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CHIESA, GUSTAVO RUIZ. ALEM DO QUE SE VE MAGNETISMOS, ECTOPLASMAS E PARACIRURGIAS. PORTO ALEGRE: MULTIFOCO, 2016. 273 P. Gabrielle B. Cabral! Além do que se vé, iveo publicado em abril de 2016, é resultado do cuidadoso trabalho de Gustavo Chiesa que acompanha trajetérias de formas diferentes de perceber 0 mundo ¢ as consequéncias desses saberes para a ciéncia ea medicina. Tais abordagens, colocadas As margens da iéncia hegemonica, tém em comum a presenga de substincias, fluidos ou forgas que colocam em questio as divisdes do modelo cartesiano de cigncia. Dessa forma, 0 autor se empenhou em construir uma “etnohistoriografia multissituada (no tempo ¢ no espago)” (p. 17) em que acompanha trés momentos e suas consequéncias terapéuticase epistemolégicas: 0 magnetismo animal de Franz Mesmer (1734-1815), a metapsiquica de Charles Richet (1850-1935) e a conscienciologia de Waldo Vieira (1932-2015). Os caminhos do “ectoplasma” que acompanharemos iniciam-se pelo fluido magnético: 0 médico Franz Mesmer, inspirado pela fisica newtoniana, postula que os corpos celestes influenciariam os corpos animais, sendo ‘uma substincia invistvel, ou “fluido universal”, o responsivel por conectar os astros e seres. Por meio de propriedades magnéticas presentes nos seres vivos, 0 corpo animal teria a capacidade de ser afetado (e afetar outros seres) pelas forgas dos corpos celestes. Tal capacidade, denominada magnetismo animal, podia ser manipulada para fins terapéuticos. Visando reestabelecer 6 equilibrio dos fluidos, 0 magnetismo animal promovia a circulagio dos fluidos, indispensdvel para o movimento da vida. ¥ Graduanda em Cigneias Saciais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Contato: sgabriellebeabralg@gmail.com |ANO 17, N. $0, P. 259-268, ju.f4Z. 2016 260 Gabrielle B. Cabral Chiesa destaca como diferencial da proposta de Mesmer 0 fato de 0 fluido magnético ~ substincia que nio se pode ver — possuir em si o prin- cipio de cura e ser capaz de integrar e conectar todos os seres. Essa tia caracteristica estaria ligada a medicina romantica, a qual se propée ver © individuo como uma totalidade, isto é, o ser humano como um orga- nismo composto de corpo ¢ alma (fisico-psiquico). Com uma visio mais holistica, a medicina romantica enxerga a doenga como um “desequilibrio orginico global”, ou seja, “€ o homem inteiro que esta doente” (p. 36) ¢ portanto, corpo ¢ alma precisam ter seu equilibrio reestabelecido. Apesar da similaridade dos temas abordados, Mesmer tentou abordé-los através de uma visio mecanicista ¢ racionalista, sem atentar para as especificidades epistemoldgicas colocadas. Essa “incompatibilidade epistemolégica” (p. 41) veio a tona com 0 sucesso do magnetismo animal em cerras francesas: sem obter reconheci- mento em Viena, Mesmer migrou para capital da Franga, onde encontrou centusiastas e defensores de suas priticas terapéuticas entre a alta nobreza ¢ a burguesia. E 1d também que aperfeigoou suas técnicas, desenvolveu o baguet (espécie de cuba para magnetizagio) ¢ seu espago terapéutico, onde 0s tratamentos podiam ser presenciados pelo piblico. As magnetizagées, que muitas vezes culminavam em estados de “crise”, logo tornam-se moda em Paris, ¢ a despeito de néo ter conseguido reconhecimento académico, ‘Mesmer fundou a Société de 'Harmonie Univerrelle, onde podia divulgar sua tese. A comogio piiblica em torno do magnetismo animal também chamou atengéo do rei Luis XVI, que nomeia comissées para a avaliagio das priticas magnéticas. Foram entio recrutados membros da Faculté de Médicine (da Académie des Sciences) ¢ da Societé Royale de Médicine para compor duas comissbes. Procurando estabelecer se © magnetismo animal podia ter sua existéncia provada e se tinha utilidade terapéutica, ambas comissdes, ao levarem 0 magnestismo animal para o ambiente controlado de laboratério, chegam a conclusées semelhantes: além de acusé-la de ferir a moral ¢ os “bons costumes”, 05 efeitos atribuidos ao magnetismo eram produtos da imaginagéo. ‘Dusaris 50 NER, PoRTO ALBGRE, ANO 17, N. 30, 259-268, JULDKZ. 2016 CHIESA, GUSTAVO RUIZ, ALEM DO QUE SE VE. 261 Pois se no pocemos ver, tocar, sentir, pesar, medir, provar ou mesmo examinar cal substi que a agio do magnestismo nio passa Ja em um microscépio é de “truque e imaginagio”, ou seja, de pura “ilusio”. (p.51) A imaginagio, dessa forma, aparcce como algo que nio pode ser apreen- dido pela ciéncia, devendo 0 “bom cientista” ficar longe dela e de tudo aquilo que foge “ao controle e regularidade, & objetividade e neutralidade, A certeza, pureza e precisio” (p. 53). Assim, distanciando-se da imaginagio, surge 0 que seria uma das primeiras demarcagdes do que pode ser ou nio considerado cientifico (p. 52, apud CHERTOK; STENGERS, 1990) Com a invalidagio de sus métodos pela ciéncia “convencional” da época ca proibicao pelo rei, Mesmer deixa a Franga. O magnetismo animal, entretanto, nio é esquecido por seus pacientes e seguidores, que saem em sua ddefesa e desenvolvem variagées das técnica. As ideias em torno do fluido magnético, agora diversificadas, passam a exprimit ideias nao s6 terapéuticas, mas politics, morais ¢ sociais, Da descoberta dos estados sonambilicos & aproximasio com ideias cspiritas, o magnetismo animal foi convertido em “hipnotismo”. Curioso a respeito do magnetismo, o médico britinico James Braid resolveu investigar © fendmeno, chegando a conclusio de que a verdadeira causa era subjetiva © no podia ser atribuida a0 suposto fluido magnético, mas is alteragbes fisiol6gicas induzidas pelos magnetizadores. Ao ter seus sentidos fatigados, 0 paciente entra em estado hipnético, podendo ter idcias e emogées sugeridas pelo hipnotizador. Tas processos hipnéticos poderiam ser utilizados para fins ‘erapéuticos. Braid procurow afastar-se do magnetismo animal ao teivindicar © cariter estritamente cientifico de sua descoberta, isolando e “purificando” a hipnose de qualquer explicagéo “misteriosa”, “maravilhosa’, “sobrenatural” ©, também, “fuidista’, Trata-se de um fenémeno neurolégico, fisiolégico, passivel, portanto, de uma séria investigagio cientifica. (p. 87) © autor continua a nos guiar pelos fluxos do “fluido universal”, chegando até Charles Richer: médico fisiologista francés que destacava-se no campo Dawatas 00) ANO 17, N. 30, P. 259-268, ju1./4z. 2016 262 Gabrielle B. Cabral cientifico, sendo agraciado pelo Prémio Nobel de Medicina er descoberta da “anafilaxia’. Richet também se interessou pelos 1913 pela fendmenos inabituais” que, a0 mesmo tempo, chamaram atengio de Hippolyte Léon Denizard Rival, responsivel pla codificagio do Espiritismo A woria espirita nao descarta a realidade ¢ influéncia do que esta além do gue se vé, a0 contrario, € responsdvel por naturalizar a existéncia do mundo espiritual, afirmando que tal dimensio — com suas “forsas’, “fluids” e “seres” (p. 105) ~ € material (embora divergente da concepgio habitual de materialidade) e por isso, passivel de investigasio empirica Rivail, sob o nome Allan Kardec, organizou informagécs a respeito do fendmeno, publicando “O Livro dos Espiritos” em 1857, no qual estio os princfpios da “doutrina espirita” Chatles Richet nio aderiu ou concordou completamente com o espiti- tismo, pois duvidava que a explicagio espitita — isto é, a atuagio de “espititos desencarnados” — pudesse explicar a totalidade dos “fendmenos inabituais”, uma vez que scria uma explicagio muito simplista. Richet também ques- tionava “a excessiva confianga dada aos espiritos”, visto que considerava “um erro fundamentar um saber cientifico ou uma doutrina filoséfica nas palavras de tis espititos” (p. 109). Ao questionar a hipétese espitita, Richet também apontou que os fatos espititas, ainda que muitas vezes incontestiveis, no cram capazes de afirmar cientificamente a sobrevivencia da alma apés a necessdria uma nova ciéncia para compreender os “fendmenos = situados além do fisico ¢ do psiquico. Richet voltou-se entéo para a investigagio da “materializagio”, na qual observou que uma certa substincia é exalada do corpo do médium para formar uma figura matetializada, Tal substancia, semelhante a uma teia de aranha, € denominada “ectoplasma’: “ectos ow ektos — de fora ou que sai de dentro; ¢ plasma ~ molde ou substincia que molda’ (p. 124). No “material” dos espiritos, o ectoplasma, Richet identificou um fato passivel de ser estudado através de experigncias cientificas, Submetido a exames laboratoriais, logo se constatou que a ciéncia convencional da época nio possula parimettos para apresentar a composigo quimica ou formula molecular do ectoplasma. ‘Dusaris 50 NER, PoRTO ALBGRE, ANO 17, N. 30, 259-268, JULDKZ. 2016 CHIESA, GUSTAVO RUIZ, ALEM DO QUE SE VE. 263 Mais interessado em comprovar a realidade do fendmeno — por meio da metodologia cientifica— do que compreender seus efeitos (terapéuticos ou nao), Charles Richet se empenhou na formagio e na divulgagio de uma nova cigncia: a metapsiquica, cujo objetivo é compreender o que esté além do que se vé também “os fatos produzides por ‘forcas inteligentes’ desco- nnhecidas (..) que ulteapassam os limites ‘normais’ ou ‘habituais’ definidos pela psicologia” (p. 134). Tais fatos sio descritos e catalogados por Richet no Traité de Métapsychique, publicado em 1922. Atento aos fatos ¢ & experiéncia, Richet néo descartou possibilidades, porém considerava que certas hipéteses nao se sustentavam em todas as situagdes ou cram indemonstriveis no Ambito cientifico, como é 0 caso da hipétese espirita. Para tanto, criou sua prépria hipétese — condizente com as explicagSes cientificas da época: “Hi em torno de nés vibragies do écer que nio percebemos. (..) Essas vibragées, nio as pereebemos, porque nio somos sensitivos nem médiuns” (p. 137, RICHET apud MAGALHAES, 2007, p. 256) Com o mesmo rigor das demais ciéncias, a nova “ciéncia” — a metapsi- quica —se concentrou no estudo de trés fendmenos fundamentais:cripteteria (conhecimento extrassensorial), telecinesia (movimentagio a distancia) e cctoplasmia (formasio de coisas materiais). Pata a realizagio das experién- cias dos metapsiquistas a presenga de médiuns € necessdria, E para nao “cometerem o grave erro de ‘misturar’ (méler)ciéncia e religiso” (p.139), os metapsiquistas rejeitaram qualquer viés mistico ow rcligioso. (Os metapsiquistas observaram que o ambiente e as pessoas eram varié- veis que podiam afetar o médium, alterando os resultados das experiéncias ‘Além disso, apesar de pretenderem uma cigncia distanciada de qualquer viés mistico, a metapsiquica chamou atengio de um piblico interessado em provar suas crengas através da cincia. Tal piblico, formado por espiritas ¢ cspiritualistas, foi muitas vezes responsivel por subsidiar as atividades do Institut Métapsychique Internacional (IMI) — fundado em 1919 ¢ principal divulgador da metapsiquica Dawatas 00) ANO 17, N. 30, P. 259-268, ju1./4z. 2016 264 Gabrielle B. Cabral ‘Assim, de maneira paradosal,o desejo de tornara metapsfquica em uma ciéncia 68esrelgiosas daqueles que ajudavam financeiramente aqucla instituisio, 0 que, por sa ver, era logi- ficial” dependia em grande medida das mot ‘camente mal compreendido pelas cincias “estabelecidas”, que rejeitaram © ccondenaram essas “outras cigncias” 4 eterna “marginalidade” em relagio 20 “mundo cientifico”. (p. 146) Gustavo Chiesa aponta ainda outro paradoxo em quea metapsiquica se encontrava: ainda que tivessem aprego pelo método cientifico¢ pela raciona~ lidade, a0 serem desacteditados pela comunidade ciensifica, questionaram a falta de interesse dessa pelos fendmenos observados nas experigneias metap- siquicas, considerando-se “mértires da ciéncia” (p. 146) por dedicarem-se a um conhecimento tio importante (mais ignorado) para a humanidade. ‘Ao mesmo tempo, nio desejavam somente a aprovagio da comunidade cientifica, mas também o reconhecimento de suas prOprias abordagens, de seu modo préprio de fazer eiéncia. Mais uma vez nos deparamos com uma incompatibilidade ou mal entendido epistemolégico Prosseguindo na trajetéria que Chiesa nos convida a tragar, chegamos a passagem do século XX para o XXI, ¢ a conscienciologia, a “eiéneia da consciéncia’, Do mesmo modo que o magnetismo animal ¢ a metapsi- quica, a conscienciologia “pretende fornecer uma ‘abordagem cientifica’ a assuntos e priticas ligadasa dimensées religiosas ou espitituais’ (p. 154). No centanto, pretende corrigir os excessos misticos ¢ performaticos de Mesmer ca auséncia de “autopesquisa” ¢ de “atengio & subjetividade” de Richer (p. 154). Inspirado pelos estudos sobre “experincias fora do corpo” (ou projesio astral), Waldo Vicira criow — apés seu afastamento do espiritismo — a projeciologia, buscando uma abordagem mais cientifica aos fenémenos aque experimentava. Entendendo a projesio astral como uma fonte de esclarccimento, através do (re)conhecimento de nossa realidade multidimensional, a projeciologia € vista como uma ferramenta para o entendimento da consciéncia. O foco de Vieira logo se voltou para a investigagio da consciéncia, dando origem ‘Dusaris 50 NER, PoRTO ALBGRE, ANO 17, N. 30, 259-268, JULDKZ. 2016 CHIESA, GUSTAVO RUIZ, ALEM DO QUE SE VE 265 a conscienciologia. Reunindo-se com outros pesquisadores interessados, surge 0 Centro de Altos Estudos da Conscienciologia (CEAC), em 1995 na cidade de Foz do Iguagu. Entre as “instituig6es conscienciocéntricas” esti a Organizagio Inter nacional de Consciencioterapia (OIC), cuja especialidade é oferecer “uma abordagem terapéutica que faz uso da visio de mundo e das técnicas desenvolvidas pela conscienciologia para realizar 0 ratament, o alivio € a remissio dos distirbios fisicos psiquicos ¢ energéticos da consciéncia ‘inteira” (p. 168). Para os consciencidlogos, a energia que nos envolve pode afetar posi- tiva ou negativamente a satide. Entendem, portanto, que 0 processo de (auto)cura depende de estar consciente dessas “trocas energéticas” ¢ saber dominé-las. As energias citculam pelo corpo através de pontos denomi- nados chacras. Enquanto as enfermidades podem levar a0 bloqueio dos chactas, certos bloqucios podem levar & doengas — 0 que o autor chama de “via de mio dupla” (p. 171). Nesse sentido, © papel do conscienciote- rapeuta é auxiliar 0 paciente na autopercepgio de seus bloqucios, através dde técnicas que o fagam atingir 0 “estado vibracional”, como a mobilizagio bisica de energias ~ que consiste em circulagio, extetiorizagio ¢ absorgio de encrgias. Os consciencioterapeutas si facilitadores da (auto)cura dos pacientes, pois os individuos sio vistos como responsiveis pela construsio de sua satide, assim como de suas doengas. A consciencioterapeuta expande as terapias convencionais ao considerar a multidimensionalidade dos individuos, assim como os “responsabiliza” pelos seus estados de satide, os encarregando de reestabelecé-la, Segundo cles, algumas patologias nio apresentam melhora com a medicina convencional, nem com a terapia consciencial. Nesses casos, seri recomendada a paracirurgia A paracirurgia é um procedimento puramente energético ou espiritual em que uma consciéncia intrafisica (*vivo" saudével) doa energia para uma consciéncia extrafisica (um “desencarnado” enfermo) ou para a assisténcia Dawatas 00) ANO 17, N. 30, P. 259-268, ju1./4z. 2016 266 Gabrielle B. Cabral de uma “conscin” (consciéncia intrafisica) enferma que seré assistido & distancia, A dinimica, que consiste na doagio e mobilizasio de energia pelos voluntatios, exige do participante uma postura de “passividade alerta” que Ihe permita perecber impress6cs ou visualizagées. Ao final, os participantes debatem suas experiéncias, onde pode vir a tona percepgées coincidentes. Tais anotagées ¢ os dados coletados no site sio posteriormente analisadas por pesquisadores, visando a qualificagio assistencial Outra instituigio voltada pata a satide € a ECTOLAB (Associ Internacional de Pesquisa Laboratorial em Ectoplasmia ¢ Paraciturgia), cujo objetivo ¢ a investigacio do ectoplasma, seus doadores ¢ da paracirurgia por meio de uma “abordagem técnica” (p. 169). Através da investigagio cientifica, pretende-se eriar uma instrumentagio ¢ uma metodologia que auxiliem na andlise ena compreensio da (para)fisiologia do doador de ectoplasma (ou ectoplasta) ¢ principalmente, {que favoregam na otimizagio do trabalho de assisténcia terapéutica as cons- igncias (intrafisicas e extrafisicas) mais necessitadas. (p. 169) ectoplasma, através da conscienciologia, passa por um processo de reinvensik , wornando-se “uma substincia encrgética de propriedades terapéu- ticas€ finalidade assistencial” (p. 188). O ectoplasma nao é mais visivel, sua presenga ¢ sentida pelas sensagées que causa. A ECTOLAB, cujos laboratérios foram projetados de acordo com ctitérios da ciéncia convencional, venta entender a ectoplasmia para finalidades terapéuticas, no entanto, encontra dificuldades de produzir e registear 0 fendmeno em laborat6rio. A conscienciologia — assim como as abordagens de Franz Mesmer ¢ Charles Richer — valoriza 0 conhecimento cientifico, mas, ao mesmo tempo, critica a abordagem convencional cujos limites (fisicos) procura transcender através da proposigio de um novo paradigma, no caso, o consciencial: néo €um mero conhecimento que se pretende cientifico, mas algo que acarreta consequéncias morais, filoséficas, éticas ¢ verapéuticas, Nesse processo, também busca diferenciar-se dos discursos de “carter mistico-religioso” ainda que “sacralize” o discurso cientifico (p. 164), ‘Dusaris 50 NER, PoRTO ALBGRE, ANO 17, N. 30, 259-268, JULDKZ. 2016 CHIESA, GUSTAVO RUIZ, ALEM DO QUE SE VE 267 No quarto ¢ iiltimo capitulo, 0 autor nos apresenta uma discussio tedrica baseada nos argumentos de Tim Ingold e Gregory Bateson. Ambos autores, interessados no movimento da vida, sio contririos as separagées propostas pelo dualismo cartesiano, que divide corpo/mente, naturczal cultura, cigncia/religido ete. Para cles, tais divisGes néo s6 néo estio no mundo, mas também sio contritias aos fluxos ¢ movimentos. Assim, Ingold prope que as divisées retiram a vida das coisas, pois as desconectam de seu ambiente e de suas relagies (ou teias). Jé para Bateson, as divisbes acatretam em um “engano epistemolégico” que impede um entendimento acertado do nosso mundo (p. 244). autor entende a percepgio (con)sagrada do ambiente como um outro modo de conhecer em que educamos nossa atengio, desenvolvendo uma percepgio das relagées, dos fluxos e do movimento da vida. Nesse sentido apontaa similaridade entte pensamento sistémico (eibernética), magnetismo animal, metapsiquica ¢ conscienciologia, outras maneiras de conhecer, perceber ¢ agir no mundo que se contrapée & divisio pesquisados/objeto, proposta pela cigncia convencional. Os metapsiquistas nos lembram que 0 pesquisador é parte do ambiente de pesquisa, ¢ os conscienciélogos colocam © pesquisador enquanto objeto de pesquisa, construindo um conhecimento embasado “na ideia de intersubjetividade compartibhada e no engajamento criativo do pesquisador na realidade investigada’” (p. 248, grifo do autor). O ‘magnetismo animal, por outro lado, compartilha com a cibernética a idcia deere ambiente serem insepariveis, etando todos os seres interconectados pelo ambiente. Dir o autor que a complexidade dos sistemas vivos (sempre interligados ¢ contextualizados), a instabilidade do mundo orginico (nos termos de um processo ou de um devir permanente), a intersubjetividade na constituigéo da realidade ¢ na possibilidade de sua compreensio (onde “sujeito” ¢ “objeto” s6 existem rela- cionalmente) sio caracteristicas centrais da epistemologia cibernética que combinam perfeitamente bem com o magnetismo animal, a metapsiquica e a conscienciologia ¢ que, acredito, permitem situar tal conjunto de saberes dentro das chamadas “epistemologias ecoldgicas” (STEIL; CARVALHO, 2014, p. 249, grifo do autor) Dawatas 00) ANO 17, N. 30, P. 259-268, ju1./4z. 2016 268 Gabrielle B. Cabral Somos convidados a pensar com o ectoplasma, entendendo que intera- gimos com aquilo que nos cerca, pois as coisas “nos conectam a dimensées ¢ realidades tidas como inexistentes (..), mas em fungio dessa agéncia ¢ dessa mediapéo, tornam-se reais ou se ‘atualizam’”(p. 254, grifo do autor) Somos convidados a um modo de conhecer que leve em conta aquilo que taza, que esti d margem, ao lado, além ox fora, atentando para os caminhos das coisas e seus efeitos em nds mesmos ~ afinal somos “um emaranhado de consciéncias’, Assim como € 0 ectoplasma — uma extensio do corpo que o gera que interage com o ambiente. O ectoplasma corresponde, dessa forma, ao proprio movimento da vida, uma materializagio da percepgio sagrada do ambiente texto é construido de uma forma que provoca o leitor a seguir as trajetdrias do conceito de ectoplasma, deixando a discussio teérica estrategicamente ao final do texto. Ao utilizar essa escrutura, 0 autor nio interrompe © movimento do seu objeto, dando vor as personagens ¢ deixando o debate para ser amarrado ao final por uma cuidadosa anilise tedrica. Gustavo Chiesa nao sé apresenta um olhar atento aos discursos que tantas vezes foram ignorados pela cigncia ¢ pela medicina hegeménica, como também exprime um outro modelo de ciéncia preocupado com os fluxos, com a totalidade, Nio s6 diz ser possivel um diferente modelo de cigncia, como a coloca em prética através de uma antropologia preocupada em pensar com as coisas. Recebido em: 05/09/2016 Aprovado em: 03/10/2016 ‘Dusaris 50 NER, PoRTO ALBGRE, ANO 17, N. 30, 259-268, JULDKZ. 2016

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