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HONORIO DE SOUZA CARNEIRO CALG (COMPANHIA DE AGRICULTURA, IMIGRACAO E COLONIZACKO: 1928-1961) SKO_PAULO 85 DISSERTACAO DE MESTRADO apre- sentada @ Fundacdo Escola de Sociologia e Politica de Sao Paulo, para obtencao do titu- lo de MESTRE EM HISTORIA. BIBLIOTECA AGRADECIMENTOS ©. 0 ee ee ee ee ee ABREVIATURAS » 6 6 0 se et et ee IntROvUGAO 1. Definigdo e Delimitagdo do Tema... -..- 2... 2. A Expansdo Capitalista no Brasil e Algumas de suas ImplicacoeS - ee te ee 3. A Companhia de Agricultura, Imigracdo e Colonizagao CAPITULO I © FAZENDEIRO DE CAFE E A FXPANSAO CAPITALISTA NO BRASIL 1. 0 Capitalismo no Brasil: Alguns Antecedentes .. . 2. 0 Fazendeiro do Café: Século XIX... -.-- 1 ee 3. As Relagées Capitalistas de Producdo no "Oeste Pau- eta CAPITULO II © FAZENDBIRO DE CAFE EB A CRISE DE 29......... 1. Antecedentes: Diversificacdo das Atividades Econé- micas se et te te ee ee 2. 0 Fazendeiro e o Estado: Valorizacdes ....... 3. Defesa Epsédica dos Precos do Café ..-.-... 4, Defesa Permanente e Crise Final. ....-.... 5. A Crise: Reacdes, Repercussdes e Novas Alternativas CAPITULO IIT ‘A CAIC: OPCAO CAPITALISTA ALTERNATIVA, NUM MOMENTO DE CRISE . we ee te ee We Antecedentes, 6) 0 Gg ee ee 2. As Origens: Razées Iniciais e Relacdes com a Compa- nhia Paulista de Estradas de Ferro .-- +++ + 3. Da Companhia Geral de Imigracdo e Colonizagdo do Brasil a Companhia de Agricultura, Imigracdo e Colonizacao: Organizacao e Objetivos -- +--+. - 4. A CAIC: Propriedade e Suas Realizacdes: Pequena licultura . 2. ee ee ee 4.1- Acdo Quadro Quadro Quadro Quadro Quadro no no ne no ng Planos Imobiliario e Colonizador PAGINAS Ii Iv 16 31 31 35 39 42 47 53 53 56 67 88 88 92 94 96 97 99 Tr CONT. - PAGINAS Quadro 19 0 100 Quadro 08 ee ee 107 Quadro n2 Be ee 108 4.2- Acdo no Plano Imigratério .......... 110 4.3- Ac&o nos Planos Bancério e Industrial .... 113 5. Resultados Financeiros do Empreendimento .... . 119 GONCLUSAO 6 ee ee ee ee ee 124 BIBLIOGRAPIA . 5 + 2 set et tt ee ee et eee 130 ANEXOS . 6 eee ee ee ee eee ee + de 135 a 172 ILA DED ChAT 0 Rel AS Para A familia unida é fator decisivo para qualquer empreendimento, sobretudo quando séo grandes os obstaculos a vencer. Ao Meu Pai, que embora desconhecendo o presente trabalho foi o principal fator para sua concretizacao- AGRADECIMENTOS Ao JOSE ENIO CASALECHI: Muito mais um amigo que um orientador. K UNIVERSIDADE FEDERAL DE NATO GROSSO DO SUL: Trabalhando nela, este tra palho se tornou viavel. Ao FENELON, HERMES E DERMEVAL: Pelos trabalhos de datilografia, contabi lidade e quadros. Ao Ovidio de Freitas, pela datilogra fia final. -III- -IV- it ABREVIATURAS C.A.1.C. Companhia de Agricultura, Imigracdo e Colonizacao. C.G.1.C.B. Companhia Geral de Imigracdo e Colonizacao do Brasil C.P.E.F. Companhia Paulista de Estradas de Ferro A.G.0. - Assembléia Geral Ordindria = - A.G.E. Assembléia Geral Extraordinaria D.O.E. - Didrio Oficial do Estado (Sao Paulo) -V- (QIUPAIDIR:OIS| 2 E, ANIENIOlS) QuaDROS. 1- Demonstracdo das Areas de Terras das Fazendas da CAIC, em 31/12/1936. 2- Demonstracdo do Custo das Fazendas da CAIC. 3- Demonstracdo das Areas de Terras das Fazendas da CAIC, em 31/12/1940. 4- Demonstracdo das Areas de Terras das Fazendas Loteadas pela CAIC, em 31/12/1945. S- Demonstracéo das Areas de Terras Loteadas pela CAIC, em 31/12/1950. 6- Relacdo das Areas Totais de Terras Loteadas pela CAIC, até 1957, 1958, 1959 e 1960, com Discriminacdo dos Acrés cimos Anuais e do Numero de Propriedades Vendidas. 7- Demonstracao das Areas de Terras Loteadas pela CAIC, em 31/12/1955. (Abrange todas as fazendas loteadas). 8- Demonstrativo de 10 (dez) Municipios onde houve a atua- cao da CAIC, com indicacao de dez produtos agropecuarios, € as respectivas producoes em 1950 e 1960. ANEXOS. 1- Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Informacées Pre: tadas pela Diretoria a Pedido de um Grupo de Srs. Acio= nistas, Sao Paulo, 1947. 2- Programma da Companhia Geral de Immigracdo e Colonizacao do Brasil, Sao Paulo, Sociedade Impressora Paulista, 1929, 3. Acta da Assembléia Geral Extraordinaria da Cia. Geral de Immigracdo e Colonizacao do Brasil, e fundacdo da CAIC, 4- Carta do Presidente da Companhia Paulista de Estradas de Ferro ao Presidente do Banco do Estado de Sao Paulo, 1934, $- Carta de um Diretor da Companhia Paulista de Estradas de Ferro a um amigo na Europa, ano de 1934. INTRODUCAO 1. DEFINIGAO E DELIMITACGAO DO TEMA. A Companhia de Agricultura, Imigracdo e Colonizacao — CAIC = surgiu em 1934+, no bojo da Crise de 1929. Nasceu da reorganizacéo de uma empresa anterior’, do mesmo género, cria da em 1928, mas cujo desempenho foi pouco expressivo e muito prejudicado pelo advento da Grande Crise iniciada em outubro de 1929. Quando se analisa a CAIC nas suas origens, o primei ro aspecto que chama a atenco é 0 fato da mesma ter sido oriun da da acdo de latifundidrios“do café>, mas destinando-se a im plementacdo da pequena propriedade e da policultura. 0 fato chega a parecer contraditério, muito embora a aidlise feita possibilite uma conclusao bem diversa. Em funcdo de ter surgido em pleno desdobramento da Grande Crise capitalista dos anos trinta, a andlise da Compa- nhia precisou remontar a um passado um pouco distante, atra- vés do qual se buscou acompanhar o desenvolvimento capitalis- ta no Brasil, em éspecial o papel do seu agente mais destaca- do, 0 fazendeiro, que, no fundo, foi o criador da empresa es- tudada. Desse modo as explicacées necessdrias ao encadeamen (1) CAIC, Relatérios n@s 1, 2 e 3 da Dixectoria da Companhia Agricultura, Immigracdo e Colonizacéo, Assembléia Geral de 23/03/1935, Sdo Paulo, Empreza Graphica da “Revista dos Tri bunaes", p. 3; "passando a denominar-se, dessa data em dian te, Companhia de Agricultura, Immigracdo e Colonizacao",— (2) Programa da Companhia Geral de Immigracéo e¢ Colonizacio do Brasil, Sao Paulo, Sociedade Impressora Paulista, 1929, p. 26. Paulista de Estradas de Ferro , IC foi organizada pela Companhia eae amerente cers taaa (cee cepica sa or union aorcates sabidamente controlada por capitais -2- to do processo de andlise sdo buscadas desde um passado um pou co recuado, até o deflagar da Crise de 29, suas conseqUéncias, o nascimento da CAIC, sua estruturacdo geral, e parte de sua acdo. A empresa em questdo existe até os dias atuais, sen do ligada ao Governo Paulista. No entanto seu enfoque no tra- balho dura até meados de 1961, quando ela foi encampada pelo poder piblico estadual, juntamente com a Companhia Paulista de Estradas de Ferro’, da qual foi subsidiaria. Apesar desse espaco de tempo, 1929 a 1961, a pesqui sa ndo detalha o perfodo todo. A razdo disso @ que o trabalho foi centrado no estudo da CAIC como opcdo de investimento ca- pitalista, em meio a uma grande crise desse sistema. 0 alcan- ce dos objetivos tracados, que constitui a principal meta do trabalho, se consubstanciou a curto e médio prazos, antes mes mo de 1961. Essa data se justifica, porém, por se tratar de um marco muito importante na vida da empresa tal seja sua trans- formacio de Companhia privada para empresa piblica. Na medida em que a companhia tinha sucesso nos seus empreendimentos, € a Grande Crise ia sendo superada, a sua po 1itica foi sendo mudada. Mesmo assim seu objetivo mais impor- tante, embora ndo explicito na sua criacdo e organizacao, fo- ra cumprido. E tratava-se de algo eminentemente capitalista. Uma opcdo de -investimento, que deu bons resultados, em meio a uma crise de dimensées profundas. 0 estudo, portanto, acompanha a acdo da Companhia, antecedido de uma andlise, ainda que nao aprofundada, do de- (4) Decreto n@ 35.548, de 19 de junho de 1961, publicado no D.O.E. (Sao Paulo), de 3/6/1961, P+ 1+ -3- senvolvimento capitalista no Brasil, centrada na figura do fa zendeiro de café. A EXPANSAO CAPITALISTA NO BRASIL E ALGUMAS DE SUAS IMPLI- CAGOES. Tem sido muito comum entre nés a afirmacdo de que nascemos como colénia de Portugal, sob a égide do Capitalismo Comercial, com as implicagées dai decorrentes: Pacto Colonial, Mercantilismo e Monopélio Comercial®. Referido Processo e sua conseqUente evolucdo, tiveram um longo curso entre nés, sé se concluindo a partir de meados do século passado, conforme tem sido demonstrado, e, sera aqui~relembrado. Dentro desse enfoque a questao ainda controversa so bre nossa caracterizacao passada envolvendo feudalismo e capi talismo, no tocante as reiacées de producio®, sera objeto de algumas consideracdes gerais, importantes para o equacionamen to do tema desenvolvido. Com énfase serdo lembrados alguns mo mentos da nossa evolucdo econémica, social e politica, e ne- les colocada e analisada a aco dos fazendeiros, com amplo des taque para aqueles tigados ao café. Essa aco, sempre como classe dominante, foi cons- tante e se fez presente até o final da década dos anos vinte, do século em curso. Ela ocorreu em todo o Periodo Colonial, a- qui entendido o espaco de tempo anterior 4 Independéncia Poli tica (1822); ela comandou a mesma emancipacdo, alias defenden (5) Consultar a esse respeito, entre outros, Fernando A, No- vais, 0 Brasil nos Quadros do Antigo Sistema Colonial, in Brasil em Perspectiva (org. Carlos Guilherme Mota), DIFEL Sio Paulo, 1971. > (6) Ver a_esse respeito, entre outros, José Roberto 4 (Org-), Modos de Producdo e Realidade Brasileirg lis, Rio de Janeiro, Vozes, 1980. , Lapa Petrépo- Paulista na outra, bem como valoriza e elogia suas atividades, de grande beneficio para a ferrovia. 0 documento em questao é uma resposta da Diretoria da CPEF, a uma interpelacdo feita por um grupo de acionistas da empresa sobre as congéneres, subsi- didrias, coligadas ou dependentes da Companhia Paulista, entre as quais a CAIC’. ‘A empresa atuou em todo 0 Estado de Sdo Paulo, e fo ra dele, nas zonas "velhas", do café, e na Frente Pioneira do Oeste: comprando, loteando, agenciando e colonizando. De ini- cio a CAIC manteve contactos e negécios com o Banco do Estado de Sdo Paulo (Banespa), que mantinha sob hipoteca, algumas de zenas de fazendas falidas edecadentes das zonas velhas, em de corréncia da crise de 29. Varias dessas fazendas foram adqui- ridas e loteadas pela empresa. SO mais tarde ela decidiusse pe eranitributarias: Foi o caso, BANaNEXEHpINEiCanyldaqAlcamara: surpiraw da/aco da CAIC, Nesse particular, e quando necessa- — rio, serd usado como exemplo BUCTdSdSNaeNSAHEAMPENAONSHT © a1_ gumas dela vizinhas e dependentes, [Sndelalacdoqdamempresayeoi (7) Companhia Paulista de Estradas de Ferro, Informagdes Presta das pela Diretoria a pedido de um Grupo de Actonistas, Sio Paulo, 1947, Anexo n@ 1. (8) Escritura de Compra e Venda da Gleba Paget, 239 Tabeliona— to de Notas, livro n? 34, fls. 5- —Shubinéia e Santana da Ponte Pensa’. Em sintese a pesquisa abrange trés partes distintas além da presente introducdo, e da conclusdo: a acdo do fazen- deiro de café dentro do quadro do desenvolvimento capitalista brasileiro, até a Grande Crise, com destaque para o seu agen- te principal, o fazendeiro de café; 0 mesmo agente em face da crise e seus desdobramentos, e a CAIC como opgao de investi- mento, naquele momento de grandes dificuldades, mas quando um espirito capitalista bem nitido, era uma realidade indiscuti- vel, especialmente em So Paulo. Esse comportamento porém nao foi obra daquele momento. Ele veio se formando e ampliando ao longo do tempo. (9) Santa Fé do Sul é 0 atual ponto final da antiga Estrada de Ferro Araraquara, sede de comarca, limitada pelos rios Gran— de, Parana e Ponte Pensa, bem no Noroeste do Estado. CAPITULO I © FAZENDEIRO DE CAFE E A EXPANSAO CAPITALISTA NO BRASIL Como o tema em estudo diz respeito a uma empresa ca- pitalista, e dentro dela a acdo do fazendeiro, necessério se torna uma volta ao passado visando acompanhar a acdo desse a- gente ao longo do tempo, sem o que ndo ficaria bem claro a ori gem da CAIC. Afinal de contas tivemos a acdo de fazendeiros no Brasil, desde o inicio da nossa formacao. E verdade que o ter no fazenda € relativamente recente em nossa evolucdo, mas, mes mo com denominagées e caracteristicas diferentes, os concei- tos se assemelham no essencial’. Ao se falar em fazenda e fazendeiros, emerge o pro- biema das relacgdes de producdo capitalistas entre nds, cuja andlise concorre, de forma significativa, para 0 entendimento do tema a ser desenvolvido. 1. 0 CAPITALISMO WO BRASIL: ALGUNS ANTECEDENTES Nossa formagdo a partir do inicio do século XVI coin cidiu com a transicdo mundial do feudalismo a0 capitalismo. Tal ocorréncia evidentemente plasmou nossas caracteristicas ao longo do tempo, muito embora ainda existam controvérsias so- bre nossa caracterizacdo colonial, capitalista ou nao. Nesmo em meados do século XIX, 0 problema ainda se coloca. Os auto~ (1) A esse respeito consultar José de Souza Martins, 0 Cati— veiro da Terra, 22 edicdo, Sao Paulo, Editora Ciéncias Hu- manas, 1981, pp. 23 e 24, A certa altura diz o autor que fazenda: "significava o conjunte dos bens, a riqueza acu~ mulada; significava sobretudo os bens produzidos pelo tra— balho personificado no escravo". res se dividem a esse respeito, muito embora haja um consenso no sentido da existéncia de praticas capitalistas, desde mui- to cedo, mas sem a predominancia de relacées capitalistas ge- nuinas’. No plano mundial, apesar da denominacdo consagrada de Capitalismo Comercial, as condicdes nado eram muito diver- sas do Brasil. Sdo corretas, por exemplo, afirmacdes taxati- vas, como a de Amaral Lapa, segundo a qual em meados do sécu- lo XIX, capitalismo de verdade, s6 ocorria na Inglaterra, sen do que no resto do mundo, o que havia eram formas pré-capita- listas de producdo, que demorariam ainda um longo tempo para serem superadas. Desse modo, para 0 objetivo perseguido neste traba- iho, 0 ponto de partida para as consideracdes sobre a acdo do fazendeiro como agente capitalista de nosso processo de desen volvimento, deve se situar a partir da metade do século passa do, ou mesmo um pouco antes, quando comeca a ganhar énfase a cultura do café. Quanto ao passado mais remoto, e nele as questées ja lembradas da passagem do feudalismo ao capitalismo, e do es- cravismo, convergindo para a caracterizacao capitalista ou nao da nossa longa fase colonial, fogem aos limites do presente trabalho, cuja esséncia é, como ja foi afirmado, a atuac&o do fazendeiro, dentro do desenvolvimento capitalista brasileiro. (2) Sobre o assunto consultar, José de Souza Martins, ob.cit., e José Roberto do Amaral Lapa (org-), Modos de Produedo e Realidade Brasileira, Petrépolis, Vozes, 1980, entre outros, (3) Nesse sentido consultar a obra anteriormente citada de Ama ral Lapa, especificamente as paginas 17 e 18. 0 mesmo f. la, por exemplo, em capitalismo que chegou mais ou menos tardio, ou, "um capitalismo debilitado que nao consegue re mover a sobrevivéncia ou insercdo de padrées que gberram do sistema". 9- Sobre o passado colonial, sao suficientes a lembran ga de figuras como o Senhor de Engenhos, 0 Senhor de Lavras e os Criadores de Gado, como exemplos tipicos, ou réplicas, do agente estudado. Registrar também que tivemos o predominio ab soluto da escraviddo como base do sistema, e com ela, e sobre tudo em conseqlléncia dela, a precariedade de um mercado inter no de consumo. Tais caracteristicas certamente interessam ao presente estudo, mas a permanéncia ou evolucao das mesmas até meados do século passado, permite que sejam consideradas com maiores detalhes a partir daquele momento. Um bom ntimero de au tores? tratou e continua tratando do processo citado, com and lises e definicdes a respeito da, questao, cuja amplitude e 1i mites tém crescido com o passar dos anos. Em geral, porém, fi ca claro, que formas capitalistas de producdo mais aprimora- das, sd comecam a se manifestar com o advento do trabalho 1i- vre, que, aos poucos, liquidaraé com o escravismo. Florestan Fer nandes deixa claro que “sem a universalizacdéo do trabalho as- salariado e a expansdo da ordem social competitiva"®, nao se- yia vidvel uma economia de bases capitalistas auténticas. A conclusdo ‘do presente item ressalta, portanto, as consideracées da existéncia de prdticas capitalistas desde o nosso passado mais remoto, tendo o fazendeiro como agente des A (4) Sobre essa linha de consideragées poderdo ser consultados serores como José de Souza Martins, Jacob Gorender, Anto~ ao Barros de Castro, Octavio Ianni, Nelson Werneck Sodra, aacral Lapa, Sérgio Silva e Florestan Fernandes, cujos pon erat Ge vista sdo significativos no enfoque dos problemas Sgontados, e cujas obras serdo registradas a0 longo do tra balho. (5) Florestan Fernandes, A Revoluedo Burguesa no Brastl, Rio je janeiro, Zahar Editores, 1975, p. 20. Esse autor acres— oe a congideragdes oportunas sobre Burguesia e Burgués, Gapitalismo e Aristocracia Agraria, e sobre o carater de” Sendente do nosso capitalismo, no momento analisado. -10- tacado das mesmas, e coloca a emergéncia de um capitalismo cres centemente mais puro, a partir da metade do século XIX, ou mes mo da expansdo da agricultura cafeeira, cuja ocorréncia pode ser um pouco recuada no tempo. 2. 0 FAZENDEIRO DO CAFE: SECULO XIX 0 alvorecer do século XIX coincide com nossa eman-. cipagdo politica, cujo ponto de partida foi a Abertura dos Por tos, em janeiro de 1808. No perfodo anterior, agricultores, criadores e mineradores cobriram 0 universo da atividade pro- dutiva, com atuacdes cujos limites, superacées, relacdes ou acomodacdes se ligam com 0 advento do café, que acabara se so brepondo a todas as atividades anteriores, por todo o espaco de tempo que interessa ao presente trabalho. Desse modo 0 Fazendeiro de café sera o elemento mais importante para 0 que se pretende nesta pesquisa, tanto o do vale do Paraiba (S40 Paulo e Rio de Janeiro), como aquele do Oeste Paulista, este Gltimo muito mais importante que o pri- meiro, por razdes que serao analisadas em diversos momentos da dissertacdo. £ oportuno registrar que ao alcancarmos a emancipa- cdo politica, a mesma certamente influiu em nossa evolucao eco némica, muito embora ndo tenha concorrido para transformacées sensiveis nas relacdes de producdo que prevaleciam no Brasil, ao iniciar o século passado®. (6) Florestan Fernandes afirma que "As estruturas econdmicas, sociais e politicas, herdadas do mundo colonial, interfe~ riram sobre os dinamismos do mercado mundial, tolhendo ou selecionando os seus efeitos positivos e restringindo seu impacto construtivo sobre o crescimento econdmico in- terno", ob. cit., p. 151. Para Emilia.V. da Costa, Da Mo~ narquia @ Republica Momentos Dectsivos, 3% Edicdo, Edito~ ize cria as condicées de expansdo de uma burguesia ligada ao alto comércio, mas ainda pouco consistente. Mesmo assim, nos seg- mentos urbanos ela serd anti-escravista, e, com o tempo, mais o café e uma parcela dinamica dos fazendeiros, acabard supe- rando o escravismo, maior obstaculo que se antepunha as rela- des capitalistas plenas. Dentro do esquema tracado para este trabalho, o que interessa mais de perto é a evidéncia de que, coincidindo com a emergéncia do Estado Nacional, a rapida expansdo da agricul tura cafeeira concorrera para mudancas_notaveis na situacio e- conémica interna e externa do pais, com reflexos marcantes no comportamento do agente lider do processo, tal seja o fazen- deiro. Ele continuard agindo em funcdo do trabalho escravo, e se apegando ao mesmo; mas as forcas dindmicas do capitalis- mo, que ampliavam suas influéncias, tanto no plano externo co mo no interno, acabariam prevalecendo principalmente na medi- da em que se expandia a lavoura cafeeira, e com ela outras a- tividades econdmicas, sobretudo as de natureza urbana. © fazendeiro continuou comandando 0 processo e se a- moldando ao mesmo. Quando o trafico negreiro se encerrou, 1i- berando capitais que nele eram investidos, soube aproveitar no vas opgdes de investimentos que surgiram. Foi o que se deu em funcdo da acdo pioneira de Maud, que ndo teria acontecido nao fossem os capitais citados, juntamente com outros que certa- mente ja estavam se acumulando. Outra ndo foi a situacao quando o sistema de trans- (8) Sobre esse assunto consultar Jacob Gorender, A Burguésia Brasileira 42 edicéo. Séo Paulo, Editora Brasiliense,1985, p. 13. -13- porte do café se mostrou incompativel com a expansao dos cafe zais para o interior mais distante. Neste particular nao exis tem davidas quanto @ ampla participacdo do capital oriundo do café. Sobre essa questao Wilson Cano afirma com objetividade: ‘Além de outros os fazendeiros de café foram os grandes orga- nizadores e investidores da maior parte das ferrovias paulis- tas, e, principaimente da Mojiana e Paulista 9. Outro momento importante da atuacdo do fazendeiro foi quando do primeiro impacto da questdo da mao-de-obra para o café, ao se desenhar o fim da escraviddo negra. Era o ini- cio do problema do trabalho livre que substituiria a mdo-de- obra cativa, pela via do jmigrante europeu, e mais tarde do trabalhador nacional. A parceria foi a primeira experiéncia nesse particu- lar. Ela ndo teve éxito, mas a imigracdo sim, na medida em que os fazendeiros souberam evoluir para formas mais eficientes de relacionamento com os imigrantes, seja diretamente, seja atra yés do poder pablico, por eles controlado. E as novas formas jam ganhando, sempre e cada vez mais, os matizes capitalistas, Ainda com relacdo 4 implantacao do trabalho livre en tre nés, € oportuno registrar a andlise a esse respeito feita por José de Souza Martins, que relaciona também o problema da a (9) A afirmacdo é de Wilson Cano, Ratzes da Concentragdo In— dustrial Em SGo Paulo, Sao Paulo, DIFEL, 1957, p.52. Con- celta, também Flavio A.M.Saes, As Ferrovias de Sao Paulo 1870-1940, NUCITEC/INL-MEC, 1981, pp.152 a 170; Fernando Henrique Cardoso, Condigdes Soctats da Industrialtzacao de So Paulo, Revista Brasiliense, n@ 28, 1960, p.30 e José Ro berto do Amaral Lapa, A Economta Cafeetra, Sao Paulo, Edi-~ tora Brasiliense, 1983, pp-90 a 94. Ver especialmente oo primeiro deles, 6 qual indica trés detalhes objetivos que hostram a pujanca da participacdo do capital cafecizo na Toneretizapge do nosso Sistema Ferrovidrio, principalmen— te 0 caso da CPEF. -14- Lei de Terras de 1850, coincidentemente concretizada no mesmo ano do fechamento do trafico negreiro. Nesse momento o fazen- deiro soube compreender a perspectiva evidente da abolicdo da escraviddo, e tratou de criar condicées para que a terra subs tituisse o escravo, como garantia dos seus negécios hipoteca- rios. A lei citada teve como principal objetivo, a valoriza- cdo das terras. Parece que o fazendeiro se viu forcado as re- lacées capitalistas e atos que garantissem as mesmas. Apesar disso reagiu com precisdo, ligando a questdo da propriedade da terra com o advento do trabalho livre sob a forma de parceria, niicleos coloniais ou 0 colonato pura e simplemente!?. De um modo geral, ag,lado da afirmacdo das relacées capitalistas de produgao, vai se afirmando e consolidando, tam bém, a Burguesia Cafeeira, e conseqlentemente o capital cafe- eiro. Na opinido de Sergio Silva, os principais 1ideres da gran de expansdo e das mudancas que ocorrem, ndo eram sé os planta dores de café. Eram também os compradores, os intermedigrios e os nascentes banqueiros, muito embora todos eles possuindo in timas relacdes com o meio agrario, inclusive no tocante as suas origens'!. - Quando as mudancas avancam, as novas formas de rela cionamento econémico, em particular a economia mercantil es- (40) Quanto A Lei de Terras, Souza Martins, define a mesma da Seguinte maneira:- "A impossibilidade de ocupacdo sem pa gamento das terras devolutas, recriava as condicées de su geicdo do trabalho que desapareciam com o fim do cativei= ro, Mas, nao resolvia outro problema que preocupava o fa— zendeiro em igual extensdo: uma nova garantia para o cré- dito hipotecario, base do capital de terceiros necessario & manutencao e expansdo de seus negocios". (1) Sergio silva, Bxpansdo Cafeeira e Origens da Indistria no Brasil, Sao Paulo, Editora Alfa-Omega, 1976, p. 58. E-ine Portante lembrar, nesse particular, a figura do comissa rio de café, tratada por esse © outros’ autores, eis cravista e cafeeira tenderd para a crise, que Jodo M.C. Mello localiza nos Gltimos anos da década dos anos sessenta, justa- mente quando as ferrovias, as maquinas de beneficiamento de ca f€ e o trabalho livre, revelavam de forma muito clara que o 12 pais entrava em uma nova fase de sua evolugado econémica © conjunto das transformacées que se operam e paula tinamente se aprofundam, nos colocam diante de um mundo de no vas relacées e novo dinamismo, que tem o café, a grande lavou ra e 0 fazendeiro como seus elementos destacados. Florestan Fernandes registra a projecio do agente em estudo em direcao 4 cidade e ao meio politico cada vez mais dinamico e complexo, ao passo que Souza Martins defime 0 novo capitalismo, como ge rado por relacdes nao capitalistas de producdo. Embora Flores tan Fernandes fale de uma possivel revolucado urbana, as trans 13 formacdes ndo deixam de sér lentas e descontinuas Um novo rol de acgdes e comportamentos caracteriza o espirito burgués que a todos seduz sendo que a mola propulso- ra de todo o processo de mudancas que entdo se operam gira em tor no da economia cafeeira, que se instalara entre nds a partir do Estado do Rio de Janeiro, tendo o Vale do Paraiba como seu principal cendrio. Mas, o espirito capitalista em andlise se instalard de forma mais profunda em terras paulistas do "Oes- te", tanto do’ "velho" como o “novo”, que sero também as re- (12) Consultar sobre o assunto, Joao M.C.de Mello. Capitalis- mo Tardio, Campinas, UNICAMP, mimeog., 1975, p. 23. (13) A esse respeito consultar Florestan Fernandes, ob. cit., pp.224-226; José César Gnaccarini, Latifundio e Proleta- riado, S40 Paulo, Editora Polis, 1980, p.27. Sobre a len- tiddo e descontinuidade das mudancas océrridas,Pierre Mon- beig, citado por Gnaccarini afirma o seguinte: "ndo se po deria esperar do dia para a noite, a transformacdo do mo- do de pensar e de agir de uma sociedade que em, suma nao sofrera profundas modificacdes depois de sua instituicao ao livrar-se de um Portugal Medieval". "164 gides de atuacdo da CAIC. Pouco a pouco as relacées de produ- ao ganham caracteristicas marcantes de praticas capitalistas genuinas, e um nivel de complexidade e variacdes cada vez maio res. Chegar-se-4 inclusive a um processo de industrializacao profundo e dindmico, que refletira o exercicio daquele espiri to, também empresarial, com o qual se identificara a empresa ora analisada!’. 3. AS RELAGOES CAPITALISTAS DE PRODUGAO WO "OESTE PAULISTA" 0 presente item aborda a concretizacao das relacdes capitalistas de producdo na economia cafeeira, com énfase pa- ra o Estado de So Paulo, e nele o chamado "Oeste",muito mais © "novo" que o "velho". Do ponto de vista cronolégico, ou da evolucdo poli- tica, 0 perfodo abrangido diz respeito ao final do século pas sado, aproximadamente o seu Ultimo quartel, e as duas primei- ras décadas do século em curso. De um modo geral, os analistas colocam nesse perfodo a plena emergéncia das relacdes citadas, com destaque para a industrializacdo nacional e 0 conseqlente capitalismo industria1!®, Convém insistir que mesmo em se tratando do Oeste Paulista ndo existe a plenitude das relacdes capitalistas. Em bora aconteca o capitalismo em processo crescente de aperfei- (44) A CAIC, conforme ja registrado, nasceu a partir da incor- poracao de uma empresa anteriormente existente, pela’Com panhia Paulista de Estradas de Ferro, cujo aparecimento aconteceu no periodo que acaba de ser analisado. (15) A esse respeito consultar: Wilson Cano, ob. cit.; Brasi- lio Sallun Jr., Capitalismo e Cafeicultura, Sic Paulo, Editora Duas Cidades, 1982; JodoM. C. Mello, ob. cik.; Warren Dean, A Industrializagdo de Sao Paulo, Sao Paulo, DIFEL, 1971; e Sérgio Silva, ob cit., entre outros. -17- goamento, permanecem formas e atitudes do passado!®, Fatos marcantes do perfodo, que interessam direta- mente 4 presente pesquisa, foram: a transicao do escravismo ao trabalho livre, a Proclamacdo da Repiblica, a montagem do Es- tado Republicano e a formacdo do "complexo econdmico" do café, segundo Wilson Cano. Em cada um desses momentos ou situacdes estar presente, de forma dominante a figura do fazendeiro de café, numa acdo que, de forma crescente, revela aquele espiri to empresarial, capitalista e burgués, que desembocara na cri se de Outubro de 192917. A andlise assim esquematizada, destacara a aco ca- pitalista do agente econdmico-em estudo, nos diversos momen- tos citados, e sob variadas formas, podendo se afirmar que se ra em funcdo destas atividades que ir@ se consubstanciando a figura tipica do empresdrio e investidor capitalista que nao terd dificuldades em equacionar as crises que se sucedem, a principal das quais a de 1929, oferecendo sempre as solucdes condizentes, nas diversas oportunidades em que € chamado a in tervir!®. - No momento da crise uma das opcées e solucées serd a empresa em estudo, a Companhia de Agricultura, Imigracio e Co lonizacao. Quanto 4 evolucdo da economia cafeeira, especialmen te seu crescimento conturbado e inadequado, que levard ao co- ee (16) Sobre as relacdes capitalistas no "Oeste Paulista", con- sottar Octgvio Ianni, Origens Agrdrias do Eetado Brasi— leiro, $i0 Paulo, Editora Brasiliense, 1984, pp.17 e segts. e Jacob Gorender, ob. cit., pp. 24 e 26. (17) consultar Emilia Viotti da Costa, ob. cit., p. 211, (18) Sobre a mesma figura ver Peter Eisenberg, in Lapa, Modos de Produgao e Realidade Brasileira, ob. cit., p.175, ¢ Fernando Henrique Cardoso, ob. cit., p. 152. -18- lapso de 1929, serd tratada num item subseqllente, quando a preo cupacdo central se fixaré na and@lise do comportamento do fa- zendeiro diante da Crise. A agricultura cafeeira alcancou o Centro-Sul pelo Rio de Janeiro, ja no século XVIII. A area do primeiro grande explendor do produto foi o Vale do Paraiba, tanto a parte flu minense como a paulista. Nos dois casos uma producéo inicial de base escravista, muito embora Séo Paulo adotasse o traba- lho livre em meados do século XIX. Até o inicio da década de 1880 Sao Paulo produzia $ de todo o café brasileiro. Em 1875 esse indice pas sou para 25% ¢ dez anos mais-tarde atingia 40% da producdo!®. apenas 16 Amaral Lapa fala da evolucgdo da mesma produg&o, que ultrapas- sa Minas Gerais em 1881 e Rio de Janeiro em 1889, enquanto o velho grande centro produtor era superado por Ninas em 1896, o Espirito Santo em 192879. Pela citacdo anterior é facil perceber a ascensao e a decadéncia fluminense. Florestan Fernandes afirma que nessa comparacdo, e em face do capitalismo, nao havia possibilidade de éxito do café no Rio de Janeiro, enquanto em So Paulo a situacdo era totalmente favordvel. A velha regido fluminense ndo tinha condicées de sair da situacdo de decadéncia. Havia Ee (19) 0s percentuais indicados estéo em Wilson Cano, ob. cit. p. 31. No item 1.2.,"0 Complexo Cafeeiro Escravista ea $30 Paulo", o autor analisa a expansdo do café do Rio de janeiro pata Minas, Espirito Santo e Séo Paulo, indican— do os fatores do sucesso do mesmo em terras paulistas, (20) A evolugdo das produgdes de café dos trés estados foi ex- a Eda de José Roberto do Amaral Lapa, A Economia Cafe- Sika, sio Paulo, Editora Brasiliense, 1983, p. 28. ver do oiras gutor e obra, pp. 29-30, interessante quadro com. parative entre as producées cafeeiras no Vale do Paraiba @ no Velho Oeste Paulista. -19- limitagées quanto a quantidade de terras ds altitudes, sem fa lar na erosdo e exaustao das mesmas. Pelos mais diversos Angulos em que se analisa aque- la regido produtora, sempre se chega 4 evidéncia de uma deca~ déncia em marcha ou da incompatibilidade da estrutura escra- vista em relacdo ao capitalismo que evoluia. Um exemplo é 0 ca so do maquinaério agricola em comparacao com Sao Paulo. Aqui o objetivo de seu uso cada vez maior era conseguir maiores 1u- cros. Ld 0 objetivo era "diminuir prejufzos"?!. Outro exemplo interessante nos € dado pela expansio das ferrovias. Como se sabe elas nasceram com uma garantia de juros por parte do Governo Federal. Em Sao Paulo logo os juros foram devolvidos (Caso da CPEF), e a garantia dispensada, en- quanto no estado do Rio as mesmas eram encampadas pelo poder publico, dada a impossibilidade de pagamento dos mesmos ju- ros’. A questdo da mdo-de-obra acabou sendo, no entanto, © principal motivo da decadéncia final dessa regiado cafeeira. Ela continuou apegada ao trabalho escravo, ndo conseguiu evo- luir para a forma mais moderna, além de sofrer as conseqlén- cias do lento processo da abolicdo, iniciado em 1850. Assim, apds o cessamento da entrada de africanos, 0 preco do escravo elevou-se muito, tanto aquele que continuow sendo trazido da Africa, agora clandestinamente (isso ocorreu até 1856), como aqueles que passavam a vir de outras regides (21) Wilson Cano oferece mais detalhes a respei A ; . espei 24 a 28, item 1.1.,0 Café no Vale do Paraiba, ob. cit.,pp. (22) As questdes sobre a garantia de juros pel. ee os r0- mos, podem ser encontradas, com detalhes eau eiseces ob. cit., pp. 151-152. » em Flavio Saes, -20- Nesse sentido reduzia-se a disponibilidade de capitais, tanto para os gastos antigos como para os novos, como a compra de alimentos. Esta dltima se tornou necessdria pelo fato da mao- -de-obra, tornando-se cara, ter sido toda ela concentrada so na produgdo de café, caindo sensivelmente a produgdo de ali- mentos, como acontecia anteriormente. Nem os bons precos do café conseguiram segurar a mar cha decadente. As hipotecas se sucediam e muitas vezes o fa- zendeiro se via forcado a entregar suas propriedades aos cre- dores, na impossibilidade de saldé-1as*>. Tudo confluia para a ndo concretizacéo dos mecanismos que viabilizassem 0 traba- iho livre e um mercado de consumo, que redundassem na dinami- zacdo daquela economia. “ Em resumo o Vale do Paraiba (Rio de Janeiro e Sao Paulo) rapidamente deixa o palco principal da producdo cafeei ra, cedendo o lugar para o "Oeste Paulista", onde despontava a figura do "coronel", do "homo ceconomicus tosco", do "homem apegado ao poder politico para defender sua po-~ 24 de negécios" sicdo social e ampliar seus lucros, "na lavoura ou fora dela" Em Sao Paulo o principal fator da transformacao ocor rida foi a adocdo do trabalho livre. Pode-se admitir que logo no comeco das plantacées paulistas predominava 0 escravo, e que o mesmo teve sua importancia no século XIX, mas houve um Wo agente escravista, diante da do fazendeiro, ndéo raro lhe us pertences", ob. cit (23) Wilson Cano registra que caética situacao financeira tomava a propriedade agricola e se p. 26. (24) Sobre a decadéncia da cafeicultura fluminense, Florestan Fernandes oferece outros detalhes, como por exemplo, influgneia das "pressdes do mercado mundial, custos da producdo agraria que punham em causa o custo ¢ a produti vidade do trabalho escravo", ob. cit., pp. 109 € segts, — -21- momento em que se optou pelo trabalho livre e que se ampliou o mesmo, consolidando as relacées capitalistas de producdo. 0 fazendeiro paulista do "Oeste" soube compreender o que estava em jogo, e a compreensdo o levou a adotar o tra- balho livre, concretizando-se um novo tipo de empresdrio e de fazenda?>, Trabalho livre significava a necessidade de impor- tar bracos da Europa, o que foi facilitado, naquele momento, pelas condicées internas de alguns paises europeus, onde mul- tiddes estavam disponiveis, fruto da prépria expansdo capita- lista, que expulsava os camponeses para as cidades, sem que as mesmas conseguissem absorver a totalidade da mdo-de-obra que Reitty os; cannes curopeucee Desse modo jd entre 1887 e 1900, Sdo Paulo recebe 909.417 imigrantes, do mesmo modo que vai acontecer nos anos seguintes. Portanto uma imigracdo ampla e continuada, com a qual sera formada e desenvolvera, na area paulista,aquele mer cado de trabalho e aquela teia de atividades interrelaciona- das, que Wilson Cano denominou, com muita propriedade, de "com plexo econémico do café", cuja marca mais importante foi, sem divida, o dinamismo. Estamos por conseguinte, diante de um novo tipo de enpreendimento, uma nova fazenda, e um novo tipo de agente eco némico, o fazendeiro paulista. No primeiro caso uma fazenda que (25) Florestan Fernandes fala de uma fazenda que “deixara de ver dominio e passara a organizar-se, econdmica e social como unidade especializada de produgdo agrdria", ce citando Nelson Werneck Sodré, um fazendeiro que "per- Sia sua condicéo de senhor, para tornar-se um empresario capitalista", ob-cit., pp- 109, 269 e 270. : (26) Mais detalhes sobre esse aspecto ver, Brasilio Sallun Jr., ob. cit., pp. 90 € segts. mente, -22- ndo é mais sé fonte de "status" e sim de lucro. Ou ainda, uma entidade que visava produzir o maximo pelo mais baixo custo””. Quanto ao novo empresario que surge, @ 0 grande responsavel pe la consolidacdo do capitalismo brasileiro. Sua acdo néo fica apenas no plano econémico em si. Ela extrapola para o campo politico, que sera controlado por ele, que fard do Estado um instrumento de defesa e protecdo dos seus interesses, particu larmente aqueles ligados ao café Quanto ao aparelho de Estado, parece que muito cedo os cafeicultores descobriram 0 significado e valor do seu con trole. Desde entdo usaram e abusaram do mesmo. Lapa sintetiza muito bem essa situacdo ao afirmar que a “oligarquia paulista e sua vanguarda empreendedora, como setor privilegiado das clas ses dominantes conseguem desenvolver certas formas de pressao ou acdo, manipuladoras dos aparelhos do estado, acionando me- canismos de dominio politico e mandonismo locai"?®. Quando da Proclamacao da Repiblica, os mesmos conse guem manipular as coisas de tal maneira, que as estruturas so cial, econdmica e politica, sejam mantidas em seu favor. O mes mo pode ser dito da Abolicao e da Imigracdo. Sobre a abolicdo do cativeiro, Emilia Viotti da Costa fala sobre diferentes rea des A mesma, com muitos considerando a escraviddo como causa perdida. Lembra também as novas opcodes de investimentos que se abriam aos fazendeiros, mas sempre tendo o Estado como supor~ te. Ainda sobre o mesmo assunto Souza Martins conclui de for- ma objetiva e original: "foi o fazendeiro quem se libertou do (27) As observagdes sio de Florestan Fernandes, ob. cit 104 e segts. > PP- (28) José Roberto do Amaral Lapa, ob. cit., p. 32 -23- escravo e ndo 0 escravo quem se libertou do fazendeiro"?9, Tudo que era necessdrio ao bom desempenho da econo- mia cafeeira era feito pelo Aparelho de Estado. Assim a imi- gracdo foi subsidiada, as ferrovias estimuladas e depois en- campadas, além de outros fatores. Os precos do café foram pro tegidos e garantidos: primeiro através do controle cambial, e depois com a politica de valorizacées. A utilizacdo do Estado acontecia em todos os planos, do municipal ao central (depois federal). Bm 1883, por exemplo, Sao Paulo decidiu pagar 100% do preco das passagens e outros gastos da imigracéo, porém sé pa ra quem ia para as fazendas de café°°, Estabelecidas as relacdes de producdo capitalistas em Sdo Paulo, importa agora destacar otitras formas de acdo do fazendeiro, além das ja citadas,reveladoras do espirito capi- talista em processo de ascensao e consolidacdo. As mesmas fo- ram miltiplas e variadas, o que nado significa que a transicio do escravismo ao trabalho livre tenha sido facil. Pelo contra rio, Florestan Fernandes chega a caracterizar a mesma como dra matica. Um drama que dizia respeito a enfrentar a nova ordem competitiva que nascia. 0 fazendeiro vai agir em funcdo da no va ordem, no comego, evidertemente, com resquicios do passado Por exemplo, & por demais sabido que, quando da adocdo do Sis tema de Parceria, um dos sérios problemas surgidoS foi ele ten tar tratar o imigrante como tratava o escravo. Mesmo assim, des de meados do século passado, temos que admitir com José Enio Casalechi, que "E como empresdrios capitalistas que agem os (29) José de Souza Martins, ob. cit. P. 110, e Emilia Viorti da Costa, ob. cit., p. 247. @ Viores (30) Jodo Manoel Cardoso de Mello, ob. cit., p. 83. -24- fazendeiros diante dos diferentes problemas que a atividade propoe">!. Passando a planos mais especificos da mesma atuacdo, a mesma fica bem caracterizada na ocupacdo de novas terras ou no quase monopélio da posse das mesmas, na forma de alocacdo do trabalho livre, onde prepondera a exploracio, sob a forma de extracdo da mais-valia, e inclusive a sutileza como a apro priacdo foi estabelecida. No caso da ocupacdo de terras, Sergio Silva fala a- té na disseminacdo de docncas, com a finalidade de desalojar eventuais ocupantes. Do mesmo modo pode-se lembrar 0 uso do Apareiho de Estado para facilitagao da legalizacdo das ocupe- gSes decorrentes dos célebres processos de grilhagem.0 referi do autor conclui que se "o café encontrava em seu caminho ter ras que ja eram propriedades", competia aos seus titulares "in tegrar-se na expansdo cafeeira, ou vender suas terras''3?_ Um outro importante modo de agir era manter o preco da terra sempre alto, tornando dificil o acesso 4 mesma pelos colonos. E £4cil concluir que isso acontecia para que a forca de trabalho ficasse no mercado, para as exigéncias do café°3. 0 desdobramento da situacdo anterior nos coloca dian te de outra constatacdo. Sabiam os fazendeiros que ante a gran de expanséo dos plantios, principalmente no final do século (31) José Enio Casatechi, Da Companhia Industrial, Agné Pastoril D'deste de’ Sdo Paulo a Cambuhy Coffeo dnd wereos Estates: 1912-1933, Araraquara, Mimeog., 1973, p. 14. (32) Sérgio Silva, ob. cit., p. 71. (33) 0 mesmo autor acima citado afirma que: "se a massa de im grantes pudesse ter acesso facil & propricdade ae tiene © capital nao encontraria a forca de trabalho que canes precisava. 0 preco elevado da terra na regise do cate ve, flete a apropriacdo da terra pelo capital”, ob. cit., p 72. a -25- XIX, ndo seria ‘facil uma plena conciliacdo entre esse cresci- mento e a alocacao de novos trabalhadores. A disponibilidade mundial nao atenderia & demanda, além da concorréncia de ou- tras nagdes, com relacZo 4 absorcdo dessa mao-de-obra, bem co mo o regresso de imigrantes aos seus paises que era comum e poderia se tornar um problema naior®*. Foi em funcdo do quadro acima tracado que se organi zou o sistema de colonato, que possuindo uma aparéncia de re- trocesso capitalista, pelo menos num sentido, escondia uma su til forma de apropriacdo de sobre-trabalho 0 colonato se resumia no pagamento de salario e ren da, para a formacio e colheita do café. 0 colono tinha o di- reito ao plantio de cereais entre as fileiras dos cafezais, uma‘prdtica que, para Wilson Cano, significava "grandes vanta gens para o fazendeiro e relativas vantagens para os colonos", © mesmo autor, ao examinar, com detalhes, a producdo segundo © colonato e a fazenda de escravos, prova que uma saca de ca- £6 custava entre 7$200 a 9$800 no primeiro caso, e cerca de 15$000 no segundo®>. Antes de detalhar a forma exploradora através do co lonato, cumpre salientar que a solucdo pelo mesmo resolvida aquela questo anteriormente colocada de alocar mio-de-obra e "gegurar" 0 colono na fazenda. Além disso estimulava as migra ges por acenar com a possibilidade de acumulacdo, assim como acenava com a miragem da propriedade da terra. Detalhando um pouco mais, o colonato se apresentava da seguinte maneira: o colono recebia uma quantia fixa pela oe (34) A esse respeito ver Brasilio Sallun Jr., ob. cit.,pp. 24 e segts. (35) Wilson Cano, ob. cit-» P» 40. -26- formacdo de um niimero determinado de cafeeiros, geralmente por quatro a seis anos; podia ficar com a producdo do café nesse periodo, ou parte dela, e fazer as culturas intercalares,prin cipalmente arroz, milho, e feijdo, cujos rendimentos eram seus, residindo ai o grande atrativo, e ao mesmo tempo a explora- 0°, A renda estava escondida sutilmente na producdo de cereais, hortalicas, animais domésticos e sub-produtos. Assim a producdo do café era capitalista a segunda nao. Esta altima ndo passava de um arrendamento, para auferir um rendimento ex tra, que era aquele que deixava de ser pago em salarios®”. Um detalhe importante é que isso ocorria porque o investimento em culturas que néo 0 café, nao eram lucrativas para o fazendeiro. Outro aspecto interessante € que normaimen te o colono recebia para cuidar, um nimero de pés de café in- ferior 4 sua capacidade de trabalho, para que sobrasse o tem- po para aquelas culturas de subsisténcia, e para a colheita do café que fazia parte de uma outra forma de remuneracdo. Era a constituicdo pura e simples do exército de reserva, de que nos fala Marx°®, : 0 colonato foi a forma mais clara e objetiva de de- monstracdo do espirito capitalista que se busca caracterizar. (36) Os detalhes apresentados sao de Bragilio Sallun Jr. para © qual “os fazendeiros exploravam de forma capitalista u- ma massa de trabalhadores assalariados para produzirem ca £é, explorando, ao mesmo tempo, de forma nao capitalista, © trabalho de uma parte destes trabalhadores, 0s colonos, na medida em que lhes arrendavam terras em troca do paga~ mento de renda ndo capitalista do solo", ob. cit., pp. 219 © segts. (37) Para mais detalhes-consultar José de Souza Martins, ob, eit., p. 32. (38) As idéias foram extraidas de Brasilio S.Jr., 0 qual acres centa outros pontos importantes sobre © problema, ob.cit. Pp. 165 a 238,

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