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PODER JUDICIARIO 3 SAO PAULO COMARCA DA CAPITAL 6 Vara da Fazenda Publica Processo n°053.00.027139-2 (1679/00) Vistos. O Ministério Piblico do Estado de So Paulo, com qualificago na inicial, Propés a presente ago Civil Publica, com pedido de antecipacdo dos efeitos da tutela ¢ cominagao de multa, contra a Fazenda do Publica do Estado de Sao Paulo, com qualificagio ‘nos autos, objetivando, em sintese, com amparo nos artigos 196, 198, 227, pardgrafo 1°, inciso I, e 244 da Constituigao Federal, artigos 219, 222 e 223 da Constituig&o do Estado de So Paulo, nos artigos 2°, 3°, 7° e 43 da Lei Federal n°8080/90, na Lei Complementar Estadual 1°791/95, a condenagio da ré para arcar com as custas integrais do tratamento (internagao especializada ou em regime integral ou nfo), da assisténcia, da educagdo e da saiide especificos, ou seja, custear tratamento especializado em entidade adequada (nao estatal, Portanto, jé que ndo existe com tais caracteristicas uma inica no dmbito do Estado) para 0 cuidado e assisténcia aos autistas residentes no Estado de So Paulo que, por seus representantes legais ou responsdveis, comprovem mediante atestado médico tal condigdo (de autista), documento este que deverd ser juntado a requerimento enderecado ao Exmo. Secretério de Estado da Satide e protocolado na sede da Secretaria de Estado da Saiide ou encaminhado por carta com aviso de recebimento (enderego: Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, n.188). A partir da data do protocolo ou do recebimento da carta registrada, conforme 0 caso, teré 0 Estado 0 prazo de trinta (30) dias para providenciar, as suas expensas, instituig@o adequada para 0 tratamento do autista requerente. A instituigho indicada ao autista solicitante pelo Estado deveré ser a mais préxima possivel de sua rresidéncia e de seus familiares, sendo que, porém, no corpo do requerimento poderd constar @ instituigdo de preferéncia dos responsdveis ou representantes dos autistas, cabendo ao Estado fundamentar inviabilidade da indicagdo, se for o caso, e eleger outra entidade adequada. O regime de tratamento e atengdo em periodo integral ou parcial (ou internagdio especializada) deverd ser especificado por prescricdo médica no préprio atestado médico antes mencionado, devendio 0 Estado providenciar entidade com tais caracteristicas. Apés 0 Estado providenciar a indicagdo da instituigdo deverd notificar 0 responsdvel aa" PODER JUDICIARIO SAO PAULO COMARCA DA CAPITAL 6* Vara da Fazenda Publica Processo n°053.00.027139-2 (1679/00) fornecendo os dados necessérios para 0 inicio do tratamento. Tudo isso até que o Estado, se © quiser, providencie unidades especializadas préprias e gratuitas (e ndo as existentes para 0 tratamento de doentes mentais “comuns”) para o tratamento de satide, educacional e assistencial aos autistas, em regimes integral ou parcial (ou internagdo especializada). Requereu 0 deferimento do pedido liminar e, ao final, a procedéncia da ago com a condenagtio da ré ao cumprimento das diversas obrigagdes de fazer e das atividades apontadas, tudo sob pena de cominagio de multa didria no valor de R$50.000,00, com valores revertidos nos termos do artigo 13 da Lei Federal n°7347/85 (fls.2/36). Juntou documentos (fls.37/192). Por determinagio do Juizo (fis.193/194 ¢ fls.358/359), a inicial foi emendada pelo autor (fls.196/203 ¢ fls.361/366), inclusive com a juntada de novos documentos (fls.207/357 e fs. 367/407). Recebidos 0s aditamentos (fls.404) e citada a ré (fls.407), esta apresentou sua contestagaio, alegando, em resumo, apds tecer consideragGes sobre a Sindrome de Kanner, que £0 contrério do que afirmava o autor, tem buscado manter, por si ou por entidades a ela conveniadas, 0 atendimento ambulatorial das pessoas portadoras de tais transtornos do desenvolvimento psicologico, porém, com vagas insuficientes diante da grande demanda. Motivo pelo qual a Secretaria de Satide vem ampliando sua capacidade de atendimento especializado, principalmente em relago aos portadores de autismo, efetuando levantamento das instituig6es, contatos telefSnicos e visitas, tudo para processo de formagio de convénios pelo SUS, com encaminhamento de recursos por meio da referida Secretaria. Assim, sem sentido a irresignagto do autor, fundada na alegada omissio do Estado, nfo podendo a Fazenda concordar com a disponibilizagdo de verbas para 0 custeio de atendimento de autistas em clinicas particulares, pois vem atuando para firmar convénio com ditas instituiges a fim de proporcionar 0 adequado tratamento, Asseverou, também, que pela caréncia de seus recursos ¢ auséncia de normas especificas para a rede publica de saiide, nilo poderia ser obrigada a atender indiscriminadamente todo e qualquer autista, pois tinha como obrigago constitucional garantir & populago acesso aos servigos e agées de saide, sem privilégios de qualquer espécie e, muito menos, estar sujeita a decisées de outro poder, no caso 0 Judiciério, que resultariam em co-gestio dos recursos orgamentirios, alterando a : ee o 2 PODER JUDICIARIO y SAO PAULO COMARCA DA CAPITAL 6* Vara da Fazenda Publica Processo n°053.00.027139-2 (1679/00) Gestinago do dinheiro publico, além de ser descabida a multa diéria. Requereu, ao final, a improcedéncia da agdo (fls.409/428). Juntou documentos (fls.427/523). Foi indeferido 0 pedido liminar de antecipagdo dos efeitos da tutela (fls.525/526). Manifestou-se 0 autor, em réplica, ratificando os termos da inicial (fls.528/542). Intimadas as partes a especificarem suas provas (fls.543), requereu a ré a produc de prova testemunhal ¢ documental (fls.544), enquanto 0 autor pugnou pelo julgamento antecipado (fls.545). Deferido prazo a ré (fls.546 ¢ 562), esta juntou novos documentos (fls.547/555 ¢ fls 563/590), do que teve ciéncia o autor (fls.556 e fls.591), manifestando-se (fls.558/561 ¢ fls.591,v.). E o Relatério. DECIDO. Trata-se de agdo civil piblica proposta pelo Ministério Publico do Estado de Sto Paulo contra a Fazenda Publica Estadual, objetivando, em sintese, com amparo nos artigos 196, 198, 227, pardgrafo 1°, inciso Il, e 244 da Constituigao Federal, artigos 219, 222 ¢ 223 da Constituigio do Estado de So Paulo, nos artigos 2°, 3°, 7° e 43 da Lei Federal 1n°8080/90, na Lei Complementar Estadual n°791/95, a condenago da ré para arcar com as custas integrais do tratamento de internago especializada, em regime integral ou no, de assisténcia, de educagio ¢ de satide espectficos, ou seja, custear tratamento especializado em entidade adequada para cuidar ¢ dar assisténcia aos autistas residentes no Estado de Sao Paulo, até que a Administragdo Estadual, se 0 quiser, providencie unidades especializadas prOprias e gratuitas (e nfo as existentes para o tratamento de doentes mentais “comuns”) para © tratamento de satide, de educagdo e de assisténcia aos autistas, em regime integral ou parcial ou de internagao, sempre especializada Nos termos do artigo 330, inciso I, do Cédigo de Processo Civil, a ago comporta 0 julgamento antecipado da lide, pois as questBes suscitadas sto de direito e os Eo Pe s PODER JUDICIARIO J SAO PAULO COMARCA DA CAPITAL 6* Vara da Fazenda Publica Processo n°053.00.027139-2 (1679/00) fatos encontram-se suficientemente provados pelos documentos juntados aos autos pelas partes. A principio, antes do exame da matéria de mérito, necessério se faz tecer algumas consideragées sobre o Autismo. Como ensina E. Christian Gauderer, 0 adjetivo autista foi introduzido na literatura psiquidtrica em 1906, por Plouller, médico que estudava o processo do pensamento de pacientes que faziam referéncia a tudo no mundo e a sua volta, consigo mesmos, num processo considerado psicético (in AUTISMO, Ed.Atheneu, 3* ed., p.9/10). 44, em 1943, Leo Kanner, psiquiatra infantil da John Hopkins University (USA), a0 estudar um grupo de criangas gravemente lesadas e que tinham certas caracteristicas comuns, entre as quais, a mais notivel era a da incapacidade de se relacionar com as pessoas, utilizou-se do adjetivo empregado por Plouller para intitular 0 seu trabalho de “Autistic Disturbance of Affective Contact”- Distirbio Autistico do Contato Afetivo — descrevendo com cle a qualidade de relacionamento destas criangas. Foi por meio de tal estudo que, em dois anos, Kanner criou o substantivo autismo para designar tal entidade, sendo que em sua homenagem chegou-se a denominagdo de Sindrome de Kanner (in AUTISMO, Ed, Atheneu, 3* ed,, p.9/10). ‘Na definigtio atual da Organizagiio Mundial da Satide (in Classificagto Internacional de Doengas, 9° ed.), 0 “Autismo Infantil é uma sindrome presente desde 0 nascimento, e se manifesta invariavelmente antes dos 30 meses de idade. Caracteriza-se por respostas anormais a estimulos auditivos ou visuais, e por problemas graves quanto & compreensio da linguagem falada, A fala custa a aparecer, e, quando isto acontece, nota-se ecolalia, uso inadequado dos pronomes, estrutura gramatical imatura, inabilidade de usar iermos abstratos. Hé também, em geral, uma incapacidade na utilizagdo social, tanto da Jinguagem verbal como corpérea. Ocorrem problemas muito graves de relacionamento social antes dos 5 anos de idade, como incapacidade de desenvolver contato otho a olho, ligagio social e jogos em grupo. O comportamento & usualmente ritualistico e pode incluir rotinas de vida anormais, resisténcia a mudancas, ligacdo a objetos estranhos e um padrio de brincar estereotipado. A capacidade para pensamento abstrato simbélico ou para jogo imaginativo fica diminuida, A inteligéncia varia de muito subnormal, a normal ou acima. A performance PODER JUDICIARIO SAO PAULO COMARCA DA CAPITAL 6" Vara da Fazenda Publica Processo n°053.00.027139-2 (1679/00) é com fregiiéncia melhor em tarefas que requerem meméria simples ou habilidade visuo- espacial, comparando-se com aquelas que requerem capacidade simbélica ou lingiiistica. Usa-se como sindnimos da sindrome autista os termos: Autismo da Crianga, Psicose Infantil, Sindrome de Kanner, e 0 mimero estatistico & 299.0. Esta classificagao ainda cita trés outras, sob o titulo geral de Psicose com Origem Especifica na Infancia (299.0): a Psicose Desintegrativa (299.1); a Psicose/outra (299.8) e a Psicose Inespecifica (299.9).” (in AUTISMO, Ed.Atheneu, 3* ed., p.14). E, foi a partir da década de 60 que firmou-se 0 diagnéstico do Autismo para um transtorno de origem biolégica comprometedor do Sistema Nervoso, sugerido por uma interrupgiio precoce no desenvolvimento das células da Regiio Limbica do Cérebro, parte responsdvel por mediar o comportamento social. Tal transtomo biolégico pode ter como fatores o genético (maior incidéncia), as doengas infecciosas pré-natais (rubéola, caxumba, sifilis e herpes) ¢ até intoxicagao quimica ou ambiental, pelo que 0 autismo nao é uma doenga, mas uma sindrome, pois um conjunto de sintomas que podem ter mais de uma origem. , para o tratamento, conforme se observa da publicagdo do Ministério da Saiide, AUTISMO, Orientagdo para os pais - Casa do Autista (fls.299), “a variedade de terapias, voltadas para o tratamento do autismo, se deve as diversas caracteristicas que apresentam & grande diferenciagdo na apresentagdo dos casos. Veremos que cada uma atende a uma necessidade especifica. O melhor resultado néo é 0 obtido pela fregiténcia de todas as terapias disponiveis. De nada adianta sobrecarregarmos os autistas com uma maratona de tratamentos. Os éxitos virdéo na medida em que se puder conciliar as necessidades do autista com as de sua familia, sejam necessidades fisicas, afetivas, sociais € financeiras. A psicoterapia tem um papel essencial nos tratamentos desses quadros ¢ recomenda-se, principalmente, 0 uso de abordagem relacional, com énfase no controle emocional, na modificacdo de comportamento e na resoluedo de problemas. As técnicas psicoterapéuticas utilizadas com autistas geralmente observam trés fases. A primeira fase envolve a superagao do isolamento. Na segunda fase, 0 terapeuta fornecerd os limites iniciais, ajudando a crianga a desenvolver seus préprios limites. PODER JUDICIARIO SAO PAULO COMARCA DA CAPITAL 6* Vara da Fazenda Publica Processo n°053.00.027139-2 (1679/00) Finamente, na terceira fase, haverd a tentativa de compreender o conflito que ocasionou a retragao.” (fls.16/17). Em resumo, como bem observaram os I. Representantes do Ministério Publico, Dr. Jo&o Luiz Marcondes Junior e Dr. César Pinheiro Rodrigues, “4 questo, portanto, assim deve ser colocada: mesmo que a familia do autista tenha disponibilidade de pessoalmente brestar cuidados, 0 que quase nunca ocorre, tal ndto é suficiente porquanto o autista “tratado domesticamente” ndo the vé confiado o imprescindivel tratamento especializado, que the Possibilite melhorar gradativamente e, por exemplo, abrandar-Ihe a violéncia a niveis mais suportéveis, enfim, propiciar uma melhor adequagao do autista ao seu meio.”. Feitas tais consideragdes, no mérito, malgrado 0 zelo 0 esforgo da Tustre Causidica da ré, obrigatéria a procedéncia da agao. ‘A questiio ¢ de singelo entendimento. Como ¢ cedigo, a Constituigao Federal impés a0 Estado o dever de prover as condigdes necessérias ao pleno exercicio da cidadania e da dignidade da pessoa humana, fundamentos da Repiblica Federativa do Brasil (artigo 1°), sem preconceito de origem, raga, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminago (artigo 3°) Para tanto, elegeu como direito fundamental do individuo, o seu direito A vida (artigo 5°) ¢ na qualidade de garantia social, o direito a satide. Em especial, para o direito a saiide, expressamente assegurou a todos dentro do territério nacional, independentemente de quaisquer formas de discriminago, 0 acesso universal e igualitério as ages ¢ servigos para a sua promos, protego e recuperagdo, pois é dever do Estado, a ser garantido mediante politicas sociais ¢ econdmicas que visem a redugio do risco de doenga e de outros agravos (artigo 196). Também, em relag&o a saiide, determinou serem de relevincia publica tais ages e servigos, para a sua promogo, proteso ¢ recuperacdo, cabendo ao Poder Piblico dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentagao, fiscalizago ¢ controle, devendo sua execugio ser feita diretamente, ou através de terceiros e, também, por pessoa fisica ou juridica de direito privado (artigo 197). E, ainda, estabeleceu que as agdes ¢ servigos piblicos de saiide integrem uma rede regionalizada e hierarquizada e constituam um sistema tinico, organizado de acordo ee > PODER JUDICIARIO SAO PAULO COMARCA DA CAPITAL 6* Vara da Fazenda Publica Processo n°053.00.027139-2 (1679/00) as diretrizes (artigo 198) da descentralizago, com diregdo ‘inica em cada esfera de governo (nciso 1), do atendimento integral, com prioridade para atividades preventivas, sem prejuizo dos servigos assistenciais (inciso II) ¢ da participagiio da comunidade (inciso Il), financiado nos termos do artigo 195, com recursos do orgamento da seguridade social, da Unitio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municipios, além de outras fontes (pardgrafo ‘inico). Nessa esteira ¢ de maneira idéntica, fixou expressamente a Constituigdo do Estado de Séo Paulo expressamente ser a Saiide um direito de todos e um dever do Estado (artigo 219), garantidos mediante (pardgrafo unico) politicas sociais, econdmicas ¢ ambientais que visem ao bem-estar fisico, mental e social do individuo e da coletividade e a redugiio do risco de doengas ¢ outros agravos (1), com acesso universal e igualitario as agdes € a0 servigo de satide, em todos os niveis (2), com direito & obtengio de informagdes ¢ esclarecimentos de interesse da saiide individual coletiva, bem como de atividades desenvolvidas pelo sistema (3), para atendimento integral do individuo, abrangendo a promogio, preservagdo e recuperagdo de sua saiide (4), Para as ages € os servigos de satide, declarou serem de relevancia publica (artigo 220), prestados pelos drgos e instituigBes piblicas estaduais e municipais, da administragao direta, indireta ¢ fundacional, que constituem o sistema tinico de satide (artigo 222), ao qual compete a assisténcia integral a satide, respeitadas as necessidades especificas de todos os segmentos da populagao (artigo 223, inciso I). ‘Na esfera infraconstitucional, disciplinou a Lei Federal n°8080/90 ser a saiide um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado promover as condigées indispensaveis para 0 seu pleno exercicio (artigo 2°), garantindo condigdes ao bem-estar fisico, mental e social (artigo 3°), de acesso universal e igualitério a todos (artigo 7°), sempre gratuitamente (artigo 43). No Estado de Sao Paulo, seu Cédigo de Satie, Lei Complementar n°791/95, declarou ser a saiide uma das condigdes essenciais da liberdade individual e da igualdade de xodos perante a lei, sendo o direito a ela inerente & pessoa humana, constituindo-se, por isso, em direito pablico subjetivo (artigo 2°), assegurado pelo Poder Piblico como instrumento que possibilite & pessoa 0 uso € 0 gozo de seu potencial fisico e mental, repetindo no mais os ‘mandamentos constitucionais, ja elencados acima, 7 PODER JUDICIARIO SAO PAULO COMARCA DA CAPITAL 6* Vara da Fazenda Publica Processo 0°053.00.027139-2 (1679/00) E, por fim, em raziio do que dispde o pardgrafo 2° do artigo 5° da Constituigao Federal, quanto a outros direitos fundamentais decorrentes de tratados internacionais em que a Repiblica Federativa do Brasil seja parte, é de se considerar 0 disposto no artigo 25 da Declaragao Universal dos Direitos do Homem, pois “toda pessoa tem direito a um nivel de vida suficiente para assegurar a sua satide”, € a Declaragio dos Direitos do Deficiente Mental, aprovada pela Assembléia Geral das Nages Unidas, desde 20 de dezembro de 1971, a qual estabeleceu que “a pessoa mentalmente retardada tem direito & atengao médica e ao sratamento fisico que requeira seu caso, assim como a educagdo, & capacitacao, & reabilitacdo e d orientacdo que the permitam desenvolver ao méximo sua capacidade e suas aptidées”. Temos dos autos, ent&o, que ao apresentar sua pega de defesa, a ré no contestou sua obrigagdo constitucional de prover as condigdes para a saiide de todos, inclusive dos portadores de Sindrome de Kanner, nos termos do artigo 196 e seguintes da Constituigio Federal de 1988, artigos 219 e seguintes da Constituigao do Estado de Sao Paulo ¢ da Lei Organica da Saude, Lei Federal n°8080/90, ‘Tanto o é, que foi clara em afirmar que vem buscando manter, por si ou por entidades a ela conveniadas, o atendimento ambulatorial ¢ de intemnagdo de pessoas portadoras de tais transtornos do desenvolvimento psicolégico e mental, porém, com vagas insuficientes diante da demanda, motivo pelo qual a Secretaria de Satide esté buscando ampliar sua capacidade de atendimento especializado, principalmente em relaglo aos portadores de autismo, efetuando levantamento das instituigdes, contatos telefSnicos ¢ visitas, tudo para processo de formag&o de convénios pelo SUS ¢ encaminhamento de recursos por meio da referida Secretaria (fls.427/523, fls.547/555 e fs, 563/590). Em conseqdéncia, nessa parte, ¢ de se reconhecer a hipétese do inciso II do artigo 269 do Cédigo de Processo Civil, ou seja, houve 0 reconhecimento do pedido. Porém, no que diz respeito a extensio de sua obrigaao constitucional e a forma de atendimento aos pacientes portadores de autismo, contestou artigo 302, ¢ seus incisos e pardgrafo ‘ico, do Cédigo de Processo Civil. Impugnou o pretendido atendimento indiscriminado ¢ seu custeio, seja por tratamento ambulatorial, seja por internagdo, para todo e qualquer portador da Sindrome de iGo, nos termos do oa PODER JUDICIARIO SAO PAULO COMARCA DA CAPITAL 6* Vara da Fazenda Publica Processo n°053.00.027139-2 (1679/00) Kanner, independentemente da situagéo financeira da familia e em entidade particular indicada pelos representantes legais. Sustentou que a sua obrigagdo constitucional de garantir & populago acesso aos servigos ¢ agdes de saiide, sem privilégios de qualquer espécie, mediante atendimento gratuito, restringia-se apenas aos que se mostrassem carentes de recursos. E, da mesma forma, declarou, em razio do principio da Tripartig’io dos Poderes expresso no artigo 2° da Constituigdo Federal, ndo estar sujeita a decisdes de outro Poder que resultassem em co-gesto ou alterago da destinago de verbas do seu orgamento, pois s6 seu o dever de gerir a coisa publica, elegendo, segundo critérios de conveniéncia e oportunidade, as diretrizes e as prioridades goveramentais, Mesmo porque, em razio da caréncia de recursos piblicos ¢ auséncia de normas especificas para a rede pablica de saiide, ‘no poderia aceitar privilégios de qualquer espécie. Entretanto, para tais impugnagdes nfo the assiste qualquer amparo Constitucional ou legal. ‘A uma, pois despido de qualquer fundamento juridico e moral, 0 argumento trazido, 0 da falta de dotagdo orgamentéria para tal atendimento especifico, ou seja, para doentes mentais, mesmo que extraordinariamente caros em razio da especificidade da sindrome, no caso, se autista de “alto funcionamento”ou de “baixo funcionamento”, se de pequena ou de avangada idade. Simples seria se 0 Governo do Estado de Sio Paulo passasse a realmente destinar verbas suficientes para programas especificos, em razio do grande numero de pacientes que se encontram em tal situago, pois a referida sindrome atinge entre 0,04% a 0,05% da populag&o, certamente desenvolveriam um atendimento decente de amparo & sociedade e, assim, cumpriria com as diretrizes constitucionais de atendimento integral nos xermos dos principios da universalidade e da igualdade de acesso aos servigos de saide. Como sugestiio, para tanto, poderia dispor daquelas vultosas quantias desperdigadas em publicidade, dita informativa a populago, mas que, na maioria das vezes, sto verdadeiras campanhas politicas, e que quase sempre acabam impugnadas e anuladas por meio de ages civis piblicas, como recentemente vem sendo questionada judicialmente a bs PODER JUDICIARIO J SAO PAULO COMARCA DA CAPITAL, 6* Vara da Fazenda Publica Processo n°053.00.027139-2 (1679/00) campanha publicitéria do Governo do Estado de Sto Paulo para a absurda “taxa de policiamento”, ‘A duas, em consequéncia do acima exposto, deve 0 Governo do Estado de Sio Paulo prover a todos das condigdes necessérias ao pleno exercicio dos direitos a vida e & satide, sendo irrelevante a maneira como seré distribuido o servigo. Porém, a discricionariedade a que se refere a Fazenda Estadual, s6 é admitida apenas na escolha da melhor politica para satisfazer a demanda, mas nunca de maneira a impossibilitar 0 fim almejado pelas apontadas Normas Constitucionais. © Poder Discricionario da Administragio nao é absoluto, pois entio estaria subordinado a critérios aleatérios, culminado com providéncias insensatas e desarrazoadas, as quais por certo ndo atingiriam a finalidade da lei e ndo atentariam para o interesse piblico. Nesse sentido, é pacifico que havendo falha administrativa no cumprimento das apontadas Normas Constitucionais e Legais, quando da condugdo do Governo, pode sim 0 Poder Judiciério determinar providéncias para atender interesses fundamentais ou sociais, quer de um individuo, quer da coletividade. A trés, pois como comprovado nos autos pelos documentos juntados pelas partes, apesar da iniciativa da Administragdo Publica, desencadeada coincidentemente apos as sucessivas citagdes em ages individuais propostas por representantes legais de autistas na presente ago civil piblica, continua o Estado de Sao Paulo, por seus Orgao e Secretarias, a no atender de forma eficaz ¢ especifica a populagdo de portadores da Sindrome de Kanner, pois vém apresentando até agora somente medidas aplicdveis no futuro voltadas para doentes ‘metais em geral, as quais nfio podem ser aceitas pelo Juizo como aquelas determinadas pelas Constituigdes Federal e “Estadual, para afastar as que ora esto sendo reclamadas imediatamente pelo autor, no atendimento para todos que padecem do autismo. Em conseqincia, enquanto o Governo do Estado de Sao Paulo no colocar & disposigio de todo © qualquer autista, efetivamente, estabelecimentos préprios ou conveniados para o tratamento ambulatorial e de internagdo, especializados no atendimento da Sindrome de Kanner, em decorréncia de sua inércia ou de seu descaso para com 0 mandamento constitucional, deverd sim responder pelo custeio do tratamento do referidos pacientes mediante o pagamento das despesas, no podendo, em hipétese alguma, seleciona- 10 & PODER JUDICIARIO J SAO PAULO COMARCA DA CAPITAL 6* Vara da Fazenda Publica Processo n°053.00.027139-2 (1679/00) los em razo da origem, da raga, do sexo, da cor, da idade ou quaisquer outras formas de discriminagdo, inclusive da situag4o financeira familiar, cumprindo assim 0 mandamento constitucional de prover as condigdes para a satide de todos, nos termos do artigo 196 e seguintes da Constituigiio Federal de 1988, artigos 219 e seguintes da Constituigdo Estadual, da Lei Orginica da Satide, Lei n°8080/90 e da Lei Complementar Estadual n°791/95. Portanto, por qualquer dngulo que se examine a questio, nessa parte, no ha como dar-se guarida a defesa deduzida pela Fazenda Estadual, pois esto sendo violados os direitos fundamentais da populagdo portadora de autismo, residente no territorio do Estado de So Paulo, diante da conduta omissiva do Poder Publico Estadual a partir da Promulgagao da Constituigdo Federal de 1988 ¢ da Constituigdo estadual de 1989. Por fim, plenamente possivel a imposigao da multa diéria para 0 caso de descumprimento da obrigago pelo devedor, mesmo quando for a Fazenda Publica. Ao contririo do que vem sustentando em sua contestago, nfo é o contribuinte quem vai arcar com o Gnus. Para tanto, basta a FESP tomar as medidas pertinentes, exigindo de seus funcionérios organizagdo ¢ respeito as decisdes Judiciais, Porém, se aplicada a multa deveré responsabilizar 0 funciondrio que gerou o atraso no cumprimento da ordem judicial, exercendo o direito de regresso, sem prejuizo da ago por improbidade administrativa, ANTE O EXPOSTO ¢ o mais que consta dos autos, JULGO PROCEDENTE a ago civil publica movida pelo Ministério Publico do Estado de Sao Paulo contra a Fazenda do Piblica do Estado de Sao Paulo, com fundamento no artigo 269, inciso I, do cédigo de Processo Civil, para CONDENA-LA, até que, se o quiser, providencie unidades especializadas proprias e gratuitas, nunca as existentes para o tratamento de doentes mentais “comuns”, para o tratamento de saiide, educacional e assistencial aos autistas, em regime integral ou parcial especializado para todos os residentes no Estado de Sao Paulo, a: 1.- Arcar com as custas integrais do tratamento (internago especializada ou em regime integral ou no), da assisténcia, da educagdo e da satide especificos, ou seja, custear tratamento especializado em entidade adequada nio estatal para 0 cuidado e assisténcia aos autistas residentes no Estado de Sao Paulo; Il- Por requerimento dos representantes legais ou responsaveis, acompanhado de atestado médico que comprove a situagdo de autista, enderegado ao Exmo. ee n PODER JUDICIARIO SAO PAULO COMARCA DA CAPITAL 6* Vara da Fazenda Publica Processo n°053.00.027139-2 (1679/00) Estado da Saiide e protocolado na sede da Secretaria de Estado da Saiide ou encaminhado por carta com aviso de recebimento, terd o Estado 0 prazo de trinta (30) dias, a partir da data do protocolo ou do recebimento da carta registrada, conforme o caso, para providenciar, as suas cexpensas, instituigilo adequada para o tratamento do autista requerente. IIL - A instituig&o indicada ao autista solicitante pelo Estado deverd ser a mais proxima possivel de sua residéncia ¢ de seus familiares, sendo que, porém, no corpo do requerimento poder constar a instituigdo de preferéncia dos responséveis ou representantes dos autistas, cabendo ao Estado fundamentar inviabilidade da indicago, se for 0 caso, e cleger outra entidade adequada. IV - O regime de tratamento e atengiio em periodo integral ou parcial, sempre especializado, deverd ser especificado por prescrigdo médica no proprio atestado médico antes mencionado, devendo o Estado providenciar entidade com tais caracteristicas. V - Apés 0 Estado providenciar a indicagio da instituigo deverd notificar 0 responsiivel pelo autista, fornecendo os dados necessérios para o inicio do tratamento. Para a hipdtese de descumprimento das obrigagdes de fazer dos itens I a V, fixo a multa didria de R$50,000,00 (cinquenta mil reais), destinada ao Fundo Estadual de Interesses Metaindividuais Lesados (artigo 13 da Lei Federal n°7347/85), tendo a ré 0 prazo ‘maximo de 30(trinta dias), a contar da intimago da presente decisdo, para disponibilizar, de forma permanente, tal atendimento aos portadores de autismo. Nao hé custas e despesas processuais a recolher ¢ incabiveis honorérios advocaticios. Estando sujeita a sentenga ao reexame necessirio, decorrido 0 prazo para processamento de eventual recurso voluntério das partes, subam os autos a E. Segunda Instncia com as anotagdes de estilo. Expega-se, com urgéncia, mandado para intimagio da Fazenda Publica, PRI ‘Sao Paulo, 28 de 2

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