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Heranca e Relacées Familiares: Os Pretos Forros nas Minas Gerais do Século XVIII" RESUMO Estudos recentes acerca da familia negra tém demonstrado que a idéia de anomia deve ser reavaliada. Apesar das condigées do cativeiro, os negros alcancaram niveis significativos de organizagéo familiar. Nesse artigo abordam-se as prdticas de heranga entre os libertos, visando captar as estratégias do grupo na constituigéo da familia Ida Lewkowic2** ABSTRACT INHERITANCE AND FAMILY RELATIONS: — EMANCIPATED BLACKS IN MINAS GERAIS IN THE EIGHTEENTH CENTURY. Recent studies on the black family have shown that the idea of anomie must be reevaluated. Despite the conditions of slavery, blacks auiained significant levels of family organization. This article deals with inheritance practices among freedmen, in an attempt to understand the strategies of the group in constituting families As interpretagdes cléssicas a respeito da natureza da familia brasileira do passado negaram aos escravos qualquer forma independent de organizaga0 familiar. Estes foram atrelados & familia senhorial e relegados a uma zona periférica sem nenhuma expresso estrutural, Entretanto, a partir do inicio da década de 80, alguns ensaios e pesquisas! conduziram A reflexdio em torno desse tema, sugerindo Angulos novos e evidéncias diversas para a compreensdo da vida familiar nos séculos XVIII e XIX. Advertiram, também, para a necessidade de se ampliar a nogo de familia de acordo com “Este artigo integra a pesquisa sobre familia ¢ heranga em Minas Gerais orientada pela Prof* Dr Eni de Mesquita Samara. Contou com 0 auxilio de Marco Antonio Dib (Bolsista do CNPp ~ Iniciagéo Cientifica), que vem colaborando na coleta de dados. "UNESP - Franca. TMarisa CORREA. Repensando a famflia patrisrcal. Cadernos de Pesquisa (37): 5-16, maio. 1981; Eni de Mesquita SAMARA. A familia brasileira. Sio Paulo, Brasiliense, 1983, Rev. Bras. de Hist. | $, Paulo v.9 n°17 [pp.10) 14 | set.88/fev.89 ‘08 grupos sociais e as peculiaridades regionais da formago social brasileira. Desta forma, sio igualmente consideradas organizagdes com estrutura familiar, tanto as famflias de elite nordestinas descritas por Gilberto Freyre, como as familias paulistas pobres, freqiientemente chefiadas por mulheres solteiras com seus filhos ilegitimos. Estudos mais recentes acerca da familia escrava? apontaram em direg’o oposta a tradicional caracterizacao de instabilidade familiar atribuida & populagdo negra. Mostraram a existéncia de fortes lagos e complexas estruturas familiares, ¢ até mesmo a composicao de verdadeiras linhagens, similares as apresentadas pelos proprietérios de terras’. Referiram-se, entretanto, As realidades ligadas ao sistema de grande lavoura que apresentavam unidades produtoras com elevada concentragiio de escravos, facilitando um convivio proporcionador de relacionamentos duraveis. Com essa oportunidade, a existéncia de relagdes familiares estava assegurada para parcela considerdvel da populacio cativa. Assim, a maior parte das criangas escravas contava com seus pais, ou pelo menos, com a presenga de um dos genitores*, Essas constatagdes motivaram a pesquisa sobre 0 comportamento familiar de ex-escravos e scus descendentes na drea mineradora, onde predominavam os plantéis reduzidos. Os senhores minciros possuiram pequeno mimero de escravos, sendo mais freqliente a posse de uma quantidade que variava entre um e dois cativos®. Uma situagfo como essa poderia ser considerada intciramente desfavoravel 4 formagao de familias legitimas, j4 que os parceiros preferenciais® teriam de ser encontrados fora do 2yo%0 L. R. FRAGOSO ¢ Manolo G. FLORENTINO. Marcelino, filho de Inocéneia crioula, neto de Joana Cabinda: um estudo sobre familias escravas em Paraiba do Sul; Robert W. SLENES. Escravidio e familia: padrées de casamentos e estabilidade familiar numa comunidade escrava (Campinas, século XIX), Alida C. METCALF, Vida familiar dos escravos em Sio Paulo no século XVIII: 0 caso de Santana do Pamatba; Iraci del Nero da COSTA, Roben W. SLENES ¢ Stuart B. SCHWARTZ. A familia escrava em Lorena (1801). Esses artigos foram peers em Estudos Econémicos 17 (2), maio/ago, 1987. J. L. R. FRAGOSO e M. G. FLORENTINO, op. cit., p. 167. 4R. W. SLENES, op. cit, p. 221. O autor constatou que em Campinas, no século XIX, nos plantéis médios © grandes, somente 7% das criangas estavam sem pai ou mae presentes. SPrancisco Vidal LUNA. Minas Gerais: escravos ¢ senhores. Sao Paulo, IPE/USP, 1981, p. 124. SEni de Mesquita SAMARA, Casamento e papéis familiares em Séo Paulo no séoulo XIX. Cadernos de Pesquisa (37): 17-25, maio 1985. Demonstra, neste artigo, que os casamentos foram sempre tealizados dentro de um cfrculo restrito; Iraci del Nero da COSTA. Vila Rica: populagdo (1719-1826), Sio Paulo, IPE/USP, 1979 também constatou tendéncia homogimica na populagdo mincira 102 Ambito domiciliar, o que certamente seria dificultado pelos proprietérios. Outro fator a contribuir para a instabilidade dos relacionamentos seria a propria vontade dos escravos ¢ libertos que, por uma atitude de resisténcia face & sociedade que os oprimia’, evitariam seguir as regras dominantes, dando ensejo as unides consensuais ou passageiras, resultando em um alto indice de ilegitimidade, conforme transparece nos estudos dedicados a analise da sociedade mineira colonial’. A transmissio do patriménio entre os libertos permite cxaminar essa questo, visto que é possivel considerar esse processo como determinante da estruturagdo das relagées interpessoais conforme apontou Jack Goody?. Igualmente, Michael Anderson chamou a atengio para o fato de que a sucesso nos bens niio tem apenas o significado de que alguns individuos lerio acesso aos recursos disponiveis, mas influi decisivamente na demografia, na organizagao ¢ na “qualidade das relagdes familiares”, principalmente, devido a0 modo como sao transmitidos ¢ ao momento do ciclo de vida em que se realiza!®, Partindo desses referenciais, foram examinados 58 casos de alforriados, através de testamentos ¢ inventarios. Trata-se de um conjunto documental tnico para o século XVIII, que se encontra nos Arquivos da Casa Setecentista de Mariana e Eclesidstico da Arquidiocese de Mariana, ambos em Minas Gerais!!, Universo aparentemente restrito de andlise, as fontes dizem respeito a situagdes tipicas € naio devem ser consideradas apenas como casos especificos, mas como modelos indicadores de processos mais gerais entre os forros, Evidentemente nao permitem um estudo de natureza serial, porém, através dos testamentos ¢ inventirios sao reveladas, continuamente, as questdes da vida em familia, as divergéncias, as disputas, os contornos afetivos das ligagdes dentro do lar no pasado. Tkétia de Queirés MATTOSO. Familia ¢ sociedade na Bahia do Século XIX. Sto Paulo, Corrupio, 1988. A autora cré que o predominio das relagdes livres seria “uma espécie de ruptura, de reagio contra a cultura dominante, verdadcira tentativa de afirmagio de uma identidade cultural prépria” p. 106, 8Ver Laura de Mello © SOUZA. Desclassificados do ouro, Rio de Janciro, 1982; I, N. da COSTA, op. cit.; Ida LEWKOWICZ. “A fragilidade do celibato”. In: LIMA, Lana Lage da Gama (org.) Mulkeres, adiliteros e padres. Rio de Janciro, Dois Pontos, 1987, pp. 53-68. Stack GOODY. “Introduction”. In: Familiy and Inheritance: Rural Society in Western Europe, 1200-1800, Cambridge, Cambridge University Press, 1976, pt 10Michacl ANDERSON, Elementos para a Histéria da Familia Ocidental, 1500- 1914, Trad, Ana Paledo Bastos. Lisboa, Querce, 1984, p. 68. 116 corpo documental compée-se de 51 inventérios ¢ 27 testamentos de pretos forros, de 1730 a 1800. Doravante os arquivos mencionados serio ACSM © AEAM. 103 © das amizades, que além das determinantes econdémicas e sociais, influenciaram as estratégias familiares. A pequena quantidade de testamentos de pretos forros disponivel segue proporcionalmente a sua presenca no conjunto da populagdo, apresentando, todavia, variagdes significativas conforme a localidade e a €poca. Assim, em alguns niicleos como Pitangui, em 1723, existiam 1.017 habitantes (893 escravos ¢ 123 livres) ¢ somente 3 forros; em 1738, para Serro Frio, os indices foram extraordinariamente mais clevados, atingindo 22,2% (7.937 escravos, 1.744 livres ¢ 387 forros)!2, No século seguinte, o censo de 1831 informou proporgdes bem mais reduzidas. Ouro Preto possuia 1,84% e S40 Joao del Rei 3,24% de libertos!3, Ainda, outros dados podem esclarecer a representatividade das fontes. Em Vila Rica, por exemplo, pesquisa que abrangeu grande parte do século XVIII, constatou que 10,1% dos forros deixaram testamentos ¢ que apenas 22.8% deles nao possuiram quaisquer bens!4, Sendo assim, é possivel concluir que os testamentos constituem uma amostragem significativa das condigdes de vida de cerca de oitenta por cento da populagdo liberta. Pode-se, portanto, através deles, generalizar € compreender 0 mundo dos forros. Ex-escravos, no século XVIII mineiro, constituiram um grupo com singularfssima experiéncia de vida. Em geral, capturados na infancia ou nos primeiros anos da juventude, passaram essas fases e os anos mais produtivos da vida adulta no cativeiro. Em seguida ficaram sujeitos a coartagao, ou seja, um processo com base contratuais, através do qual 0 escravo comprava a liberdade pagando o seu valor em parcelas, dentro de prazos entre 4 ¢ 6 anos!5, Por diltimo, tornaram-sc livres geralmente apés os 40 anos de idade. Tais pressoes, sofridas em grande parte de suas vidas, marcaram, com certeza, as suas estratégias familiares, Sabe-se de um comportamento demogrifico distinto, dos libertos, em relagdo aos demais segmentos da populacao mineira; apresentaram como tragos mais relevantes: casamentos tardios € baixa fertilidade'®. As 38 mulheres ¢ os 20 homens confirmam as descrigdes da historiografia que, em geral, atribuiu maior facilidade na 12f, y, LUNA, op. cit., p. 64. 13Q5 dados foram extraidos da pesquisa Populagio de Minas Gerais no século XIX de Clotilde A. PAIVA e M, C. S. MARTINS. CEDEPLAR, Universidade Federal de Minas Gerais. Os célculos foram feitos por Gilberto Guerzoni Filho. 141 N. da COSTA. Vila Rica. pp. 98 © 100. 15ksse procedimento teria sido mais comum apés 1740, com a recessio da economia mineradora, Cf. Donald RAMOS. A Social History of Ouro Preto: Stresses of Dynamic Urbanization in Colonial Brazil, 1695-1726. University of Florida, PhD, 1972, p. 226. 16Ver Gilberto GUERZONI FILHO © Lufz Roberto NETO. Indices de nupcialidade da populagéo forra em Minas Gerais no século XIX, datilo., 15 pp. 104 ‘obtengdo da alforria para o sexo feminino!7, Essa tendéncia, que teria se revertido em S40 Paulo somente no iiltimo quartel do século XIX, foi mais precoce em Minas!8, Em 1831, Ouro Preto contava com 71 homens forros e 92 mulheres na mesma condi¢o e em Sao Joao del Rei os nimeros eram mais equilibrados: 245 homens e 249 mulheres!9, manifestando-se, portanto, uma tendéncia secular para a igualdade numérica entre os sexos, na populacao negra, Variadas razdes levaram esses pretos ¢ pretas forras do século XVIII a se preocuparem com testamentos. Geralmente cram feitos em idade avangada ou em face de doengas, quando ja era possivel prever que a morte nao demoraria, Entre os motivos dos testadores estavam, sem diivida, os cuidados com os sepultamentos, em geral, muito onerosos. O mais costumeiro, exigido, eram as velas, 0 habito de Sao Francisco para envolver © corpo, o acompanhamento do enterro por varios sacerdotes e centenas de missas. Tudo isso, naturalmente, dependia das posses do defunto, ¢ do empenho das irmandades das quais tinha sido membro. Adalgisa Arantes ‘Campos observou que a familia via-se, praticamente alijada dessa questo, pois sobrepunha-se a ela o “sentimento coletivista da irmandade”*°, Essa situago era decorrente da exagerada preocupagiio da populagao colonial com a garantia de sepultamento, j4 que as associagoes religiosas controlavam os cemitérios, conforme assinalou Caio César Boschi?!. A familia restava cumprir as determinagdes do morto, pois s6 poderiam tomar posse da heranga ao anexar junto ao inventdrio as provas com os gastos dos ritos funerdrios, A crenga no valor da missa determinou parte dos exagerados dispéndios com os rituais da morte. Além das celebragSes locais, onde residia 0 morto, eram freqiientes os pedidos de sufragios no Rio de Janciro ¢ no Reino, por sua propria alma, pelos antigos senhores, por filhos falecidos em idade adulta, pelos cOnjuges, e também por amigos e compadres. A preta forra Tereza Gomes de Abreu pediu dezenas de missas no Arraial de Bento Rodrigues onde morava e considerando-as insuficientes, ainda dispds que no convento de Santo Antonio do Rio de Janeiro fossem rezadas “... cinco missas em louvor das Cinco Chagas de Nosso Senhor Jesus e cinco ditas a santa do meu nome ¢ cinco ditas a todos os meus amigos e inimigos... '7 peter EISENBERG. Ficando livre: as alfortias cm Campinas no século XIX. Estudos Econdmicos 17(2): 175-216, maio/ago 1987, p. 212. '8idem. 19¢. A, PAIVA © M. C. S. MARTINS, op. cit. 20 adalgisa Arantes CAMPOS. A vivéncia da morte na Capitania das Minas. Belo Horizonte, mestrado UFMG, 1986, p. 113. 21 Caio Cezar BOSCHI. Os leigos e 0 poder. Sao Paulo, Atica, 1986, p. 150. 105 todas da esmola de trezentos ¢ vinte réis”?2, Outra preta forra, Antonia Rodrigues Correa, solteira e mie de uma freira professa no convento de Sao Jogo em Sctibal, Portugal, deixou-lhe por heranca 259$200 e gastou no préprio funeral a quantia de 71$325. O montante dos gastos com o enterro atingiram o prego de um de seus bens mais valiosos: um escravo negro de 45 anos que custava 80$00073. Muitos tiveram 0 cuidado de deixar testamentos para reconhecer filhos tidos fora do casamento e protegé-los contra os demais herdeiros forcados. O testamento ¢ o inventario da crioula forra Clara Goncalves de Souza sio exemplares, Através do primeiro, sabemos que Clara era filha de um casal alforriado origindrio da Costa da Mina. Antes de’ casar com Antonio Gongalves Basto com quem teve nove filhos, foi mae de duas criangas com pais diferentes. No testamento alertou os descendentes legitimos: “...ndo devem prejudicar os outros meus filhos Manoel Antonio casado com Mariana Joaquina no Arraial de Forquim e Maria Tereza que vive em minha companhia,..”24, Foi uma previsio, pois no final do inventério de Clara consta uma intimagao do juiz de 6rfaos, em favor de Maria Tereza, contra o padrasto-tutor que postergava a partilha para ndo prejudicar a produgaio do sitio familiar. Tratava-se de uma propriedade agricola, onde também criava- se animais. Contava, entio, com seis escravos que, partilhados entre os numerosos herdeiros, seriam fatalmente subtrafdos ao trabalho. Por essa ocasizo o problema nao era grande, pois os filhos ainda menores nao sairiam da companhia do pai, que continuava tocando a propriedade, cuja metade Ihe pertencia, Porém, na partilha, Maria Tereza ficou com “seis bestas arreadas € com todos os seus pertences”, mais uma parte do valor de uma escrava. O padrasto quis, provavelmente, aproveitar-se da situagao, nada payando & herdeira. O juiz de 6rfaios ordenou que se fizesse um auto de contas somente em relagdo a parte de Maria Tereza, “por serem os mais herdeiros filhos do mesmo tutor”. Por fim, determinou que se pagassem & herdeira 1.691 dias do trabalho da escrava, bem como os rendimentos produzidos pelas scis bestas?5. Os inventirios, por sua vez, cram abertos se existissem muitos bens 224CSM ~ Testamento, 1782. 1° offcio, ebdice 135, auto 2731, f1.2. 23pode-se ter idéia dos cusios fiinebres através de alguns itens do enterro de AntGnia: 0 hébito de Sao Francisco para amortalhar © corpo, 88400; a tumba da Irmandade das Almas, 195200; 4 sacerdotes de 28700 de acompanhamento ¢ missa de corpo presente, 10$000; 100 missas no Rio de Janeiro de 320 réis cada uma; 100 missas em Portugal de 120 réis cada uma. ACSM ~ Testamento e inventério, 1769, 1° of., edd. 264, auto 4812. 24ACSM — Testamento ¢ inventério, 1783, 1° of., céd. 76, auto 1619, fls. 2 & 3. 25idem fis. 16, 16v. € 17v. 106 ou herdeiros, para preservar os pectilios de pessoas incapacitadas de administré-los e principalmente quando niio existiam herdeiros forgados ou estes fossem menores. Joao Gomes Ribeiro, morador do Morro da Passagem, pediu para que se inventariassem os parcos haveres de uma negra sua liberta chamada Antonia Gomes Ribeiro, “da qual ficario 4 filhos pardos, os quais elle por caridade ampara”. Estando de posse do que ela deixara, fez uma petico para que pudesse vender alguns poucos utensilios domésticos e usar as roupas para vestir os 6rfaos “que ficarao na pobreza”?6, Vé-se, portanto, que os inventirios nao sc restringiam a partilha de grandes fortunas. Contudo, os padrdes de riqueza?” para os forros nao destoaram daqueles vigentes para a socicdade da rea mineradora. Facilmente, distingue-se, nos inventérios, aquilo que era o bem mais precioso, no século XVIII: o escravo. No dizer de Francisco Vidal Luna, os escravos constituiram “o principal fator de producdo utilizado na lide extrativa e, provavelmente, um dos componentes de maior importincia no estoque de riqueza individual em Minas”?*, No inventario do preto forro José Tavares pode-se constatar que a medida das fortunas mineiras encontrava-se vinculada ao ntimero de escravos de que se era possuidor. Assim, em 1731, uma morada de casas cobertas de palha valia 222$000 e seis escravos foram avaliados em 620800029, O mais ‘comum, entre os forros, cra a propriedade de casa para moradia na cidade com uma drea geralmente ocupada por um bananal, cujo prego equiparava-se ao de um dinico escravo, conforme é possivel verificar pela descrigao dos bens de Felipe de Godoy. Deles faziam parte “terras de cultura que haviam sido compradas por 38$000 e depois lhe fizeram o falecido e sua mulher um paiol coberto de telha que tudo por estarem em terras j4 cansadas” valiam 388000; uma “morada de casas cobertas de telha com seu quintal que parte com...” no valor de 95$000; e, no item escravos aparecem entre outros, os seguintes: “Francisco de nagao Angola de 25 anos — 120$000” ¢ “Gongalo 26ACSM ~ Inventério, 1730. 1° of., c6d, 62, auto 1793, fs. 2 ¢ 3. 27 conceito de riqueza foi tomado aqui no sentido estabelecido por Alice P. CANABRAVA. Uma economia em decadéncia: os niveis de riqueza na Capitania de Sio Paulo, 1765-67. Revista Brasileira de Economia 26(4): 95-23, out/dez 1972, p. 105. Considera a “totalidade dos haveres ou bens, possuidos pela familia, tais como objetos, méveis, tapetes, jéias, utensilios’¢ implementos, escravos, animais com valor de troca, propriedades rurais e urbanas, titulos de crédito, nado se incluindo, portanto, alimentos, bebidas, saldrios, que significam rendimentos”. : 28Francisco Vidal LUNA. “Estrutura de posse de escravos”. In: LUNA, F. V. ¢ COSTA, I. N. da. Minas colonial: economia e sociedade. Sao Paulo, FIPE/Pioncira, 1982, p. 31 29ACSM — Inventirio, 1731, 1° of., e6d. 107, auto 2196, 107 de nagfio Angola de 25 anos mais ou menos que em razdo de estar com um formiguciro” valia apenas . Fica claro que a posse de escravos foi o principal definidor do grau de riqueza e tal como os senhores brancos, os forros eram proprictirios de poucos. Em 1804, para diversas localidades mineiras, a média de posse situou-se ente 2 ¢ 331, Dentre os 58 alforriados marianenses, 46 eram proprietérios de 169 escravos, alcangando a média de 3,5. Mas, se considerarmos a totalidade dos forros, isto é, 58, teremos a média de 2,91. Verifica-se que 79,3% dos libertos possuiam escravos. Os casados tinham 3,48 cm média, ¢ 63,9% da totalidade dos escravos, enquanto que para os solteiros a média de posse era 2,25, pertencendo-lhes 36,1%. O matriménio, portanto, contribuiu significativamente para o aumento da riqueza, pois casados possuiam maior nimero de escravos, embora 0 estado civil nao fosse determinante da posse, ja que solteiros também a detinham (ver tabela n? 1). Tabela N° 1 Posse de escravos entre forros segundo o Estado Civil Com escravos Sem escravos Casados Homens 10 4 Mulheres 7 0 Solteiros Homens 4 2 Mulheres 15 2 Fonte: ACSM, Inventérios ¢ testamentos (1730-1800); AEAM, testamentos. Os forros perceberam as vantagens econdmicas do casamento. Assim, niipcias tardias sem expectativas de descendéncia ndo foram incomuns, Nesse sentido, as manifestagSes foram claras, como a de Angela de Souza Ferreira, que no scu testamento demonstrou certa decepgao pelo fato de o matriménio nao Ihe ter acrescentado fortuna. A biografia desta preta forra é exemplar. Nascida na Costa da Mina, veio cm “tenra idade” para as Minas onde foi comprada por uma preta forra. Apds muitos anos de trabalho, conseguiu comprar a liberdade do scu novo dono, herdeiro da antiga senhora que a deixara coartada. Passou a viver, eniao, em companhia de dois escravos que adquirira j4 por volta dos 60 anos. Nessa idade, indecisa, apés insistentes 304CSM — Inventirio, 1786, 2 of., c6d. 117, auto 2336, fls. 8 € By. 31, V, LUNA. Minas Gerais: escravos e senhores, p. 133. 108 pedidos de um crioulo forro, acabou desposando-o. Depois do casamento, 0 marido, Joao Monteiro, que residia no Itacolomi, veio para a companhia de Angela na localidade de Passagem, trazendo consigo dois escravos. A insatisfagdo com os negdcios do marido nao tardou, pois logo ele tratou de vender os cativos que trouxera, sem consultd-la, “de moto proprio”. O tom queixoso do testamento revelou seu desgosto, pois a partir de entdo, Sustentou-o, “sem que 0 mesmo cooperasse para os teres ¢ haveres de sua tigorosa obrigagao de casado”. Todavia, os dez anos de vida em comum levaram-na, afinal, a deixar para 0 esposo relapso dezesseis oitavas de ouro, “pelo trabalho que tem em me aturar”, reconhecendo as fraquezas de seu préprio temperamento?2, Em vista desses casamentos tardios, e em decorréncia da falta de herdeiros forgados, muitos forros designaram como sucessores no patriménio aqueles a quem se achavam ligados por lagos de compadrio, amizade e gratiddo. No grupo estudado, entre solteiros ¢ casados, 37,93% nao tiveram filhos (ver tabela n° 2) e 41,37% indicaram herdeiros com os quais nao tinham quaisquer lagos de parentesco. Essa situagio no é estranha, pois a maior parte dos forros era de origem africana, nao tendo, em geral, primos, tios, sobrinhos ¢ irmaos, Raros foram os que conheceram ou a0 menos sabiam 0 nome dos pais. Assim, os relacionamentos construidos fora da 6rbita familiar, para cles, significava a garantia contra 0 isolamento a solidao que a vida no cativeiro tamara. Através das mengdes feilas nos testamentos, nota-se que essas relagSes davam-se preferencialmente entre os de mesma condigo, isto é, entre os libertos. Os beneficidrios prediletos foram, pela ordem, afilhados, filhos de amigos, compadres, amigos e antigos senhores. Os afilhados, se ndo fossem contemplados com a totalidade do patriménio dos padrinhos, recebiam quantias significativas, pois comumente conviviam intimamente com seus benfeitores. Lourengo Femandes, morador do Sumidouro, proprietério de casa assobradada e instrumentos de mineragao, por ser vitvo, indicou como herdeira, a afilhada de sua falecida esposa: Ana Dias foi escolhida pelo “amor com que me trata € pensa na minha enfermidade”33, José Goncalves, igualmente vitivo ¢ sem filhos, deixou dez oitavas para filhas de trés amigos, todos seus vizinhos no Arraial de Guarapiranga; beneficiou ainda uma afilhada, “Rosa, escrava do ‘Tenente Antonio Gongalves da Silva para sua alforria’34, 324CSM — Testamento e inventirio, 1° of., c6d. 101, auto 2562. 33ACSM ~ Testamento e invemtério, 1788, 2 of., od. 33, auto 784, fls. 7 © 7v. 34ACSM — Testamento, 1792. 1? of., 6d. 167, auto 3413. 109 Tabela N° 2 Estado Civil ¢ presenga de filhos Homens Mulheres ~ Total Casados com filhos 9 9 18 Casados sem filhos 4 8 13 Solteiros com filhos 4 14 18 Solteiros sem filhos 2 7 9 Fonte: ACSM, testamentos ¢ inventérios (1730-1800); AEAM, testamentos Mesmo entre os forros, as relagdes de compadrio davam-se & parte da relagdo senhor ¢ escravo, Dificilmente um senhor batizava seus cativos ou descendentes, Caso raro foi encontrado nos documentos mineiros: Angela de Souza Ferreira que por no ter herdeiro algum e “por ter a dita minha escrava Juliana parido uma crioulinha que foi batizada com o nome de Francisca (...) idade dois anos pouco mais ou menos ¢ pela ter em vida com amor e batizada por mim mesma além dos bons servigos que (...) presente tenho recebido da dita mie e a esta deixo quartada e meia libra de ouro para satisfazer no tempo de seis anos a pagamentos que tocar (...) € no caso de nao poder fazer dentro no tempo meu testamenteiro que adiante declaro reconsignaré o mais que for preciso a fim de que fique liberta por ser esta a minha intengao ea dita Francisca minha afilhada e filha da dita Juliana instituo por minha universal herdeira nas duas partes de meus bens...35 Entretanto, parece certo que os senhores se esquivaram desse compro- metimento, mesmo sendo ex-escravos*6, pois evitariam o estreitamento de vinculos que pudessem levar a uma perda do capital investido na escravaria. Nota-se ainda, que os pretos forros nao foram mais benevolentes com escravos em face da sua experiéncia no cativeiro, Foram pouquissimos os que deixaram escravos alforriados. Apenas quatro receberam sua carta de liberdade, sem qualquer 6nus pecunidrio. Porém, nesses casos, algumas condigdes costumavam ser impostas, como as do casal Geraldo da Costa ¢ 35ACSM — Testamento © inventério, 1800, 1? of, c6d. 101, auto 2105, f1. 2v. 36Stephen GUDEMAN e Stuart SCHWARTZ conclufram que na Bahia, nunca os senhores tornavam-se padrinhos de escravos. “Purgando o pecado original: compadrio © batismo de escravos na Bahia no século XVIII". In: REIS, Joao J. (org.). Escravidéo e invengdo da liberdade; estudos sobre o negro no Brasil. Sio Paulo, Brasiliense/CNPq, 1988, pp. 40 ¢ 41. 110 Maria do Rosdrio, ambos pretos forros, em cujo testamento conjunto deixavam entrever preocupacdo reciproca com a possibilidade de se verem sozinhos na viuvez: “... declaramos que pelo amor que temos um pelo outro eu a dita minha mulher e esta a mim nos temos ajuntado de comum consentimento em que seja um herdciro do primeiro a falecer”. E, também, estabeleceram que uma entre seus cinco escravos, Josefa, “tem obrigacao de ficar com quem ficar vivo e por morte de ambos a deixamos forra ¢ livre”37, Mesmo a coartagao nao foi usual. Essa pratica envolveu 32 escravos pertencentes a 15 senhores forros. Isso foi utilizado principalmente a partir de 1760, época de declinio dos lucros da mineracao. Embora a historiografia recente acerca da economia mineira tenha alertado para a sua diversidade sugerindo que grande parte dos escravos estiveram em outras ocupagdes & assim, fenha reavaliado o peso da “decadéncia” da mineragdo tantas vezes reafirmada, os inventirios dos pretos forros permitem dizer que estes empregavam seus escravos nas lavras, preferencialmente. Assim, a coartagio revelou-se uma f6rmula de se conseguir ganhos maiores aos que possivelmente pudessem ser obtidos através da mineragdo ou, ainda, revertendo os escravos para outras atividades produtivas. Desta forma, também nao se prejudicariam herdeiros ¢ nao se correria o risco de ficar sem meios para com os gastos do sepultamento. A liberdade obtida dessa maneira nao parece, de modo geral, ter desgostado os alforriados, pois grande parte deles acabou demonstrando gratidfio a seus senhores por este fato, oferecendo missas por suas almas. A importincia de tal processo pode ser medida através das disputas judiciais por parte de herdeiros em torno dos coartamentos. Foi 0 que ‘ocorreu com Paula, filha ilegitima do preto forro Diogo de Souza Coelho, que faleceu solteiro. A herdeira ficou com os 7 escravos de seu pai, incluindo um casal com seu filho de dezesseis anos, entre outros bens. Joao de Souza, crioulo forro, marido de Paula, embargou 0 coartamento da familia escrava alegando serem falsos os trés documentos que libertariam 0 casal ¢ seu filho. Um trecho do termo de embargago do coartamento ilustra © grau de argumentacdo dos herdeiros em defesa de seu patriménio: “...que 08 ditos quartamentos so nulos e se no Ihe deve dar vigor algum pelo dito testador ja no estar em seu juizo perfeito nem em termos de entender coisa alguma que se Ihe dissesse ¢ foram fabricados 98 ditos quartamentos pelo Ajudante Ignacio Franco Floriano ¢ Joao Dias Batista estes acolhidos com uma negra por nome Maria Ribeiro quartada pelo mesmo testador de tal sorte que achando o testador no quarto onde faleceu e jé sem sentidos por se achar sem fala e achando- se os dois fabricantes dos quartamentos em uma sala ¢ a dita Maria 374 BAM - Testamentaria, 1742, Armério 03, auto 467. f1. 9v. 1 Ribeiro onde se achava o testador ¢ bolindo com ele sem que este Ihe respondesse coisa alguma vinha para onde se achava 0 dito Franco Batista, Dizia que seu sr. dizia para quartar-se os ditos escravos"38, A morte, entretanto, nado foi o inico momento cm que se deu a transmissao de bens entre os pretos forros de Minas Gerais. Assim, como a elite colonial, também eles praticaram o adiantamento de herangas, especialmente ao dotar suas filhas. Esse costume, ¢ também 0 uso de antecipar a futura heranga para filhos do sexo masculino, nao parece estar ligado aos anscios da familia em garantir a unidade patrimonial de geracdo em geraciio, conforme Alida C. Metcalf constatou para areas de grande lavoura. Nesses locais, a transmissiio adiantada teria o intuito de privilegiar um dos filhos, tendencialmente uma filha, a fim de que o herdeiro favorecido continuasse conduzindo a propriedade familiar indivisa39, Esse comportamento teria sentido nas comunidades agricolas de plantag’io de cana de-agticar que exigiam grandes plantéis e cujas unidades centrais, os engenhos, cram de dificil divisdo. Todavia, nas Minas, onde a posse de escravos restringia-se a um pequeno nimero ¢ as propriedades de terra tinham menor valor devido aos menores investimentos, os adiantamentos das legitimas, particularmente no caso dos pretos forros, parecem ter outra conotagdo, Visariam garantir a sobrevivéncia ou auxiliar os futuros herdeiros a conseguir um casamento legitimo dentro do grupo preferencial, isto ¢, dos libertos. No grupo analisado, foi encontrado apenas um caso de matriménio misto*. Uma uniao dentro do circulo restrito dos forros seria provavelmente bem-vista e favorecida por pais e irmaos. Os filhos do sexo masculino freqiientemente se engajaram no esforgo familiar de casar legitimamente as irmis, mesmo que isso implicasse em diminuigdo-de suas futuras herangas. Assim, Antonio Luiz, preto forro pai de 4 filhos, José Luiz, Ana, Elena e Paula, deu como dote para a segunda filha, que casou com o crioulo forro por nome José Pereira, uma negra Benguela “...com as crias que provirao da mesma depois do dito casamento”. O filho, falecido na época do inventario do pai, havia recebido como adiantamento, na época do seu matriménio, um cavalo que 38ACSM - Inventétio, 1774, 1° of, e6d. 103, auto 2141. 3%Alida C. METCALF. Families of Planters, Peasant and Slaves Strategies for Survival in Santana de Parnatba, Brazil, 1720-1820. The University of Texas at Austin, tese PhD 1983, p. 95 € seguintes. 40Trata-se de Rita de Freitas, que no seu testamento nada pode deixar ao marido porque este era escravo. No inventério de Rita, 0 marido anexou a carta de liberdade, conseguida ap6so falecimento da mulher, para ser scu herdeiro. ACSM ~ Testamento ¢ inventirio, 1775, 1° of., e6d. 124, auto 603. 112 custou vinte ¢ duas oitavas. Nota-se, portanto, 0 privilegiamento de Ana, Possivelmente em funcdo de um casamento de agrado da familia, j4 que aos Pais restou apenas um escravo de 60 anos que trabalhava em uma lavra, diminuindo consideravelmente as posses do casal idoso*!. Pode-se interpretar o acontecido como um sacrificio em nivel familiar dentro de uma estratégia de incentivo a casamentos na mesma faixa social. Os pequenos dotes com que os forros contemplaram suas filhas atestam essa afirmagao, Pois o padrao dotalicio freqiientemente encontrado para 0 grupo foi a doagdo de um Gnico escravo. Este, com seu trabalho numa lavra, por exemplo, asseguraria um rendimento sendo considerdvel, pelo menos, minimo para a sobrevivéncia do novo casal. Qs filhos de sexo masculino, por exercerem certos offcios como sapateiro € carpinteiro no lar pateno, muitas vezes beneficiavam-se de certa forma com adiantamento da legitima. Estes tomaram, muitas vezes, também © carter de empréstimos. A partilha dos bens de Antonia Fernandes, preta forra, solteira € mae de cinco filhos é ilustrativo nessa questao. O filho mais velho, Capito José Fernandes da Silva, j4 com 70 anos, devia 117$000 a sua mae. Outro filho, Caetano, também era devedor de 49$000 e Francisca Maria, que se achava em Portugal, devia 84000. A divisdo, todavia, foi feita por igual, recebendo todos a mesma quantia. O Capito desistiu de sua Parte, talvez em vista de a sua divida atingir praticamente o que foi destinado a cada um de seus irmaos. Tanto 0 valor do empréstimo feito a0 Capitdo como a Caetano constaram da partilha como créditos aos demais herdeiros, Entretanto, a quantia destinada a Francisca Maria no mais foi mencionada e ela acabou recebendo o mesmo que os outros herdeiros3, Tratou-se aparentemente de mais um episddio de favorecimento a uma filha escolhida e uma vantagem para os dois irmaos que se viram protegidos pela antecipacao, na medida em que essa, num determinado momento das suas vidas, Possa ter agido como alavanca para seus negécios pessoais. Casamentos, herangas e dotes figuraram nas relagdes familiares dos forros em Minas Gerais. Isso demonstra, & primeira vista, nao ter existido entre eles um estilo de vida distinto do restante da populagdo mineira colo- 4TACSM - Inventitio, 1784, 1° of,, c6d, 66, auto 1421, fs. 3, 4 e 4v. 420 mesmo foi observado por Muriel S. NAZZARI em Sio Paulo, nos séculos ‘XVII e XVIII, para familias com maiores posses. “Parents divested themselves of large amounts of property for dowry (more than sons received in inheritance), and brothers also worked towards their sisters’ dowries. If families sacrificed to give such large dowries, it must have been because the marriage of a daughter furthered family sacrifice and the pawns of family plans.” Women, The Family and Property: the Decline of the Dowry in Séo Paulo, Brazil (1600-1870). Yale University, tese Phd, 1986, p. 69. 43ACSM — Inventério, 1794. 1° of., c6d. 92, auto 1918, 113 nial, Embora metade das mulheres libertas nao tivessem casado ¢ a maior parte delas tivesse gerado filhos (ver tabela n° 2), no significou que hou- vesse uma postura contriria ao matrim@nio legitimo. A dificuldade para casar estendia-se a toda a sociedade colonial e, com certeza, era maior para os negros. A proeminéncia da mulher forra como chefe de familia deve-se mais As circunstincias préprias do sistema escravista, que no século XVIII favoreceu sexo feminino na conquista da alforria, ocasionando um desequilibrio sexual ¢ diminuindo as chances de encontro de um parceiro ideal, j4 que os forros, assim como outros segmentos populacionais, tendiam a se relacionar homogamicamente. Scria temerdrio determinar como causa dessa situaciio uma possivel heranga cultural africana “5. A pratica do dote ¢ outras formas de adiantamento de herangas demonstram que os forros incentivaram 0 matriménio, pois assim facilitaram a constituigao de novas familias com os recursos que puscram A sua disposi¢do, possibilitando sobretudo as mulheres o encontro de eventuais maridos em um “mercado” escasso. 444 fespeito da dificuldade da realizagdo de casamentos legitimos ver E. M. SAMARA, “Casamento e papéis familiares...”. 452. W. HIGMAN ao estudar a familia escrava no Caribe concluiu que poucos grupos conseguiram manter vagamente sua cultura ancestral na organizagio familiar. African and Creole Slave Family Pattems in Trinidad. Journal of Family History. 2: 163-177. Summer 1978, p. 176. 114

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