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(© PENSAMENTO CEOGRAFICO BRASILEIRO & assim que a Geografia surge na Alemanha com um perfil ¢ na Franga com outro, fato que esté longe de evidencié-las como duas escolas E por isso mesmo € alemi a reagio neokantiana, Isso explica a diferenga do ‘pensamento de Vidal de La Blache e de Alfred Hettner em relagio ao tema do recortamento da superficie terrestre em pedagos de espago, que ganhard com Vidal a forma da regio, vista como um caso deisolamento e singularidade,e em Hetmer a forma da diferenciagao de reas, vista como um discurso corol6gico. ‘De mesmo modo explica a forma com que 0 tema da civilizacio & analisado por Vidal de La Blache e Ratzel,em Vidal com énfase nos tragos da cultura, em Ratzel com énfase no tragos da a¢Zo politica, embora oriente a ambos a necessidade de compreender © mode de vida dos powos por intermédio de uma geografia das civilizagées, rarefa que na mesma época igualmente toma para si Reclus (Moreira, 2006). © fato & que si0 matrizes diferentes, sea 0 pensamento de Humboldt, Ritter, Richtoffen, Hettner e Ratzel ou de Reclus, Vidal de La Blache, Jean Brunhes e Max Sorre. E ver, provavelmente de Lucien Febvre, através de seu livro A Terme a evoludo humana. Intiodugio gevgréfca & Histria (Febvre, 1954), cesta deia de teadigdo de escolas que se iniciaria com as escola alema e francesa enquanto encarnagies de suas necessidades nacionais respectivas, a primeira materializando-te no pensamento de Ratzel e a segunda, no de Vida de La Blche, Confundindo alhos com bugalhos, Febvre, neste que é, diga-se com énfase, um excelente livro,e como tal e nessa perspectiva critica deve ser lido, designa a Geografia vidaliana de possibilsta e a ratzeliana de determinista, a cismo francés ea rat vidaliana justamente pelo seu vinculo com 0 na por seu vinculo com o naturalismo alemio. Dai que Febvre opte por um contraponto de escolas ¢ escolha Ratzel ‘Vidal de La Blache para referéncias de um ficticio movimento nacional e um ainda mais ficticio embate de pontos de vista (a derrota de 1870 da Franga diante de-uma Alemanha militarsta€ o fantasma que esti por tris do ideologismo de Febyre). Nem Vidal de La Blache € possibilista e nem Ratzel & determi fe tanto em um quanto em outro a histéria aparece como possbilidade como posibilisme),em ambos a possbilidade hist6rica aparece no ambito das ‘relages do homem com 0 meio, mas nao para se expressar em um como isto em outro como aguilo. Nesse sentido sio tio possibilistas quanto deterministas Humboldt, Ritter, Ratzel, Reclus e Vidal de La Blache, em cada um o espago geogrifico aparecendo necessaiamente como possibilidade ¢ determinagao ma historia, sem 4 confisio de conceitos que é evidente em Febvre, em que possbilidade vira 142 [AS MATRIZES CLASSICAS ORIGINARIAS possibilismo, determinidade vira dererminismo e possbilidade e determinagio viram uma dicotomia, uma dicotomia nacional, tudo no intuito de fundar 0 discurso de escolas, O discurso das geografias setoriais Mas a fragmentagio das geografias setoriaisesté a caminho. Ea caminho esti seu surgimento como a tradigdo das geografias setoriais.E a fagmentacio € aresponsivel por outros tipos de problemas. O principal dees éo isolamento «€ guctizagio dos gedgrafos em compartimentos estanques, além de fomentar ‘uma pletora de dicotomias, umas declaradas, outras distarpadas, ‘Assim, uma cadeia de situagdes, em que problema puxa problema, tem origem. De um lado, o ecorte do real em pedagos que cada geogeafa setorial realiza dissolve diante dela o todo do qual o pedago (literalmente tornado pe- cexttaido, impedindo a visibilidade de suas interagSes com os demais 1 convertidos em pedaros de parte de cada uma das demais 1o do movimento global da ealidade como uma dialética do uno do miitiplo, De outro, a propria faixa das intersegBes que implica 0 cariter de um todo dividido em pedagos, uma ver que se passa ater pedagos a0 lado de pedagos dentro do todo, pasa ser vivida como um probleina de método, {que 0 vezo pritico-pragmatico simplesmente elimina ou busca resolver pelo re= ‘curso em tudo ambfguo do estatuto da interdisiplinaridade (multidisciplinaridade, transdisciplinaridade etc), De modo que a necessidade da chancela condusz as geografiassetorais a uma aproximago formal, asim nascendo a Geogeaia Fisica a Geografia Humana. E conduz também a uma busca de enquadramento do fenémeno hum plano de regéncia legal que as conduza a uma insergio for mal no nivel de uma generalizagio mais ampla, através da descoberta de leis ¢ categorias cientficas assim nascendo o formato moderno da Geogeafia Geral « da Geografia Regional. M: ,sio nomenclaturas, 2 mais geral das aquais passa a sera propria palavra Geografia. Até porque, inviabilizadas zelo tebrico que leva cada setor ater de inventar Seu proprio objet ¢ linguagem de discurso, numa cultura de farer cada gedgrafo 0 of inventor de sua prépria rea, (© que resta é uma matriz geradora de isolamentos e dicotomias. Que snhur fondo comum restari no raro vira uma fonte de ret6ricas com o intuito de justifiar nfo se ter que ira fando nos problemas que o préprio pragmatism da expecializagio setorial sti a engendrar. ‘A mais conhecida e presente delas € a dicotomia Geografia Fisica seus Geografia Humana, uma forma de patticio até certo ponto recente 143] © PENSAMBNTO GEOGRAFICO BRASILEIRO na hist6ria do pensamento geogréfico e cujo formato foi dado pela equacio neokantiana de cigncias naturals venus ciéncias bumanas eriada na virada do século xix para 0 2 Até a primeira metade do século xnx chamava-se Fisica a Geografia a ‘entio por fisico o mundo da captagio ignificando a dos fenémenos externos que nos cercam, numa reiteragio da physis grega. © germe do conceito moderno sti, entretanto, ji presente no pensamento oitocentista, caminhando para o sentido do inorgénico (meramente inorginico) quc o termo if adquirie em nosso tempo,a des te penetrado da influéncia que a ciéncia moderna exercia sobre © todo do to da rea¢io em conttario dos 101 icos, Ji fortemen- sbfico, derivada do pacto renascentista de tomar a natureza como tema da isica deixar o homem como tema da metafisica, 0 discurso moderno consagra a partir do século x1% com 0 advento do positi- vismo o sentido inorginico com que o fendmeno fisico passa a ser concebido. A Geografia simplesmente acompanha essa mudanga. Assim, Geografia Fisica passe a ser sindnimo de Geografia da natureza inorginica. Sem se dar conta do enorme buraco vazio que junto a isso herda ¢ compartilhando de um mal- resolver com a criapd0 da Sociologia. nica nessa Geografia. Nao ha lugar para uma natureza-com-o- ugar para uma natureza-sem-o-rginico-e-sem-o-homem, parodiando Hartshorne. ‘Uma mudanga na aparéncia radical acontece quando na virada do século xx para o século xx a reagio neokantiana propée 2 eriagio da cigncia do homem, Partindo do principio de uma dupla legalidade em que hi leis que regem a esfera da natureza e leis que regem a esfera do homem (mimetizado +s neokantianos como cultura), 0 neokantismo engendra um sistema de ‘iéncias dividido em cigncias naturaise eiéncias humanas. & quando surge, de fato,a dicotomia natureza versus homem, na forma da oposicSo Geografia Fisica vers Geografia Humana, até entio inexistente (Moreira, 2006) (© problema € que desde o langamento de suas ides Darwin nio dei- xou modelo e teéricos de ciéncias em paz. E Humboldt, uma espécie de grilo falante que antecipa toda a crise que hoje bate as portas dos epistemslogos, ue dar razdo a Darwin contra 0 que surgird na esfera do pensamento ‘com 0s positivistas e neokantianos, referenda-o em sua ideia do homem como natureza, tanto quanto o sio uma planta ¢ uma rocha,€ oferece ao pensamento, e € aceito,exceto pelos ge6grafos,aalternativa de uma natureza-com-o-homem 144) AS MATIUZES CLASSICAS ORIGINARIAS © um homem-com-a-natureza com a Geografia que eriata antes do ruidoso esvaziamento ¢ quebra do conkecimento holista dos séculos xix-xx. A dicotomia Geografia Geral venus Geogt raiz, Entretanto,a terminologis ¢ mais antiga. O tema do duplo geral-singular ia Regional ven da mesma remonta na Geogtafia 20 Renascimento, com Bernhard Varenius, quando este publica sua Geographia generlis,em 1650,chamando a atengio para aexisténcia de um plano geral dos fendmenos geogrificos, que di nome ao livro, e um campo especifico, que designa de Geografia Especial, em que as leis gerais se aninham e se materializam em espacos recortados. Desde entio essas duas exp es conheceram mudangas de significado ¢ inter-relacio, Mas € com o surgimento das geografia setoriais que o signifi- cado moderno surge.£ quando a Geographia generals passa a ser chamada ora de Geografia Geral e ora de Geografia Sistemitica,a depender de ser confundida ‘ora com a Geografia Fisica e ora com a Geografia Humana sistemiticas,¢ a Geografia Especial vindo a dar na Geografia Regional ‘A designagio de Sistemtica indica 0 propésito do termo. Significa 0 intuito de descoberta e emprego de leis gerais que regeriam o fendmeno geo- arifico e teriam sua aplicagao no ou nos pontos da superficie terrestee onde 0 fenémeno ocorre. SupGe-se que estas les exstam e jam geogrificas (alii, sem que em qualquer momento sejam definidos, supde-se que existam fenémenos sgeogrificos). A designagio Regional indica a ligagio necessria que o recorte da superficie terrestre, pressuposto do conceito existincia da regio, teria com esas leis, que a0 se projetarem sobre ele originaria o fendmeno da regio, e, asim, rudariam, ou no, de natureza, para se transformar em leis regionai ‘A condigio de lei geral deu em alguns mon gu confindit-se a Geograia Sistemstica ora com a Geografia Fisica e ora com a Geografia Humana, entio asim se designando porque seu modelo seria, respec ‘ivamente, a modalidade da Jei da natureza (mais exatamente a lei da gravidade) ‘ou a modalidade da lei da sociedade (compreendida pel © conjunto das normas e regras do contrato social estabelecido entre os homens ‘em cada momento da histéria visando atender suas necessidades de convivio}. ois caminhos distintos seguiréo problema da dicotomia Geografia Ge- ral versus Geografia Regional a partir da consolidagio desse estranho casamento do positivismo e neokantismo, Com o surgimento da Geografia Regional,uma Geografia de viés vi dotada de objeto ¢ método proprios, a dualidade se resolve pelo desaparecimento puro e simples da Geografia Sistemitica, a regio se autobastando tedrico-metodologicamente. © outro caminho € 0 seguido por Hettner, o da diferenciagio de reas, mas aqui face & genialidade neokantianos como (45) © PENSAMENTO GEOGRAFICO BRASILEIRO do conceito,a dicotomia se resolve pela pura jungio da dualidade no interior do con: gico do espago, num retorno 4 férmula dada por Ritter & teoria do duplo de Varenius. Centeada na teor ‘movimento geral na superficie terreste softem variagio,assim se diferenciando em diferentes recortes de espago, Hettner desenvolve uma forma engenhosa de visualizar em cada pedaco da superficie terrestre a materializagio do mesmo fendmeno geral, a diferenciagio aparecendo como a instituigio da diferenca, transformando a superficie terrestre mum grande mosaico (dizia-se corografia até o Huminismo com Forster) de paisigens. ‘A compartimentacio ininterrupta do discurso geogréfico em geogra- fias setorias introduzin, todavia, sobretudo depois da Segunda Guerra, com a acelerago do mundo construido na divisio territorial do trabalho da segunda Revolugio Industral, formas novas de dicotomia. Flas surgem dentro da di- cotomia Geografia Fisica venus Geografia Humana, reproduzindo dentro de cada qual novas fronteiras estanques. Na Geografia Fisica é 0 easo da dicoto- ‘mia introduzida no decorrer da segunda metade do século xr, na disputa de primazia que Geomorfologia e Climatologia estabelecem dentro da Geografia Fisica, e que na segunda metade do século xx aparece quando se discute qual delas responde como base da constituigio dos sitios de assentamento dos fend= sejam fsicos ou humanos, da superficie terrestre. No caso da Geografia © caso da dicotomia que separa a Geografia Urbana e a Geografia ‘Agriria, em que os fendmenos geogrificos da cidade ¢ do campo sio vistos de que os fenémenos em seu Human: completamente dissociados um do outro, sem que se considere qualquer lago de interacio e entrecruzamento, Divorciados da divisio territorial do trabalho ¢ das trocas, que lhes di origem na histéria, cidade ¢ campo so entio estudados © grande problema da fragmentagio setorial ¢ da dicotomizagio so- ‘mada é nem tanto a supressio do que seriam pares dialéticos e nem tanto a separa¢ao formal, mas o esvaziamento que de um lado responde por hoje f2- zermos uma Geografia Fisica pura (a-natureza-sem-o-homem) e de outro lado ‘uma Geografia Humana pura (o-homem-sem-a-natureza), sem a possibilidade tedrica de nenhuma ponte de entrecruzamento. As matrizes {A dissolugio do paradigma de tradigio de escolas e de setores, a0 con- trivio, enfatiza, contra a primeira, a inteleccio do individuo-criador, dando lugar a um olhar voltado para a descoberta do que de original se pode ver nos autores, os respectivos modos ¢ estlos de pensamento, e, contra a segunda, a (461 |AS MATRIZES CLASSICAS ORIGINARIAS intelecgdo dos fenémenos em sua integralidade do uno-miitiplo, dando lugar ar de unidade holisa, Aqui ganha espaco a percepelo das matrzes Matrize sio as formas de pensamento que partem de um niileo racional por meio do qual uma estrutura global emerge como discurso de estrutura matricial se distinguindo da outra justamente pela mancira como 0 intelectual vé ¢ integraliza o mundo. O conceito de matriz do pensamento supe, entio, 0 clareamento do campo epistemoldgico dos pensadores. Isto é, 0 fundamento conceitual- ideoldgico de onde eles partem como raiz de base « o quadro das mediagSes que utilizam para organizar esse fundamento num formato discursivamente localizado. No caso, a Geografia Individaalidade e episteme, pois sio as referéncias da definigfo, A indi- Widualidade significa aassergio de que a matriz éa forma de elaboracio original de um pensador na Geografia, dstinto por seu modo de pensar e ver o geral instituido,e de como ele captao real através da Geografia como forma de leieura do mundo (mundo que por definigio é a sociedade em seu tempo historico, a matriz expressando esse real na forma do pensamento).A episteme, por sua ver, significa 0 modo como o ambito geral das ideias do terapo se exprime no campo especifco do pensamento do pensador, ¢ assim como ele as formaliza na forma da sua linguagem conceitual e as reproduz na sua forma prépria de dialogar com 0 modo geral de visio de mundo do seu tempo. io quer dizer um desigamento reciproco entre os pensamentas, pois, antes, pensa-se numa descontinuidade do continuo, que é proprio da cultura humana. Porque individualidade e episteme se adensam no universo vocabular do pensador, sem que ele se isle ese retire para a solid de sua caverna, antes -ralidade o pensamento do real do seu tempo a patir do modo joal como combina e traga para si toda a bagagem de histéria das ideias com que convive, tazendo para seu campo discursivo com elas a capacidade de verbalizar a realidade que vive e explica, No que nos interes caminho teérico-metodk formular com as ideias do seu tempo a sua compreensio propria de mundo rata-se de conceber ¢ analisar a forma e 0 ico distintivos que levam 0 ge6grafo a poder por intermédio dos elementos da Geografia. Sob a forma eriativa de uma visio sua e critica £ comum as matrizes brotarem e se revelarem das obras dos autores, ‘uma das quais acaba por condensar seu pensamento mais que as outta, Pensa~ se asim com O capital, para Marx, A éuca protestante eo esprto do captlisme, para Weber, A interretajao dos sonhos, para Freud, © disurso do método, para 147) © PENSAMENTO GEOGRAFICO BRASILEIRO sara Newton, Mesmo que isso seja meia-verda Pensaremos também assim com O homtem ¢ « fara, para Reclus, Pinos de geagafia humana, paraVidal de La Blache, Geogrgfia humana, para Branhes, O hhomem na terra, pata Sorse, A ajao do homem, para George, A Tera planeta vivo, para Tricat, e Propésitos e natureza da gengrafi, para Hartshorne. [A vantagem dessas obras & com elas podermos analisa justamente uma fBixa do modemo persumento geogrifico em que o cariter de escola, 0 visgo da cspecializagfo setoral eo vazio da “purificagio” do contetido no sioo caso. Antes, sio obras em que o homem ¢ a natureza sio o tema ¢ ambos estio presents. ‘Vejamos o que hi de matrz.E, assim, de continuidade-descontimidade nessa obra. 148) OBRAS, OLHARES Blisée Reclus: comunidade e libertarismo em O homem e a terra (O homem ea tera & um livro publicado entre 1905 e 1908 em seis grosos volumes. £ a dhima grande obra de Reclus ¢ fecha 0 ciclo que se inicia com A Tira, de 1869, em 2 volumes, ¢ inclui a majestosa Nove geografa universal, publicada entre 1875 ¢ 1892, em 19 volumes,e que recebe a contribuicio de Kropotkine na parte da Geografia Fisica O homem e a tera & a finica obra em que Reclus, livre das interdiges ismo ¢ 0 capitalism ao redo: da distribuigio da riqueza social, imitamo-nos em nossa resenha 20 conteiido dos volumes 1va vi O veto espago e os primeiras trasos do espago moderno © feudo ea comuna diz Reclus sio a marca da organizagio espacial da Idade Média. O feudo & 0 poder do senhor. A comuuna é o poder autSnomo 4a populagio sicuada fora do dominio de um feudo. O conilito entre Feudos «© comunas atravesa todo 0, perfodo medieval. F é sob o fogo do agugamento

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