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Biblioteca Tempo Universitario 45 Claude Lévi - Strauss _antropologia estrutural ANTROPOLOGIA ESTRUTURAL DOIS A divulgagao para 0 piiblico de lingua portu- guesa desse segundo tomo de Antropologia Es- trutural esta sendo feita ha menos de trés anos ap6s sua publicagdo, em francés, pela editora Plon! A rapidez com que TEMPO BRASILEIRO assumiu ¢ realizou essa traducio €, por si sb. indicativa de interesse do leitor brasileiro pelo estruturalismo francés, ou pelo menos, pelas questées por ele levantadas. Eo momento em que € feita tal divulgacao entre nés nao poderia ser mais apropriado. H4 uma grande diferenca entre a publicagao do primeiro tomo (Plon, 1958; TB, 1967), quando o estruturalismo estava em plena moda, ea de agora — a se dar crédito as noticias gue nos chegam de Paris — quando a teoria estruturalista vem perdendo aquela natureza de doutrina de que, a revelia de Lévi-Strauss, suas idéias vinham se revestindo para recuperar 0 status cientifico, do qual, alias, nunca deveria ter-se afastado. Mas que se esclareca, por outro lado, que ndo sobrevive em sua obra ‘ou em sua interpretagio madura e nfo deslumbrada, ne- nhum cientificismo tao a gosto das ciéncias so- ciais de cardter neopositivista. Trata-se, sim, de uma gradual eliminagio do sufixo ismo, tho carregado de conotagies equivocas, proprias de certos contextos, pouco ou quase profissionais, encontradicos em diferentes espacos intelectuais que vao desde as universidades até setores tipi- camente diletantes. A vida intelectual francesa, como de resto o ambiente cultural brasileiro, - parece produzir com muita facilidade esse tipo de intelectual e reproduzir, com facilidade maior ainda, esses ismos. Portanto, quando se verifica um certo esvaziamento do carater doutrinario de qualquer corpo de idéias que se espera sejam cientificas, é motivo de jubilo para tantos quan- tos trabalham no oficio de antropélogo — ou em oficios afins que eventualmente se nutrem do pensamento ou do método estruturalista, como o de esteta critico literério ou filésofo —, voltados que estio todos para a instrumentalizagto dessas idéias para suas respectivas praticas: tebrica e de pesquisa empirica, © presente livro retine um conjunto de 25 textos de Claude Lévi-Strauss, organizados em dezoito capitulos, que cobrem desde temas teéri cos gerais sobre 0 escopo da Antropologia Estru- tural até temas mais especificos referentes a organizacio social, & mitologia, ao ritual e as relagdes entre diferentes etnias e culturas. Desse conjunto de textos, apenas dois foram publicados anteriormente a 1958, data do primeiro tomo de Antropologia Estrutural: trata-se de um pequeno Pa en sce ANTROPOLOGIA ESTRUTURAL DOIS CLAUDE LEVI- STRAUSS HOM ONAGEA DE tempo brasil: ANTROPOLOGIA ESTRUTURAL DOIS tempo _brasiteiro Rio de Janelro —- RJ — 176 BIBLIOTECA TEMPO UNIVERSITARIO — 45 Colegio dirigida por EDUARDO PORTELLA, Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro ‘Tradugéo e coordenagio de Manta po CakMO Panpo.fo, com @ participagao de Som Woroskes, Tanta Jaross, CELINA Manta MOET DE Mez.to, Luca Pessoa oa Su.verna, Pavio Amilig NASCIMENTO Silva, FURIDICE Fioveiepa Lermennpce » Cxtant Sakcve, Kara Produgio Editorial: “PANIA JATORA Capa de AntOs10 Dias Traduzide do original francés Authropowoge Structurale Deus, Paris, Librairie Plon, 1973 Direitos reservados EDICOES TEMPO BRASILEIRO LTDA. Rusa Gago Coutinho, 61 (Laranjeiras) — ZC Ot — Tel: 225-9173 — End. telepr, TEMBRAS — Cx. Postal 99 ‘Rio de Janeiro — RJ — Brasil AGS membros do laborataria de antropologia social Vos quaque pectoribus nosirts haeretts, amici, dicere quos cpio nomine qunque suo. ‘Ovime, Tristia, OD, 1v. CariztLo ‘Capirune Cartrao CarituLo CapiroLo Garirmo Carirco carizvio: Carizcio CarirmLo Caviruto Cartemto CarizcLo CarircLo Iv SUMARIO PERSPECTIVAS © CAMPO DA ANTROPOLOGIA u JEAN-JACQUES ROUSSEAU, FUNDADOR a CIENCIAS DO HOMEM e © QUE A ETNOLOGIA DEVE A DURKHEIM 52 aL A OBRA DQ BUREAU OF AMERICAN ETHNO- LOGY E SUAS LiCORS a RELIGIONS COMPARADAS DOS POVOS ESCHITA ..., ORGANIZAGAO SOCIAL SENLIDO © USO DA NCGAO DE MODELO .. 19 BEELEAORS | SOBRE 0 ATOMO DE PAR TESCO ves he MITOLOGIA E RITUAL A ESTRUTURA FE A FORMA .,, A GESTA DE ASDIWAL ....... QUATRO MITOS WINNEBAGO © SEXO DOS ASTROS ., O8 COCUMELOS NA CULTURA .... RELACOES DE SIMETRIA ENTRE RITOS E MITOS DE POVOS VIZINHOS .. oe Bad COMO MORREM 05 MITOS - 261 Carimme XV — Carirmio EVI — Cariryto XVI — Carfrv.o XVIIE — HUMANISMO E HUMANIDADES RESPOSTAS E PESQUISAS JORNALISTICAS 277 1- Os trés bumanismes 22.2... .220005.0605005 OTT 2 - Estruturalismo ¢ critica Uteraris .......... 280 3+ A propdsito de yma retrospectiva .......... 283 4 = A arte EM MBB cc eeesevevsv tees BOT 5 - Civilizacao urbana e satide mental _....... 230 @ = Testemunhas de nosso tempo .,...,,.-..... 298 CRITERIOS CIFNTIFICOS NAS DISCIPLINAS SOCIAIS E HUMANAS _..._.. Rate gee AS DESCONTINUIDADES CULTURAIS E O DESENVOLVIMENTQ ECONOMICO .........., 317 1-0 problema das descontinuidades culturais dinnte da Etnografia e da Historia . 2 - As trés fontes da resisténcia ao desenvolvi- anento RAGA E HISTORIA .........- surigamnaesun Sa 1 + Raea e cultura 228 2 - Diversidade das culturas .....0....0-....: 880 4 - © ctnocentrisma 333 4 Culturas arcaicas ¢ culturas primitives .... 337 5 - A fdéla de progresso 2.0.0.2... 6 - Historia estaciondria ¢ histjria cumulative 344 - Lugar da clvilizagio ceidental ... 348 8 - Acaso e civilizagio .... . 382 @- A colaboracéo das culturas .. 19 - © duplo sentido do progresso ...... 60.0... 363 PERSPECTIVAS CAPITULO I © CAMPO DA ANTROPOLOGIA* Sr, Administrador, Meus catos Colegas, Minhas Senhovas, Meus Senhores, Foi ha pouco mais de um ano, em 1958, que o College de Fraace re- solveu introduzir uma cadeira de antropologia sorial no seu curriculo, Esta cléneia é por demals ficl as jormas de pensamento que nomeamos supcrs- ticlosas quando os encontramos entre nés, para que nda me seja perml- tide prestar 4 supersligao uma Homenagem liminar; o proprio dos mitas, que ocupam um lugar tRo importante emi nossas pesquisas, nfla sera evoeat © passado abolide, @ anlied-lo emo um pardmetro sobre a dimensio do presente, a fim de decifrar um sentido, onde coineldem as duas faces —histérics @ estrutural—, que opde 20 homem sua propria realidade? Que se seja, pols, iguaimente permitido, nesta ocasido onde todos os ca- vacteres do mito se encontram para mim reunidas, seguir o sea exemplo © prceurar diseerniz o sentida é a ligia da honra que me é dads em al- guns aconteciinentos bassados; a prdpria data de minha nomeacdo etesta, micus carcs colegas — pelo cstranhe retarna da algarismo @ anteriormente ilustrado pela aritmeétiea de Pilagoras, pelo quadro periédico dos corpos * aula inaugural da cadeira de antropoloyia sacial dada na College de Fiance, lics-itiva, 6 de janeivo de 1 nelamenle publieads pelos cundagios do Coli¢gu de Fiance em sua colegao de aulas inauguruis, sob on? gL, ll quimicos e pela lel de simetria das meausas —, que, propasia cm i9sg, a eriagha de ums eadelra de antropslogia social renova uma tradicio ca quel, este que ves fala, ainda mesmo se 0 quisesse, no pederia mais ¢s- eapar. HA cinglienta anos, Sir James George Frazer proferia na Universidade de Liverpool a aula inangural da primeira eadelra no mundo iniltuieds antropologia soelal. Cinglcnta #nos antes — acaba de completar um 5é- culo — nasciam, em 1850, uois homens — Fianz Boas e Emile Duikheim — cuja posteridade dirA que foram, quando nado os fundadores, pelo memos os mestres-de-cbra que edificaram, um na Amérles, o oulro ma Franga, & antronologia tal como 8 conhecemos atualmente. Convinha que estes trés aniversarios, que estes trés nomes fossem aqui evocados. Os de Frazer e de Boas me ofcrecem @ otaslio de teste- munhar, ainda que brevemente, tudo o que a antropologia social deve 30 Pensamento anglo-americano, € que Ine devo pesscalmente, uma ve auc é em unldo estreita com ele gle os meus primeires trabalhos foram concenidos e claboradas. Mas ndo é de surpreender que Durkheim ocupe um lugar mais destacado nesta ligio: ele encarna o essencial do que foi @ contribuigao da Franca & antropologia social, se bem que seu cente- nétio, eelebrado com pompa em’ indmeros paises estrangelros, temha pas- sado quase qué despercebido entre nds e nao tehha sido ainda marcade por nenhuma cerlménia oftelal i *. Como explicar esta injustiga para com ele, a qUal constitui igual- mente uma injustign para conosco, senfio como uma conseatléncla menor desta obstinactio que nos impele a esquecer nossa propria historia, a sentir por ela um verdadeiro “horror” — conforme diz Charles de Ré- ‘musat —, sentimento que expde hoje em dia a antropologla social a perder Durkheim, da mesma maneira como ji perdey Gobineau e Dé- meunier? Contude, meus cares colemss, 08 poucas dentre vés, aos quais me unem Jembrangas longinquas, néo me desmentirio se eu lembrar que, por volia de 1935, quando nossos amigos brasileiros queriam explicar os motives que og levaram a escolher missOes francesas para formar suas primeiras universidades, citavam sempre dois nomes: primeiro, certa- mente, @ nome de Pasteur; e o de Durkhelm iogo em seguida. 1 Houve uma eomemeragao na Sorbonne, em 90 de Janeiro de 1960. * Em todo o livro, as notas sem assinatura sho da autor. N.T, = nota do tradutor; wv. G. = nota da coordenadora da traducio; e finalmen- te, N. Ed. = nota do editor. (N. Ed) 12 Mus, em reservando a Durkheim estas poucas reflextes, obedacemos @ um outro dever. Ninguém, mais do que Marcel Mauss, terla sido sen- sivel a uma homenagem dirigida a ele tanto quanto so mestre, do qual foi alano c de quem se tornou eontinuader, De 1931 a 1942, Marcel Mauss ocupou no College de France uma eadeira cansagrada so estudo de *0- © embora a passagem do infeliz Maurice Halbwachs tenha do a casa, pode-se considerar, perece, sem com isio fallar & ver- dade, que, a9 crlar uma cadeiza de antropologia social, € a de Mauss que vés quisestes resiaurar, Este que vos fete, pelo menos, deve demais 20 pensamenta de Mauss, psra nfo se comprazer nesta inarso. Gem divide, a cadeira de Mauss cra intitulada “goctologia”, pols ‘Mauss, que trabaluou tanto, funta:nenie com Paul Rivet, pain fazer aa einologiy, uma ciéncia oficial, ni tina ainda conseguide seu objetivo Por volta de 1930. Mas, para atestar o clo eulie os nossos ehainamenios Seri suliciente lembrar que, no de Mauss, 2 etmelogia tnha um lugar Sempre crescente; que, desde 19M, ele protlaaiuye qua a “lugar du s0- ciologia” cca “dentro da antropolagia”; ¢ que, salvo erro, Mauss foi, em 1933, © primeira a introduziy os termos ‘antropologia sceia!” nu nemen- clatura francesa, Ele nfo os iia dutapovede hoje, curta ns no cm sous procrdimentes mais ousades, Mauss munca eve a impresein de ge afastar da linha durkheimions, Melyor do gue ole, tal- vez, percebemos hoje como, sem trait uma fidelidade tho treqontemente afirmada, cle soube simplificar e tornar mais flexivel a doutrina do sea grande precursor. Esta nfo deixoy olnda ge nos strpreender pelas suas Droporgdes imponentes, sua potente sustentacdo logica, c pelas perspec- divas quo ebre sobre horizontes onde existe tanto a explorar, A missdo de Mauss fol s de terminar e ordenar o prodigioss edificlo, surgido do solo pela passagem do demlureo, Era necessirio exorcizar alguns fantas- mas metafisleos que por ]é arrastavam alnda suas correntes, colocd-lo aa abrigo dos ventos gélidos da dlalética, do trovao dos sllogismos, dos ios das antinomias.,, Porém MAUss protegeu a cscula durkhelmians contra outros perigos, Durkheim fol, certamente, o primeiro a Introdugir nas ciéncias do hhomem esta exigéncia de espeei{icidade que deveria permitir uma reno- vagio, da qual a maioris delas —¢ part ea lingiistica — se beneficiou no Inicio do stculo XX. Para toda forma_de pensamento ¢ ularms 13 de atividade humana, nao se pode questionar a natureza e a origem dos tengmencs sem antes té-los identificado € anallsado, e também desco- berto em que medida as relacdes que os unem bastam para explicé-los E impossivel discurir sobre um objeto, reeonstituir a historia que Ihe deu origem, sem antes saber o gue cle €; restmindo: sem ter_esgotade © imventdrio de suas determinagGes internas. ‘Cantuda, quando relomods hoje Les Régles de la Méthode Seciglogi- que, maa podemos nos impedir de pensar que Durkheim aplicou estes Principios com certa parcialidade: cle se valeu disto para constituir o social em eategorla independents, mas sem pensar mo fato de que csta. nova categoria, comportava, por sua ves, todus os tipos de especificida~ des correspondentes ao diversos aspectos sob os quais nés a apreendemos. : de afirmar que a ldgiea, a linguagem, a direite, a arte, a religida sfio projegies de social, nfo serin conveniente esperar que as ciéncias varticulares tivessem aprefundade, para cada um desses eédigos, seu amodo de organizngio e sua fungao diferencial, permitinds, desta ma- neira, compreender a natureza das relagdes que eles mantéem uns com cs outros? Sob o riseo de sermos aeusado de paradoxo, parece-nos que, na tco- aia do “fate suclal total” ({40 eelcbrada desde ent&o, e tio mal compre- endida), a nogio de totalidade é menos importante da que a maneira tem particular como Mauss a coneebe: folheada, poder-se-la dizer, ¢ formada de uma multidio de planos distinics © justapostes. Ao invés de aparcecr como um postulado, a totalidade do seclal se manifesta na cx- periéncia: instdncia privilegiada que pode ser apreendida no nivel da observagio, em oeasides bem dcterminadas, quande se “agita a totalida- de da socledade ¢ de suns Instituigdes”. Ora, esta telallgade nao suprime © cardter especifico dos fenémenos, que pernvanecem “ao mesmo temzo juridicos, econémicos, religiosos e até mesmo estétiens, morfologicos”, diz Mauss no Essai str le don; de tal mode que els cansiste, em suma, na rede de interrelagdes funcionais entre todos estes planos. Esta atitude empiriea de Mauss explica que elt tena, tho rapide: mente, superado a repugnincia que Durkheim Ravia comeendo a sentir no que diz respetto as Invesllgactes etnogréficas. “O que importa, dice Manes, 60 Melanésfo de tal ou tal ilha...” Contra o tedrico, 0 ohserva- dor deve ter cempre a palavra final; e contra o abservador, o indigena. Enfim, attés das interprelates racionalizades do indigena — que 5 institul freqiientemente abservador e até mesmo teérico de sua propria sogiedade — dever-se-Go procurar as “cateyorlas inconscientes” que, es- crevia Mauss em. uma de suas primeiras obtas, sie determinantes “tanto 4 em magia, quanto em religifo ou em Ungitistica", Ora, esta andlise em profundidade Iria permitir @ Mauss, sem contradizer Durkheim (pois isto deveria acomtecer em outro plano), restabelecer, com as Outras cién~ cias do homem, pontes algumas vezes imprudentemente cortadas: com & hisléria, puis & etmogratia situa-se no particular; e tambem com a bio- logia e a psicologia, uma vez quo se récomiiecia que os fendmenas social sio “piimeiramente socials, mas também, a uma sé vez, e simultanea~ mente, fisielogicos € psicolégicos". Baslara levar suficientemente longe ® andlise para atingir um nivel ondc, como diz ainda Mauss, “corpo, alma, sociedade, tudo sy mistura", Esta soviglogia de came trata dos homens, como os descrevem os viajantes ¢ os etndgrafos que compartiiharam sua existéncia de maneira efémera. ou durdvel. Ela 08 mostra engajados no seu préprio poryir his- torico @ alojados uum espace yeografico concreto. Bis tem, diz Mauss, “por prineiplo e por fim... perceber o grupo inteize e o seu comporta- menw por inteiro”, Se a desencarmacdo cra um das perigos que epreitavam a saciolo- gin durkhelmiana, Mauss @ protegeu com igual sucesso contra um outro: © automatisme, Muito freaticntemente, desde Durkheim ..¢ a! em alguns que se acreditavam Mberades de sua influéncla doutrinal—, 8 sociologia apareceu como @ produto de um sacue, felty As pressas ¢ AS exnensas da histéria, da psicologin, da Ungiiistica, da clémeia econémica, do dircito e da etnografla. Aos frutes desta pilhagem, s soctologia ce contentara de acrcscentar suas receitas: para qualquer problema que Ihe fesse proposte, podia-se ter a certeza de receber uma golucio “soctoldei- co” pré-fabricada, mesmo @ no nos encontranios mals neste ponte, nds o devemos em grande parte a Mauss, a cujo nome @ necessério associar o de Malinowski, No mesmo momento — e certamente, ajudando-se mutuamente, eles Mostraram, Mauss come tedrieo, Malinowski como cxperimentador, o que Bode ser a administragio da prova nas cléncias etnoldgicas, Foram os primeires a compreender que nfo ¢ guficiente decompor e dissecar. Qs fatos soclais nda sao redutivels a fragmentos espazos, eles s40_¥ dos por hotens e esta conscléncia, subjetiva, bem como seu caracteres objetives, € uma forma de sua realidade, Enquanto Malinowski instau- TAVA & participacao intransigente do etnégrafo na vida e no pensamento indigenas, Mauss afirmava que o essenele! “é 9 movimento do toda, o aspectg vive, O instante fugidio em que a sccledade Loma, em que os homens tomam consciéncia sentimental de si mesmos ¢ ge gua situacke Perante outrem. Esta sintese empirica e subjetiva oferece a unica ga- 15 vantia de qué & amdlise preliminar, levada até as categorlas inconsclen tes, nfo deixon escapar nada. E, prevavelmente, a prova permaneccra bem tlusiria: nfo sabere- mos jamais se o outro, com @ qual néo podemos, apesar de tudo, con- fundir-nos pera, a partir dos elementos de sua existéncin social, uma sintcse que coincide exatamente com a que elaboramos. Mas mio ¢ neces- saria ir ifio longe, € preciso somente —e para tanto, o sentimento in- terno basta — que a sintese, mesmo aproximativa, decorra da cxperién- cia humana. Devemos assegurar-nos disto, pois esturamns homens; = eomo somos homens, disto temos a possibilidade, A mancira como Mauss coloca ¢ resolve o problema no Essel sur le don conduz a ver, ma inter- scecho de dus subjelividades, a ordem de verdade mais préxima que as ciéncias do homem possam pretender quando defrontam a integralidade de seu objeto. Who mos enganemos: tudo isso, que Parsee tio novo, estava implic!- tamente presente cm Durkheim. Com freqténcia, foi-lhe eensurado ter formulade, na segunda parte das Formids élémentaires. uma teoria da religiao tio vaste e tho geral que parccia tomar subérflua a minuciesa analise das religides australlanas que a tinmha precedido ¢ —ter-se-la desejndo— preparado. ‘A questio € saber se @ homem Durkheim teria podido chegar a esta tcorla sem se ter, prellminarmente, esforgado per sebrepor, as re- presentacdcs religosas recebldas de sua propria sociednde, as de homens cula cridéncia histériea e geogriifica garnmtia que eles fossem integral- mente “outros”, ¢ nia cimplices ou acdlitos insuspeitos. B bem este 0 procedimento do ctndgrafo de campo, pois —por mals eserupultso ¢ objetivo que ele quelra ser— nao é nunca ele mesmo, ou o outro, que encontra no final de sua pesquisa. Ele pode pretender, no méximo, pela aplicagéo de st prépria sobre o outro, isolar o qle Mauss chamava de fates de funclonamento geral, por ele demonstrados como sendo mais universals e de maior realldade, Completando assim a inten¢io durkheimiana, Mauss iberava a an- tropologia da felsa oposi¢ao, introduzida por pensadores como Dilthey © Spengler, entre @ cxplicacZo naa citmclss fisicas e a explicacko nas cignelas humanas. A procura das causas se extingue na assimilagio de uma experiéncia, mas esta ¢, ao mesmo tempo, externa ¢ interna. A fa~ mosa regra de “considerar os fatos sotials como coisas" eorresponde a9 16

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