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Keith Jenkins A HIsTORIA REPENSADA Mano Vista Mancarert Raco editoracontexto ea Dalat Cagis ent "einuntston df _ vier ta ea, “peat itn mapa a Para Maureen, Philip Patrick Agradecimentos Alguns dos argumentos apresentados neste liv jé spare ‘cerain em outros lugares Gobretdo no peridclico especiaiza- do Teaching History) de forme igeizimente diversa. Mas, impressos 61 no, foram todos expressos de modo semi- piblico nos dltimds ans, quando dei aula para varios gus pos de estudantes, €4 eles gostaria de agradecer por terem parlcipado de alguns debates de amplo aspecto. Agradeso também aos amigas que discutirem comigo a maioria dos temas aborclados no livro: Keith Grieves, John McKenzie, Guy Nelson ¢ Richard Pulley. J a2 alguns anos, teaho me bene- ficiado da colaboragio de Peter Brickley, € © que aparece aqui guarda mais do que mera semelhanga com suas idéias © ‘com suas critieas constutivas. Keith Jenkins Sumario Aist6ria repensacla com ousadi. Introdugto. © que ea liste Alguinas perguntas algumasrespostas CConsiruind a Hiséria no munclo pés-moderno, Notas. Indice remissivo 7 BB 3 93 109 up A Historia repensada com ousadia Algum tempo atti, tive a sorte de ser apresentada pelo, histriador Estevio Resende, professor da Universidade de Brasilia, ao lio de Keith Jenkins, intiuladlo Retbinking Histor, Discutindo a auséncia de textos tericos acessivels, diretos © cehicidativos no Basil chegamos & conchisto de que este era lum livzo fundamental para os esudanies, professores e pes- ‘qvisadores de Historia, Afinl, rinta anos depois da revolugo| pprovocada nos estudos histéricos pela obra de Foucault, fea hora de ese explicit, discutr€ avaliar as profundas rmu- tagbes pelis quai passou nossa disciplina Hi até pouco tempo, que 0s hstoriadores estavam convic~ tos que estudavam 0s fatos, que © passado, no singular © ‘determinado por “leis necessiras", estava ld auras bem orgs rizado & espera de ser por ele revelido em sua suposta "es sencia” e em sua “Yotalidade’, Haviamos aprendido que 0 "real", or"concreta” ~ representado A nossa revelia como co! ssi~ devia ser interpretado com objetiidade e neutralidade, isto, sem a intervenglo aubjetiva do narrador ‘Essa relago do historiador com o seu objeto de trabalho certamente mudou, por mais que alguns ainda se agarrem ‘8 mites herdados do século am. A grande maioria dos his- Toriadores, e nao apenas no Brasil, entende que a produglo do conhecimento historico € bem mais dificll e complexa, cenvolvendo inimeras discussoes € problematizagbes, a co” ° recat, no que die respeto 80 sew principal insirumento de trabalho sto €, a8 Fontes, ow antes, os diseusos. Mesmo cor a descoberta de outs recursos documentais, como as ima- ‘ens taziis pelo cinema ou pela pints, @n partic cos textos esertes no passido, ou memorizados no presente, que pro- curamos descobrir 6 que se passou, reunindo os fragmentos tispersos que restaram, dando-lhes uma certa forma ¢ bus- cand seus possiveissemtios. Construimos, pois, una tama «ina narativa do passado & part ds fontes existentes, dos recursos teérico:metodologicos escolhidos e de um olhar, entre vitios outros possiveis, marcado por nossa atvalcs| de, vale dizer, por nossa insexc cultural e social enfim, por rossi propria subjeividade. Hoje, quando novas forgas sociais, éinieas, sexuais © sgeracionais ganham espago e respetaiccle no mundo bl o, fi no Se pode afimar simplesmente que Historkt € 0 registro do que aeonteceu no psssKlo, pos se vito acontec: mentos foram emacs € registrados, rmitos perderam seus sos, foram esquecides, ou deliberadamente apagados Commo disewnso do vencedor, identitaia ¢ Fechado sobre si mesmo, a Histéra jf foi bastante desmistiicala Para essa iregio apontava 0 6sofo Michel Foucault a0 propor-se ‘stud “A Vida dos homens infames", sto 6, as historias des- conhecidas das pessozs sem fama, ser glort e, por isso mes mo, ausentes de visbilidade histérica. Numa posigo astan- te pronims, os historiadores socinis defenderam a “historia vista de baixo", também descle os anos 1970, buscando res patar os sujeitos excluides e sttas historias perdihs, 6 as Feminisas reivindicaram incisivamente muito mais do que a pesenga das mulheres na grande nasrativahistrica. Ao de pés-estrmuralistas como Jueques Derticl, radical criiea, contestanda a propria eonstevgao discursiva na qual ‘0s acontecimentos ganhavam sentido, recusardo-se 2 entrar ros espagas previamente delimitados para as mulheres nas rmetanarrativas histéricas ¢ a representar os personagens es 10 tereotipadas ai configuiados. Oussdamente, seivindicaram histrias phiais, contadas tabémt no feminino. ‘Como mostra Jenkins, em A bistora repensada, wna das principals rupturas que marcaram a produgio de conhec ‘mento histrico Tol sinalizada por Foucault, a0 desestabilizar imitas de nossas certezas © mostrar algumas das armacithas das qunis estivamos senda vitinas, em seu clissico Livro A. ‘arqueologia do saber. Questionavs, pot win lado, a crenga bastante ingenua de que o decrmento Fosse wma mera uans- paréncia da realidad, um reflexo invertido do “real, um Iefo de acesto direlo aos acontecimentos e 20s personagens cesgolhides, por onto, spontava para os efeitos de uma nayeae tiv historica que, na nsia de construira "sintesetotalizadora” pregida pelo marxismo, ignorava as deseontinuidades e des- arta 0 imprevisivel, pois nio sabia lidar com as cliferengas ‘Assim, a convicgdo de que contavamos of te acontecidas’, of de que encontrsvames "6" passado, sin plesmente indo aos auquivos € folheando os documents, ‘mesmo que munidos de um sofisicado ausenal “eientifico’, positvista ou marxista, fo! profundamente abalada. Crtican- ‘do a teoria hukdesiana do rellexo, predeminante nos meios| académicos desde a década de 1970, explica Jenkins, 0 ilé- sofo francés mostrou que 0 documento nio €0 reflex do acontecimento, mas que € ele mesmo um outro aconteci mento, isto é uma materalidade construida por camadas sedimentadas de interpretacoes. © documenta é, ass, pen- silo arqueologicamente como "monumento" Percebido como “pratica discursivs", produs efeitos. O-que vale dizer que 48 palavras deizam de ser pensadas como vento, leves, ansparentes, sem densidade e sem qualquer imposiéncia em si mesmas. Os historiadores sto, desta feita, obrigados a prestar atengio 20 discurso, A maneira pela qual ‘um objeto hist6rico € produzido discursivamente e2propria narrativa que constroci ou teproduzem, n Analisando essas muiagbes, Jenkins records que, desde a {cada de 1970, ouzo intelectual bastante importante na atu ludade, Hayden White, em seu Metabistériae, postesiormente «ei Troptens do discurso, if wacieidos para o portugues, alenava para 06 diferentes mocios de narrar a hist6ria, Chamando a tengo para a impontincia de se pensar a forma discusiva, {unto quanto © conteiido narrado, White ensinava que um :ncsino aconteeimento padeia sr Contade e inerpre‘ado nil apenas pari de diferentes perspeciivas cassis, cono apon- tae 0 mansismo, mas também por meio de difecentes modos sarrativos, sefa como tragédia,Seja como comédis, se como ‘drama, ene ouiras formas Iteriras extents, jocks essas quest6es, apenas sinalizadas nessa breve apre= seniaglo, nos mostram que a produgio do conlueeimentohis- \otico se Sofisticou profundamente ao Hongo dos dltimos win- {2 anos, e que and temas de entender melhor 05. percursos « percalgos de nossa liseiplina se quisermos garantir ss so- Inevivéncis enguanto tl Visando aclarar o debate em torno dessa “revohio"his- \orica,« Kditora Contexto publica A Historia rppensada, ete pequeno e densa livia, escrito por um historiaor preocupa- do em omganizar uum pouco a casa, diganios assim, por os pingos nosis, focalizar os movimentos inesperids e as brus- fas rupturas que temas vivido em nossa area ‘final, 0 que faz o historiador? Para que ¢ para quem bus- «a 0 acontecido? A partic de que instrumentos, eoras,valo- Fes e concepgoes recorta seus temas, seleciona seu material documenta ¢ prod sua eserita do passado? E, alii, de que passado se trata? Dos vicos e dos pobres? Dos brancos e dos facyro® Das mulheres e dos homens especifieamente cons- deridos? Das criangas ¢ dos adultos? Ou do de uma figura Jmagindria construids 3 imagem do branco europeu, pensi- do como universal? © livre Keath Jenkins nos chega em boa hora, e é,acre- dio, un excelente convite para uma seria conversa entre 0s be histoniadores preocupados em plurlizara Historia, deniocrat zando-a e libertandoa das formas hieraiquizadoras e excl Ininantes e/ou subordinados estao sempre endo retraballhadas ‘no mundo real A medida que eles procuram mobilizar pes a5 para apoiarem seus interesses. A hisiria se Forfa em tl Confit, ¢ esté claro que estas necessidades conftantes incidem sobre os debates (ou sea, a luta pela posse) do que é a historia, “Assim, nest aur, jé fica claro que responder & pergunta| *0 que é & histérk’” de modo que ela sea realista esté em _substituéta por esta outra: "Para quem € a historia” Ao fazer: rs i880, vemos que a histéra est fadaca a ser problemt ‘a, pois Se trata de um termo e um discurso em litigi, com diferentes significados para diferentes grupos. Uns querem vuma hist6riaasséptica, da qual o conflio ea angssta estejam dusentes, outros, que a historia leve A passividade; uns que~ rem que ela expresse um vigoroso indvidualismo; outros, ‘que proporcione estratégias evlicas para. a revolugao; outros dinds, que fornega base para a conta-revolugio... E por at vai. £ Hell ver que, para um revolucionirio, a historia s6 pode ser diferente daquela almejida por um conservador, ‘Também ¢ fiel ver que a lista de usos da histria € infin, tam pela légica quanto pela pritica. Alina, que aspecto te fia una bisxéria com que todos pudesser concorde de uma ver por tras? Permita que eu thst esses comentitios com tum tipido exemple. 'No romance 1984, Orwell escreveu que quem contrcla © presente contol © passado e quem controlao passado con- tuola © futuro, Isso parece ser também provivel fora da fic 80. Assim, as pessoas no presente necesstam de anteceden~ {es para localizarem-se no agora e lepitimarem seu modo de vida atual e futuro. (A bem dizer, dada a listingto Ftc, 16s “Tutos" do pasado, ov tudo mais, nd0 legienam absol ‘mente nada. Mas 0 ponto é que as pessoas agem como se legitimassem.) Portanto, elas sentem a necessidade de enrat zarem o hoje e 0 aman em seu ontem. Recentemente, esse foatem tem sido procurado (¢ achado, jf que o passado se predispoe sustentar incontiveis nareativas) por mulheres, ‘gros, grupos regionais, minorias diversas etal, Esses passa-

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