You are on page 1of 27
José Carlos Libaneo 6 / 6 Dicatica Sais MPM AMELIE AGATA OPTS Nos capitulos anteriores procuramos formar uma visio geral da pro- blematica da educagio escolar, da Pedagogia e da Didatica, introduzindo Jd 0 necessério entrosamento entre conhecimentos te6ricos e as exigéncias priticas. Retomaremos, agora, algumas questdes, com a finalidade de apro- fundar mais os vinculos da Didatica com os fundamentos educacionais proporcionados pela teoria pedagégica, explicitar o seu objeto de estudo seus elementos constitutivos para, em seguida, delinear alguns tragos do desenvolvimento histérico dessa disciplina. No t6pico final, incluimos os principais temas da Didética indispensdveis ao exercicio profissional dos professores, Neste capitulo serio tratados os seguintes temas: a Didética como atividade pedagégica escolar; objeto de estudo: os processos da instrugo e do ensino; ‘0s componentes do proceso didatico; desenvolvimento histérico da Didética e as tendéncias pedagégicas; a Didatica ¢ as tarefas do professor. ooooa0 51 Adidatica como atividade pedagégica escolar Conforme estudamos, a Pedagogia investiga a natureza das finalidades da educagio como processo social, no seio de uma determinada sociedade, bem como as metodologias apropriadas para a formagao dos individuos, tendo em vista o seu desenvolvimento humano para tarefas na vida em sociedade. Quando falamos das finalidades da educagio no seio de uma determinada sociedade, queremos dizer que 0 entendimento dos objetivos, contetidos e métodos da educago se modifica conforme as concepgdes de homem e da sociedade que, em cada contexto econémico e social de um momento da histéria humana, caracterizam 0 modo de pensar, 0 modo de agir e os interesses das classes e grupos sociais. A Pedagogia, portanto, € sempre uma concepgio da diregio do processo educative subordinada a uma concepgio politico-social. Sendo a educagio escolar uma atividade social que, através de insti- tuigdes préprias, visa a assimilagdo dos conhecimentos ¢ experiéneias hu- manas acumuladas no decorrer da hist6ria, tendo em vista a formagao dos individuos enquanto seres sociais, cabe A Pedagogia intervir nesse processo de assimilacdo, orientando-o para finalidades sociais ¢ politicas e criando um conjunto de condigdes metodolégicas e organizativas para viabiliz4-lo no fimbito da escola. Nesse sentido, a Didética assegura o fazer pedagégico na escola, na sua dimensio politico-social e técnica; é, por isso, uma dis- ciplina eminentemente pedagégica. A Didatica é, pois, uma das disciplinas da Pedagogia que estuda 0 processo de ensino através dos seus componentes — os contetidos escolares, © ensino e a aprendizagem — para, com 0 embasamento numa teoria da ‘educagio, formular diretrizes orientadoras da atividade profissional dos pro- fessores. E, ao mesmo tempo, uma matéria de estudo fundamental na for- magio profissional dos professores e um meio de trabalho do qual os pro- fessores se servem para dirigir a atividade de ensino, cujo resultado é a aprendizagem dos contetidos escolares pelos alunos. Definindo-se como mediagio escolar dos objetivos ¢ contetidos do ensino, a Didatica investiga as condigdes ¢ formas que vigoram no ensino mesmo tempo, os fatores reais (sociais, politicos, culturais, psicos- ‘iais) condicionantes das relagdes entre a docéncia e a aprendizagem. Ou seja, destacando a instrugo e 0 ensino como elementos primordiais do processo pedagégico escolar, traduz. objetivos sociais e politicos em objetivos de ensino, seleciona e organiza os contetidos e métodos ¢, a0 52 estabelecer as conexées entre ensino e aprendizagem, indica principios e diretrizes que irdo regular a ago didatica, Por outro lado, esse conjunto de tarefas nao visa outra coisa sendo 0 desenvolvimento fisico ¢ intelectual dos alunos, com vistas & sua preparagio paraa vida social. Em outras palavras, 0 processo didético de transmissio/as- similago de conhecimentos € habilidades tem como culminancia o desen- volvimento das capacidades cognoscitivas dos alunos, de modo que assi- milem ativa e independentemente os conhecimentos sistematizados. Que significa teoria da instrugdo e do ensino? Qual a relagdo da Di- datica com 0 curriculo, metodologias especificas das matérias, procedimen- tos de ensino, técnicas de ensino? A instrugdo se refere a0 processo ao resultado da assimilagio sétida de conhecimentos sistematizados e ao desenvolvimento de capacidades cog- nitivas. O nicleo da instrugio sio os contetidos das matérias. O ensino consiste no planejamento, organizagdo, diregdo e avaliagio da atividade didatica, concretizando as tarefas da instrugio; o ensino inclui tanto 0 tra- balho do professor (magistério) como a diregdo da atividade de estudo dos alunos. Tanto a instrugio como 0 ensino se modificam em decorréncia da sua necessaria ligagio com 0 desenvolvimento da sociedade e com as con- digGes reais em que ocorre o trabalho docente. Nessa ligagio é que a Diditica se fundamenta para formular diretrizes orientadoras do processo de ensino. O curriculo expressa 0s contetidos da instrucdo, nas matérias de cada grau do processo de ensino. Em torno das matérias se desenvolve 0 processo de assimilagao dos conhecimentos e habilidades. A metodologia compreende 0 estudo dos métodos, e 0 conjunto dos procedimentos de investigagio das diferentes ciéncias quanto aos seus fun- damentos e validade, distinguindo-se das técnicas que sio a aplicagio es- pecifica dos métodos. No campo da Didatica, hé uma relagdo entre 0s métodos préprios da cigncia que dé suporte & matéria de ensino € os métodos de ensino. A metodologia pode ser geral (por ex., métodos tradicionais, métodos ativos, método da descoberta, método de solugio de problemas etc.) ou especifica, seja a que se refere aos procedimentos de ensino ¢ estudo das disciplinas do curriculo (alfabetizagio, Matematica, Histéria etc.), seja a que se refere a setores da educagio escolar ou extra-escolar (educagio de adultos, educagao especial, educacio sindical etc.). ‘Técnicas, recursos ou meios de ensino so complementos da metodo- logia, colocados & disposigao do professor para o enriquecimento do pro- cesso de ensino. Atualmente, a expressio “tecnologia educacional” adquiriu um sentido bem mais amplo, englobando técnicas de ensino diversificadas, desde 0s recursos da informatica, dos meios de comunicagio ¢ 0s audio- visuais até os de instrugio programada e de estudo individual e em grupos. 53 A Didética tem muitos pontos em comum com as metodologias es- pecificas de ensino. Elas so as fontes da investigagio Didatica, a0 lado da Psicologia da Educagao e da Sociologia da Educagio. Mas, ao se cons- tituir como teoria da instrugo ¢ do ensino, abstrai das particularidades de cada matéria para generalizar princfpios e diretrizes para qualquer uma delas. Em sintese, so temas fundamentais da Didatica: os objetivos sécio- politicos e pedagégicos da educaco escolar, os contetidos escolares, os Princfpios didaticos, os métodos de ensino e de aprendizagem, as formas organizativas do ensino, 0 uso e aplicagao de técnicas ¢ recursos, o controle © a avaliago da aprendizagem. Objeto de estudo: o processo de ensino O objeto de estudo da Didética ¢ 0 processo de ensino, campo principal da educagao escolar. Na medida em que o ensino viabiliza as tarefas da instrugao, ele contém a instrugdo, Podemos, assim, delimitar como objeto da Didética o processo de ensino que, considerado no seu conjunto, inclui: os contetidos dos pro- _gramas € dos livros didaticos, os métodos e formas organizativas do ensino, as atividades do professor e dos alunos e as diretrizes que regulam e orientam esse proceso. Por que estudar 0 proceso de ensino? Vimos, anteriomente, que a educagio escolar é uma tarefa eminentemente social, pois a sociedade ne- cessita prover as geragdes mais novas daqueles conhecimentos e habilidades que vo sendo acumulados pela experiéncia social da humanidade. Ora, niio € suficiente dizer que 0s alunos precisam dominar os conhecimentos; € necessario dizer como fazé-lo, isto €, investigar objetivos ¢ métodos seguros ¢ eficazes para a assimilagio dos conhecimentos. Esta é a funcao da Didatica, ao estudar 0 processo do ensino. Podemos definir processo de ensino como uma sequiéncia de atividades do professor ¢ dos alunos, tendo em vista a assimilago de conhecimentos € desenvolvimento de habilidades, através dos quais os alunos aprimoram capacidades cognitivas (pensamento independente, observagio, anélise-sin- tese outras). Quando mencionamos que a finalidade do processo de ensino é pro- porcionar aos alunos os meios para que assimilem ativamente os conki cimentos € porque a natureza do trabalho docente ¢ a mediagio da relacao cognoscitiva entre 0 aluno ¢ as matérias de ensino. Isto quer dizer que 0 34 ensino no € s6 transmissio de informagdes mas também 0 meio de orga- nizar a atividade de estudo dos alunos. O ensino somente é bem-sucedido quando os objetivos do professor coincidem com os objetivos de estudo do aluno e € praticado tendo em vista o desenvolvimento das suas forgas intelectuais. Ensinar e aprender, pois, sio duas facetas do mesmo proceso, e que se realizam em toro das matérias de ensino, sob a diregio do professor. Os componentes do processo didatico Quem circula pelos corredores de uma escola, 0 quadro que observa € 0 professor frente a uma turma de alunos, sentados ordenadamente ou realizando uma tarefa em grupo, para aprender uma matéria. De fato, tra- dicionalmente se consideram como componentes da agao didatica a matéria, © professor, os alunos. Pode-se combinar estes componentes, acentuando-se mais um ou outro, mas a idéia corrente € a de que o professor transmite a matéria ao aluno. Entretanto, ensino, por mais simples que possa parecer 2 primeira vista, é uma atividade complexa: envolve tanto condigdes ex- temas como condigdes internas das situagdes didaticas. Conhecer essas condigées ¢ lidar acertadamente com elas € uma das tarefas bisicas do professor para a condugao do trabalho docente. Internamente, a ago didatica se refere A relagdo entre o aluno ¢ a matéria, com o objetivo de apropriar-se dela com a mediagao do professor. Entre a matéria, o professor ¢ o aluno ocorrem relagées reciprocas. © pro- fessor tem propésitos definidos no sentido de assegurar 0 encontro direto do aluno com a matéria, mas essa atuagdo depende das condigées internas dos alunos alterando 0 modo de lidar com a matéria. Cada situagio didatica, porém, vincula-se a determinantes econdmico-sociais, sécio-culturais, a ob- Jetivos ¢ normas estabelecidos conforme interesses da sociedade ¢ seus grupos, ¢ que afetam as decisées didaticas. Consideremos, pois, que a in- ter-relacao entre professor e alunos ndo se reduz & sala de aula, implicando relagdes bem mais abrangentes: © Escola, professor, aluno, pais esto inseridos na dinamica das relagdes sociais. A sociedade nao € um todo homogéneo, onde reina a paz € a harmonia. Ao contririo, hé antagonismos e interesses distintos entre grupos e classes sociais que se refletem nas finalidades e no papel atribuidos & escola, ao trabalho do professor e dos alunos. DAs teorias da educagio e as priticas pedagégicas, os objetivos edu- cativos da escola e dos professores, os contetidos escolares, a relagio 55 professor-alunos, as modalidades de comunicagao docente, nada disso existe isoladamente do contexto econdmico, social e cultural mais am- plo e que afetam as condigdes reais em que se realizam 0 ensino € a aprendizagem. GO professor nao € apenas professor, ele participa de outros contextos de relagdes sociais onde é, também, aluno, pai, filho, membro de sin- dicato, de partido politico ou de um grupo religioso. Esses contextos se referem uns aos outros ¢ afetam a atividade pratica do professor. aluno, por sua vez, nio existe apenas como aluno. Faz. parte de um grupo social, pertence a uma familia que vive em determinadas con- digdes de vida e de trabalho, € branco, negro, tem uma determinada idade, possui uma linguagem para expressar-se conforme 0 meio em que vive, tem valores e aspiragdes condicionados pela sua pritica de vida etc. 3 A eficdcia do trabalho docente depende da filosofia de vida do pro- fessor, de suas convicgdes politicas, do seu preparo profissional, do saldrio que recebe, da sua personalidade, das caracteristicas da sua vida familiar, da sua satisfagdo profissional em trabalhar com criangas etc. Tudo isto, entretanto, no & uma questao de tragos individuais do professor, pois 0 que acontece com ele tem a ver com as relagdes sociais que acontecem na sociedade. Consideremos, assim, que 0 processo didético esta centrado na relagio fundamental entre o ensino e a aprendizagem, orientado para a confrontacio ativa do aluno com matéria sob a mediagao do professor. Com isso, podemos identificar entre os seus elementos constitutivos: os conteridos das matérias que devem ser assimilados pelos alunos de um determinado grau; a acdo de ensinar em que o professor atua como mediador entre 0 aluno e as matérias; a acdo de aprender em que 0 aluno assimila consciente e ativa- mente as matérias e desenvolve suas capacidade e habilidades. Contudo, estes componentes nio sZo suficientes para ver o ensino em sua globalidade. Como vimos, nao é uma atividade que se desenvolve automaticamente, restrita ao que se passa no interior da escola, uma vez que expressa fina- lidades e exigéncias da prética social, a0 mesmo tempo que se subordina a condigdes concretas postas pela mesma prética social que favorecem ou dificultam atingit objetivos. Entender, pois, o processo didético como to- talidade abrangente implica vincular conteddos, ensino e aprendizagem a objetivos sécio-poltticos e pedagégicos e analisar criteriosamente 0 conjunto de condigdes concretas que rodeiam cada situago didatica. Em outras pa- lavras, 0 ensino é um proceso social, integrante de miiltiplos processos sociais, nos quais esto implicadas dimensGes politicas, ideolégicas, éticas, pedagégicas, frente as quais se formulam objetivos, contetidos e métodos 56 conforme opgdes assumidas pelo educador, cuja realizago est na depen- déncia de condigdes, seja aquelas que 0 educador j4 encontra seja as que ele precisa transformar ou criar. Desse modo, os objetivos gerais e especificos sio no s6 um dos componentes do processo ‘0 como também determinantes das relagdes entre os demais componentes. Além disso, a articulacao entre estes depende da avaliagio das condigdes concretas implicadas no ensino, tais como ob- jetivos e exigéncias postos pela sociedade e seus grupos ¢ classes, o sistem: escolar, os programas oficiais, a formago dos professores, as forcas sociais presentes na escola (docentes, pais etc.), 0 meios de ensino disponiveis, bem como as caracteristicas sécio-culturais ¢ individuais dos alunos, as condigées prévias dos alunos para enfrentar 0 estudo de determinada ma- {éria, as relagdes professor-alunos, a disciplina, o preparo especifico do professor para compreender cada situagio didatica e transformar positiva mente o conjunto de condigées para a organizagio do ensino. © processo didatico, assim, desenvolve-se mediante a ago reciproca dos componentes fundamentais do ensino: os objetivos da educagio ¢ da instrugdo, os contetidos, 0 ensino, a aprendizagem, cs métodos, as formas e meios de organizagdo das condigdes da situagio didatica, a avaliagio. Tais sdo, também, os conceitos fundamentais que formam a base de estudos da Didatica. Desenvolvimento histérico da Didatica e tendéncias pedagégicas A hist6ria da Didética esté ligada ao aparecimento do ensino — no decorrer do desenvolvimento da sociedade, da produgio e das ciéncias — como atividade planejada e intencional dedicada & instrugio. Desde os primeiros tempos existem indicios de formas elementares de instrugio ¢ aprendizagem. Sabemos, por exemplo, que nas comunidades primitivas os jovens passam por um ritual de iniciagdo para ingressarem nas atividades do mundo adulto. Pode-se considerar esta uma forma de ago pedagdgica, embora af nio esteja presente 0 “didético” como forma estruturada de ensino. Na chamada Antiguidade Cléssica (gregos ¢ romanos) ¢ no periodo medieval também se desenvolvem formas de ago pedagégica, em escolas, mosteiros, igrejas, universidades. Entretanto, até meados do século XVIL no podemos falar de Didética como teoria do ensino, que sistematize 0 pensamento didético e 0 estudo cientifico das formas de ensinar. 37 0 termo “Didética” aparece quando os adultos comegam a intervir na atividade de aprendizagem das criangas ¢ jovens através da diregio deli- berada e planejada do ensino, a0 contrério das formas de intervencao mais ‘ou menos espontineas de antes. Estabelecendo-se uma intengio propria- mente pedagégica na atividade de ensino, a escola se torna uma instituigio, © processo de ensino passa a ser sistematizado conforme niveis, tendo em vista a adequagao as possibilidades das criangas, as idades e ritmo de as- similagao dos estudos. A formagao da teoria didética para investigar as ligagdes entre ensino © aprendizagem e suas leis ocorre no século XVII, quando Joao Amés Coménio (1592-1670), um pastor protestante, escreve a primeira obra clis- sica sobre Didatica, a Didacta Magna, Ele foi primeiro educador a formular a idéia da difusio dos conhe- cimentos a todos e criar princfpios e regras do ensino. Coménio desenvolveu idéias avangadas para a prética educativa nas escolas, numa época em que surgiam novidades no campo da Filosofia ¢ das Ciéncias e grandes transformagGes nas técnicas de produgio, em con- traposigao as idéias conservadoras da nobreza e do clero. O sistema de produgio capitalista, ainda incipiente, j4 influenciava a organizago da vida social, politica e cultural, A Didatica de Coménio se assentava nos seguintes principios: 1) A finalidade da educagio € conduzir & felicidade eterna com Deus, pois é uma forga poderosa de regeneracao da vida humana. Todos os homens merecem a sabedoria, a moralidade e a religio, porque todos, ao realizarem sua prépria natureza, realizam os designios de Deus. Portanto, a educagio é um direito natural de todos. 2) Por ser parte da natureza, o homem deve ser educado de acordo com © seu desenvolvimento natural, isto é, de acordo com as caracteristicas de idade e capacidade para o conhecimento. Conseqiientemente, a tarefa principal da Didatica € estudar essas caracterfsticas e os métodos de ensino correspondentes, de acordo com a ordem natural das coisas. 3) A assimilagiio dos conhecimentos nfo se dé instantaneamente, como se o aluno registrasse de forma mecdnica na sua mente a informagio do professor, como o reflexo num espelho. No ensino, ao invés disso, tem um papel decisivo a percepsiio sensorial das coisas. Os conheci- mentos devem ser adquiridos a partir da observagdo das coisas e dos fenémenos, utilizando ¢ desenvolvendo sistematicamente os rgios dos sentidos. 4) método intuitivo consiste, assim, da observacdo direta, pelos érgios dos sentidos, das coisas, para o registro das impressdes na mente do 58. aluno. Primeiramente as coisas, depois as palavras. O planejamento de ensino deve obedecer 0 curso da natureza infantil; por isso as coisas devem ser ensinadas uma de cada vez. Nao se deve ensinar nada que a crianga no possa compreender. Portanto, deve-se partir do conhecido para o desconhecido. Apesar da grande novidade destas idéias, principalmente dando um impulso ao surgimento de uma teoria do ensino, Coménio nao escapou de algumas crengas usuais na época sobre ensino, Embora partindo da obser- vagio e da experiéncia sensorial, mantinha-se 0 cardter transmissor do en- sino; embora procurando adaptar 0 ensino as fases do desenvolvimento infantil, mantinha-se 0 método tinico e o ensino simultineo a todos. Além disso, sua idéia de que a tinica via de acesso dos conhecimentos é a ex- perigncia sensorial com as coisas ndo é suficiente, primeiro porque nossas percepgées freqlentemente nos enganam, segundo, porque ja ha uma ex- perigncia social acumulada de conhecimentos sistematizados que nfo ne- cessitam ser descobertos novamente. Entretanto, Coménio desempenhou uma influéncia consideravel, no somente porque empenhou-se em desenvolver métodos de instrugdo mais, rapidos ¢ eficientes, mas também porque desejava que todas as pessoas pudessem usufiuir dos beneficios do conhecimento. Sabemos que, na histéria, as idéias, principalmente quando so muito inovadoras para a época, costumam demorar para terem efeito pritico. No século XVII, em que viveu Coménio, € nos séculos seguintes, ainda pre- dominavam praticas escolares da Idade Média: ensino intelectualista, ver- balista ¢ dogmético, memorizacao e repeti¢zio mecinica dos ensinamentos do professor. Nessas escolas no havia espago para idéias proprias dos alunos, 0 ensino era separado da vida, mesmo porque ainda era grande 0 poder da religitio na vida social. Enquanto isso, porém, foram ocorrendo intensas mudangas nas formas de produgao, havendo um grande desenvolvimento da cigneia e da cultura. Foi diminuindo o poder da nobreza e do clero e aumentando o da burguesia. Na medida em que esta se fortalecia como classe social, disputando 0 poder econdmico e politico com a nobreza, ia crescendo também a neces- sidade de um ensino ligado as exigéncias do mundo da produgio ¢ dos negécios e, a0 mesmo tempo, um ensino que contemplasse o livre desen- volvimento das capacidades e interesses individuais. Jean Jacques Rousseau (1712-1778) foi um pensador que procurou interpretar essas aspiragdes, propondo uma concepgio nova de ensino, ba- seada nas necessidades e interesses imediatos da crianga, 59. As idéias mais importantes de Rousseau séo as seguintes: 1) A preparago da crianga para a vida futura deve basear-se no estudo das coisas que correspondem &s suas necessidades ¢ interesses atuais. Antes de ensinar as ciéncias, elas precisam ser levadas a despertar 0 gosto pelo seu estudo. Os verdadeiros professores sto a natureza, a experiéncia e o sentimento. O contato da crianga com o mundo que a rodeia € que desperta o interesse e suas potencialidades naturais. Em resumo: so os interesses e necessidades imediatas do aluno que determinam a organizagio do estudo e seu desenvolvimento. 2) A educagdo é um proceso natural, ela se fundamenta no desenvolvi- ‘mento interno do aluno. As criangas sto boas por natureza, elas tém uma tendéneia natural para se desenvolverem, Rousseau ndo colocou em pritica suas idéias e nem elaborou uma teoria de ensino, Essa tarefa coube a um outro pedagogo suico, Henrique Pestalozzi (1746-1827), que viveu e trabalhou até o fim da vida na educagao de criangas pobres, em instituigdes dirigidas por ele proprio. Deu uma grande importincia ao ensino como meio de educagio e desenvolvimento das capacidades humanas, como cultivo do sentimento, da mente ¢ do caréter. Pestalozzi atribufa grande importincia ao método intuitivo, levando 08 alunos a desenvolverem o senso de observagio, andlise dos objetos ¢ fenémenos da natureza € a capacidade da linguagem, através da qual se expressa em palavras o resultado das observagdes. Nisto consistia a edu- cago intelectual. Também atribufa importincia fundamental 2 psicologia da crianga como fonte do desenvolvimento do ensino. As idéias de Coménio, Rousseau ¢ Pestalozzi influenciaram muitos outros pedagogos. O mais importante deles, porém, foi Johann Friedrich Herbart (1766-1841), pedagogo alemao que teve muitos discipulos ¢ que exerceu influéncia relevante na Didatica e na pratica docente. Foi e continua sendo inspirador da pedagogia conservadora — conforme veremos — mas suas idéias precisam ser estudadas por causa da sua presenga constante nas salas de aula brasileiras. Junto com uma formulagao tedrica dos fins da educagio ¢ da Pedagogia como ciéncia, desenvolveu uma andlise do pro- cesso psicol6gico-didético de aquisiclo de conhecimentos, sob a diregio do professor. Segundo Herbart, o fim da educaco é a moralidade, atingida através da instrugao educativa, Educar 0 homem significa instruf-lo para querer 0 bem, de modo que aprenda a comandar a si proprio. A principal tarefa da instrugio € introduzir idéias corretas na mente dos alunos. O professor é um arquiteto da mente, Ele deve trazer & atengdo dos alunos aquelas idéias 60 que deseja que dominem suas mentes. Controlando os interesses dos alunos, © professor vai construindo uma massa de idéias na mente, que por sua vez vao favorecer a assimilacdo de idéias novas. O método de ensino con- siste em provocar a acumulagio de idéias na mente da crianga. Herbart estava atrés também da formulagio de um método tinico de ensino, em conformidade com as leis psicolégicas do conhecimento. Es- tabeleceu, assim, quatro pasos didéticos que deveriam ser rigorosamente seguidos: o primeiro seria a preparaco e apresentacdo da matéria nova de forma clara e completa, que denominou clareza; 0 segundo seria a asso- ciagdo entre as idéias antigas e as novas; 0 terceiro, a sistematizacao dos conhecimentos, tendo em vista a generalizacao; finalmente, 0 quarto seria a aplicagio, o uso dos conhecimentos adquiridos através de exercicios, que denominou método, Posteriormente, os discfpulos de Herbart desenvolveram mais a proposta dos passos formais, ordenando-os em cinco: preparagio, apresentagio, assimilagio, generalizacao e aplicagdo, formula esta que ainda € utilizada pela maioria dos nossos professores. O sistema pedagégico de Herbart e seus seguidores — chamados de herbartianos — trouxe esclarecimentos vélidos para a organizagio da pratica docente, como por exemplo: a necessidade de estruturagdo e ordenacao do proceso de ensino, a exigéncia de compreensdo dos assuntos estudados nio simplesmente memorizagdo, 0 significado educativo da disciplina na formagio do cardter. Entretanto, o ensino é entendido como repasse de idéias do professor para a cabeca do aluno; os alunos devem compreender © que o professor transmite, mas apenas com a finalidade de reproduzir a matéria transmitida. Com isso, a aprendizagem se torna mecfnica, auto- matica, associativa, nio mobilizando a atividade mental, a reflexdo ¢ 0 ensamento independente e criativo dos alunos As idéias pedagégicas de Coménio, Rousseau, Pestalozzi e Herbart — além de muitos outros que nao pudemos mencionar — formaram as bases do pensamento pedagégico europeu, difundindo-se depois por todo © mundo, demarcando as concepgdes pedagégicas que hoje so conhecidas como Pedagogia Tradicional e Pedagogia Renovada. A Pedagogia Tradicional, em suas varias correntes, caracteriza as con- cepgoes de educagtio onde prepondera a agdo de agentes externos na for- magio do aluno, 0 primado do objeto de conhecimento, a transmissio do saber constitufdo na tradigiio e nas grandes verdades acumuladas pela hu- manidade e uma concepgaio de ensino como impressio de imagens propi- ciadas ora pela palavra do professor ora pela observagdo sensorial. A Pe- dagogia Renovada agrupa correntes que advogam a renovagio escolar, opondo-se & Pedagogia Tradicional. Entre as caracteristicas desse movi- 61 mento destacam-se: a valorizagio da crianga, dotada de liberdade, iniciativa e de interesses préprios e, por isso mesmo, sujeito da sua aprendizagem e agente do seu prdprio desenvolvimento; tratamento cientifico do processo educacional, considerando as etapas sucessivas do desenvolvimento biol6- gico e psicolégico; respeito as capacidades e aptiddes individuais, indivi- ualizagio do ensino conforme os ritmos proprios de aprendizagem; rejeigio de modelos adultos em favor da atividade e da liberdade de expressi crianga, © movimento de renovagio da educagio, inspirado nas idéias de Rous- seau, recebeu diversas denominacdes, como educacao nova, escola nova, pedagogia ativa, escola do trabalho, Desenvolveu-se como tendéncia pe- dagégica no inicio do século XX, embora nos séculos anteriores tenham existido diversos filésofos e pedagogos que propugnavam a renovagio da educagio vigente, tais como Erasmo, Rabelais, Montaigne a época do Re- nascimento € 08 jé citados Coménio (séc. XVII), Rousseau ¢ Pestalozzi (no séc, XVIII). A denominagiio Pedagogia Renovada se aplica tanto 20 movimento da educago nova propriamente dito, que inclui a criagao de “escolas novas”, a disseminagio da pedagogia ativa e dos métodos ativos, como também a outras correntes que adotam certos princfpios de renovacao educacional mas sem vinculo direto com a Escola Nova; citamos, por exem- plo, a pedagogia cientifico-espiritual desenvolvida por W. Dilthey e seus seguidores, € a pedagogia ativista-espiritualista catélica. Dentro do movimento escolanovista, desenvolveu-se nos Estados Uni: dos uma de suas mais destacadas correntes, a Pedagogia Pragmatica ou Progressivista, cujo principal representante & John Dewey (1859-1952). As idgias desse brilhante educador exerceram uma significativa influéneia no movimento da Escola Nova na América Latina e, particularmente, no Brasil Com a lideranga de Anfsio Teixeira e outros educadores, formou-se no infcio da década de 30 0 Movimento dos Pioneiros da Escola Nova, cuja atuagio foi decisiva na formulagdo da politica educacional, na legislagio, nna investigagio académica e na pratica escolar. Dewey e seus seguidores reagem & concepgio herbartiana da educago pela instrugio, advogando a educagio pela agao. A escola nao é uma pre- parago para a vida, € a prépria vida; a educagao é o resultado da interagzo entre organismo e 0 meio através da experiéncia e da reconstrucao da experiéncia. A fungo mais genuina da educagio é a de prover condigdes ara promover e estimular a atividade pr6pria do organismo para que alcance seu objetivo de crescimento e desenvolvimento. Por isso, a atividade escolar deve centrar-se em situagdes de experiéncia onde slo ativadas as poten- cialidades, capacidades, necessidades e interesses naturais da crianga. O curriculo no se baseia nas matérias de estudo convencionais que expressam 2 a l6gica do adulto, mas nas atividades e ocupagées da vida presente, de modo que a escola se transforme num lugar de vivéncia daquelas tarefas requeridas para a vida em sociedade. O aluno e o grupo passam a ser 0 centro de convergéncia do trabalho escolar. O movimento escolanovista no Brasil se desdobrou em varias correntes, embora a mais predominante tenha sido a progressivista. Cumpre destacar a corrente vitalista, representada por Montessori, as teorias cognitivistas, as teorias fenomenoldgicas e especialmente a teoria interacionista baseada na psicologia genética de Jean Piaget. Em certo sentido, pode-se dizer também que o tecnicismo educacional representa a continuidade da corrente progressivista, embora retemperado com as contribuigdes da teoria beha- viorista ¢ da abordagem sistémica do ensino. ‘Uma das correntes da Pedagogia Renovada que nao tem vinculo direto com 0 movimento da Escola Nova, mas que teve repercuss6es na pedagogia brasileira, é a chamada Pedagogia Cultural. Trata-se de uma tendéncia ainda pouco estudada entre nds. Sua caracteristica principal é focalizar a educagdo como fato da cultura, atribuindo ao trabalho docente a tarefa de dirigir encaminhar a formago do educando pela apropriago de valores culturais. A Pedagogia Cultural a que nos referimos tem sua afiliago na pedagogia cientifico-espiritual desenvolvida por Guilherme Dilthey (1833-1911) e se- guidores como Theodor Litt, Eduard Spranger e Hermann Nohl. Tendo-se firmado na Alemanha como uma solida corrente pedagégica, difundiu-se em outros paises da Europa, especialmente na Espanha, e daf para a América Latina, influenciando autores como Lorenzo Luzuriaga, Francisco Larroyo, J. Roura-Parella, Ricardo Nassif e, no Brasil, Lufs Alves de Mattos e Onofre de Arruda Penteado Junior. Numa linha distinta das concepgoes escolano- vistas, esses autores se preocupam em superar as oposigées entre a cultura subjetiva e a cultura objetiva, entre o individual e o social, entre 0 psico- l6gico ¢ 0 cultural. De um lado, concebem a educago como atividade do proprio sujeito, a partir de uma tendéncia interna de desenvolvimento es- Piritual; de outro, consideram que os individuos vivem num mundo sécio- cultural, produto do préprio desenvolvimento histérico da sociedade. A educagZo seria, assim, um processo de subjetivacao da cultura, tendo em vista a formagio da vida interior, a edificago da personalidade. A pedagogia da cultura quer unir as condigGes externas da vida real, isto é, 0 mundo objetivo da cultura, & liberdade individual, cuja fonte ¢ a espiritualidade, a vida interior. O estudo teérico da Pedagogia no Brasil passa por um reavivamento, principalmente a partir das investigagGes sobre questdes educativas baseadas nas contribuigdes do materialismo histérico e dialético. Tais estudos con- vergem para a formulagdo de uma teoria critico-social da educacao, a partir 63 da critica politica e pedagégica das tendéncias e correntes da educagio brasileira. Tendéncias pedagégicas no Brasilea Didatica Nos tiltimos anos, diversos estudos tém sido dedicados & histéria da Didatica no Brasil, suas relagdes com as tendéncias pedagégicas ¢ a inves- tigagio do seu campo de conhecimentos, Os autores, em geral, concordam ‘em classificar as tendéncias pedagdgicas em dois grupos: as de cunho liberal — Pedagogia Tradicional, Pedagogia Renovada e tecnicismo educacional; as de cunho progressista — Pedagogia Libertadora e Pedagogia Critico- Social dos Contetidos. Certamente existem outras correntes vinculadas a uma ou outra dessas tendéncias, mas essas so as mais conhecidas. Na Pedagogia Tradicional, a Didética é uma disciplina normativa, um conjunto de prinefpios e regras que regulam o ensino. A atividade de ensinar € centrada no professor que expe e interpreta a matéria. As vezes sio utilizados meios como a apresentagdo de objetos, ilustragdes, exemplos, mas 0 meio principal é a palavra, a exposigao oral. Supde-se que ouvindo € fazendo exercicios repetitivos, os alunos “gravam’” a matéria para depois reproduzi-la, seja através das interrogagdes do professor, seja através das provas. Para isso, é importante que o aluno “preste ateno”, porque ouvindo facilita-se 0 registro do que se transmite, na meméria. O aluno é, assim, um recebedor da matéria ¢ sua tarefa € decoré-la. Os objetivos, explicitos ou implicitos, referem-se & formagio de um aluno ideal, desvinculado da sua realidade concreta. O professor tende a encaixar os alunos num modelo idealizado de homem que nada tem a ver com a vida presente e futura. A matéria de ensino ¢ tratada isoladamente, isto 6, desvinculada dos interesses dos alunos e dos problemas reais da sociedade e da vida. O método é dado pela l6gica e seqiiéncia da matéria, é 0 meio utilizado pelo professor para comunicar a matéria e nao dos alunos para aprendé-la. £ ainda forte a presenga dos métodos intuitivos, que foram incorporados ao ensino tradi- cional. Baseiam-se na apresentagio de dados sensiveis, de modo que os alunos possam observé-los ¢ formar imagens deles em sua mente. Muitos professores ainda acham que “partir do concreto” € a chave do ensino atualizado, Mas esta idéia ja fazia parte da Pedagogia Tradicional porque © “concreto” (mostrar objetos, ilustragdes, gravuras etc.) serve apenas para gravar na mente © que € captado pelos sentidos. O material concreto é 64 mostrado, demonstrado, manipulado, mas 0 aluno nio lida mentalmente com ele, nfo 0 repensa, no 0 reelabora com o seu préprio pensamento. ‘A aprendizagem, assim, continua receptiva, automética, naio mobilizando a atividade mental do aluno e 0 desenvolvimento de suas capacidades intelectuais. ‘A Didética tradicional tem resistido ao tempo, continua prevalecendo na pritica escolar. E comum nas nossas escolas atribuir-se ao ensino a tarefa de mera transmissio de conhecimentos, sobrecarregar 0 aluno de conhecimentos que so decorados sem questionamento, dar somente exer- cicios repetitivos, impor externamente a disciplina e usar castigos. Trata-se de uma pritica escolar que empobrece até as boas intengdes da Pedagogia ‘Tradicional que pretendia, com seus métodos, a transmissio da cultura geral, isto é, das grandes descobertas da humanidade, e a formagio do raciocinio, 0 treino da mente e da vontade. Os conhecimentos ficaram estereotipados, insossos, sem valor educativo vital, desprovidos de signi- ficados sociais, intiteis para a formagdo das capacidades intelectuais e para a compreensio critica da realidade. intento de formagio mental, de de- senvolvimento do raciocinio, ficou reduzido a praticas de memorizagio. ‘A Pedagogia Renovada inclui vérias correntes: a progressivista (que se baseia na teoria educacional de John Dewey), a nao-diretiva (principal- mente inspirada em Carl Rogers), a ativista-espiritualista (de orientagao catélica), a culturalista, a piagetiana, a montessoriana e outras. Todas, de alguma forma, esto ligadas a0 movimento da pedagogia ativa que surge no final do século XIX como contraposigdo & Pedagogia Tradicional. En- tretanto, segundo estudo feito por Castro (1984), os conhecimentos ¢ a experiéncia da Didatica brasileira pautam-se, em boa parte, no movimento da Escola Nova, inspirado principalmente na corrente progressivista. Des- tacaremos, aqui, apenas a Didatica ativa inspirada nessa corrente ¢ a Didatica ‘Moderna de Luis Alves de Mattos, que incluimos na corrente culturalista. A Diditica da Escola Nova ou Didatica ativa é entendida como “

You might also like