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ANNO V — N. 41 JANEIRO DE 1930 BEVISTA PO ENSINO ORGAM OFFICIAL DA INSPECTORIA GERAL DA INSTRUCCAO MAOS A OBRA Paremos um pouco, no limiar do anno lectivo de 1930, e pensemos um pouco sobre a grande tarefa que nos compete. Vao-se abrir de novo as escolas. A nossa classe ahi volta, depois dos mezes de ferias, como um bando de aves garrulas e travessas, com os olhos vivos e com uma bocca cheia de riso. Quantos novos? Muitos novos, todos novos, por vezes. Nas éscolas singulares, sente-se a falta dos que terminaram o curso e nota-se a presenca de um punhado de pequeninos, receiosos e timidos. Nos grupos, a profes- sora vae encarar uma classe inteiramente nova. « Que pretendemos fazer para educar essa turba espe- efeliz quese nos confia? = = itude, o gesto, 0 Ella ja esta a observar-nos a attitude, voz, pondera as nossas palavras, aoe see E vae desde ja induzin- ito, a nossa cultu- lo. As criangas verdadeiros . © nosso caracter. Eo des juizes. Juizes puros, cs fazer para que nos julguem bons honestas ? ion nS 2 REVISTA DO ENSINO dade de nos conhecer. Esperavam e desejavam uma fi- gura, cheia de carinho e sabedoria, capaz de as encarar comindulgencia, brincar com ellas, trabalhar com ellas e thes contar historias interessantes. Que pretendemos fazer dessas creangas brandas e do- Ceis, cujos destinos estao por assim dizer em nossas maos? Pensemos que é necessaria uma enorme indulgencia, para sabermos encarar, com bons olhos, as suas travessu- fas; uma grande intelligencia, para explicarmos as suas acgdes e descobrir através dessas acgdes—o feixe de motivos que as occasionou; um serio estudo, acerca das materias fundamentaes de nosso officio, para conhecer- mos as aptiddes, as tendencias, os instinctos das crian- “as, todas as suas possibilidades, para que as encami- nhemos para o bem, como jum corrego dagua limpida e borbulhante para a fecundacao dos campos Pensemos que temos de levar pilhas de cadernos pa- a casa e que temos de roubar horas ao prazer, ao des- canso e ds delicias da familia, para corrigirmos, com cui- dado, paginas e paginas e, sobretudo, adivinharmos, atra- vés da calligraphia tremula e irregular, a psychologia in- i quieta e obscura das pequeninas creaturas. Pensemos que os paes folhearao, em casa, os cader- nos de seus pequeninos como perscrutarao tudo o que se Thes passa nalma, depois das aulas— e comprehendamos [ que notarao o talhe de nossa letra, o pensamento de nosso/ _ dictado, 0 acerto e 0 esmero de nossas correccées, a s: bedoria e a paciencia de nossos conselhos escriptos— pa- fa emittirem sobre nds o julgamento definitivo da commit. nhao em cujo seio vivemos. | Que pretendemos fazer, portanto, neste anno lectivo? Reformar o nosso espirito, com forte esforco, para acquisigéo de novos methodos e processos? Ou continuar no mesmo passo, com o mesm tom voz e com a mesma attitude? Hy Ellas vieram para a classe com uma enorme curiosi- } { ) ‘ REVISTA DO ENSINO 3 Lér um punhad i lo de livros, tranformando o nos: \ SO eS Pirito e dando-the a alegria das novas idéas? Ou deixal-o em jej ‘mM jejum, afastado dos livros, rachitico € dessorado, como um desgracgado ser, sem alimento? Cumprir 0 noss: F ‘0 dever, obedecendo ds directrizes que nos impde o Regulamento, como as mais proprias Para a educagao da infancia? Ou nao cumprir o nosso d iri nao ) lever, nao por espirito de desobediencia e rebeldia, mas, 0 que € peor, porque so- mos uns vencidos ? : Ser professores de verdade, guias, companheiros e orientadores de nossas criangas, comparsas de brinque- dos, de travessuras, de pesquisas, de aventuras, de ex- perimentacoes, de leituras e de estudo? Ou _professores -feitores, simples marcadores de ta- tefas, com 0 sobrecenho carregado deante da tarefa nao cumprida, impacientes, intolerantes, caprichosos, presumpcosos de uma falsa sciencia? Nao ha escolha entre esses dois caminhos. Sejamos os bons professores de nossa infancia. Mas sejamos ver- dadeiros professores, que vivem sempre ds voltas com os livros e com as criangas, transformando-se dia a dia e transformando os pequeninos que se lhes entregam. Seja- mos professores de verdade, orgulhosos das pequeninas ‘coisas de nosso officio, satisfeitos com a nossa sala, ale- gres no cumprimento das mais humildes, obscuras e fati- -gantes funcgdes do nosso Officio, tao orgulhosos do ap- _ plauso da sociedade como do ar zangado de uma cri- cujos cabellos inspeccionamos maternalmente. ca se diga que a nossa infancia é menos a ies fiance dos outros paizes do mundo, por- nds nao estudamos, nds nado caminhamos, nds nao e jhe todas as riquezas de nosso carinho e ee nossa intelligencia.

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