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FILOSOFAR Da curiosidade comum ao raciocinio légico TIMOTHY WILLIAMSON gradiva ‘Titulo Doing Phisophy: From Common Carty to Lap Rawoning ‘Sitimethy Wilamson, 2018 Doing Phiospy: frum Conmen Cura We Liat Reon vas onpinallypubiohed in English n 208. This tasttion published by derangement with Oxford University Press Grads Ribtcsroen A. lly espn for this ation rome the ‘rigid work ova Onfrd Urverity Pres shal ave aha {or any crrrs omiesions or inacuraccy ot amlgutiey in such tesrelotion or for any loses east by relance thereon opr Da Cust Comm oo sci Ugh TO publica scordo com a Oxford University ress Cradiva Publcagaes 8 A 9 dnica responsive! pela presente tadugio da obra eignal «= Gaiord Univeraty Pest nie poders sor responsabizade por eos, Sines Imprecnces ou atiguidages decorrentes 3 traducdo, Ca ‘por qualquer dann cnginados por estes, Tradugso Vitor Gucerito Capa Armando Lopes (concepeio yrética}/® Shutterstock (imager) P*roiocomposicns Grodina " Impress « acabamento Mi Reservades 04 drsto ps por cr us Alm e Sousa, 31 ~#/e ext — 1300081 Lisbon Toit 2139857 60 Fay Sw 7 Dep. comercai Tots 21297 4067/4 bau 21397 111 pevlogradion ml 1 digo Jonciro de 2019 Depéste legal 897052018 TEN orEsosiesors gradiva itor Gunna Yuin Catecgi coordenads por (Grn Fuesana ns Ustsare oF Lis) Indice Preficio, Lista de iuctragaes Introducio. Partie do senso somum Disputar CClatificar of tormos Fazer experiéncias’ mental Compararteorias. Deduzie Usar a histéria da filesofia Usar outras dreas Consteuir modelos. Conclusio: © futuro da flosofia Bibliografia comentada dice emissivw n 16 29 45 ea 75 1 17 119 135 150 153 163, Prefacio Tenho uma divida de gratido para com muitas pessoas que ajudaram no desenvolvimento deste livro em diversas tapas, com os seus comentérios sagazes: Jennifer Nagel Peter Momichiloff, Andrea Keegan, o Jenny Nugée da Oxford University Press; alguns comentadores anénimos, sobretudo a minha mulher, Ana Mladenovie Williamson. ‘Aqui ¢ ali, introduzi mais pormenores técnicos de uma iddeia numa caixa geafica. Alguns leitores consideré-los-30 bastante diteis, mas podem ser ignorados sem quebrar 0 fig do argumento principal Lista de ilustracdes Figura 1—Leopardo e impalas. Nature Picture Library / Alamy Stock Photo, Figura 2—Mestres universitarios numa disputa sobre a definicao de Felicidade perante uma assisténcia de disefpulos, de uma copia pari- sionse do século xu de um comentétla& Etca [iosmaco de Aristteles. Biblioteca Nasional da Suécia, MS V a 3. Figura 3—C. E, M. Joad, filésofo enquanto ce Tebridade medistica, a0 estilo dos anos 1940. ART Collection / Alamy Stock Photo. Figura 4—O gémeo zombie de David Chalmers 0 da esquerda, James Dunean Davidson (CC BY.NC 2.0); Kus / Shutterstock.com Figura 5—O que explice melhor isto? Anna Moskvina / Shutterstock.cOm Figura 6— Maquina de Turing om 1944 Figura 7 — Quatro pioneiros da légica modal ‘quantifieada: no sentide dos panteiros do ligio, a partir do canto superior esquerdo, Avicena (Ibn Sina, $80-1037); Rudolf Carnap (1891-1970); Saul Kripke (1940-); Ruth Barcan Mareus (1921-2012). Granger/REX/Shuttors- tock; Library Special Collections, Charles E. a7 o 92 Young Research Library, UCLA; com permisso dle Ruth Barcon Marcus Family Test © Robert P. Matthews, Universidade de Princeton Figure 8 — Cena colonial: Evans-Pritehard com rapazes zande, Cortesia do Museu Pitt Ri- Figura 9—A ilusio de Miller-Lyer. 10 106 123 a7 1 Introdugéo Jean-Pierre Rives ¢ uma lenda do riguebi. Enérgico capitio da grande equipa francesa nos anos de 1978-198i, era uma figura inesquecivelmente elegante em campo, com cabelo camprido, desgrenhado e Touro e a camisola muitas vezes manchada de sangue. Nama entrevista a um jornal, explicou © seu pensamento no que dizia respeito & tictica. A chave, afirmou, é ter uma ideia clara e distinta daquilo que se procura alcancar. Entio hi que decompor cada jogada complexa nos seus componentes mais simples, torné-los intuitivos, e reconstituir tudo a partir dai. Sem nomear o emblemstico filésofo frances René Descartes (1596-1650), Rives seguia simultaneamente a énfase carac- teristica desse fildsofo na necessidade de ideias claras ¢ dlistintas e uma das suas Regvas para a Direcgao do Espirito (regra 5). As escolas francesas ensinam filosofia,e esta tem uso inesperados. ‘A filosofia tem também perigos. Rives no recomendou a outra parte do método de Descartes, a sua estratégia radical de duvidar de tudo 0 que pudesse, inclusive do ‘mundo inteiro fora da sua mente, de modo a eeconstrui a céncia sobre o firme alicerce das poucas certezas restantes, A divida extroma pode nio gerar sucesso desportivo. Seja ‘como for, Descartes nao agiu em completa conformidade u wurRoDuGho ‘com 0s seus proprios crilérios exigentes, Apoiou-se em. velhos modos duvidosos de pensar, para «emonstrar 2 existéncia de Deus, usando depois Deus para resolver as suas duvidas. Metmo naquela época, muitos filésofor acharam esta solug3o pouco convineente, As suas razdes Para duvidar eram como as do monstro de Frankenstes {que este construira mas nao podia controlar E esse o pro: blema do cepticismo. Nao rato € ignorado e considerado inrelevante, de interesse apenas para fildsofos parandicos. Porém, ndo esquecamas es consultores de relagdes pablicas chamados pelos politicos e empresas para por em causa ddescobertas cientiicas inconvenientes, como 0 aguecimento global e 0s efeitos nocivos do tabaco. Esses consultores tem luma divisa: «O nosso produto & a davida». Sabem que rndo podem provar que os cientistas esti errads, © seu objectivo & apenas eriar suficiente confusio para Tovar as pessoas a pensar que os especialistas nao conseguem che- {gar a acordo e, por isso, ndo vale a pena proocuparem-se © cepticisino acerca das alteragoes climaticas no € uma cexcentricidade filosSfiea inécua. Trata-se de wma ameaca 2s geragies futuras. © ponto de partida de Descartes para reconstruir o conhecimento era o conhecimento que tinha do seu pré- prio pensamento interior. Também isso tem ainda ¢cos estranhos. Em Marco de 2003, os Estados Unidos, gover nados pelo presidente George W. Bush, ¢ 0 Reino Unido, pelo primeivo-ministro Tony Blair, invadiram o Iraque © slorrubaram 0 regime de Saddam Hussein, alegando que este possuia armas de destruigio macica (ADM). A ale. sgacd0 cedo so revelou falka, Num discurso que proferiu fem 2004, em defesa das suas acces, Tony Blair afiemou: #80 sei aquilo em que acredito.» Fle no sabia que havia ADM, mas sabia que acre que havia ADM. Procarou desviar a atengdo da questan dos indicios testivels sobre ADM para a questio da sua sinceridade aterior. 2 A filosofia também intervém quando reconhecemos que ‘as pessoas daquela regido suportaram ama longa historia de violagies dos direitos humanos. Podemos fazé-lo por ‘que temos uma ideia de direitos humanos. Os fildsofos desempenharam um papel crucial no desenvolvimento dessa ideia — designadamente no tempo de Descartes, Hugo Grécio (1583-1645), John Locke (1632-1704) ¢ outros. ‘A filosofia no & algo que nos seja completamente es- tranho. Esta omnipresente nas nossas vidas, de manciras triviais e importantes, Porém, 0 que € a filosofia? O que procuram 05 filsofos aleancar? Tradicionalmente, os fildsofos quiseram compreender a natureza de tuto, de um modo muito geral: @ existencia © 4 inexisténcia, a possibilidade e a necessidade, 0 mundo do senso comum, o mundo da ciéncia natural, © mundo dda matemética, as partes e 0s todos, espago e tempo, causa « efeito, mente e matéria, Querem compreender a nossa ‘comprcensao ela mesma: 0 conhecimento e a ignorancia, a eenga a chivida, a aparéncia e a realidade, a verdade fe a falsidade, 0 pensamento ¢ a linguagem, a ra7d0 e a femogae. Querem compreender e¢ ajuizar © que fazemos com essa comproensio: acgao ¢ intengie, meios e fins, bem © mal, correeto ¢ incorrecto, facto c valor, prazer & dor, beleva e fealdade, vida © morte, ¢ mais. A flosofia & superambiciosa Testa breve descrisio coloca uma pergunta ébvia: uma ver. que os cientistas estudam muitos destes t6picos, como se relaciona a filosofia com a ciéncia? Estas nem sempre estiveram separadas, Desde of antigos gregos, a filosofia incluia a filosofie naturai, o estudo do mundo natural Abreviando, a0 longo des séculos 11 € xvii, a filosotia natural transformou-se em algo reconhecivel como a cién~ cia natural no sentide moderno, especialmente 2 fisica, Pioneiros como Galileu ¢ Newton ainda se desereviam a si proprio como filésofos naturais. Alguns fildsofos eram também cientistas © mateméticos, inclusive Descartes © 13 FILOSOFAR Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716). Contudo, a filosofia natural, ow ciéncia natural, desenvolveu uma metodologia particular, conferindo um papel crucial 8 experimentagio, 8 jobservagio exacia através de instrumentos especiais como (os telescdpios e mieroscopios, 3 medigao e ao céleslo. Cada vez mais esta filha da filosofia se fo) assemethando a uma rival « a uma ameaca mortal & sua progenitora, De facto, 2 filosofia e a ciéneia natural parecem estar em competicio para responder as mesmas perguntas acerca da natureza subjacente da realidade. Se & um daelo, a filosotia parece fom desvantagom, pois dispse apenas do pensamento, a0 asso que a ciéncia natural tem também aqueles out métodos. Se os fildsofos insistirem que $40 melhores a pensar do que 0s clentistas naturais, quem acreditara ne- les? Mudando a metafora, ao fil6sofo € dado 0 papel do reguigoso que discursa para nds, a partir do conforto da sua poltrona, acerca de como 0 Universo deve Set, a0 passo que 0 cientista sai para observar e ver como realmente &. Se isto for verdade, no seri a filosofia obsoleta? Assim, © surgimento da ciéncia natural provocou uma lenta crise do métode tilosofico. Muita da historia da filosofia subsequente pode ser interpretacla como uma série de reacqBes a essa crise do ‘método; tentativas de encontrar algo, qualquer coisa; que ‘0s métodos filesoficos possam fazer melhor do que os cientificos. Essas tentativas ndo raro envolveram redwzir drasticamente as ambiqies da filesofia, como os capitulos seguintes explicario, "A meu ver a Supasta aposicio entre afilosofia ea ciéncia| parte de uma coneepcao excessivamente limitada, de mo- elo snico, da ciéncia. Afinal, a matematica é tao cientfica ‘quanto as cidncias naturais como a fisica, a quimica, © a biologia, as quais se apoiam constantemente naquela, e, no tentanto, os matematicos nao fazem experiéneias. Como os fildsofos, podem trabalhar a pensar sentados numa poltrona Este livro explica como os métodes que os fildsofos usam “ inraooUGAo 0 08 métodos cientificos apropriados para responder 3s, suas questoes, que s30 questdes do ambiciose tipo tradi clonal. Como a matematica, 2 filosofia € uma ciéncia no ‘natural. Ao contratio da matemstica, nao chega a ser uma cigncia plenamente madura. Recomhecidamente, muitos fil6sofos contemporaneos sto tudo menos cientificos na sua abordagem. Este livro acerca de tilosofar bem, nio acerca de o fazer mal, em bora o que conte como fazé-lo bem stja em si materia de discussio, Muitos filésofos detestario. a minha visto de comp filosofar. Deixo ao leitor a tarefa de ajvizar Este livro explica como a filosofia pode responder a ‘questoes extraordinariamente gerais. Nada inclui de exo fico, nenhuns estados alterados de conscigncia. O leitor ‘poderd por vores reagir, pensando: «Mas eu ja ago issob» E precisamente esse 0 propésito. A filosofia, como toda a cincia, comeca com modos de conhecer © pensar que to- dos os seres humanos normais t€m, ¢ aplica-os um pouco mais caidadosamente, um pouco mais sistematicamente, ‘um pouco mais

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