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DIREITO PROCESSUAL CIVIL APONTAMENTOS PARA UMA TEORIA DA SENTENCA LUIS RENATO FERREIRA DA SILVA Advogado, Mestre em Direito Professor Universitério SUMARIO: 1. Introdugdo — 2. Natureza jurfdica ¢ estrutura da sentenga: 2.1 Teorias sobre a natureza; 2.2 Estrutura légica; 2.3 Estrutura formal — 3. Classificagdo e efeitos da sentenga: 3.1 Classificagao das senteng: 3.2 Dos efeitos principais; 3.3 Dos efeitos secunddrios — 4. Conclusio, 1. Introdugao 1. Antigamente, sentenga era termo genérico que hoje se substituiu por decisao, tanto que se falava em sentenga interlocutéria mista e simples. Esta qualificacao, hoje, destina-se 4s decisdes interlocutérias, onde o termo decisao passa a ser género que comporta as espécies sentenga e decisdo interlocutéria. E esta a nomenclatura utilizada pelo Cédigo de Processo Civil,’ que afirma ser a sentenga 0 ato que estingue 0 processo, com ou sem o exame do mérito. A adogao da classificagao dos atos do juiz pelo diploma de regéncia ndo est4 imune de criticas, a comegar pela sua extremada simplificagao que j4 peca por deixar sem enquadramento alguns atos que no podem ser considerados nem como sentenga, nem como decisao interlocutéria, nem, tampouco, como despacho ordinatério, v.g., a formulagdo de perguntas as testemunhas em audiéncia.? Nao inobstante estas criticas, sem sombra de ddvidas hd vantagens prticas no referido rol, ainda, repita-se uma vez mais, que em desfavor da cientificidade da classificagao. 2. Entre os aspectos positivos poder-se-ia elencar a facilitagdo na identificagao dos atos, 0 que era, no Cédigo anterior, bem mais confuso. © CPC, art. 165, § 1. ® Isto levou a doutrina a entender, a referida classificagdo de modo ndo exaustivo passou a vislumbrar atos judiciais fora daqueles, em especial os atos materiais do juiz. Nao custa lembrar que a pretensio & simplificagio é 140 evidente que o legislador no fez constar mais, expressamente, regra consagrando o princfpio de fungibilidade recursal que, no sistema anterior, era regra positivada e que tinha {ntima conexdo com a variedade de recursos em fungdo da natureza das decisdes. Reflete-se, outrossim, © intento simplificador, no préprio sistema recursal. 168 Note-se que nao mais se classificam os atos tendo em conta a natureza da deciso ou o seu contetido. Um mesmo contetido pode caber dentro de uma decisao ou dentro de uma sentenga pois o elemento classificatério agora reside nos efeitos que 0 ato produz no processo.* Assim, exemplificativamente, por ocasido do despacho saneador (ver- dadeiramente, decisao saneadora), poderd o juiz exarar uma mera decisao interlocutéria ao examinar um dos pressupostos processuais, ou poderd sentenciar. Para tanto, basta que o referido pressuposto se faca presente, ou nao, respectivamente. A constatagao ensejaré uma decisao interlocutéria que entenderd presente 0 pressuposto ¢ superado o Obice.’ De outra banda, tratar- se-4 de sentenga caso se entenda ausente o referido pressuposto e insandvel © vicio, conduzindo a uma sentenga sem exame do mérito.’ Ja se vé, o que enquadra a decisdo dentro de alguma das espécies € 0 efeito produzido no processo, terminando com ele ou entendendo-o apto a prosseguir. Nao se pode olvidar que tanto existe esta concomitancia de contetidos na decisdo interlocutéria € na senten¢a que os atos do julgador colegiado de segundo grau séo denominados indistintamente de acérddos, produzindo ora efeitos de decisao interlocutéria, ora de sentenga. Naquele caso, pode-se exemplificar com 0 acérddo que suspende o julgamento do feito para que seja realizado 0 incidente de declaracaéo de inconstitucionalidade por inclinar-se, a Camara, pela desconformidade da norma a ser aplicada com o Texto Maior.” Neste, pode-se exemplificar com a mesma situagdo. Quando a CAmara entender que nao ha inconstitucionalidade, ela prosseguird no julgamento, adentrando no mérito e resolvendo-o. 3. Mas j4 se disse que as benesses da simplificagio, da facilidade de identificago, bem como a maior compreensibilidade do cabimento recursal atuam com grande vantagem na pratica. Porém, tal definigao nao d4, ao contrério, tangencia, a verdadeira esséncia do que seja a sentenca. Isto impoe que se recorra 4 dogmética processual a fim de que, fora da definigao legal, busque-se uma assertiva conceitual que atinja o Amago do que se entende por sentenga. Quer-se dizer, introdutoriamente a um estudo da sentenga, faz-se mister a sua definig&o por tragos mais abrangentes que os legais, extravasando 0 critério de eficécia, que é 0 adotado pela legislacao codificada. 4. A conceituagao da sentenga, por sua vez, esté intimamente ligada a relacdo entre jurisdigdo e agdo. Ocorre que a acdo é 0 meio habil através do qual o interessado pode provocar a jurisdigao a fim de que esta cumpra © seu oficio, definindo a regra juridica aplicdvel a lide, pondo em atuagao os meios coercitivos para satisfagéo do credor, ou tomando medidas Ou a finalidade que ali esté posta, cf. Nelson Nery Jr. Princfpios fundamentais — Teoria Geral dos Recursos, S. Paulo, RT, 1990. © Desta decisio caberd agravo de instrumento pois cria sucumbéncia para quem defendia a tese da auséncia do requisito, donde se vé que verdadeira questdo foi solucionada em favor da continuidade do feito. CPC, art. 267, IV, da qual caberd apelagao. ® N&o se extingue o feito e a lei denomina este ato como sendo acérdéo, CPC, art. 481. 169 provisérias que acautelem o bom andamento de outro feito.’ De sorte que hd uma correspondéncia entre a propositura da demanda, com o pedido deduzido na petigao inicial, e o contetido da sentenca, o que a doutrina denominou de principio da co-extensao, dizendo-se que a peticdo inicial contém o esbo¢o da decisao final. Neste sentido, de sobre a mesma extensio do pedido debrugar-se a sentenga, julgado do Supremo Tribunal Federal que diz: “Desde formula antiga, ndo deve o juiz julgar além do pedido das partes, pois é ele que marca a largura da faixa em que se estende a relacdo juridica processual, até que profira a sentenga, nem além, nem fora, nem aquém dessas linhas que o petitum tragou. Nos limites em que se pée a lide é que se constréi o suporte da prestagao jurisdicional...”* — grifou-se. Dai se entender perfeitamente a definigZo de Liebman sobre a sentenga: resposta do juiz a pedido das partes. Ora, 0 que o magistrado faz ao sentenciar é examinar os pedidos e, dentre as postulages, afirmar qual delas é conforme ao Direito e merece a tutela do Poder Jurisdicional, ou seja, € a sentenga que expressa 0 exercicio cabal da Jurisdigao. Nao é por outro motivo que a lei positiva assim afirma que o Juiz cumpre e esgota o oficio jurisdicional apés sentenciar.'' 5. Avulta a vinculagdo entre a agao e a presta¢do jurisdicional através da sentenga quando se examina a a¢do como direito subjetivo constitucional de provocar a jurisdi¢ao."? De sorte que a sentenga é a resposta 4 demanda e esta se instaura por provocagao da parte interessada através do exercicio do referido direito de agéo. Ademais, a prefiguracdo do ato sentencial esboga- se, na linha da co-extensao aludida, com a proibigdo da sentenga ser ultra, extra ou citra petita. Esta vedagdo também foi contemplada legislativamente quando o diploma processual de regéncia impés a liquidez do decisum quando o pedido for Ifquido, a impossibilidade da decisio ser de natureza diversa ou de quantia superior a pedida e, por fim, ao exigir que a sentenga seja certa, ainda que examine relacdo condicionada.”? Portanto, ultrapassando a definigao meramente legal, tem-se que a sentenga é 0 ato de manifestacio da Jurisdi¢do por exceléncia, sendo ele que h4 de configurar a solugdo do conflito de interesses que anteriormente vigia entre as partes € que, gracas ao monopélio estatal na solugado dos conflitos privados, submeteu-se ao exame de um dos poderes do Estado para solucioné-lo. 6. A partir desta 6tica, o presente trabalho se dividird em duas partes. Na primeira serao examinadas a natureza juridica e a estrutura deste ato emanado de uma das fontes de poder do Estado. Para um tal exame, far-se- 4 mister verificar as teorias acerca da natureza da sentenga. Por outro lado, © exame da estrutura ser4 feito sob 0 aspecto légico e sob o aspecto formal. ® Respectivamente, atendimento 2 pretensdo cognitiva, executéria e cautelar a que dizem respeito as agdes de conhecimento, de execucdo e cautelar. ® RE 94,063-RJ, rel. Min, Luiz Rafael Mayer, in RTJ 105/1.088. © Apud Francesco Lancelotti, “Sentenza Civile”, verbete no Novissimo Digesto Italiano. Unione Tipografica, Editrice Turinese, Torino, 1970, v. XVI, p. 1.110, notas 1 e 2. «CPC, art. 463. “2 Constituigéo Federal, art. 5.°, XXXV. «CPC, arts. 459, pardgrafo unico, 460 e 461, respectivamente. 170

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