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MEYER FRIEDN MAIORES O30 EDICINA 6. Wilhelm Roentgen ¢ os raios X “Todo eadete que entra paraa Academia Militar de West Point, nos Estados Unidos, jara nao mentir, nem trapacear, nem rou bass nem tolerar que ne Inu outro cadete cometa esses deslizes fou crimes. Ei 1862, um ingénuo mas fleumstice prussiano de dezessete anos, que nto era cadete m tare aim um simples esta dante, foi pressionado pelo diretor de seu gindsio a revelar a ieen tidade de um colegs acusado de des o nada lis jeiro de um dos professores da escola. Ee se recusou a fazé-lo. E serecusou mesmo sabendo que. diretor sabia que ele sabia quem, cra o culpado, Ele simplesmente no ira trair um colega. Nao cabou expulso por insubordinagao, come nao pide depois ser admitido em nenhum outzo ginisio alemdo ou holandés. Por 0, jamais recebeu o abitur (diploma) certificando que havia se formado no gindsio.E, sem um abicur, era impossivel ser admi tido como aluno regular em qualquer universidade* Na verdade, essa limitagio pode ter sido responsivel por sua posterior descaberta dos raios X. Impossibilitada de entrar em v0 ‘qualquer universidade alems ou holandess porque nao tinha ploma de gindsio, William Conrad Roentgen foi foreado 8 se ma- tricular, em 1865, na Escola Politécnica de Zurique, que ndo exi- sia o abitur. Nos trés anos em que estudou ali, nao fez nenhum curso de fisica teGrica ou geral, mas apenas as matérias de enge- ‘nharia mectnica com as quais aprendeu a construir intrincados “aparelhos de viriostipos. Foi essa maravilhosa capacidade de pro jetar e construir instrumentos que chamou a atengio do dr. Au gust Kundt, um dos mais famoros fisicos te6ricos da Europa, ‘Kundt,brilhante a0 formular novas teoriase leis da fsica, perce ‘beu que o jovem Roentgen, embora relativamente apagado em seus cursos de engenharia, sabia, com sutileza quase fanti transformar vidro, metal e bor 50% — instrumentos que detectavam e mediam os fendmenos fi sicos que podiam confirma alguns conceitos tericos de Kun Ele convenceu 0 jover Roentgen 4 esquecer 0 plano de ser ‘engenheiro mecinico, apesar de ter acabado de receber seu di ploma nessa Area, Insist com Roentgen para que fosseassisten= te dele na Universidade de Zurique, Possibilitow também que Roentgen estudasse, simultaneamente, para um doutorado em fisica tebrica, nto obstante a macula académica de nao ter con: seguido obter 0 diploma do gindsio. ‘Quando Kundt deixou a Universidade de Zurique em 1870, cem troca de um novo posto na Universidade de Warzburg, © ou: tra vez em 1872, quando aceitou um lugar na Universidade de Estrashurgo, Roenigen fielmente o acompanhou, sempre trabs lhando como seu assistente, Finalmente, em 1874, 208 29 anos, cle superot a barreira do abitur que Ihe faltava. Foi nomeado ins teutor na Universidade de Estrasburgo e em 1876 promovide 2 professor assistente, Trés anos depois, separou-se de Kunal, ace tando uma cétedra na Universidade de Giessen .cha em instrumentos engenho Vamos voltar ao ano de 1872. Roentgen, 908 27 anos, firme ‘Ele medi meticolosaments as altera:es fsicas que ocorrem == coma assistente de Kundi na Universidade de Warzburg.deci- diversas substincias quando submetidas a alters baromer: dig’ se casar com Bertha Ludwig, filha de um hoteleiro prospero ‘eas, eétricas e laminosas. Descobria que quando im materia! ‘emnite bem-edueado. Bertha era magra, razoavelmente atrten- diclétrico (por exemplo, um pedaco de vidro) ¢ colocado entre tc, relativaunente bem-educada e totalmente satisfeita com a ideia | duas placasde condensador carregadas de eletricidade brota uma de ser esposa de um professor de fsica. Era seis anos mais velha ‘que Roentgen e sueita a ataques intermitentes, porém prolongi- trabalho, € quase certo que Roentgen hoje ndo seria lembradc dos, de daengas psicossomaticas. Nenhum desses fatores jamais por nenhuma pesquisa antes de sua magnifica descoberta dos pareceu interferir num casamento que durow até ela morrer, aos raios X. oitenta anos, Nos uitimos anos de vida de Bertha, Roentgen t- ‘nha que the aplicar diversas injegdes de morfina todo dia, mas corrente na substincia diclétrica. Com a possivel excecdo dese “Bntre os predecessores importantes de Roentgen esta sir Wi liam Crookes, o mais famoso fisico da Inglaterra. Fle descobriu fparentementefs0 n40 0 aborrecia nem incomodavae ele pa- 0 tilfo em 1861, es intereazou pela investigagto dos possivets tecia no ter conscienia ds probabiidade de ela ter se tornado ‘feitos das descargas elétricas em gases raros. Para conseguir dependent da droga ber essa pesquisa tinha que criar uma atmosfera que contivesse (+ Roentgen viveram uma via feliz, basicamente sem s0- apenas 0 gis especifico que queria estuda. Ele construiu'o que essaltos, durante os nove anos que passaram em Gieséen. As hoje se chama de ts Imente coneebido co ‘doengas pricossomdticas da mulher afastavam Roentgen dé qual mo um eilindro de vidro do qual e vtirava o ar com uma bor quer vida social agitada (e, para el ti). Rertha parecia se re- bba.criando um vicuo, 0 ilindro continha também cletrodos po: cuperar sempre a tempe de acompanhé-to nas férias anuais na ra a descarga de uma corrente el Suga. Depois de quatro anos sem filhos, adotaram a sobrinha de de uma bateria de enrolamento secundiério. Ele queria observar seis anos de Bertha, também chamada Bertha, Em 1888, um tan: as mudangas que podiam ocorrer em varios gases raras © outras to relutante, Roentgen deixou Giessen para assumir 0 posto de substincias quando expostasa uma corrente de alta voltagem que professor de fisica tedirica na prestigiada Universidade de Wurz~ {a do eatodo ao anodo, ambos selados em seu cilindro de vacuo. burg. ‘A passagem da corrente se dava pela emissto do que ficou conhe: ‘Desde que obtivers o doutorado er 1869 até sua partida em «ido como raios catddicos. 1888, Roentgen viveu confortavelmente numa casa bem euidada por Bertha e por uma governanta, wma cozinheira ¢ uma criada, Embora ndo fosse um professor brihante nem fosse particular mente estimado pelos alunos, por causa de seu temperamento reservado e de sua insisténcia em desempenho notavel, Roent- igen conseguia realizar admiraveis experimentos de laboratério. ica produzida pela indugao ‘Crookes derrubow acidentalmente alguns cartuchos de ma deica que continham chapas fotogrdficasvirgens em cima da mes ‘ma mesa em que havin instalado seu cilindro de vacuo. Algum tempo depois, quando teve ocasiao de usar essas chapas, desc ‘bria que algumas estavam alteradas por sombras. Nunca lhe ocor reu que as chapas, aparentemente protegidas da luz pelos cart ma os thos de madeira, podiam ter sido expostas a um novo tipo de raio, sgerado pelos raios catéicos. Ele escreveu ao fabricante,relaman- do que as chapas fotogrificas tinham sido danificadas pela luz.” Da mesma forma, nunca acorreu ao famoso fisico Phillip Lenard investigar por que as tiras de papel cobertas com sais de platinocianeto de bério que estavam ao lado de seu tubo de Croo- kes comegavam a fica fluorescentes assim que ele produzia raios ‘catédicos a0 fazer tuma corrente atravessar o cilindro. Em 1905, depois que Roentgen jétinha descoberto 08 raios X, Lenard, em seu diseurso ao receber 0 Prémio Nobel, disse apenas: "Na reali= ade, eu havia feito diversas observacoes inexplicaveis, as quais, devia ser efeitos de tragos de uma radiagao de onda, que guar dei com muito cuidado para futurasinvestigagdes, infelizmente no iniciadas a tempo" ‘Mesmo nessa palestea do Prémio Nobel, feta dez anos de- pois de Roentgen ter descoberto os raios X e de sua akeitagso ‘mundial, Lenard ndo conseguia tsar o termo raio X, usando em, seu lugar aexpressio completamente ambigua radiagae de onda. Sem davida, Lenard acreditava que ele é que merecia a fama em ue, em sua opi sava, fora ele e nfo Roentgen quem descobrira que os raios cat ddicos podiam atravessar uma folha de aluminio que cobria uma janela que tizera num tubo de Crookes. De fato, ee havia man- dado para Roentgen um desses tubos com uma janela coberta, por alumfnio para iniciae seus estudos de raios catédicos. No inicio de 1895, Roentgen efetivamente repetin os expe rimentos de Lenard, empregando 0 tubo de Crookes com a jane la coberta que Lenard tinha the mandado, Roentgen corroborow fs achados de Lenard de que uma parte dos raios cat6dicos pro- duzidos por uma corrente escapavam do tubo de Crookes pas- sando pela janelinha, Da mesma forma que Lenard fizera, Roent- io, Roentgen tropesara por acaso. Afinal, pen= va seen colocou uma pequena tela coberta de cristas de platinocia- eto de bério bem préxima da janela. Sua aparéncia depois da descarga do tubo era prova de que através da janela haviam es- ‘capado raios catédicos suficientes para provoca uma leve luo resctncia da tela, ‘Tendo assim confirmado o achado de Lenard, Roentgen ¢o- ‘mecout a imaginar se seria preciso abrir uma janela na parede de video do tubo para que of raios catodicos escapassem."E se pelo ‘menos alguns raios catédicos conseguirem atravessar as paredes de video do tubo?’ perguntou a si mesmo, e se psa pesquisar Pensou que teria que usar a tela para detectar os raios caté~ dicos que eseapavam, uma ver que eram invisiveis. Desconfiava também que menos raios catédicos escapariam através das pare~ des de vidro do que através da jancla coberta de aluminio; con. seqlentemente,a possivelfluoresctnca ligeira da tela talvez nao fosse vista por causa da intensa lumineseéncia do interior do tw ‘bo de Crookes quando a corrente era ligada. Meticulosa e pacien: ‘temente, ele cobriu ento 0 tubo de Crookes com tras de papel ‘opaco para tapar toda luz visivel. Como precaugto, Roentgen fe- ‘chou as cortinas de todas as janelas a fim de que © laboratério f- ‘casse em completa escuridao. Eto, excitou eletricamente 0 ti- boo para ter certeza de que este nfo estava emitindo nenhuma luz visivel. N&o estava, e quando ele ia dar inicio ao experimento, percebeu com 0 canto dos olhos uma massa de cor amarelo-cs vverdeada cintlando muito intensa no escuroabsoluto, a cerca de ‘um metro dele. ‘Assustado com esse reldmpago fantasmagorico, cle primel +0 pensou estar imaginando o fermen, Mas quando outra ver ‘excitoueletricamente o tubo caberto com papelao, 0s jatos ama. relo-esverdeados reapareceram, tornando a stimir assim que a ‘corrente foi desligada. Realmente intrigado, acendeu um fésforo + eexaminow o local onde as cores haviam aparecido. Imediata- mente, vu outra tela coberta de platinocianeto de bario que ti tnha deixado no banco. Excitado, ligou e desligou a corrente do, tubo, repetidas vezes. Sempre que ligava a corrente a tela Ficava fluorescente, explicando em parte a estranha explosto de cores aque ele via ‘Accausa da fluorescéncia era completamente misteriosa. Cla- ro que havia algum tipo de emanagae saindo do tubo de Croo- kes ao recebereletricidade, mas qual a natureza dessa descarga? Roentgen sabia que nio podiam ser 0s ralos eatddicos ‘viajam mais do que alguns centimetros no ar atmosfrico, ea te- cles nto la fluorescente que ele viracintilar estava a um metro do tubo. [Alem disso, quando Roentgen tirou a tela do banco © a levou pa~ ra utro local muitos metros distante do tubo, ela ainda britha- va, luorescente, quando o tubo era excitado com eletricidade. Fle se dew conta de que podia estar produzindo um novo tipo de fonda eletromagnética. Nessa noite decisiva, 8 de novembro de 1895, Roentgen co- Jocou endo um baralho © um livro de cinco centimetros de gros- sura entre o tubo e sua telinha, Apesat da interferéncia desses ob- jetos, quando ele excitava o tubo, tela prontamente comeyava a brilhar, luorescente. Nessa mesma noite, havia sido insistente- "mente chamado para jantar. Quando por fim apareceu, Bertha se zangou porque ele nto falow absolutamente nada, quase nao omen ¢ logo voltou para o laboratéri. "Que tipo de raia ou onda estd produzindo o que estou ven- do? Estou cometendo algum erto, ou estou ficando loucot” Essas perguntas torturavam sta mente sempre maravilhosamente or- ‘denada, Umma coisa era certa: depois desse acontecimento de 8 de rnovembro, Roentgen nunca mais pensou em verificar se 08 raios ‘catdicos eram capazes de atravessar as paredes de vidro do tu- bbo de Crookes. © que passou a procurar avidamente foi mate- rials que seu recém-descoberto ralo ou onda no pudesseatra ‘Logo descobriu que essa onda, que ele agora chamava de raio nfo passava através do chumbo'e era em grande parte absor vida por outros metais, dependendo da densidade deles, Porém, ‘o raio nfo era absorvide por papel, nem madeira, muito pou co pela carne. O fate'de o raio atravessar a madeira praticamente inalterado o intrigou a tal ponto que ele colocou uma caixa de ‘madeira contendo virios pesos de metal em cima de uma chaps fotogrifica e projetou seus raios X sobre a caixa. O resultado foi “deamético: a chapa revelou apenas os pesos, com uma mera som ‘bea daquilo que ers a caixa de madeira. Foi em algum momento do comeco de dezembro, quando cle colocou um pequena cachimbo de chumbo diante de uma chapa fotografica e expds 0 cachimbo a0s raios X do tubo de ‘Crookes, que ficou assombrado e um pouco apavorado. A chaps smostrava a sombra escura que ele esperava que o cachimbo de cchumbo fosse produzir, mas mostrava também algo que nunca ‘revira: 0s oss0s dos dois dedos com que havia segurado 0 ca chimbo. ‘Essa descoberta de que os raios X eram capazes de atraves tara carne e revelar 0s o830$ 0 stingin como uma revelacdo qua~ se apocaliptica."O que estou vendo nao ¢ um fendmeno cient co, € do outro mundo, é definitivamente mistico. O que os meus colegas irfo pensar desses raios X que, a0 contririo da lu ou do ‘ultravioleta on mesmo das ondas hertzianas, sto capazes de re- ‘velar as partes mais escondidas do corpo humano, os oss08"" per guntou asi mesmo, E naquele instante decidiu que devia com partilhar com Bertha o seu achado. Mas temia que ela pudess. duvidar daquilo que ele tinha certeza de estar vendo — princi Pelmente porque nas ultimas semanas mal conversara com ela era pouco € dormira todas as noites no laboratério. Pouce depois, trasou um plano que decertoiria convencé-ta de que cle no estava louco, mas que havia feito uma grande descoberta, mesmo que estranha, antinatutal Entdo, um, te de dezembro, quando os dois terminaram de jantar, ele sorriu, contente, ea convidou para ir a0 set labo- ratério, no andar de baixo. Ela ficou tao contente de vé-lo sorrir \damente, coisa que 9 no fazia havia semanas, que logo aceitou o convite. Nunca antes ele convidara nem a cla, nem ha adotiva para visita o laboratér Uma ver no lab ‘rio, Roentgen pediu que ela pusesse a mao esquerd: cima de uma chapa fotogeifiea virgem e -aVirgem encer de madcira a prova de luz. Ela obedeceu,olhan doo timidamente. Ele lig es colo u endo a corrente do tubo de Croo: o diretamente sobre a man dela, com os anéis de otro » dedo anular, ‘0 que vai acontecer? Nao se preocupe. Vou ligar a cortente que atravessa este tu bo de vidro. Ele vai acender ¢ chiar um pouco, mas ndo tenha me do. Fique com a mao apoiad: apoiada e im | sobre a chapa’y Roentgen trangdilizou a timida esposa, ao ligar a corrente e del f 7 P cortente e deixar que fun cionasse por aproximadamente seis minutos. Depois, pedi que cla esperasse enquanto revelava a chapa. Trouxe a chapa ainda molhada ¢ the mostrou, dizenda: “Aqui esté uma fotografia de sua mao feita com o mew meus 08808. Dé a impressao. de que estou olhando a minha propria morte’, ela gritou, mais aterrorizada que satisfeta com 0 que via Roentgen ficou exultante com o susto de Bertha. Seus raios X nao eram uma alucinagio nem uma a de sua mente, 7, Esta imagem borrada ¢a prin ‘do exquerda de Bertha Roentgen, aps una raios X emitides pelo tubo de Crockes de seu maride. Wilhelm Roent peripte desis liar » mundo par a descoberta ‘mas tdo reais quanto as paredes de vidro do tubo de Crookes ou © tecido das cortinas das janelas do laboratorio. A densidade ops ce dos dois antisrevelados pelos raios X (ver fig. 7) ajudava ator nar real um raio cuja proveniéncia era ainda desconhecid contrério de um raio luminoso que pode ser visto, ou de uma on de som que se dda de calor que pode ser sentida, ou de uma ond: pode ouvir, essa nova onda nio era percebida por nenhum dos sentidos humanos. Assim que mostrou a Bertha a imagem de raio X de sua ma Roentgen decidit: trabalhar em absoluto segredo. Ele sabia, mes ‘mo contando apenas com essa fotografia de raios X da mao de ‘sua mulher, que havia feito uma das maiores descobertas cient fleas da histria, Sabia também que dezenas de outros fsicos de primeira linha tinham em seus laborat6rios tubos de Crookes ‘exatamente iguais ao dele Se por acaso um desses ciemtistas ata vessasseo tubo com uma corrent elétrica numa sala lgeiramen te escura, porventura olhasse um pedago de papel eoberto com suis fuorescentes, o papel comesaria a refulgit Ese, como certa- mente haveria de acontecet «88 fsico observasse 0 fendmeno, 2 descoberta quase miraculosa seria artcbatada de Roentgen. ‘© sbbrio eequilibrado Roentgen ficou em plnico. Nao dis- sea ninguém nenhuma palavra sabe o que estavafazendo, ¢ no ppermitia que nenhum estudante, colega ou amigo entrasse em seu laboratério, a ndo sero ajudante — e nem mesmo ele tinha sequer um indicio do que Roentgen estava fazendo Ele trabalha~ ‘va 0 méximo de horas que agientava por dia, mal parando para ‘comer ou dormir. Em algumas semanas a Sociedade Fisico- Mé de Warzburg realizaria a reuni3o de dezembro e publicaria seus resultados no nmero de dezemibro do jornal da sociedad. Roentgen queria desesperadamente que esse niimero trouxesse ‘um relatorio preliminar sobre 0s seus raios X. Apesar da louca pressa em preparar uma palestra, foi s6 em 28 de dezemro de 1895 que ele conseguiu redigir um relat6rio, preliminar, A sociedade, entdo, jf havia se reunido, Ainda assim, ‘cembora 0 seu relatrio nao tivesse sido apresentado ma reunido, Roentgen implorou ao secretario da sociedade que publicasse 0 artigo dele em dezembro, © secretirio leu 0 relatério, e muito pprovavelmente estava pronto a recusar sua publicagto imediata final, o jornal s6 publicava © que tina side apresentado na reu- no mais recente da sociedade, Mas quando seus olhos pousaram no décimo quarto das devessete parigrafos que compunham 0 ‘manuserito, no qual ele afirmava que esse novo raio produzia n= sma chaps fotogrifica sombeas dos ossos de uma mio, ¢ Roentgen the mostrou a fotografia de raios X da mio de Bertha, o secrets rio compreenden que o relatério devia ser publicado imediata mente. Portanto,o relatério preliminar de Roentgen, “Sobre um no: vo tipo de raio: um comunicado preliminar’ apareceu no jornal dias depois de ter sido apresentado ao editor. Nao se conhece, nem antes, nem depois desse exerplo, nenhuma outa descober ta cientifica (nem mesmo 0s relatérios preliminares sobre a es trutura do psa, que apareceram na Nature 22 dias depois de te rem sido apresentados) que tenha sido publicada uma semana apés sua apresentagio. Roentgen sabia que este relatério, publicado num jornal re lativamente desconhecido, nde atrairia 0 reconhecimento moun dial que desejava. As suas proprias cust, portanto, mandou fo zerimediatamente wma edigao do artigo. Os exemplares Ihe foram centregues dias antes da virada do ano. No ano-novo de 1896,cle ‘enviou exemplares para scis dos mais importantes fisicos da Fu tropa. Junto com os exemplares, mandou cépias das forografias de taios X dos pesos de metal dentro da caixa de madeira e dos ‘ossos da mio de Bertha. Eram provas eloquentes da descoberta ‘realmente maravilhosa que fizera. Se nio anexasse as ft0s, 0 fi sicos poderiam ter deixado de lado artigo, sem leo. final, 0 que podia haver de tho excitante num possivel raio novo? Ape ‘nas uma tina frase do artigo, que fazia parte de uma sentenca mais longa descrevendo outros fendmenos do rai, afirmava qu ‘oraio era capaz de produszir a sombra das ossos da milo. ‘Quando Franz Exner, vetho amigo de Roentgen ¢ agora pro- fessor de fisiea em Viena, recebeu o envelope, nto foi o texto de artigo que o intrigou, mas os ossos dos dedos de Bertha, A foto igrafia 0 fascinou tanto que na noite seguinte ele a mostrou mu ‘ma festa surpreendendo e assustando os convidados. ‘Um desses convidados ficou tao impressionade que contou 20 pai sobre a foto, O pai era, por acaso, 0 editor de um dos jor nais mais prestigiados de Viena. Ele percebew no mesmo instan. te que uma reportagem sobre a descoberta renderia uma maté- tia fascinante, quase inacreditavel. Nfo perdeu tempo em obter de Exner maiores detalhes sobre a descoberta, €a hist6ria com peta apareceu no ndimero de domingo, 5 de janeiro, do Die Pres: 5.0 correspondente do London Chronicle telegrafou imediata- ‘menteao seu jornal dando a noticia, ea matéria sobrea descoberta de Roentgen foi publicada em 6 de janeiro. Instantaneamente, a noticia do maravilhoso raio X apareceu em jornais de todo 6 ‘mundo, ‘Uma das razdes dessa estrondosa publicidade internacional era o fato de a midia reconhecer, apenas com a foto dos ossos da inllo de Bertha, algo que o préprio Roentgen na percebera intel ramente: que a raio X que havia descoberto oferecia a medicina ‘um fantastico instrumento de diagnostico. Inicialmente, Roent sen pensara que o valor médica dos raios X se limitava a poss vyeis fraturas ou danos 6sseos. utra razao para a imediata e vasta cobertura recebida pela descoberta de Roentgen na midia foi a estranha inquietagdo que ‘muita gente sentia ao saber que haviam descaberto um raio capaz de atravessar roupas ¢ carne para revelar seus 6rgios mai mos. coisa tinha um ar quase de indeedncia* Quando as primei- tas radiografias do cranio foram feitas, elas também assustaram, ‘muita gente. Afinal, nas festas do Dia das Bruxas um enfeite in- dispensivel sempre fora a caveira ou 0 esquleto, Asm disso, ha- via mais de um século 0 simbolo da morte era uma caveira sobre dois fémures cruzados. De fato, nos primeiros seis meses de 1896, «quando virou moda abrir estabelecimentos especializados em fa- zer fotos de raios X dos ossos das pessoas, muita gente desmaia ‘va‘ao ver 08 préprios axsos radiografudos 14 dissemos que havia tubos de Crookes disponiveis em cen tenas de laborat6rios de fsica tanto nos Estados Unidos como na Gra-Bretanha. Assim, poucas semanas depois de Roentgen anun- ciar em janeiro de 1896 que © tubo de Crookes era capaz de pro- ddusir raios X instantaneamente fisicos de ambos os paises co _megaram a empregar osraios X para visualizar no apenas fraturas ‘seas, mas balas e qualquer outro material opaco que puidessem estar alojados nos diversos tecidos corporais. ‘Um fato interessante ocorreu em dezembro de 1896: um juir norte-americano determinou que as radiografias podiam ser ace tas como provas nos tribunais, apesar das fortes objecdes dos a vogados que defendiam um médico acusado de pritica indevida Por um estudante de direito. O estudante havia caido de uma es cada e machucado a perna esquerd. Foi aconselhade pelo medi ‘co em questo a praticar determinados exercicios para curar- Esses exercicios provocaram uma dor to terrvel que o estudan te fez uma radiografia da perna, A imagem mostrou que havia fratura e que as extremidades quebradas dos ossos no estavan devidamente alinhadas. Esse desalinhamento era causado provi- ‘velmente pelos exercicios prescritos pelo médico. O-estudante de ireito ganhou a ago judicial, de pritica indevida em que as radiografias desempenharam pa pel crucial, ‘Até 0 kaiser Wilhelm 1! e sua mulher ficaram fascinados com ‘esse apagado professor da pequena cidade bavara de Warzburg, e convidaram Roentgen a visitar « corte imperial em Potsdam ‘Tremendamente lisonjead, ele actitow 6 convite para fazer uma sdemonstrasdo das caracteristicas peculiares dos raios X. Compa receu perante os monarcas e sua Corte em 13 de janeiro de 1896, primeira de milhares de casos menos de duas semanas depois de ter enviado pelo correio os ‘exemplares de seu artigo. Felizmente, 0 que ele temia ndo acon- teceu —o tubo de Crookes nto explodiu durante a demonstra~ «0. Depois, foi convidado a jantar com o kaiser e membros da corte. Condecoraram-no com a Ordem Prussiana da Coroa, (Classe, Nao se abe por que nao com a Ordem Prussiana da Co- roa, 1 Classe, Masa condecoragdo que recebeu foi sufciente para Roentgen, que nunca esqueceu essa ocasiao emocionante. fh’ 23 de janeiro, na Sociedade Fisico-Médica de Wurzburg, cle fera palestra que havia plancjado um més antes. Ao entrar no Instituto de Fisica, assombrou-se com 08 vivas com que o sauda- ram, Em sua palestra, revelow 0 quanto se surpreendera com a descoberta de que 08 raios X eram capazes de atravessar um ba ralho, um livra de cinco centimetros de grossura ou um espesso bloco de madeira, Confessou também que fot s6 depois de des cobrie que 0s raios X produziam sombras numa chapa fotogrsfi- ‘ca que teve certeza de que a onda exstia, nto se tratando de uma mera ilusao, 'No fim da palestra, Roentgen convidou Albert von Kolliker, ‘um dos mais famosos anatomistas alemaes, a se aproximar para que pudesse radiografar sua mao. O velho aceitou 0 convite, © “quando a platéia vi os oss0s da mao dele, rompew num aplauso retumbante, Ao comentar a demonstragao, Von Kolliker disse que nos 45 anos em que era membro da sociedade, nunca tinha visto ‘uma apresentagio de tamanha importéncia nem nas cigncias na turais nem nas eigncias médicas. Quando a reunite rmaneceram no local e diseutiram com Roentgen os possiveis be- neficios médicos dos raios X. A conclusBo a que chegaram nessa noite foi que, uma ver que todos os tecidas moles do corpo sto ‘minou, alguns cientistas médicos per- co dda mesma densidade, 0 uso dos raios X em me: Timitado, Como estavam errados! Essa foi a primeira eltima palestra formal de Roentgen so wi ‘bre 08 raios X, embora tenha sido convidado para falar em tas organizagGes, inclusive no Reichstag alemao. Ele sabia que cava tio aflito diante de qualquer grupo de pessoas que chegava ‘a dar a impressio de estar desorientado, Mesmo quando lecio- hava grupos pequenos de alunos, parecia apagado, se ndo in teiramente desinteressante Ble se recusava no s6 a fazer palestras, mesmo que para as platéias mais distintas do mundo, como também, com apenas tuma excegdo, a dar entrevistas a jornalistas de revistas ¢ jornais. Provavelmente sabia qve, jf com mai dias de pesquisa criativa estavam chegando ao fim. Mas e decidido a levar a cabo os estudos experimentais com 8 raios X ‘econseguiu atingir essa meta Seu relat6rio foi publicado em mar {go de 1896! No segunda trabalho, relatou que os raios X nto apenas des ‘carregavam “corpos eletrificados” mas também carregavam 0 ar aque atravessavam, Este af, por sua ver, podia descarregar um cor po eletrificado. O resto do trabalho descrevia as substincias que ‘melhor produziam raios X quando bombardeadas com raios

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