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TRANSFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

Quando falamos em transfusão sanguinea, o que nos vem à cabeça de forma quase
natural, é que se trata de um ato humano carregado de bondade a abnegação. De fato,
uma transfusão bem sucedida e responsável pode salvar uma vida, por isso, esse
trabalho não tem como objetivo por a transfusão saguinea no rol dos vilões dos
tratamentos médicos. No entanto, quando o assunto envolve uma determinada classe da
sociedade, como as Testemunhas de Jeová, pois estes não veem a transfusão como algo
aceitável dentro dos seus preceitos religiosos, nós, a sociedade em geral, tendemos a vê-
los como malucos e até mesmo suicidas. Porém essa questão é bem complexa, delicada
e, como tal, necessita de uma análise pormenorizada e desnuda de qualquer preconceito.
Vale ressaltar que, como se trata de um trabalho acadêmico do curso de direito, irei
abordar, primordialmente, uma visão jurídica.

A Questão religiosa

As Testemunhas de Jeová baseiam-se em alguns trechos bíblicos para embasar sua


afirmação a não aceitação de sangue humano e outros tratamentos que o envolvam.
Vejamos alguns desses trechos e algumas explicações.

Gênesis 9:4 ³s  


     
     
  

Esse trecho trata do período após o dilúvio e dentro do contexto, Deus pediu a Noé que,
diante da contingência, poderia comer carne, porém que tivesse cuidado para tirar o
sangue. Como vimos, em nenhum momento o texto refere-se a sangue humano e muito
menos a transfusão, técnica desconhecida e inexistente nessa época. Refere-se apenas, a
alimentação.

Levítico 3:17                     


       
 

Mais uma vez, esse texto refere-se ao consumo de gordura animal e seu sangue, mesmo
assim, os jeovistas não proíbem em sua religião o consumo de gordura, o que é
contraditório. Vale ressaltar também que, a palavra ³perpétuo´ em hebraico é holam que
significa duração enquanto durar o fato a que se refere, p. ex.: a páscoa era considerada
um estatuto perpétuo que não se celebra mais. A passagem se refere a ingestão de
gordura e sangue animal.

Levítico 19:26 


  
   
   
Mais uma vez, faz alusão à carne animal.

Levítico 7:27     


             
Se analisar-mos o versículo anterior que diz: ³
         
  !        Como se pode observar, mais uma vez
não faz referência ao sangue humano.

É de fácil compreensão que houve uma interpretação equivocada desses trechos e que,
em alguns casos, foi considerada somente a passagem em si e não o contexto.
Nesses trechos aos quais as Testemunhas de Jeová consideram como proibitivos o
consumo de sangue, inclusive o humano, fica claro que Deus proíbe sim, mas o
consumo de gordura e sangue animal. Vejamos e explicação do cientista professor
Flamínio Fávero:

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Diante de tal premissa das Testemunhas de Jeová, cito uma frase de Jesus que diz:
            6    ,   
 (João 15:13) Se sangue é vida, por que os jeovistas abstêm-se em salvar uma
vida, até mesmo a sua própria?
Mas será que as Testemunhas de Jeová realmente abstêm-se de sangue?
Na verdade, a Sociedade Torre de Vigia permite que seja utilizado alguns componentes
do sangue bem como alguns tratamentos, como albumina, vacinas e tratamentos
hemofílicos, isso deixa confuso alguns membros dessa sociedade fazendo até com que
alguns anciãos e membros de Comissões de Ligações com Hospitais deixassem
discretamente esses cargos, pois, por que é possível aceitar alguns componentes
sanguineos e outros não, como p ex.: o plasma, as plaquetas e os glóbulos vermelhos e
brancos? A Sociedade Torre de Vigia permite os componentes do plasma
separadamente, mas por que então, não permitem o próprio plasma?
São questões que a própria STV não consegue responder e nem encontra apoio na
Bíblia, usar frações de produtos do sangue e não ele todo. No entanto, o ensinamento da
STV é que os componentes do sangue permitidos são àqueles que passam através da
barreira da placenta durante a gravidez, portanto, são aceitos de boa fé, visto que
segundo eles, se Deus permitiu que tais componentes sanguineos passassem da mãe
para o filho, é lógico que Deus não iria de encontro a sua própria lei. Mas sabemos hoje
que, praticamente todos os componentes saguineos passam para o feto.
Ainda fica claro equívoco da ³J 
@ (Torre e Vigia) quando confunde
transfusão sanguinea com ³comer´ sangue, visto que nesse procedimento o corpo não
nutri-se de sangue, mas há apenas uma reposição do mesmo e seus componentes.
Veja o que diz a J 
@a respeito:

:
  /   !     
     
       
 
 *
             
  

  !
 (Watchtower, 15 de Setembro de 1958, p. 575)

É nítida a confusão da STV sobre a transfusão sanguinea, pois esta se assemelha a um


transplante de órgão e não a nutrir o corpo com sangue, para que isso fosse possível
seria necessário comê-lo e digeri-lo para poder decompô-lo e usá-lo como alimento o
que é cientificamente impossível numa transfusão sanguinea, que não tem nenhum
benefício nutritivo.
Apesar de hoje a Sociedade Torre de Vigia reconhecer que a transfusão de sangue é um
transplante de um tecido líquido, daí aceitarem o uso de alguns componentes, a
sociedade criou uma nova lei para as Testemunhas que diz que       
    , o problema é que na Bíblia não há nada que fundamente tal restrição
sobre o sangue.

5    !  ! *     ,
 ,    /*  
 

(Poderá viver para sempre no Paraíso na Terra, p.216, parágrafo 22)

O que pude notar é que ainda há um grande desconhecimento por parte das
Testemunhas de Jeová no que diz respeito à transfusão sanguinea e até mesmo de
questões interpretativas equivocadas e pontuais da Bíblia. E torna-se polêmico não só
por envolver questões interpretativas bíblicas, mas também bioéticas e jurisprudenciais.
Vejamos agora um caso concreto envolvendo uma Testemunha de Jeová e a transfusão
sanguinea:

³  *     
         A  B   s      , 
C !    ,     !  
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    , / 
    

Analisemos primeiramente, o menor em questão, à luz da lei.

A ³Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança,´ adotada pela


Assembléia Geral no dia 20 de Novembro de 1989, no seu artigo 12, estabelece:

.      &      9


      

   ,     6 
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    *      
         ,        
   
  

Veja a observação do Dr. Manuel Gonçalves Ferreira Filho:

: *     
   


          
    
 


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       /        ,      
/          , 

Mas com o advento do Código Civil/02 a maioridade foi antecipada para os 18 anos.
Segundo o CC/02 são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida
civil os menores de 16 anos, portanto, no caso em estudo a criança não poderá decidir
sobre sua pessoa.

A questão Bioética (Princípios Bioéticos)

Os princípios bioéticos dividem-se em 4, que são: autonomia, consentimento informado,


beneficência e justiça.
O princípio da autonomia ou autodeterminação visa reconhecer o direito da pessoa de
decidir sobre determinado procedimento/tratamento médico, livres de interferência e/ou
pressão externa e considerando seus valores íntimos.
O professor de medicina da USP e presidente da Associação Brasileira de Ética Médica
(Abradem), Affonso Renato Meira, em seu artigo intitulado ³O direito de dizer não´ diz
o seguinte:
³5    ,  
    
      
! 
 
   !         
 !
 
  ,   6   

Nesse sentido, esse princípio guarda um direito individual em que não deve prevalecer a
vontade coletiva (opinião pública), pois assim, esse princípio perderia a razão de ser.
O consentimento informado decorre diretamente da autonomia, onde o paciente, antes
de qualquer intervenção médica deve ser informado (conscientizado) quanto aos riscos e
benefícios da terapia e bem como se há tratamento alternativo, deixando que o paciente
aceite ou não o tratamento ou que escolha um tratamento alternativo, se houver.
Mas, se no caso em análise, o médico achar que não necessita obter o consentimento
informado em virtude da gravidez do caso e a necessidade da transfusão sanguinea?
Vejamos o que diz 3 jurista americanos:

5 6  !      [do consentimento informado]        

   
    
        
  F4
  
 
      
          
  
  
  
    
  
     
 
       
  

  5 !        
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  5      A  s  s    

 8   !         
          6 8 
  ,    
         

Mesmo nesse caso, de acordo com esse princípio, torna-se claro que o paciente pode
recusar determinado tratamento, mesmo em circunstâncias graves.
O princípio da Beneficência é aquele em que o médico deve direcionar sua atividade em
benefício do paciente, em que está expresso no Juramento de Hipócrates, ³G  
             

     !      
 
 /    
* 
Como podemos perceber, há, em princípio, um conflito entre o princípio da autonomia e
princípio do consentimento informado, pois reza que o médico usará o tratamento de
acordo com a habilidade e o julgamento, ou seja, não importando a opinião e nem a
vontade do paciente.
No entanto, é importante contextualizar historicamente o juramento de Hipócrates à
época da sua criação, onde aquele tinha uma visão tradicionalista e que naquela época
os médicos eram vistos como uma autoridade e na maioria das vezes, inquestionável.
O próprio código de ética médica, no seu artigo 46 diz que     

  
  
    
 
   
      

             A parte final
do artigo ainda é uma visão hipocrática da beneficência que conflita com os princípios
da autonomia e do consentimento informado.
Mas nos tempo atuais, cada vez mais a relação médico/paciente está aparada pela
bioética e pela justiça e que o médico junto com o paciente poderão escolher qual
tratamento será o mais adequado e caso o paciente recuse, ó médico possa respeitar e/ou
indicar um tratamento alternativo.
Assim, veja o que dizem os professores Muñoz e Almeida sobre a relação entre
beneficência e autonomia:

B           
     !,
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       , '      

     !,
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 0
    ,  

Ou seja, o médico deve fazer o bem, mas sobre o prisma do paciente.
O princípio da justiça deve promover ao cidadão acesso igualitário aos bens da vida, ou
seja, consiste em respeitar as diferenças da sociedade, sem discriminação ou qualquer
tipo de segregação, buscando meios para satisfazer suas necessidades.

Alguns riscos no que diz respeito à transfusão de sangue.

É comum, para a sociedade em geral que, a transfusão de sangue seja uma dos mais
eficazes procedimentos na reposição do plasma e outros componentes do sangue. Por
trás também da transfusão há uma visão de solidariedade e humanismo, herança da II
Guerra Mundial, onde tal procedimento se popularizou.
Porém, é importante alertar a sociedade para os riscos que tal procedimento, quando
feito indiscriminadamente ou de forma irresponsável, pode acarretar muitos problemas
de saúde.
Foi feita uma pesquisa nos EUA que revelou que mais de 60% dos médicos residentes
entrevistados prescreviam transfusões que consideravam desnecessárias pelo simples
fato de que médicos mais experientes sugeriam que fosse feito.
A própria Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia afirma que no Brasil o
uso indiscriminado de sangue e derivados é grande, visto que foram revisados o
prontuário de 75 paciente e apenas 25% deles tinha uma indicação médica precisa,
mostrando o despreparo dos profissionais em hemoterapia no que tange as transfusões
de sangue.
Transfusões perigosas podem causar inúmeras doenças ou reações como hemolítico e
alérgica, pode ocorrer também infecção induzida pela transfusão. Outro risco é a
transmissão da hepatite não ±A e não ±B. Calcula-se que 5% a 15% dos doadores
voluntários são portadores de vírus e que, com a evolução, podem contrair cirrose.
Quando há um teste pré transfusão esses problemas podem ser evitados, o que, na
realidade, nem sempre ocorre.

Alguns tratamentos alternativos a transfusão sanguinea

Eritropoetina Recombinante
Consiste na forma Biosintética de um hormônio humano natural onde estimula a medula
óssea a produzir hemácias. Pode ser utilizado em todas as etapas do tratamento ou
cirurgia, combinado com hematínicos e ferro para dar suporte a produção de hemácias.

Hemodiluição
Usa-se um circuito fechado onde não se faz coleta de sangue pré-operatório.

Além desses, existem inúmeros outros tratamentos que não expõe o paciente em contato
diretamente com o sangue que deve beneficiar não só as Testemunhas de Jeová, pois
independe da questão religiosa, mas todo aquele que optar por um tratamento
alternativo.

Legislação

Agora, vejamos o que diz o artigo 5º da Constituição de 88, no diz respeito aos diretos
individuais e coletivos, mais especificamente o direito a vida, a liberdade de crença, e a
privacidade.
O artigo 5º no seu Caput diz que:

                   /    *   
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  9    9       

Nesse texto, fica claro que consiste não só em estar vivo, mas também o direito de não
ser morto nem pelo Estado e nem por nenhum particular, direito a uma vida digna,
sendo que este faz parte do fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana.

Já Art. 5º, VI da C.F trata da liberdade de consciência e de crença. Veja o que diz o
texto:

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       +
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       ,     


 
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Faz-se necessário que a sociedade preze pela sua liberdade de expressão, pelo contrário
correríamos o risco de cair num regime totalitário, felizmente, a Constituição de 88
tutela a liberdade como uma garantia fundamental, também fazendo parte do princípio
maior,       (art. 1º, III, C.F).

No inciso X do mesmo artigo, podemos observar a proteção ao princípio da privacidade.


Vejamos:

                       


 /       
    H

Privacidade decorre de uma necessidade básica do ser humano, onde cada cidadão tem o
direito de não ser incomodado no seu íntimo, bem como o direito a não ser exposta sua
vida e/ou imagem para o público e de forma autorizada ou não, seja pelo Estado ou
mesmo por indivíduo.

Por tratar-se de assunto polêmico, pois ainda é visível o descompasso nas decisões
judiciais a respeito da transfusão em Testemunhas de Jeová, como mostra algumas
decisões judiciais.
Em 2007, a juíza substituta Luciana Monteiro Amaral autorizou a transfusão de sangue
em um paciente idoso, José Paz da Silva, mesmo sem o seu consentimento e nem o da
sua família, adeptos da religião Testemunha de Jeová. O paciente encontrava-se em
estado grave de hemorragia e, segundo laudo médico, em iminente risco de vida e que
nesses casos, é imprescindível a transfusão, segundo o médico Glaydson Jerônimo da
Silva. A juíza fundamentou sua decisão no artigo 5º da C.F que, além de dispor sobre a
liberdade de consciência e de crença, também salienta que, ³      
    
   
 
, 6,
 '

Baseado na decisão da juíza, é mister saber que nenhum direito é absoluto, pois tais
princípios encontra limites nos demais princípios igualmente consagrados na nossa
Constituição. Ao haver conflito entre princípios, devemos observar o princípio da
harmonização. Para a juíza, nesse caso, o direito a vida prevalece sobre o direito de
crença.

Jurisprudência envolvendo Testemunhas de Jeová e a transfusão sanguinea.

(304/2001)
TEMA: TRANSFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHA DE JEOVÁ
HIPÓTESE I: DIREITO DO MÉDICO: MESMO CONTRA A VONTADE DOS
PARENTES, SE CARACTERIZADA A NECESSIDADE DO PACIENTE.

Jurisprudência:
RJDTACrim
7/175 (Marrey Neto ± 30/08/89)

Tipo
Número
Data
Juiz
Órgão

Apel. Cív
264.210-1/9
1º/08/96
Testa Marchi
TJSP
HIPÓTESE II: RECUSA DOS PARENTES PODE CARACTERIZAR DELITO EM
TESE.

Jurisprudência:

Tipo
Número
Data
Juiz
Órgão

HC
253.458-3/1
05/05/98
Pereira da Silva
TJSP

HC
253.458-3/1
05/05/98
Cerqueira Leite ± v.vencedor
TJSP

Abaixo, segue uma decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em que dá direito a
Testemunha de Jeová a recusar a transfusão de sangue. Vale ressaltar que esse estado é
pioneiro nesse tipo de decisão.

Número do processo: 1.0701.07.191519-6/001(1) Precisão: 100


Relator: ALBERTO VILAS BOAS
Data do julgamento: 14/08/2007
Data da publicação: 04/09/2007
Ementa:
PROCESSO CIVIL. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA
ANTECIPADA. CASO DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. PACIENTE EM TRATAMENTO
QUIMIOTERÁPICO. TRANSFUSÃO DE SANGUE. DIREITO À VIDA. DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA. LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA. - No contexto do
confronto entre o postulado da dignidade humana, o direito à vida, à liberdade de consciência e
de crença, é possível que aquele que professa a religião denominada Testemunhas de Jeová não
seja judicialmente compelido pelo Estado a realizar transfusão de sangue em tratamento
quimioterápico, especialmente quando existem outras técnicas alternativas a serem exauridas
para a preservação do sistema imunológico. - Hipótese na qual o paciente é pessoa lúcida, capaz
e tem condições de autodeterminar-se, estando em alta hospitalar.

Súmula: REJEITARAM PRELIMINAR E DERAM PROVIMENTO.


Acórdão: Inteiro Teor

Nessa outra ementa, é dado ao paciente o direito de obter tratamento alternativo, mesmo
fora de seu domicílio (TFD). Decisão proferida no Estado de Mato Grosso.

Ementa:
TESTEMUNHA DE JEOVÁ - PROCEDIMENTO CIRÚRGICO COM POSSIBILIDADE DE
TRANSFUSÃO DE SANGUE - EXISTÊNCIA DE TÉCNICA ALTERNATIVA -
TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO - RECUSA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA -
DIREITO À SAÚDE - DEVER DO ESTADO - RESPEITO À LIBERDADE RELIGIOSA -
PRINCÍPIO DA ISONOMIA - OBRIGAÇÃO DE FAZER - LIMINAR CONCEDIDA -
RECURSO PROVIDO. Havendo alternativa ao procedimento cirúrgico tradicional, não pode o
Estado recusar o Tratamento Fora do Domicílio (TFD) quando ele se apresenta como única via
que vai ao encontro da crença religiosa do paciente. A liberdade de crença, consagrada no texto
constitucional não se resume à liberdade de culto, à manifestação exterior da fé do homem, mas
também de orientar-se e seguir os preceitos dela. Não cabe à administração pública avaliar e
julgar valores religiosos, mas respeitá-los. A inclinação de religiosidade é direito de cada um,
que deve ser precatado de todas as formas de discriminação. Se por motivos religiosos a
transfusão de sangue apresenta-se como obstáculo intransponível à submissão do recorrente à
cirurgia tradicional, deve o Estado disponibilizar recursos para que o procedimento se dê por
meio de técnica que dispense-na, quando na unidade territorial não haja profissional
credenciado a fazê-la. O princípio da isonomia não se opõe a uma diversa proteção das
desigualdades naturais de cada um. Se o Sistema Único de Saúde do Estado de Mato Grosso não
dispõe de profissional com domínio da técnica que afaste o risco de transfusão de sangue em
cirurgia cardíaca, deve propiciar meios para que o procedimento se verifique fora do domicílio
(TFD), preservando, tanto quanto possível, a crença religiosa do paciente.

Antes de finalizar a parte jurisprudencial, é interessante ressaltar que, também o Código


Civil Brasileiro no seu art. 15 dispõe sobre a autonomia do paciente, especialmente
quando o procedimento gerar risco para a vida ou a saúde do mesmo.
Vejamos o que diz o referido artigo:

    


    !  * 
  
       
   
-
(Art. 15 CPB).

Seja em Minas Gerais, Mato Grosso ou Rio Grande do Sul, quase sempre as decisões
alternam, ora a favor, ora contra a transfusão sanguinea em Testemunhas de Jeová,
tornando evidente a dificuldade dos Tribunais do país em resolver questões tão
complexas onde envolve credo religioso e o direito a vida, ambos, princípios
constitucionais contidos num princípio maior, o da dignidade humana.

Algumas opiniões sobre o tema:

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 ,  (Ana Paula Sousa ± Fisioterapeuta).

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'(Valquíria Farias ± Estudante de Direito).

³O que se percebe quando da análise do referido tema é um aparente choque de princípios


constitucionais da liberdade de consciência e crença, o direito à privacidade e o direito à vida.
Ante a Hermenêutica Constitucional, faz-se necessário o sopesamento dos referidos princípios
com o objetivo de coaduná-los ao fim constitucional. É importante ressaltar que apesar de o
direito à vida sempre parecer prevalecer diante dos demais, uma transfusão de sangue forçada,
sem consentimento, mesmo que para salvar a vida de uma Testemunha de Jeová, pode trazer
extrema dor e sofrimento moral, muitas vezes irremediável.´ (Valdiane Kess ± Jurista)

Conclusão

Este parecer não tem como objetivo discutir a interpretação bíblica feita à luz das
Testemunhas de Jeová, mas sim, o intuito de discutir sob a ótica da lei, garantidora dos
direitos coletivos, mas principalmente o direito individual, seja de crença, vida, saúde,
etc. Mais ainda, nesse tema especificamente, é importante preservar e respeitar os
valores e a vontade do paciente, pois será este que ³sofrerá´ as consequências, positivas
ou negativas, físicas e/ou psicológicas. Seria fácil alegar que, quando o médico, contra a
vontade do paciente ± no caso das Testemunhas de Jeová ± decide pela transfusão, ele
estaria agindo em favor da vida e em consonância com a opinião comum (pública), mas
é temeroso, pois essa opinião sem conhecimento, muitas vezes ignorante, da população,
esconde, na verdade uma postura preconceituosa, onde as Testemunhas de Jeová são
vistas como suicidas e fanáticas, principalmente quando dizem ³não´ ao procedimento
de transfusão. Tal descriminação religioso-ideológica entra em conflito com uma
realidade que, na maioria dos casos as Testemunhas de Jeová se veem obrigadas a
enfrentar quando necessitam de tratamento médico que envolva procedimento de
transfusão sanguinea. O imperativo nesses casos não é a visão religiosa de tal grupo,
mas os direitos que lhes assiste, que não podem ser encobertos por preceitos
equivocados, interpretações jurisprudenciais tendenciosas e preconceituosas. Faz-se
necessário que haja uma ampla visão de cada caso, mas buscando suas peculiaridades e
que não se caia na ingenuidade de comparar valores principiológicos constitucionais,
não no sentido de qual princípio tem maior ³valor´, mas que haja um sopesamento de
cada principio, em cada caso.


REFERÊNCIAS

YV 5 %
 N
  B  9  s  B  Revista de Bioética do
Conselho Federal de Medicina, Vol.6, nº 1, 1998.

YV 5O , 1 de Junho de 1990, p. 31.

YV BASTOS, Celso Ribeiro. "Direito de Recusa de Pacientes Submetidos a


Tratamento Terapêutico às Transfusões de Sangue, por Razões Científicas e
Convicções Religiosas", in Revista dos Tribunais, nº 787, maio/2001, pp. 493-
507.

YV CONDE, Francisco Muñoz. "A objeção de consciência em processo penal", in


http://www.smmp.pt/conde.htm.

YV http://forum.jus.uol.com.br/58748/1/jurisprudencia-decisao-em-favor-da-
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V

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FACULDADES NORDESTE (FANOR)

TRANSFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

Parecer

Enéas Filho

FORTALEZA

2011

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