You are on page 1of 10

À PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO DISTRITO FEDERAL

IVAN VALENTE, brasileiro, Deputado Federal pelo PSOL/SP, domiciliado


em Brasília, no gabinete 716 do anexo IV da Câmara dos Deputados, endereço
eletrônico dep.ivanvalente@camara.leg.br, vem, perante Vossa Excelência, com
fundamento no art. 127, caput e art. 129, II e VII, ambos da Constituição Federal, e
no art. 3º da Lei Complementar nº 75, de 1993, ofertar a presente

REPRESENTAÇÃO

contra ato de improbidade administrativa e conduta enquadrada como conflito de


interesses praticados pelo PRESIDENTE DA REPÚBLICA JAIR BOLSONARO,
ante as razões de fato e de direito adiante expostas.
1) DOS FATOS

1. Em 07 de janeiro de 2022, o jornal Folha de São Paulo1 divulgou matéria


listando contradições entre as informações prestadas pela Rede Hospitais
Star Rede D’Or2 e a Secretaria-Geral da Presidência da República sobre as
internações do PRESIDENTE DA REPÚBLICA JAIR BOLSONARO.
2. De acordo com o periódico, informações obtidas por meio da Lei de Acesso a
Informações e junto à referida rede hospitalar mostram versões contraditórias
sobre os pagamentos das referidas internações.
3. Segundo a matéria, JAIR BOLSONARO foi internado em estabelecimentos
da referida rede em quatro ocasiões:

1- Setembro de 2019: Cirurgia para correção de hérnia incisional


2- Setembro de 2020: Cirurgia para retirada de cálculo na bexiga (não
relacionada à facada)
3- Julho de 2021: Internação por obstrução intestinal
4- Janeiro de 2022: Internação novamente por obstrução intestinal

4. Ainda conforme o periódico, questionada sobre o pagamento das referidas


internações, a Secretaria-Geral informou que as faturas com os custos das
internações de 2019 a 2021 "não foram apresentadas pela instituição
prestadora do serviço até a presente data" e que, portanto, não tinha
condições de detalhar informações sobre o assunto, conforme informações
que recebeu do Gabinete Pessoal do Presidente da República.
5. Já o Hospital Vila Nova Star, pertencente à Rede Hospitais Star Rede D’Or,
ao ser questionado sobre a internação de janeiro de 2022, afirmou, em nota à
imprensa, que as contas hospitalares referentes às três internações
anteriores, "foram devidamente pagas pela Presidência da República, assim
como ocorrerá com essa”. A rede hospitalar informou ainda que não seria
possível divulgar detalhamento de valores, tendo em vista o sigilo entre
paciente e hospital.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/01/internacoes-de-bolsonaro-tem-informacoes-conflitantes-
sobre-gastos.shtml
2
https://www.rededorsaoluiz.com.br/unidades/star
6. A Secretaria-Geral, por sua vez, afirmou que "até o presente momento foi
apresentada a fatura da internação ocorrida no Hospital Vila Nova Star em
julho de 2021" - no valor de R$ 7.500. A referida fatura foi paga pelo Hospital
das Forças Armadas - HFA, ainda em 15 de dezembro de 2021, e o
ressarcimento pela Presidência "está em fase de instrução".
7. Cumpre destacar que a Secretaria-Geral não apresentou esclarecimentos
quanto às faturas de 2019 e 2020, se foram recebidas ou se estariam em
fase de instrução.
8. Sobre a última internação do Presidente da República JAIR BOLSONARO, a
pasta limitou-se a afirmar que "as despesas com as internações e os
tratamentos do Presidente da República são ressarcidas, após a
apresentação da fatura pelo hospital e sua validação pelo Hospital Forças
das Armadas, pela Presidência da República".
9. O HFA tem contrato com o Planalto que contempla assistência
médico-hospitalar a integrantes da Presidência, conforme portaria
interministerial nº 3.073, de 15 de setembro de 2020, a qual dispõe sobre a
assistência médico-hospitalar prestada pelo HFA à Presidência e à
Vice-Presidência da República (Anexo I).
10. De acordo com o art. 4º da referida Portaria:

“Art. 4º A assistência médico-hospitalar dos beneficiários de que trata o art.


1º poderá ser prestada por meio de atendimento especializado em hospitais
conveniados, na hipótese de não existência dos recursos exigidos ou de
impedimento temporário para atendimento pelo HFA.
§ 1º O HFA poderá firmar convênios, contratos e outros instrumentos
congêneres necessários ao cumprimento desta Portaria.
§ 2º O HFA ficará responsável pela gestão dos convênios com os hospitais
de que trata este artigo.”

11. Dessa forma, cabe ao HFA a realização de convênios ou contratos com entes
privados para a prestação de assistência médico-hospitalar especializada
para o atendimento do Presidente da República.
12. Apesar disso, não consta no Portal da Transparência informações sobre a
existência de contrato ou convênio firmado pelo referido órgão com hospitais
integrantes da Rede Hospitais Star Rede D’Or (Anexo II), situação que
reforça a falta de transparência apontada na matéria jornalística mencionada.
13. Não bastasse a falta de transparência sobre as internações mencionadas, a
última internação do Presidente da República envolveu ainda os custos com
um voo fretado para transportar a São Paulo o médico Antônio Luiz Macedo
que estava de férias nas Bahamas.
14. Até o presente momento, não foram disponibilizadas informações sobre os
custos do referido voo. Conforme a matéria do jornal Folha de São Paulo,
questionada, a Secretaria-Geral afirmou3:

"Não dispomos de informações sobre o meio de transporte utilizado pelo


médico no seu deslocamento para o local de trabalho" - Secretaria-Geral
da Presidência da República via assessoria

15. De acordo com o Portal de notícias UOL, eles procuraram tanto o hospital
Vila Nova Star quanto a Secretaria-Geral da Presidência da República para
saber quem bancou a conta do avião, mas ninguém prestou informações
sobre o referido custo. De acordo com o referido Portal4:

“A assessoria do hospital se negou a responder quaisquer questionamentos


enviados relativos ao avião, inclusive o trajeto e de quem é a propriedade
da aeronave — se da Rede D'Or São Luiz, dona do Vila Nova Star, por
exemplo. Também não informou se os custos são passíveis de serem
ressarcidos pela Presidência e, em caso positivo, se há a intenção de
cobrar a conta do governo federal.”

16. Conforme divulgado pela Revista Veja, a aeronave utilizada para transportar
o médico do Presidente da República pertence ao CEO da referida rede de
hospitais. De acordo com matéria publicada pela revista5:

“(...)A verdade é que Macedo viajou no jato Gulfstream G550 de Paulo Moll,
o CEO da Rede D’or.
O avião PR RDD pousou em solo brasileiro no dia 4 de janeiro, 5h15 da
manhã vindo diretamente de Nassau.”
3

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/01/internacoes-de-bolsonaro-tem-informacoes-conflitantes-
sobre-gastos.shtml?origin=folha
4

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/01/13/bolsonaro-internacao-hospital-aviao.ht
m
5

https://veja.abril.com.br/coluna/radar/a-verdade-sobre-a-operacao-que-trouxe-o-medico-de-bolsonaro
-ao-brasil/
17. De fato, informações da Agência Nacional de Aviação Civil, o jato Gulfstream
G550, identificado como PRRDD6, utilizado no transporte do médico Antônio
Luiz Macedo de Bahamas para São Paulo, para fins de cuidados médicos de
JAIR BOLSONARO, pertence a Heráclito Brito Gomes e Paulo Junqueira
Moll, o CEO da Rede de Hospitais Star Rede D’Or7.
18. A Rede de Hospitais Star Rede D’Or e seus proprietários possuem uma série
de interesses que dependem diretamente de decisões do Presidente da
República e do Governo Federal, entre eles a composição da Agência
Nacional de Saúde Complementar - ANS, órgão responsável pela regulação
do setor de saúde suplementar, e as decisões do Conselho Administrativo de
Defesa Econômica, órgão responsável por autorizar as fusões e aquisições,
entre outras áreas, também na área de saúde.
19. Nesse sentido, de acordo com matéria publicada pelo Portal de Notícias
Metrópoles, dos quatro indicados pelo Presidente da República para compor
a Diretoria da referida agência em dezembro de 2021, dois possuíam
vínculos diretos com a referida rede de hospitais: Alexandre Fioranelli, que
trabalhava em dois hospitais da rede em São Paulo; e Francisco Antônio
Barreira de Araújo que trabalha em um hospital da rede no Rio de Janeiro 8.
20. Não bastasse o evidente interesse e a influência nas indicações à ANS, a
Rede de Hospitais Star Rede D’Or possui interesse direto na decisão que o
CADE deve tomar sobre a venda da Amil, gigante do setor de saúde que está
sendo colocada à venda pela sua proprietária, a UnitedHealth. Conforme
analistas apontam, a Rede de Hospitais Star Rede D’Or é uma das principais
candidatas à aquisição da Amil, mas vai depender da decisão do CADE em
razão do impacto da referida aquisição na concentração do mercado9.

6
https://sistemas.anac.gov.br/aeronaves/cons_rab_resposta.asp?textMarca=PRRDD
7

https://veja.abril.com.br/coluna/radar/a-verdade-sobre-a-operacao-que-trouxe-o-medico-de-bolsonaro
-ao-brasil/
8
https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/planalto-escolhe-quatro-diretores-da-ans
9

https://economia.estadao.com.br/noticias/negocios,rede-dor-e-familia-bueno-disputam-compra-do-co
ntrole-da-amil,70003949792;
https://oglobo.globo.com/economia/negocios/venda-da-amil-pode-gerar-ate-20-bi-para-unitedhealth-s
egundo-bofa-operacao-fracionada-o-mais-provavel-25357187
21. Diante disso, a falta de informações sobre o custeio das internações do
Presidente da República nos hospitais da Rede de Hospitais Star Rede D’Or,
bem como sobre o custeio do voo que trouxe seu médico das Bahamas para
o atendê-lo durante a última internação, demonstram mais do que falta de
transparência e indicam uma verdadeira situação de conflito de interesses,
com a subordinação do interesse público ao interesse privado, o que também
aponta para indícios da prática de improbidade administrativa, conforme
passaremos a expor.

2) DO DIREITO

22. A Constituição Federal prevê, em seu art. 37, que a Administração Pública,
direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, obedecerá aos princípios
da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência,
probidade, entre outros princípios.
23. Decorrência lógica do referido dispositivo é a subordinação de todo aquele
que ocupa um cargo público, independentemente do nível hierárquico, aos
referidos princípios.
24. Dessa forma, o agente público deve agir de acordo com as competências que
lhe foram legalmente atribuídas e observar os limites impostos pela
Constituição e pela legislação para perseguir os objetivos e finalidades
inerentes ao cargo que ocupa.
25. Não há dúvidas de que ao não prestar contas sobre o custeio da assistência
médica que recebeu junto à Rede de Hospitais Star Rede D’Or, o Presidente
da República violou o dispositivo constitucional mencionado acima, uma vez
que o mesmo obriga o agente público a assegurar a plena transparência dos
seus atos públicos, ressalvadas aquelas hipóteses de sigilo previstas de
forma restrita na em lei.
26. Apesar da referida ilegalidade, os fatos narrados apontam para algo muito
mais grave do que a falta de transparência na prestação de contas sobre os
serviços contratados junto à Rede de Hospitais Star Rede D’Or.
27. Conforme relatamos, a referida rede de hospitais possui uma série de
interesses nas decisões do Governo Federal e há indícios de que parte já
vem sendo efetivamente contempladas pelas decisões do Presidente da
República, como foi o caso da indicação de dois Diretores para a Agência
Nacional de Saúde Suplementar que possuíam vínculo direto com hospitais
da referida rede.
28. Trata-se de situação que aponta para fortes indícios da existência de conflito
de interesses e, consequentemente, da prática de improbidade
administrativa.
29. Segundo o disposto no artigo 3º, da Lei 12.813 de 16 de maio de 2013, o
conflito de interesses surge quando um interesse privado do agente público
pode influenciar, de forma indevida, o desempenho de sua função pública ou
comprometer o interesse coletivo.
30. Nesse sentido, o conflito de interesses, em suas várias formas de
configuração, deve ser prevenido no cotidiano de quem ocupa um cargo
público, pois, se não são adequadamente reconhecidos e controlados,
podem minar a integridade fundamental de servidores, lideranças e decisões
governamentais.
31. A norma responsável por estabelecer os parâmetros para a definição de
conflito de interesses, leciona em seu artigo 4º:

Art. 4º O ocupante de cargo ou emprego no Poder Executivo federal


deve agir de modo a prevenir ou a impedir possível conflito de
interesses e a resguardar informação privilegiada.

(...)

§ 2º A ocorrência de conflito de interesses independe da existência de


lesão ao patrimônio público, bem como do recebimento de qualquer
vantagem ou ganho pelo agente público ou por terceiro.

…………………………………………………………………………(Grifamos)

32. A norma em comento dispõe ainda que:

Art. 5º Configura conflito de interesses no exercício de cargo ou


emprego no âmbito do Poder Executivo federal:

(...)

VI - receber presente de quem tenha interesse em decisão do agente


público ou de colegiado do qual este participe fora dos limites e
condições estabelecidos em regulamento;
(...)

Parágrafo único. As situações que configuram conflito de interesses


estabelecidas neste artigo aplicam-se aos ocupantes dos cargos ou
empregos mencionados no art. 2º ainda que em gozo de licença ou em
período de afastamento.

………………………………………………………….……………….(Grifamos)

33. A norma ainda deixa claro que a prática dos atos que configuram conflito
de interesses configuram improbidade administrativa e devem ser julgados de
acordo com o que dispõe a norma sobre o tema. Conforme dispõe o art. 12 da
referida norma:

“Art. 12. O agente público que praticar os atos previstos nos arts. 5º e 6º
desta Lei incorre em improbidade administrativa, na forma do art. 11, da Lei
no 8.429, de 2 de junho de 1992, quando não caracterizada qualquer das
condutas descritas nos arts. 9º e 10 daquela Lei.

Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no caput e da aplicação das demais


sanções cabíveis, fica o agente público que se encontrar em situação de
conflito de interesses sujeito à aplicação da penalidade disciplinar de
demissão, prevista no inciso III do art. 127 e no art. 132 da Lei no 8.112, de 11
de dezembro de 1990, ou medida equivalente.”

34. Ao beneficiar-se de vantagens oferecidas por particulares que possuem


manifestamente interesse nas suas decisões e de órgãos subordinados a ele,
o Presidente da República JAIR BOLSONARO afrontou os princípios
constitucionais que regem a Administração Pública e praticou conduta que
configura conflito de interesses. Consequentemente, praticou ato de
improbidade administrativa, conforme previsto expressamente no art. 12 da Lei
nº 12.813, de 2013.

35. A reprovação da referida conduta é tamanha que também é qualificada


como improbidade administrativa no artigo 9º, inciso l da Lei nº 8.429, de 2 de
junho de 1992, com redação dada pela Lei 14.230 de 2021:

Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em


enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer
tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo,
de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades
referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (Redação dada pela Lei nº
14.230, de 2021)

I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou


qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de
comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha
interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por
ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

…………………………………………………………………………..(Grifamos)

36. Os fatos narrados trazem fortes indícios de que o Presidente da República


JAIR BOLSONARO utilizou-se do cargo para receber vantagens oferecidas
pela Rede de Hospitais Star Rede D’Or consistentes no custeio de suas
internações e no transporte de seu médico das Bahamas para o Brasil durante
a última internação.
37. O referido favorecimento torna-se ainda mais grave quando constatado
que a empresa mencionada vem tendo seus interesses contemplado pelas
decisões presidenciais, como no caso da indicação de Diretores da ANS, e
poderá ser beneficiada em decisões futuras a cargo de órgãos subordinados
ao Poder Executivo, como a autorização para a aquisição de ativos da Amil
que dependerá de autorização do CADE.
38. Diante disso, é imprescindível a instauração de procedimento por parte
deste órgão para apurar a conduta do PRESIDENTE DA REPÚBLICA JAIR
BOLSONARO, de maneira a resguardar os princípios constitucionais que
vinculam a administração pública e demais normas previstas em nosso
ordenamento jurídico pátrio.

3) DOS PEDIDOS

39. Nossa Carta Magna dispõe, em seu artigo 127, sobre a atuação precípua e
essencial do Ministério Público, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica e do
Estado Democrático de Direito.
40. Nesse sentido, compete ao Ministério Público investigar e representar tais
interesses, solicitando ao Judiciário a adoção das medidas necessárias à sua
preservação.

41. Assim, requer-se a instauração dos procedimentos para apurar os indícios de


ilegalidades no descumprimento dos ditames mencionados, praticados pelo
PRESIDENTE DA REPÚBLICA JAIR BOLSONARO.

Nestes termos, espera que seja recebida esta representação. 

Brasília- DF, 24 de janeiro de 2022.

IVAN VALENTE

Deputado Federal PSOL/SP

You might also like