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JOSE BENISTE Sada de servir as oferendas, A sua frente, de Pé e de costas para tyadagan, fica a iyaméro, Tesponsivel pela danca e conducao da cuia com as oferendas. 4— Entre uma e outra esto, no chio, os elemen- fos do ritual: omi — quartinha com agua, que acalma e fertiliza; iygfun — um prato com farinha de mesa crua, que simboliza a fecun- didade; epo pupa — azeite-de-dende, 0 sangue vegetal; otf — garrafinha com aguardente, o sangue branco; akasa — pudim de milho branco, enrolado em folha de bananeiza, ¢ que representa © corpo de todos; ighd — a cuia do ipadé, onde serio depositadas as ofe- tendas e que representa a cabeca de todos, A parte, € colocada uma vasilha com Agua na porta que dé acesso a rua (cantico n? 8). A tyadagan serve, a lyéméro carrega a cuia. Na sua auséncia, ela é substituida pela ajimada. A cuia representa a cabega de todos 08 participantes, por isso, a cada volta, a cuia Passa por todas as cabegas; o akasd reprosen- ta 0 corpo, por isso a iyimord traz a cuia jun- to ao corpo, protegendo-a. Ela nunca di as costas — quando sai, o faz; de frente; quando volta, entra de costas, Ao dancar, nio roda sobre si mesma, 5 — Todos os que assistem devem ticar balangando ligeitamente 0 corpo de um lado para 0 ou- tro, numa demonstra¢do de que estdo atra- vessando, vivos, todas as fases da obrigacao, 296 QRUN AIYE _AWON ORIN ORO IPADE — Seqiténcia dos H canticos do ipadé Inicialmente, o As$gb4 ou um Ogin diz algumas palavras iniciais acerca da finalidade do ipad@, e citan- do a data. Em seguida, derrama um pouco d’agua da quartinha no cho em trés pontos separados; todos fazem 0 paws lipatéw6), Toca com os dedos os trés pon tos da agua derramada, bate tres vezes sobre o punho fechado da mao esquerda, dizendo: Omi tin, Pele tan, ra Avadegn se posiciona, ajoclhada sobre a se ra, com os bracos apoiados no banquinho, em atitu de profundo respeito © humildade; a frente, de costas, a iyam6r0. No chao j4 estdo os elementos de prepara do das oferendas, Tem inicio 0s canticos: 1 — Ind mo jabae Est Ind, meus respeitos Ind, Ind mo juba diyé Esa Ind, os respeitos do mundo Bsu Ina, meus respeitos B50 Ina, os respeitos do mundo si Ind, ndo tenha " maus pensamentos 31D ka diyé Nao tenha maus Ind, Ind k0 18 ka diyé ae ee Ind ho 10 ka o mundo Ind, Ind ko v0 ka diyé Nao tenha maus : pensamentos para o mundo Ind mo jtaba Ind, Ind mo juba diye Ind kd 10 kde Ind ko 10 ka 297 JOSE BENISTE Ind k6 0 wd gba diyé — Venha socorrer 0 mundo Ind k6 0 wa gba aiyé — Venha nos socorrer Ind Ind k6 0 wa gba aiye Venha socorrer 0 mundo Este cAntico inicia sempre 0 ipadé ¢ fala do res- Peito que todos devem ter por Esi, aqui visto como Ind, 0 fogo, sendo que, utilizando a mesma palavra com outra entonagdo, Ina, sua fungéo se modifica para “aquele que pune as pessoas”. No decorrer deste canti- co, a lyadagan mistura, na cuia, um pouco d'4gua, farinha e azeite-de-dendé se o ipadé for em festa de Osaala, substitui o azeite-de-dendé por ori, limo-da- costa, A iyamérd apanha a cuia sem se virar para tris €, dangando, da uma volta em torno da iyadagan e se dirige para o lado de fora do barracdo, para depositar a oferenda aos pés de uma Arvore ou arbusto. Depois Tetorna com a cuia vazia ¢ a coloca na posi¢do em que estava para o ato ser repetido mais duas vezes. Ao ter- minar, outro cantico € entoado: 2 — Ojisé pa'lé fun wao Hsu, tome conta da casa para nos Qdara pa'lé s‘gba —Seja o guiae protetor Ojisé pa'lé fun wa 0 Bsa, tome conta da casa para nos Qdara pa'lé s'ba —_Seja 0 guia e protetor 3 — Ba'isa Ba'isa Baba Orisa, Senhor Origa O Imutavel Baba Orisa, Senhor Orisa 298 ORUN AIYE a vel Alemasa © Imuta : do 4'isa Olgp4 ogun Senor da Insignia Ba’iga Olgpa eae ‘ Dono do Poderoso Olgpa ogun oS Ba’iga Qlopd ogun —Senhor da Insignia do HEE Poder 4 ogun Dono do Poderoso Qlspa ogu ae isa Eg(gin Roko Senhor Orisi, Ancestral fone da Floresta Roko Ancestral da Floresta Bast Egigiin Roko Pai Origa, Ancestral da f Floresta Egigan Roko Ancestral da Floresta gigin 6 uma outra forma da palavra Egangiin. No cantico n? 2, uma outra das muitas facetas de Bsa € revelada, Ele af € homenageado como Oi, © transportador de todas as oferendas. A iyadagan colo " dente. Isto é fei ia um pouco d’agua ¢ aguart eats Zz pine apanha a cuia ¢ a leva para fora. Em todos os momentos em que a lyémérd aguarda val servida para conduzir a cuia, ela permanece na posicée inicial dangando com movimentos suaves = ombios fica est \. ios, sem sair do lugar. Ela nunca ca ee ‘iltima vez em que a cuia sera usada, pois be oferendas de preparo jé foram todas oferecidas na mis ura feita na cuia. Agora sO restam a garrafinha de aguardente ¢ o akasi. Os canticos seguem, entdo, com a saudagao aos Esa: 299 JOS BENISTE 4— Wa'le Babd Ons Baba ija Wa'le onija Wa'lé Baba o Aaéee Wa'le ontja 5 — E Onisa aro le Ind mi sin mi gba onie Babd Esa k'eran Olomo mi sin mi goa Bis dé'lé 6—Onice Onisa e'gran Ardiyé Baba Esa Asika Onisa k’éran Ardiyé Lo bi wie 300 Pai, venha a nossa casa Pai e Senhor da luta (nos defender) ‘Venha 4 nossa casa Senhor da luta ‘Venha a nossa casa, Pai ‘Venha & nossa casa Senhor da luta Esa, herdeiros do ase In4, acompanhe-me para que eles aceitem_ Babé Esa, aceite a oferenda Progenitores, acompanhem-me que eles cheguem a nossa casa, Ele diz: Senhores Esa, accitem a oferenda dos seres do mundo Baba fisa Asika Senhores Esa, aceitem a oferenda dos seres do mundo, Que a fizeram para fazé-lo crescer QRUN Ave Nesta seqiéncia de cAnticos, a ly4dagan e lyamo- 18 permanecem na posi¢do inicial, Nada se serve ou € conduzido. Esa € 0 titulo dado aos ancestrais fundadores dos primeiros Candomblés ou que ajudaram as antigas Maes. Sete deles sio lembrados como representantes de toda a ancestralidade e citados, alternadamente, em substituicado a Baba Asika no cantico n? 6: isa Asika — 0 mais antigo e que atuou ao tempo de lya Nas6, fundadora do Candomblé do Engenho Velho, Bahia. fisa Obitiko — Rodolfo Martins de Andrade, tam- bém conhecido pelo oyé de Bamgb6sé, nasci- do em 1833. isa Oburo — Joaquim Vieira da Silva, também conhecido pelo oyé de Obasiniya, € mais ‘Esa Akgsan Esa Adiro isa Ajadi Esa Akayode Cada um dos nomes citados, as pessoas saddam tocando com os dedos no chao depois na fronte, em sinal de respeito. 7 —Oti ni sd k’omg Esta € a aguardente que vocé conhece Say bee bee Assim, fique satisteito O ni sdyd beg bg Ele diz: assim, fique satisfeito Qt ni sd k’o mg Esta € a aguardente que vocé conhece 301 JOSE BENISTE Sayo bee bee Assim isfeit 7 ique satisfeito O nii sayp bee bee Ele diz: assim, fique satisfeito A lyadagan entre; zs ga a lyamérd a garrafinha de aguardente — otf, que a levara para fora e a colocara no a das oferendas anteriores. A lyamord retorna a posicdo anterior, restando i Posido ante agora 0 akasa, como a alti- 8 — Egun 9 O ancestral guiara Eni solord As pessoas que celebram o ritual Bsan folors Digam que continuem 0 ritual At6rd se Que venham repetir 0 ritual Bsa Aghs Bsa Agbo lors Senhor do Ritual Bsan fot6rs Digam que continuem o : ritual At6rd ge Que venham repetir 0 ritual Este € 0 momento de reverenciar os Orisa, nomeados através de seus titulos, Sao invocados 10 ort 8a, cabendo variagées, segundo tradigoes pessoais. Os nomes dos driga abaixo sto citados alternadamente substituigao a Est Agbé na seguinte seqiiéncia: - Esa Agbo Oya Jeb § € Ogun Akors, Yemoja Aoyo Ode Arolé Oba Afonja 302 RUN AIYE Omolu Arawe Baba Ajalé Osun Ewajf Jagan Elemoso 9 — Apaki yeye ‘s0rQnga Mac das asas plumadas “Apaki yeye ‘soronga- Mae das asas plumadas Iya mo ki 9 ma ma pani Eu a cumprimento, néo me aflija Iyd mo ki 9 ma ma $076 Eu a cumprimento, nao me cause tristeza Ba a ba dé waji wd, Se voce esta diante de nés Ni bd mio proteja-nos Esta € a invocagio as lya mi e é cantada trés ‘vezes, e cada vez que o nome dela é citado, todos pas- sam 0 dedo no chao em forma de cruz, uma atitude que se toma em tudo o que representa perigo. Osordn- gi é a representagao de mais trés passaros — Agbigbo, Blala ¢ Atioro, que se transformam nas Ajg — as feiti- ceiras, & exaltada como lya mi — minha m4e, numa forma de conquistar suas gragas, por ser tio poderosa, Esses passaros tém a forma de voar com as asas espal- madas, quase planando de um lado para 0 outro. ‘A lyadagan e a lymérd permanecem na posic4o inicial, aguardando a proxima e Giltima oferenda. 10 — Iya mi Id gba wa0 Minha Mae nos ajudara Iya mi sord Minha Mée fara a obrigacdo La gha wao yee Enos ajudara 303 JOSE BENISTE Agora a lyadagan entrega a ltima oferenda, 0 aka- 8% 0 ritmo 6 mais ligeiro. Enquanto da uma volta ao redor da lyadagan, um gan, rapidamente, apanha a vasilha com Agua e vai espargindo-a pelo chao, no cami- nho que a lyamoro ira conduzir 0 akas4, “esfriando o chao", tornando-o fresco. A lyamérd sai rapidamente ‘ao som ligeiro dos atabaques, pisando no chao levemen- te molhado, e deposita o akasa no local das oferendas, Enquanto a ly4m6rd vai retornando, a lyddagan recolhe a esteira, a cuia e © banquinho, liberando 0 local para a chegada da Tyamérd. A cuia é logo guardada para néo ficar rolando de um lado para o outro, a fim de que as cabegas de todos nao rolem também, l1—Baéeokeo Somos fortes como a E montanha Aila lo la fo npa o ilomo ke wa po Afofo lo la po nise Ort omg ke wa po Neste cantico, todos se poem de pé, cor f a com as maos estendidas saudando a lyédagan e 0 retorno da lyamo- 10, as duas dangando graciosamente ao ritmo ij@sa, que, por sua vez, saddam os atabaques 8 pre- SP ques ¢ todos os pre- 12 — hyamoro dodo lyém6rd, ela conhece a verdade Iyamsrd dodo hyamers Tyamérd, cla conhece a justica ORUN AIYE (Ibisi) ¢ 16 bi wa O crescimento do ase da existencia Iydmérs d6d6 Jyamord a todos. 13 — Ajtmada ko re le ya Ajimuda Agha ijena A guardia dos caminhos Ajtmada ‘muda ko Agha ijena 14 — Ajimda sare wa Ajtmada 15 — Ogan lejo sare wa Ogan lejo Nesta seqiténcia de canticos, sio saudados os por- tadores de titulos — oy@, com as duas dangando juntas. No cAntico n° 12, 0 cargo de lyam6rd é substituido, alternadamente, pelos demais cargos, entre cles, os de Iyadagan, lyagbasé, Asogba, Apogan etc. Ao final, € efetuado o toque caracteristico do drisa, que sera feste- jado na festa noturna, e com todos trocando béngdos. Os Elementos dos Ritos e Materiais Simbolicos ‘Temos citado as oferendas feitas e os animais ofe- io; eles variam conforme as circuns- ea divindade louvada. De um mo- do geral, elas vio desde as menores coisas vivas ou nao vivas, até um animal de grande porte, Os materiais 20, pois, tirados, tanto do reino animal quanto do ve~ 305 JOSE BENISTE getal e mineral, levados em conta os tabus das divinda- des. Assim, deve-se conhecer as preferéncias das divin- dades e a forma do oferecimento ser feito. Ha sempre uma razéo para um elemento ser in- clutdo num ebo, seja um animal ou oferenda seca, Ve- jamos alguns exemplos: ADIE — A Galinka Entre os animais domésticos, a galinha e 0 galo sao utilizados frequentemente, e isto pelo fato de cer- tas partes dessas aves possuirem diferentes sentidos, As enas, iye, do peito dao protegdo quando usadas ceri- monialmente: Bi adie bé soktin ing, ibiribi a bd 6; aya ni adig fi mbo omo 1a grita pelas penas, as penas novas. © peito da galinha 6 usado para pro- teger os pintinhos. © ato da galinha acomodar seus pintinhos debai- xo das asas revela a razdo de se tirar as penas das asas © do peito, € colocé-las nos assentamentos do orisa, Ros ritos de sacrificio; na iniciaglo, as penas sio colo. cadas em volta da cabeca da yaw6. O sangue da a vida, ¢ as penas, a protesdo. Adie 0 nome da galinha que ainda nao botou ovo; agbébd € a galinha que ja botou ovo, 306 QRUN AIYE EIYELE — O Pombo Representa honra, prosperidade ¢ longa vida. £ 0 iffcios. A sua tue se espera daquele que 0 use nos sacri | erenidade quando voa, sua aparencia e clegancia de movimento atribuem-lhe uma espécie de santidade, dat © cantico: Vine nt tye eiyelé © pombo sera sempre préspero ide ni fde adaba lgrin A pomba sempre cea tera paz Arye mio Que eit seja préspero A san mio Que tudo seja bom para mim Conta a histéria que 0 pombo vivia na floresta € era chamado de ¢ieko — passaro da floresta, Por ter sido ajudado por Ej1 Ogbe, tornou-se um passaro de cidade e passou a ser chamado de eiyelé — passaro casa. Fis alguns trechos deste ese do odi Eiji Ogbe: 1 = Nighaa laéldé ri, 2 — Won ki é pe Biyelé ni Biyele 3 — Eiyeko ni won npe é 4— Nitori pé oko ni ngbé 5 — Omg ind ni oun ati Adaba 8 — Oun 6 r’§mo bt 9 — Oma to Ejt Ogbe 307 JOS# BENISTE 10 — Won nt ebo ni kt 6 wa ra u-Ostmiu 12 — Nigba tf Eiyelé 6 pamo 13 — Méjt 16 pa 14 — O wad k6 awon omo nda han Efi Ogbe 15 — © dupe 16 — O nf lati fi tmoore oun ban 17 — Ke Eji Ogbe 6 kélé fan dun 18 — N¢itaa re 19 — Kt oun 6 mda gbe 20— Ont 21 — Mod 22 — Bi Ogbe ni 25 — Ts kd ba fé nina avon omp nda ribo 26 — Biyelé ni: N 6 le than ribo 0 27 — Bjeejt ni mo féran 1 — Nos velhos tempos 2— Eles ndo chamavam 0 pombo de Biyelé 3 — Eles costumavam chamé-lo de Eiyeko 4 — Porque ele morava no mato 5 ~ Ele veio da mesma mae Adaba (a pomba) 6 — Foi feita uma consulta para Biyeko 7 — Quando a pomba estava chorando 8 — Por nio ter filhos 9 ~ Entdo, ela procurou Eji Ogbé 10 — Ela foi aconselhada a fazer um eb 308 RUN AIYE 11 —Eelao fez 12 — Quando a pomba chocou seus ovos 13 — Sairam dois passarinhos 14 — Ento, ela os levou para Eji Ogbé 15 — Ela the agradeceu 16 — Para demonstrat gratidao, ela propos 17 — Que Eji Ogbé construfsse um ninho para ela 18 — Na sua rua 19 — Onde ela iria morar 20 — Ela disse: “Dei A luz dois filhotes 21 — E, assim, me tornei um passaro doméstico 22 — Eiji Ogbe disse: “Este passaro € apropriado para se ter em casa” 23 — E ele ordenou que ela fosse chamada Eiyelé 24 — Ele disse que a pomba deveria oferecer 25 —O filhote que ndo gostasse, em sacrificio 26 — A pomba disse “no posso oferecer nenhum deles em sacrificio" 27 — Eu amo os dois 28 — Assim, Bji Ogbé ordenou que 29 — A pomba deveria ter sempre dois filhotes 30 — Sempre que fosse chocar seus ovos. BJA — O Peixe ‘Simboliza a tranqUilidade e a paz, atenuando a dor a perturbagdo; € muito usado nas obrigagdes de bort: Ori 16 nsewa Ea cabega que traz a sorte Ori 16 nsewa a cabega que traz a sorte fan Oksds para o peixe Ok6d6 309 JOS# BENISTE IGBIN — O Caramujo ‘Também € chamado de fr — aquele que amolece eacalma, é relacionado com a docilidade, tranquiilidade © paz. E oferecido nos momentos em que a paz € necesséria. © movimento vagaroso, cuidadoso e firme dos caracdis os impede de choques e confusées entre si. © seu oferecimento objetiva livrar de perigos de todos 0s tipos. Entre © povo yoruba, no ato da circuncisio, por exemplo, 0 corpo fluido do caracol é borrifado na parte a ser cortada. & usado em larga escala nas obriga- ‘g6es a Oshala, pelas qualidades que tem e pelo sangue branco ~ gj? funfuun, que possui. Ha duas formas de ofe- recé-lo: quebra-se a casca por tras, e com o polegar empurra-se o igbin para fora. Neste caso, canta-se Baba igbin Igbin ta ni rere ou sem quebrar a casa: o igbin 6 colocado n'égua para sair. Com um pano branco, pegase o igbin e se aper- ta, puxando-o para ele sair inteiro, A casca no se joga fora — coloca-se num prato e se pée mel em cima. OBI — Noz de Cola Est4 sempre em todas as oferendas, especialmente como forma de prognéstico. Para isto usa-se 0 obl mé- rin — obi de quatro gomos. £ um hébito geral o ofere- cimento do obi 4s visitas; € um sinal de cortesia, ami- 310 QRUN AIYE zade e compreenséo, ¢, “uma vez repartido, constitu ‘um pacto de lealdade e de comunhao”. Algumas frases alusivas ao uso do obi evidenciam isto: Obi nf fbi ih, obt nf ébi Aran O obi tanto afasta a morte quanto afasta as doengas Ebora ki tho gb? fin obt ‘As divindades nunca desconsideram uma soplica feita com 0 obt EPO PUPA — Azeite-de-dende ‘Tem o mesmo simbolismo do igbin; modera ou sua- viza aquilo que, de outra maneira, seria incontrolével. Epo ni ardjit ob © epo amolece o guisado © epo atua como agente que acalma 0 agastamen- to divino diante dos erros do ser humano. Por isso é usado, principalmente, nas oferendas feitas as divinda- des que se caracterizam pela luta: Sang, Ogin, Omo- lu ete, De igual maneira, 0 epo € oferecido as lyami, como substituto do ¢g. ‘Todos os elementos possuem seu carater simb6lico favorecido por tradigées culturais. O mel e as abelhas, por exemplo, estio associados a realeza a partir do momento em que um enxame de abelhas se instalou, ‘em forma de favo, dentro de uma grande jarra que con- tinha os cranios dos reis de Sado. Também foi uma pro- 3u1 JOSE BENISTE videncia nutritiva dos ancestrais de Kétu, quando, na primeira noite que eles passaram sobre seu territ6rio atual, puderam se banquetear com 0 mel do favo que descobriram num pé de irokd. E agradavel a todos os Orisa € ancestrais, sendo as abelhas — agbgn, as mensa- geiras de Os6Qsi, e o mel, o seu principal év9 — tabu. EWE — Folbas Sao, verdadeiramente, o sangue vegetal utilizado nos ritos religiosos e na cura de doengas. KO si ewé, k6 si orisa — “sem folha nao ha origi”, revela exatamente a impor- tancia de sua utilizagao em todos os momentos cerimo- niais. A maceragdo das folhas é denominada Agbo. De acordo com a cor, textura, habitat, fungdes curativas, elas sao utilizadas para banhos, bebidas, recebendo de- nominagoes especiais, Algumas delas encontram corres pondéncias no solo brasileiro, pelos africanos aqui trazi- dos, Outras foram transportadas e aclimadas, SASANYIN — O Cantico das Folhas Todos os drisa possuem suas folhas, mas o poder de todas elas pertencem a Osényin, daf a expresso em sua saudacdo: Ewé 0 Asa! — “Que as folhas sejam nos- 80 escudo (defesa)". A sua cerimonia ¢ denominada Sasdnyin — Asa QOsdnyin, homenagem e protesao de Qsanyin, quando dezenas de cnticos s4o entoados, destacando alguns: 312 ORUN AIYE Ghogto ri 0 Erp fan asese Ghogbo ri 0 Erg fan avo ‘Sese ire’wo Erp fian asese Tre 219 fan awo Etadégun ows Bradogan 0 mp A ta riki ghogbo Be rule Ojit ord mi mo 1'¢s2 10'mi Osibata ni mu le k'we s'odo Awa nini I'gse ri mo OsOMARE Ewé mona dandara Ewé mona dandara 313 JOSE BENISTE ORUN AlvE Dandara omi Dandara ¢jo ean Ewé mona dandara Ewé pele’be mi t'dbe 0 QmoLu ‘be Ewa k'asa bo V'ona E wa k'asa bp l'gna A kaka ma ku a ku pele'be Pele'be mi t'gbe 0 Agutan ti bi kan Ewé ‘re ijeje Ewa k’asa bp l'ona Ogtin Akoro We ge Ewé ‘re jeje Akoro Obariga SANGO Iba ri baba Iba ri yeye Ipasdn o ilera E baba ko mu baba Biye ta ti kd mu fa feso So ku moms aro Ipesdin o ilera Aki ho baba spre Eiye ta ti kd mu ma feso Furu ko ba A ndi gba laye Ogun Notas 1, Sobre a magia ¢ age, deve-se considerar que o ser vivo exerce uma influéncia vital sobre tudo o que Ihe € subordinado, principalmente sobre o que Ihe pertence. Entre os povos Bantos, © fato de uma coisa pertencer a alguém faz parte de sua vida através de sua forga vital, que adere A coisa possulda. A palavra e 0 gesto do homem vivo sio considerados sinal de sua influéncia vital. Produzem efeitos positives ou negativos ao cairem sobre determi- nada pessoa. YANSAN A ta mbp mo ji baro 0 A ta mbg mo ji baro 0 Agba do loko mo ji baro eya A ta mbo mo ji baro stiin 2, A palavra agg em alguns casos ¢ gratada como Iba 4 x. 314 315 JOSE BENISTE 3. A saudagdo citada $¢ aladjia ni? 56 pode ser dita por uma ‘pessoa mais velha para uma pessoa mais nova, 4, A claboragdo do age ¢ feita através de preceitos e palavras: invocagdo — tjzba; encantamento — 9f6; ¢ o préprio encanto — ‘oogiin. 5. Bp ~ alimentar. Bbp ~ sactificio, oferenda. Ribp — ofere- cimento, 6. Pipa — matanga, vem do verbo pa — matar, alligir. Ha uma expressio usada nos Candomblés (Kopa) como o ato de matar, Na verdade, esta palavra quer dizer exatamente 0 contrd- rio: k® pa — nao matar, Essa forma de falar sustenta a tese de que 60 Origa que realiza a tarofa e no o agdgtin, 7, A terrina que contém a gua para colher 0 2j¢ contém akasa dilufdo, 8. Ob € denominada a faca de corte; aby é a navalha 9, Siré € a denominacdo dos cAnticos alegres dos &risa. Vem de se ~ fazer ¢ iré — brincadeita, divertimento, 10. No tpadé, nao hé manifestacdo de Orisa. 11, No cantico do ipade, a cantiga que exalta as lyimi é seguida do gesto de tocar 0 dedo mo chio em forma de X, Segundo 0 ditado Bra ba pe rf akgni, a fi ow lalp, se fazemos men- lo a uma pessoa de carater violento, atrastamos o dedo no chio, 12, Agtera € a mulher de Bsa, aquela responstvel pelo earrego;, aghe — castegar, grt ~ canrego, carga. 13, Carregat cofsas na cabeca & uma heranga africana. O ver- bo ri — carregar, indice, automaticamente, que a carga esté na cabesa. Estudos recentes concluiram que o ritmo do andar das afticanas, quando levando cargas na cabega, & catacterizado por 316 QRUN AIYE oscilagées, para distribuicgdo ¢ equilibrio do peso. Isto permite car- regar 709 do seu peso corporal e respirar com mais eficigncia, 14, Na Africa, na elaboragao do ogi, sfo usadas as penas dos pissaros odide, altko, agbe ¢ lékéleke, 15, O ato de cantar folhas representa para a iyaw6, também, ‘© momento de descobrir 0 seu oda; & iyél6risé coloca em suas ios os biizios para que ela mesma jogue, observando a caida, 16, Além da arocira, a folha da cajazeira também se presta para ser oferecida ao animal de quatro patas. 317 8? PARTE Conclusées Finais Ai semester eS ‘As exposigées que fizemos visam revelar uma reli- gito professada por brasileiros, oriundos ou nao da ‘Arica, dentro do conceito de religido e nao de seita, como muitos adeptos se auto-intitulam. Estabelecemos compatagées entre o que aqui é realizado, com seus vestigios hist6ricos, na terra de origem. Isto nao tem o propésito de incentivar mudan- gas daquilo que foi estabelecido pelos nossos ancestrais ao tempo de ly Naso, Baba Asika e Bamgbésé. Muito pelo contrat: Neste sentido, a religido vem fraquejando ao acei- tar interferéncias, em seus ritos, de costumes africans atuais, ndo polarizados com nossos habitos. O mais estranho é a busca de novos modelos de trabalho em outras regides americanas, que adotaram costumes coriundos da Africa. Ja devidamente modificados ¢ am- bientados, chegam até nés destituidos de significados profundos que no seja o de se mostrarem diferentes. © Brasil pode ser considerado um dos mais legiti- 321 JOSE BENISTE mos representantes dos costumes africanos, sendo os Candomblés os maiores portadores das tradig6es reli- giosas dentro dos principios aceitaveis pela sociedade. Retiveram costumes esquecidos, recriaram ritos adotan- do a forma de falar de seus ancestrais, inseridas numa linguagem que ficou conhecida como Iingua-de-santo, a ponto de Verger declarar: “Eu acho que dentro de certo tempo os africanos terio que vir 4 Bahia para aprender Candomblé, Em algumas regises da Africa 0 desaparecimento dos cultos € muito répido. Alguns ndo existem mais — 0 de Oxosi, por exemplo, Nem mesmo na regido de Kétu, de onde proveio, ha hoje alguém capaz de fazer culto a Oxosi". Entrevista feita a © Globo, quando do langamento do livro Orixas. Esoritores e Escritos Os estudos iniciais da religiio yoruba, datados dos séculos 17 ¢ 18, foram efetuados por pessoas de outras areas religiosas que se deixaram influenciar por suas convicgoes, O intuito de diminuir os valores reli- giosos que ndo agradavam a religizo dominante foi ha- bito j4 exercido nas expedigdes no interior africano, Alguns desses escritores e sua condigo profissional podem ser distribuidos conforme lista abaixo; as datas assinalam o langamento do livro eo nascimento dessas nogoes erréneas: 1730 Voyage du Chevalier des Marchais en Guinée Isles Wosines et @ Cayenne, RP. Labat, da Ordem dos Irmdos Pregadores 322 1803 Voyage @ la Cote de Guinée. P Labarthe, Padre Catélico 1852 A Vocabulary of the Yoruba Language, Samuel Crowther, Missionario Protestante 1858 A Grammar and Dictionary of the Yoruba Language. ‘TJ. Bowen, Reverendo Batista americano 1884 Fétichisme et Fétiches. Noel Baudim, Padre Ca- t6lico 1885 La Cote des Esclaves et le Dabomey. Pierre Bouche, Abade Catélico 1894 The Yoruba Speaking Peoples. i A.B. Ellis, Cel. do 12 Regimento Indiano 1912 The Wice of Africa, L, Erobenius, Antropélogo alemao 1921 The Story of Yoruba. S. Johnson, Reverendo 1931 The Mistery of Yoruba Gods, Onadele Epega, Reverendo Em alguns dos livros anotados ha algumas exce- des diante da qualidade do trabalho apresentado. De ima certa forma, todos influenciaram os demais escri- tores brasileiros, que, a partir de 1890, ensaiaram os primeiros estudos afro-brasileiros. Esta literatura crista esforcou-se em criar uma imagem do africano como feiticeiro e sanguinario para justificar a agdo evangélica 323 JOS8 BENISTE dos missionarios. Os pontos de vista ndo foram devi- damente pesados, esquecendo-se que estavam empre dendo um trabalho delicado com uma cultura nova, que merecia profunda observacdo. Mas a bibliografia afro no Brasil sofreu uma total transformagio quando aqui aportaram Verger, em 1941, e Bastide, em 1937, revisando tudo 0 que se dizia do negro, dos Candom- blés e de sua gente. Os Ancestrais Ajro-brasileiros A participacao dos antigos afticanos yoruba aqui trazidos, em meados de 1820, cientes de sua perma- néncia pelos Lagos familiares criados, comeou a se organizar em pequenas reunides, desejosos de estabele- cerem um sistema de trabalho religioso que mantivesse vivas suas tradigdes. Foram discutidos 0 modelo do culto, os ritos que seriam empregados ¢ os que deve- iam ser abolidos, por ndo se enquadrarem com a for- ma cultural da terra. Foi um trabalho em que a orali- dade procurou construir uma tradicao propria. Alguns dos temas revistos por esses ancestrais e legados as getagSes posteriores podem ser assim resumidos: 12 ~ O culto a Ibéji, que determinava a morte de um dos gémeos, por julgarem um fato anor- mal, foi abolido. 2° ~ Os cortes feitos no corpo, nos ritos de ini ciagao, foram substituidos por marcas de tintura de efun, e riscos que lembravam a tradi¢io da familia real de Oy6. 324 ORUN AIYE 3° — Todos os ritos seriam internos, abolindo as procissoes aos lugares sagrados, como na Africa. 49 —O local de culto (Candomble) seria centra- lizado como culto a todos os drisa ¢ o seu dirigen- te, conhecedor de todos estes culltos. 5° — © ndmero de Orisa cultuados seriam tados as exigéncias da nova terra, 6° — Rituais especificos, que eram realizados em terras yoruba e ligados as tradigoes de cida- ides, foram revistos e outros criados como ipadé, ipetg, lorogin, olabsje, e, aqui, concentrados em ‘um nico local. 7° — O culto ¢ iniciagdo ao Orisa passow a ser individual e sem a nogdo da familia biologica, criando assim a familia-de-santo. O transe de ex: pressio substitui 0 transe de possessio. 8° — A utilizagdo do ost como marca que dis- tingue o iniciado substitui todas as outras formas utilizadas em terras yoruba, como o osi, repre- sentado por um tufo de cabelos deixado no alto da cabeca raspada, nos rituais de Sango. 99 — Substituigdo dos animais para os ritos de fo ¢ folhas litdrgicas por outros similares brasileiros. 109 — A participagio de homens na iniciagao seria apenas na qualidade de dgén, 0 que nao daria direito a manifestagdes de orisa e participa- do da roda-do-candomblé, Este pensamento visou 325 JOSE BENISTE impedir a tendéncia do homossexualismo masculi- no, no candomblé ora organizado, Caberia somen- te as mulheres a participagdo nas dangas rituais, 119 — Readaptacdo dos dias da semana yoruba de 4 dias para a semana ocidental de 7 dias, in- serindo os Oris para cada dia e o ritual do amala para as quartas-feiras. 129 — A definic40 dos 16 bazios ~ Mérindtlogan — como forma de consulta, em detrimento a ou- tras formas mais tradicionais como 0 Qpélé e 0 If, foi devido a sua complexidade, que obriga a indmeras recitag6es em linguagem nativa, Ade- mais, como estas praticas eram restritas exclusiva- mente aos homens, e 0 comando religioso seria proprio das mulheres, os biizios foram uma op¢ao vidvel, tanto para os homens como para as mulhe- res, Este processo modificou 0 posicionamento dos oda de 1 a 16, da escala original, e os caminhos foram reduzidos para 70, 0 que permitia uma lei- tura mais simples ¢ bem objetiva. Esta modalidade ficou conhecida como Sistema Bamgbosé. Sobre esta dltima medida tomada, ver 0 capitulo sobre 0 Jogo de Biizios. ‘Todo este processo de adaptacio da religito a nova civilizagdo teve uma seqdéncia lenta e de maneira ndo percebida gracas a oralidade acima citada, que se tor- now a grande arma de transmissdo cultural, Os valores dos brancos eram aceitos superficialmente — o sincretis- mo, a participagao das antigas iyalorisa como integran- tes de confrarias catdlicas, seus costumes — confun- 326 ORUN AYE dindo a todos que iam assimilando tudo, sem perceber, e espalhando Brasil afora através da diaspora baiana. Ao se citar ly4 Nas na organizacdo das normas do Candomblé baseamo-nos em seus conhecimentos dos ritos africanos, Era uma sacerdotisa de Sango, ad- vindo daf a proeminéncia deste risa nos Candomblés, visto entdo como um rei. Era a encarregada do culto a ‘Sango dentro do palacio do rei de Oyo que, de acordo com as normas conhecidas por ela, deu a primazia da hierarquia do culto as mulheres. ‘Os modelos dos rituais e a mudanga dos costumes religiosos passaram a ser praticados e absorvidos pelos demais grupos africanos aqui ja estabelecidos, como os angolas, congos e parte do grupo jeje, que, ao aceitar o modelo criado, passou a ser conhecido como nago-vo- dun, Em todos eles, a dinamica do culto se assemelha: vestimentas, paramentos € ritos, diferenciando-se pela linguagem original de cada grupo, como forma de iden- tidade étnica, Inegavelmente, os yoruba deram o mode- Jo do culto africano no Brasil, sendo imitado pelos ou- tros aqui instalados e ja esquecidos de suas tradigées. Os Problemas Atuais para o Futuro do Candomblé As citagdes feitas até aqui foram necessirias, face aos dias atuais, com movimentos que tendem a sc alas- trar, na busca de novos valores religiosos junto a pes~ soas duvidosas, embora africanas, no conhecimento que dizem ter. 327 JOSE BENISTE A partir de 1974, Rio de Janeiro e Sio Paulo rece- beram grupos de bolsistas universitérios nigerianos, que, a0 aqui chegar, perceberam o interesse que as pessoas daqui tinham de seus conhecimentos das coi- sas de orisa. Na Revista Ciéncia Hoje, n° 57, de setem- bro de 1989, destacamos o seguinte trecho que ilustra- 14 0 assunto: “... a Universidade de Sao Paulo, através da coordenadoria de Assuntos Culturais, passou a pro- mover um curso anual de lingua yorub4... Mas certos bolsistas nigerianos logo perceberam que seus alunos estavam mais interessados nos conhecimentos dos mitos ¢ ritos das divindades yorubé... Os préprios pro- fessores, porém, ja vinham de uma geracdo convertida ao cristianismo ou ao islamismo na Nigéria e tiveram que aprender as coisas de orixa, aqui. Para isso, conta- ram com a preciosa ajuda de suas Inguas maternas: yorubé e inglés. ... Aos professores cabia encontrar bi- bliografia, que guardavam a sete chaves, e aprender coisas do candomble brasileiro, circulando por muitos terreiros, ja investidos de ‘autoridades’ do culto", Esta situagdo também ocorreu no Rio de Janeiro, disputado por esses estudantes nigerianos, na criagdo de cursos de diferentes modalidades, entre os quais, em grande evidéncia, cursos para iniciagéo a Ifa, Sem qualquer critério de selecdo para verificagdo de apti- dées naturais para a pratica, pois o interesse de ambas as partes era e tem sido 0 do lucro financeiro. Este conjunto de situagbes, aliado aqueles que vem se tornando comuns, como iniciagio em terras africanas, iniciagdo ao culto de Ifa em Cuba, titulo de rei do Candomblé dado por soberano africano sem qualquer respeito as nossas instituicSes, motiva uma preocupagdo profunda para o futuro do Candomblé no 328 ORUN AlYE Brasil. Nao vamos discutir a legitimidade deste proces- 0 de dispersio de autoridade, mas sim repensar nos- 80s valores que vo sendo esquecidos; em outras pala- ‘vras, 0 destespeito as nossas tradi¢6es ancestrais afro- brasileiras que, de uma forma herdica, foram mantidas através de varias geragées. Em 1962, E, Bolaji Idowuem Olédumaré jé denun- ciava 0 declinio do culto na Nigéria: “Havia um tempo em que o rei devia estar presente durante determinados rituais. Agora, ele realiza sua parte por procuracdo ou simplesmente por nada”, E mais adiante revela a situa~ 40 do templos: “Porém, como em todo lugar, as coi- sas estéo mudando e o sistema Origa yoruba estd mu- dando com elas. Uma prova silenciosa para 0 declinio do poder dos cultos so 0s santudrios ¢ templos que em toda parte do pafs se encontram num triste estado de negligencia... No momento em que escrevo, 0 tem- plo de Odadawa, que esta especialmente ligado com a instituigao da realeza, € um espetéculo ignominioso ¢ destrufdo". Em 1953, G. Partinder, em Religion in Afri- can City, ja falava em “Creptsculo dos Deuses”, p. 6. Esses fatos revelam 0 compromisso do Candomblé do Brasil na manutengio desta religido, Foi isto que Iya Nas6 e seu grupo, na época, previram para o Bra~ sil, quando decidiram organizar a religido, adaptando-a ao meio brasileiro, Esta tendéncia a busca de “novos” conhecimentos € baseada na desconfianga da primeira casa de Can- domblé escolhida. Sao raras as pessoas que fazem as obrigagdes de 1, 3, € 7 anos, e até as de 14 anos, no mesmo Candomblé onde foram iniciadas, Sao idas-e- vindas, e trocas constantes de Casas, numa auténtica 329 JOSE BENISTE danga-de-caranguejos. E a cabeca da pessoa pasando por diversas maos sem qualquer critério ético. Acreditamos que isto se torna mais perigoso do que as incursdes de outras religides, na tentativa cons- tante de arrebanhar pessoas para o seu meio. Aliado a isto esto os valores morais, j4 esquecidos, descaracte- tizando a religiéo, Todo Candomblé possui o seu Oda proprio e o Ase das Geragées, que precisam ser devidamente absorvidos para uma comunhdo perfeita entre o Orun e o Aiyé, Notas 1. Sempre foi habito dos integrantes do Candomblé se dize- xem praticantes de uma seta, ¢ nio de uma religito, Isto € produ- to do petfodo imperial brasileiro, quando da elaboragao da Consti- |, em 1824, em seu Artigo 5°, que dizia romana continuard a ser teligito do Império, Todas as doméstico ou partic alguma exterior de ” E mais adiante, 0 Artigo 95°, comple- menta: “Todos os que podem ser eleitores so hibeis para serem deputados. Excetuam-se: os que nio professarem a religido do Esta situagio se manteve na mente de geragdes soguintes, que, temerosas de represilias, foram construindo os Candomblés de forma modesta. Sendo uma criagdo de escravos e ex-escravos, tambem viam neste trabalho uma conexdo de liberdade com 0 pas- sado humilde, 2, Segundo Alexandre le Roy, Le Religion des Primi, Pati, 1925, "Religido € um conjunto de crencas, obrigagses e priticas Pelas quais © homem reconhece o mundo sobrenatural, cumpre seus preceitos e pede seus favores". O Candomblé pode assim ser entendido: um conjunto de dogmas, a regra da moralidade e o cul- 330 ORUN AYE to, como elementos de um sistema de relagdes necessdrias na cons- tituigo de uma religido, A {é na Divindade Maior — Ol6damare; a cerenga na existéncia e sobrevivencia da alma — ¢mt; 0 mérito ou demérito das agdes humanas ~ éw9; ¢ @ lei moral ditada pela cons- ciencia — fa aya, que, conforme vimos, é a lei de Deus escrita no coragao das pessoas. 3. A historia de ly Naso se reporta & fundagio do Candom- ble do Engenho Velho, em Salvador, Bahia, no periodo entre 1620 ‘tombamento da sociedade, Tem esta denominacio em razdo do nome da regido ser conhecido como Engenho Velho da Federagio; também € conhecido como Candomble da Casa Branca, em 1 de sua cor se destacar na construgdo feite na encosta de uma nna, Antes, seu acesso era feito através de uma série de aclive atualmente, por uma longa escadaria. Foi Edison Carneito, em Candomblés da Babia, 1948, que se referiu pela primeira vez. 2o assunto: "Fundaram o atual Engenho Velho txés negras da Costa, das quais se conhece apenas © nome africano; Iya Adeta, Iya Kala e lya Naso". Esta afirmativa mereceu discussoes posteriores, achando que, na verdade, os nomes seriam jo titulo seria “Iyé Nas Magbo Olédimaré”, Candomblé, datado de 23.07.1943, ele ocu- pa uma 4rea de 6.804m?, com o titulo civil da Sociedade Be- Recreativa Sao Jorge do Engenho Velho, cuja iosa € Ne Age Iya Nas6 Oka. denominacao 4, Foi no retorno de uma viagem feita a Kéru, que lya Naso © Qbatosf, sua futura sucessora, trouxeram um africano chamado Bamgb0sé, e que aqui implantaria um sistema de jogo ~ utilizando 16 bizios e 70 caminhes para a consulta, na pritica religiosa. 5, A data aproximada de 1820 é importante por coincidir com 1 entrada dos grupos nagos em fins do século 17 e intcio do século 18, em razdo da queda do reinado de Oyg, sendo os prisioneiros vvendidos so Brasil como escravos pelos daomeanos. Junto com eles vieram grupos de ljgsa, Eon, Kétu, Bgbado, Abgoktita © outros, Esse periodo de entrada favoreceu a manutengao de suas tradigbes 331 JOSE BENISTE Pela unio do grupo, ao contririo de africanos aqui ja instalados, ue perderam seu conteddo religioso. Assim, esses nagis-yorubi Passaram a fornecer 0 modelo do culto, aceito pelos demais grupos. 6. A relagio das normas estabelecidas tem como base a modali- dade ainda mantida e contatos estabelecidos com antigas pattcipan- {es transmitindo-nos essas informagées, O Candomblé do Engenho Velho d& motives a ser 0 Guardio da Historia do Candomblé no Brasil, pela manutengao rigida das tradigdes legadas. Os Candombles surgidas do Engenho Velho — Gantois e Age Opé Afpnja — seguiram as normas originais, com algumas moditicayGes determinadas pelas suas dirigentes, que tinham suas origens étnicas — Maria Julia da Conceicdo, Nazareth (Omonikg), da regito de Abgokata, e Eugénia ‘Anna dos Santos (Oba Biyfl, da nagéo Grunci, 7. O Lorogan é uma cetimOnia que marca a paralisagdo das atividades do Candom! ue coincide propositadamente com 0 periodo da Quaresma catolica. £ realizado apés 0 Carnaval, com 0 ‘Sire Ogin — brincadeira de guerra, numa simulagto de luta entre luas alas previamente escolhidas, A ala em que primeiro se mani- festar 0 drisa sera a vencedora. O Lorogin € a motivacio para o descanso dos componentes do Candomblé. 8. O cuidado pela participagio de homens no Candomblé, em fungao apenas de acordo com a sua hierarquia, é destacada por Ruth Landes, em A Cidade das Muleres, 1967, fruto de seu traba- tho junto aos negros baianos em 1938/39, Sobre o homossexualis- ‘mo, a autora relata um momento de festa no Candomblé do Engenho Velho, em que houve um constrangimento geral diante da ‘manifestagdo de ris num homem visitante, Tentaram impedie sua desenvoltura de dangar junto as mulheres, mas néo cor Depois de voltar a si foihe mostrada, em tom de adverténcia, uma placa afixada no poste central: "Por meio deste, pede-se aos cava- Ihcitos 0 maximo respeito. Os homens sto proibidos de dancar centre as mulheres que celebram os ritos neste templo”, pg. 60. 9. As mulheres foram as grandes artifices na manutengdo das religibes afticanas, De forma sutil ¢ inteligente, que confundiu a todos, usaram de uma pseudo-accitacdo da pritica dos brancos. 332 ORUN AlYé Esta 6 a razo das missas que so mandadas rezar, antecedendo as . declarou que era também catdlica. Revelava, i¢io das mulheres em saber dissimular o que na 10. Essa busca de novos conhecimentos tem como causa, igualmente, a falta do ensino ministrado nos Candomblés. Muitos retm 0 conhecimento, preferindo levar para 0 timulo 0 que aprenderam. U1. Na Aftica, um determinado Orisa era cultuado pela fame soguiam a tradigdo de Sango. Essa nogio {oi abolida no Brasil, devido a famfia cana, quando aqui chegava, ser separada pelos doncs dos sccm. zo Candomble, essa fam feccravos, Foi lys Naso que reconsti ‘mais experientes, Surgia, assim, a Mae-de-Santo e a familia-ce-san- to, em substituigdo a familia biol6gica. Recomendagao de Leitura dos Autores Consultados Wande Abibola — Ifa: An Exposition of Ifa Literary Corpus. Ibadan ‘Oxtord University Press Nigeria. 1976 — Sixteen Great Poems Tid, Unesco. 1975 Waite = I Dinaton, Communic Between Gods ond ‘Men in West Africa, Indiana University Press, 1969 E.Bolaji Idowu — Olddamare, God in Yoruba Belief. Longmans. Lon- ‘dees. 1962 1 — History of the Yorubas. Londres. 1921 (Oludare Qlajubu — “Composition and Performance Techniques of Iwi Egingiin’, in Yoruba Oral Tradition, edited by Wande Abimbola. University of lf. Nigéria. 1975 J.Qmosade Awolalu — Yoruba Beliefs and Sacrificial Rites. Longman. 1979 RC. Abraham — Dictionary of Modern Yoruba Londres. 1946 Pierre Verger ~ Os Libertos. Corrupio. Brasil. 1992 "Grandeur et décadence du culte de lyami Osdronga. Jour- nal de la Société des Africanistes, Tomo XXXV. Paris. 1965 333 JOSE BENISTE vinhasio em Salvador". Revista do Mustu Paulista, 1953 Gtcle Costar Binon ~ “A FihardeSanto", in Olena, Sto Paulo, 1 Claude Lepine — "Os Esterestipos da Personalidade no Candomblé Ruth Landes — A Cidade das Mutheres. Rio. 1967 D.M. dos Santos ~ Axé Opo Afonja, Rio, 1962 Bernard Maupoil — La Geomancie a Tancienne Cote des Esclaves, ies ~ Os Africanas no Brasil. SAo Paulo. 1945 spson — Yoruba Religion and Medicine. Ibadan, Primeira cerimOnia de Iniciagio ao Culto dos Orisa Nago na Bahia", in Ol6erisa, 1981 Jpokitr © Uso das Platas na Soiadate lruba", Sto Paso, = "A Sociedade Bgbt Qrun dos Abiku", Revista Afro-Asia, no 14, Bahia. 1983 Toruba, Uma Revisio das Fontes", Re- 1992 "A Sobrevivencia das Linguas Africanas no Brasil", Revista Afro-Asia, n°s 4-5. 1967 Judith Gleason — Oya: A Paie ofthe Goddess, Boston & Londres Qladele Awobuluyi — Essentials of Yoruba Grammar, University Press Ibadan. 1979 ‘Ayp Bamgbose — A Short Yoruba Grammar, University Ibdan. 1973 D. Onadele Epega ~ The Mistery of Yoruba Gods. 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Bahia. 1937, Os demais autores consultados estao citados no contexto do lira, 335 Impresso no Brasil pelo Sistema Cameron da Divisto Grafica da DISTRIBUIDORA RECORDDE SERVICOS DEIMPRENSAS.A. Rua Argentina 171 ~ Rio de Janeiro, RJ~20921-380~Tel.: $85-2000

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