grupo, o dos aproveitadores, os espertalhdes que sempre tém os olhos nos proveitos do empreguismo por vir, gente que, sem 0 mi- nimo de respeito pelo que outros edificaram, de outra coisa n4o cura a no ser demolir feitos, enxovalhar bons propési- tos e tripudiar sobre quem nfo lé pela tal cartilha arcaica, vesga e truncada de sua velhacaria suspeitissima. Isto veio desembocar no pesadelo que, desde entdo, caiu sobre o nobre povo presbiteriano. Minha lembranga de Billy relaciona-se com aquele prédio antigo de numero 35 da Rua Alzira Branddo, na — 241 - Tijuca, no Rio, no tempo, um prdéprio da Igreja Presbiteria- na do Brasil e onde a Executiva, fazia suas reunides. Ali ela compareceu, seu nome foi indicado e ela foi ent4o eleita Se- cretdria Geral do Trabalho da Mocidade Presbiteriana. Ela abragou seu encargo com tal entusiasmo e com tal devotamentg, que, em quest4o de meses, as atividades da juventude presbiteriana eram um movimento abrangente, vivo, dindmico e admirdvel por todos os quadrantes do pais. E entdo, a mocidade teve sua vez. Billy era a alma, 0 cérebro e o pulso desse movimen- to que n&o apenas dinamizou e aviventou a gente moga presbiteriana, mas extrapolou sua influéncia e seu dinamis- mo a juventude de outras Igrejas co-irmas. Foi entdo que a Mocidade Presbiteriana se congregou em setores de ativida- des diversificadas, como Imprensa, com o Jornal Mocidade; Confraternizag4o, unindo jovens presbiterianos de todos os quadrantes do pais, além de inspirar jovens de outras Igre- jas; Estudos das Causas Presbiterianas em notdveis congres- sos; como foi aquele feito do Congresso da Bahia, sob a li- deranga do saudoso Waldemar Xavier tdo cedo e tdo tragi- camente arrebatado de nossa convivéncia; 0 movimento especial de todos os Secretdrios-Presbiteriais de Mocidade nos encontros anuais dando nota de unidade, congragamen- to e acatamento 4s autoridades eclesidsticas; enfim, um ver- dadeiro movimento de beleza e forga espiritual que Billy inspirava e comandava nas bases de sua fé e de seu acenda- rado amor 4 gente moga de nosso grande pais. “Forgas ocultas”, porém, trabalharam o dnimo de alguns “donos-de-igreja” e um dia aziago qualquer, uma reu- niflo desses “‘lideres”, se me nfo falha a memoria, em Cam- pos do Jordfo, teve lugar 0 esvaziamento dessa obra aben- coada entre a Juventude, apés quase uma década de vibra- do e de trabalhos proficuos. E assim duma hora para outra, ficou Billy sem chance para seu labor. Tais decis6es de cima para baixo levaram Billy, como dirfamos... a murchar, E, com efeito, ela empalideceu o dnimo e apagou-se-lhe o brilho daquela beleza de obra inspiradora e frutifera. -242- Nao tenho seguranca nem maior interesse af pelas datas, marco apenas Os sucessos no tempo. Quando a 21 de abril de 1960 tomei parte na minha Ultima reunifo do Conselho Inter-presbiteriano na Capela- de-Madeira da Igreja Presbiteriana, no Nucleo Bandeirante, quando da inauguracdo de Brasilia, ficara eu jd praticamen- te envolvido com o trabalho presbiteriano na Nova Capital. visto que naquela reunido do CIP o saudoso Rev. Natanael Emerick, pioneiro da obra do Supremo Coneilio em Brasi- lia, renunciava seu lugar como missiondrio da I.P.B. nc Planalto. Assim perdi Billy de vista por certo tempo até que, quando ja depois do golpe-de-Estado de 1964 ela me aparece em Brasilia e vem como professora de Literatura e de Lingua Inglesa na Universidade Nacional de Brasilia. Ninguém desta nossa geragéo pode olvidar o que aconteceu na UnB naqueles dias ominosos. A polrcia inva- diu a escola, o espancamento e a tortura de estudantes esta- vam na ordem do dia. Quem pode esquecer 0 que aconte- ceu a Honestino e seus companheiros de resisténcia ao des- mando? E Billy era professora dessa mogada que vivia cacada, escorracada, presa e torturada. Ao chegar a Brasilia ela como que veio muito ressabi- ada com gente de Igreja e especialmente com gente presbi- teriana de quem ela ndo sabia a opinifio sobre suas ativida- des na Escola. Assim ela nao teve freqiiéncia definitiva a nenhuma Igreja, visitando-as uma por uma, sem fixagao. Foi, porém, nos dias terriveis, fins do Governo Costa e Silva e principios do Governo Médici que a segunda e mais terrivel onda de terror varreu a UnB. Nesse tempo eu pas- toreava j4 a nova Igreja Presbiteriana de Brasilia. Naqueles dias ninguém, velho ou mogo, podia andar pela rua com cadernos, livros ou coisas que parecessem estudo. Isso leva- va a cadeia em minutos. Mais de uma vez tive de ir ao Delegado do DOPS em companhia do presbitero e meu amigo insepardvel e incon- dicional, 0 Cel. Paulo de Oliveira e Silva, pedir por estu- — 243 — dantes detidos. E Billy descobriu essas minhas idas e vindas ao Delegado por causa de estudantes presos. Uma boca-de- noite procurou-me ela para que eu fosse em sua Companhia onde estd situada na Entrequadras 311/312 a Delegacia de Homicfdios, pedir licenga para levar a treze estudantes alt presos, sem alimento nem agasalho, alguma coisa de ajuda e um. pouco de solidariedade. O homem do DOPS j4 me conhecia e quando pedimos licenga para levar aos estudantes alguns sanduiches, refrigerante e agasalhos, o homem nfo s6 permitiu como se desculpou: — Que nfo ti- nha meios de dar conforto a eles, que eram alf trazidos e amontoados no chfo de cimento. Naquela noite Billy e eu levamos, inclusive, alguns colchonetes para aliviar a situa- ¢40 dos rapazes ali jogados no ch4o duro e frio da Delegacia de Homicidios. Billy além desse refrigério, demorava-se ali a falar com eles na esperanga de dias melhores. Toda aque- la atividade dela em beneficio de seus alunos, de que estou dando simples e diminuta amostra, levou-a a ser demitida como professora da UnB, com mais de trinta outros profes- sores, mestres do mais elevado gabarito intelectual e pro- fissional, naqueles dias, e nfo sé a demissdo, porém, mui- tos deles foram desterrados e escorragados pela policia. Havia um professor de Psicologia que, por ser americano, nfo parecia pairasse restri¢do sobre ele, seus alunos, po- rém, s6 por que eram alunos, passaram por enormes vexa- mes. Certa manh4 um grupo desses alunos encontrava-se, no pordo do entdo pavilhdo de Psicologia, fazendo expe- riéncias de reflexo condicionado, com ratos brancos, quan- do ouviram tiros no Campus. Foi naquela ignominosa ma- nha do tiroteio quando a policia atirava nos estudantes. O grupo ali no porfo quis sair, mas descobriu que a nica escapula pela nica escada, estava vigiada por um bruta- montes, guarda do DOPS. Entre os estudantes havia um que fazia jud6 e estava chegando 4 faixa-preta. Esse disse ao grupo. Nao vamos ficar encurralados como ratos na ratoei- ra, Acompanhem-me que eu vou espichar esse bruto no chfo e correremos todos espalhados pelo cerrado. E assim — 244 — foi. Quando o estudante judoca aproxi nenhum dos outros soube como, 96 ed Oe pernas cambetear no espaco ¢ o galalay ficar estendido no cho enquanto eles ganharam-o cerrado, cada qual para lado. Este foi o ambiente a que Billy Tesistiu, a pode alguém assegurar que 0 que lhe veio a acontecer fosse ape- nas acidente? Ela viveu seu munus de mestra com dignida- de a despeito dos perigos ao derredor. Por aquele tempo estava o governo as voltas também com milhares de homens, mulheres e criangas deslocados e que engrossavam cada dia mais, uma favela ali bem na entrada da Capital da Repdblica. Tomava aquela invasfo todo o lado direito da pista na savda Sul, antiga via para Sao Paulo, bem em frente ao Nicleo Bandeirantes, a chama- da invasfo do J.A.P.1. Tomou © governo uma das suas geniais providéncias: resolveu esconder das vistas dos visitantes que entravam em Brasilia, vindos do Sul, aquela favela miserdvel de miserd: veis flagelados, e abriu umas pistas acima e por trds de Taguatinga, para ali esconder a chaga social. Dest’arte a celebérrima Comissfo de Erradicagdo das Invag6es, engen- drou a Ceildndia, onde a sigla encabegas o topénimo, para ser o depésito-de-pobres do Governo Méiici, e. para ali le. vou’ com os miserdveis barracos e tudo, s6 no primeiro més — a estatistica é do proprio governo — noventa e trés mil pessoas com sua fome e toda sua miséria moral ¢ fisica. Por esse tempo, Billy comegara lecionar no CEUB. Entendo que pela boa influéncia de bom amigo, dos tem- pos da Mocidade, o Presbitero Esati de Carvalho, jornalis- ta acreditado junto ao Congresso € Professor de Comuni- cagdo e Jomalismo naquela Universidade. , Billy ao means smn, achou, na Ceilandia um a PO para sua atividade evangélica, num entendimento Av 5 vilhoso da sabedoria saloménica, da poesia de Castro. 0 de “Quem dé aos pobres empresta a Deus” ¢ do ensin . Jesus quando disse: “Tudo o que fizestes a um desses pe queninos a mim me fizestes”. (Mat. 25:40) — 245 — Velho amigo e missiondrio jubilado Joao Miller, no afa de assistir aquela populagdo paupérrima, ali jogada ac Deus-dar4, criou na Ceilandia um trabalho evangélico assis- tencial com © fim de ajudar na promogdo humana daquele imenso grupo social. Esse trabalho é o Pré-Gente, que fun- ciona e beneficia pessoas naquele local. Ali Billy achou campo para uma atividade ajustada a seu generoso espfrito cristdo e missiondrio. Agora ela estava vivendo um perfodo de paz num tra- balho de amor em que sua alma se deleitava. De vez em quando aparecia ela em nossa Igreja. Fizera conosco uma amizade preciosa e cultivava conosco interesses afins. Aconteceu, por esse tempo, num cair-de-noite, ndo se me dé da data, recebi um chamado telefonico de meu amigo, irm&o em Cristo e parente por afinidade Esau de Carvalho, como se me desse uma cacetada no crdneo, co- municando-me que Billy, ao voltar do trabalho para casa, na altura da superquadra duzentos-e-cinco, ao sair de uma pa- daria, fora atropelada por um carro que a abalroou e ‘desa- pareceu. Além desse aviso, me confirmou que ele e a Uni- versidade estavam cuidando do caso e me pedia que entras- se no mesmo circuito para ajudé-lo. Do choque veio ela a falecer e seu corpo fora levado para o Instituto de Medici- na Legal. ‘Pela Providéncia divina, era entéo Diretor daquele Instituto nosso immo, Dr. Isaque Ribeiro, a quem pro- curei pessoalmente e expliquei de quem se tratava e ele nos liberou imediatamente 0 corpo, que levamos para nossa Igreja onde realizamos um oficio finebre, antes de ser o mesmo transportado para Lavras — Minas, onde ela nasceu, cresceu e viveu no lar de seus pais. . Billy era filha dum legftimo estadista presbiteriano, Ministro do Evangelho e educador de raros méritos. Rev. Dr. Samuel Gammon e sua esposa D. Clara, casal que dera a vida inteira ao servigo da fé evangélica e da formagfo da juventude, ali na cidade de Lavras nas Alterosas, = 2G Billy fez 0 curso primario e o se i i mente na Escola Carlota Kemper e #0 last ali em Lavras. Os cursos de grau superior ela os realizou na’ América do Norte. Licenciada no Flora Macdonald College (Bacharel em Artes) € o mestrado na Drew Univer- sity — Madison, New Jersey. Seu curriculo, um rico elenco de estudos de extensdo, fungdes e encargos varios ¢ alta- mente preciosos. Desde seus estudos em Lavras que ela envolvia-se com as atividades da juventude. Hoje sdo milhares de mogos que, na quadra de sua formacdo para a vida, foram plasmados intelectual e espiritualmente pelos Gammon e eram colegas contempordneos e amigos de Billy. Ali naquele culto do oficio funebre estavam sendo todos, a absoluta maioria dos gammonenses que residem em Brasilia. : . Meu trabalho pastoral cruzou caminho com as ativida- des evangélicas de Billy, e agora no fim de sua carreira lumi- nosa pela humildade e a modéstia, nds nos encontramos em nome do Senhor, para aquela despedida. Amigos, mui che- gados, conseguiram transporte especial para levd-la a cidade de seu berco, a ser sepultada, na linguagem das Escrituras, “no sepulcro de seus pais”. Dias depois, sua mana Alice e seu irmao Audley, vie- ram ver as coisas modestas que ela deixara. Para conservar algo dela, adquirimos uma escrivaninha e uma cadeira-de- balango, esta, heranga materna dela. Seus manos me presen- tearam também com alguns dos seus livros, os quais conservo eth minha biblioteca particular de consultas. Ha, por certo um débito imenso de gratiddo que 2 Igreja Presbiteriana do Brasil deve 4. memoria de Billy Gammon. Nao sei de qualquer nota ou registro que 4 Igreja oficialmente tenha feito pela meméria dela. Se 0 fez e eu nao tive conhecimento, fico em paz sobre 0 assunto, Se nada fez, o débito moral est4 em aberto. __ Sabemos que um grupo daquela mocidade dos dias de Billy se reuniu na Igreja Presbiteriana de Madureira no Rio, — 247 - num culto dirigido pele Rev. Abimael Etz Rodrigues. Ali $e rememoraram os trabalhos e a dedicag4o de Billy. Cum- pre 4 1.P.B., oficialmente lembrd-la e agradecer a Deus a dddiva de vida t4o preciosa ¢ inesquecivel. Encontrei naquele transe de sua passagem tdo drasti- ca, dessa dimensdo terrena, para a vida eterna, muitos dos que foram beneficiados, como mogos nos dias da benfazeja atividade dela, todos com lagrimas nos olhos, chorando sua saudade. » Como inspiradora e genuina lider da mocidade, Billy serd sempre lembrada por aquela geragdo de mogos que hoje esta a frente do trabalho das Igrejas, geragdo a quem ela tan- to deu de si mesma, a ponto de se poder dizer dela em rela- ¢4o, particularmente, a mocidade presbiteriana, 0 que disse Sao Paulo de si mesmo em relagdo aos cristdos de Corinto, quando lhes asseverou: “De boa vontade me deixarei gastar por amor de vés”. (II Cor. 12:15). Com efeito, Billy muito se gastou de boamente, ao fim de abrir clareiras na obra ingente das atividades da juventude presbiteriana brasileira, pelo que bem se lhe pode aplicar também a verdade biblica. do Apéstolo das Gentes a respeito dos macedénios de quem Paulo escreveu: ~— “‘deram-se a nds, mas primeiramente ao Senhor”’. (II Cor. 8:5). Billy fez de si mesma uma dadiva a seu Senhor e aos irm@os a quem ela serviu na Igreja Presbiteriana, no CEUB,: na Universidade Nacional de Brasilia, e promovendo pobre a gente entre a pobreza de Ceilandia, em seu genuino papel de sal da terra e luz do mundo. Eem tudoo que ela faziae dizia, deixava transparecer, nos gestos, nas atitudes e até mesmo na delicadeza do falar, a imitagao de seu Remidor, Senhor e Mestre, Jesus Cristo em Sua humildade, amenida- de e mansuetude. “Bemaventurados os mansos, porque herdardo a terra, € os pacificadores, porque serfo chamados filhos de Deus”. (S.Mat. 5:5e 9) — 248 —

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