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sc PR =P Ry Es wa oF Ba Ne PA aM PO. DISTRIBUIDORES LIVRARIA PALMARINCA ua Gal, Vitorino, 140-19 ander -Conj. 14-4, 90000 - Porto Alagte - AS. Te: (0512) 25-7281 LIVRARIA € DISTRIBUIDORA CATARINENSE 22 Rus Cone. Matra, 47 £88000 - Fioriandpolis. SC Tol.: (0482) 22.4852 DISTRIBUIDORA "NOVA ORDEM” ARAMISCHAIN Ru Gal, Carneiro, 405/441 {80000 - Curitiba PR - Tol: (041) 264-3484 CORTEZ EDITORAE LIVRARIA LTDA, Fue Burtita, 387 (05009 - Sie Paulo “SP Tel: (011) 864-0117 INTERIOR DO ESTADO BRASILIVROS EDITORA € DISTAIBUIDORA Fus Cons. Ramatho, 791 - Loja 10 01325 -Sdo Paulo -S°- Tel.:(011) 294-8165 DISTRILIVROS LTDA. us Orestes, 53 - Santo Cristo 20020 - Rio de Janeiro» RJ- Tel: (024) 239-2810 ‘A EDIGAO LIVRARIA E DISTRIBUIDORA LTDA, Fs Jodo Aguire, 195 - Loja 612 28000 Vitoria ES - Tel: (027) 229.1718, DISTRIBUIDORA KLS ua Tupinambis, 1045 - Con}, 303 - Centro 30000 - Belo Horizonte - MG - Tol. (031) 201-0221 3. QUINDERE DIST. LIVRO LTDA SCAN 702/03 -B1.G - Entrada 20 «101/102 70710. 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Bayer e Hector R, Leys * DEPOIMENTO — fonsiuindg a historia da reforma agréria apds a década de £0 — raci Alonso de Moura SCOMUNICAGOES — andlise dos imgacios e dindrmica do TEnconto Nacional dos Menino © Moninas do Rua — Relatério do Grupo de Observagio + As poiticas socials na Nova Rapiblica liwislomacso da assistancia social no pais — I Seminario Nacional da ASSELBA + Consejo Inlhiiac'onal d= Bienestar Social ~ 23” Confaréncia Intemacional de Bianestar Social é €DITORA ANO VII — DEZEMBRO DE 1986 SAUDE ENQUANTO QUESTAO POLITICAMENTE INTERMEDIADA* Gustavo F. Baye Hector R. Leys Uma caracteristica central da evolucio da relagio capital-tra- balho € sua ereseente intermediago por instituigGes sociais, notada- mente pelo Estado. ‘Tornase, portant, necessirio caractorizar 0 os- pago teérico da questéo da satide ndo somente no contexto da re- lacie direta entre o capital ¢ 0 trabalho, mas também como questio politicamente intermediada. Nesse sentido, comecemcs diseutindo © préprio da in- termediagdo poiica da tlagso capital trabalho. Hla ae nos aps senta em uni primeiro momento como exercicio de uma hegemonia especttica: a da dominagdo burguesa. Mas jé Gramsci nos dizia que a dozninaglo burguesa néo se expressa somente como ditadu 2, mes também como persuasio. Ov seja, como dominaglo ideo- Iogice, Mas a ideologia no & um conjunto de idéias arbitrérias que nada tem a ver com a base material de sociedade. O mercado, com suns aparentes trocas “iguais" serd a base que nutriré as ideologias de “liberdade” ¢ “igualdade” da burgucsia. Obviamente, essas ideo- logias deverdo entrar em coniradieio vom a experiéncia concreta do trabalho, tal como a vimos na discassio antctior no contexto da relaglo dizeta_capital/trabatho. O desgoste irrecuperdvel de sua propria vida ¢ uma experiéncia inocultével para es classes desapro- priadas. Em fungZo disso o papel do Estado constitui cm papel = Toso tedinfo. co 1982 « pure de_pesquias nein til mente pele FINEPE ¢ posteriormente pelo CNPa " ren otenoe de Unvsraice fo! Esato to Rio de Taney (UERI) ‘wig at Unica de Bom Usvsate ira Rein + praewor me: Unvertiade Ge Rosia" (Argenta lo ma PUC-RJ ¢ as Universidade Nowe Dame (USA) Peta) ey 108 centval, principalmente em seu aspecto ée “‘neutralidade”. Iss0 por- ue © aparéncia de “noutrelidade” do Estado ¢ o que o transfor mou na base da integragdo ideoldgica do sistema, envolyendo as amples classes populares. Mas essa “neuttatidade”, para pretender dlgim éxito, no poderd ser apenas proclemada: ,,. ela supe também que o Estado leve em conte, om certs me tds, Ss intreses materiats das Sass dominnasa e-exploradas, Teo Sale’ tanio pera 0 profeeriado, ume forma modificala, como 747s Ye clason méiay™” (Hirsch, 1977: 92), ‘A importincia deste obscrvagio pode ser depreendida na me- dida em que ela ajuda e compreender, por exemplo, o esforgo que © Estado brasileiro fard, principalmente apés 1974, na érea da sai de, Certamente nfo nos parece ser essa a tinica explicagio daquele fenémeno. Apenas queremos deixar claro que, quando o regime brasileiro. perde grande parte das hases socials que o legitimavam, devido ao fim do “milagre”, 0 que comega rapidamente a scr ques: tionade sto as bases de legitimagso do Estado e, dessa forma, logo se chega & afirmagio de sue ndo-neutralidade, Sendo assim, néo sera uma simples inferéncia das necessidades capitalistas 0 que ex: plicard as politicas de satide do governo brasileiro (explicagio essa ‘Gue se torna mecenicista quando isolada de contextualizagéo mais abrangente). Nesse exemplo particular des politicas de saide de- pois de 1974, nunca deixa de estar presente o interesse de expan dir setores cxpectficos da economia ligados a essa érea (laboraté- is, elinicas privadas etc.), bem como o interesse de atender & te- produgio da forge de trabalho em niveis dignos e eficientes (se ‘bem que, na verdade, esse interesse se expressa mais no discurso ‘oficial que nas estatisticas). Mas essa Togica do capital esté media- tizada pela necessidade de legitimago expressa pelo Estado no exer- cfeio de sua begemonia de classe. E isso gerard contradigGes secun- arias entre a necessidade de legitimagio do Estado e & pura ne- cessidade de acumulagio do capitel. Resumindo, ¢ possfvel dizer que o Estado deveré promover 0 desenvovimente de dues {ungbes bésicas: acumulagio ¢ legitimasio (cf, O'Connor, 1977), nem sempre facilmente conciligveis m0 con- texto histérieo' coucreto das contradigées seciais. Isso quer dizer que © processo de scumulagio de cupital, que forsosamente coor re as expensas de vine classe ¢ em favor de outra, deverd ser aten- dido ¢ promovido através do Estado, Mas 0 Estado também deve- 14 legitimarse, se deseja criar as melhores condigdes para seu de- sempenho. Essa legitimagio passaré pela “harmonia” entre as clas- ses Ou, dito com outras palavres, pela pacificayao das massas po- puleres integrando-as ao sistema, em sua forma mais ampla (como 109 forga de trabalho disciplinada, econémica e ideologicamente). Sen: do assim, o Estado deverd enlio mistificar sex modo de agir, trans formando 0 caréter politico de. seus comportamentos em eparéncla apolitica, ou seja, “neutra’”, J4 foi observado que, pare que isso seja_possivel, 0 Estado deverd atender, de certa forma, os interes: se3 materizis das camadas meis infetiores de sociedade, no minimo fem termes do culturalmente necessirio para sua subsistincia © re produgéo, Mas © Estado, por seu lado, tet ele mesmo que trans- formarse, pata atendet sua fungéo de ‘legitimagio, frente a0 desa- fio da din&mica social. Com 0 desenvolvimento do capitalismo mo- demo (monopolista), o Estado cada vez mais tende a afirmar uma certa “autonomia”, tanto no plano econéimico como no plano bu- rocrético-administrativo. © aumento cada ver. moior dos gastos es- iosmilitares (ef. O'Connor, 1977) supde ume expansio de suas fangdes que 0 levatn a estabelecer sua articulaséo com 0 capi: tal em novas dimensées, A acumulagio do. capital se garante j6 no somente a partir da “intervengdo” do Estado mas agora é 0 proprio Estado que se associa estruturalmente ao processo de acumulagic. Mas néo nos deteremos, por enquanto, nessn questio. Antes de passar a discutir o cardter eficiente ou nfo, em termos de hogemonia das cesses dominantes, das politicas especificas da fea de satide, vejamos primeira alguns dados da configuragic 50. cial brasileira, a fim de perceber s significativa evolugio das clas- ses médias © da classe operdvia (ver tabela 1). ‘Tabela 1 Evolugiio da estrutura soelal brasileira caasses so | % | io | «| ae | ‘Burguesia 457.015] _20| 709.88] a2{ 1.300.670/ 3.6 Pequana burguesia | 2 rys.zsq| in] 3.437 527] 10,2] @ 026.545] 206 Protetarlado s.ata.ca| isa] 6.196.678] 16] 10 916.485 aoa Subprotetariado | 17197 e03| 72a 24.sae.a%| a] 18.600,6¢] 47,7 ‘TOTAL 23.715,608] 100.0] 38.998.071 | 100] 38, 908.064 | 300.0 Fonte: Moisés, 1979, p. «0, © autor se baseia em wm trabalho de Paul Singer, relerenciado apenas como de 1979. Segundo Moisés os cdlculcs foram feitos @ partir dos dados dos Anuérios Estatisticos do TBGH, e a categoria “sraletarado” abrangoria gs “chamadas classes populares urbenas”. Conseclientemente, @ rubrit ‘Subproletariado" deve absanger a populagio rural. 110 Apssar das diversas rostrigbes possivels de serem levantadas com relagio a essa tabela, ela indica movimentos tio marcantes que patecem independe: do rigor metodologico dos seus calculos. Obser- vee 0 erescimento, entre 1960 ¢ 1976, das rubricas “proletariado” @ “pequena hurgucsia” que, de um total entre ambas de 25.5% (1960} passam # 48,7% (1976) com um creseimento relativo de 25.2% (quase dobeando seu peso). F observe-se, complementat- mente, » redugéo dos sotores mais marginalizados do “subproleta- riado”, que passam de 72,5% (1960) para 47,7% (1976). A emergéncia desses setores socinis, que ultimamente ¢ cada vez mais expressam seu interosse em discutir sua participagdo social ¢ politica na sociedade brasileira obtiga, jd por sis a redefinir todas as politicas da drea “social” do Estado. Efetivamente, esses se- tores sfo of que expressam a incorporagao real 20 sisteme de pro- dugio verdadeiramente capitaliste (urbano-industrial) da socieda- de brasileira A importéncia do desafio que esses setotes apresentam, em wm ‘momento de crise do regime, nao necessita de maiores comprova- ges. O problema que ainda resta a investigat 6.0 de buscar as de- ietminagdes que fizeram (e ainda fazem) com que as politicas de satide adotem forma qu’ tém, € nfo qualquer outra, Tsso na me- ida em que supomcs ua certa homogeneidade em todas as politi- ‘cas de salide implementadas ¢ projetades pelo regime, até essa da- ta, Essa homogensidade estaré dada pelo carter excludente de qual- quer participasiio cu controle dos setores populares, objetos ¢ un- a sujeitos (nem em hipdtese) de todas as politicas, nao sé da de satid, Julgamos que vale a pana registrar gute esse fato nao € detece tado pela oposigio politice a0 regime, a qual s6 se detém, pelo que pudemos constatar, na critica a0 buroeratisino, ineficiéncia © até corrupgio deesas Goliticas; mas que leva necessariamente a0 imo- bilismo ao no propor uma mudanca fundamental nos eixos da po- Fitica assistencial, proclamands solugies histérices dé um novo tipo, que permitiriam ‘que es classcs dominadas acumulassem poder atta vés de sues orgenizagées. Exeniplificando, ao se discure a possbilidade de expansio dos servigos de sade oferecidos ¢ controlados pelas préprias entidades de classe ou de hairro, freqtentemente argumentando-se que isso significaria um desvio de sua atuagio politica, na medida em que os setores assalariados passariam a_sssumir uma responsabilidade que seria prépria do capital ou do Estado em seu lugar. Por outro la do seria importante avaliar © possibilidade de que as classes domi- nadas acumulassem poder real, enquanto conseguissem atender suas am necessidades, mesmo que a um nivel minimo, sem precisar recor rer a instfincias externas. Isso poderia ter amt efvito ainda maior quando @ ateagfo & sade de uma certa categoria de trabalhadores ou de moradores de um certo baitro levasse ao desvendamento das crigens eoncremas das dcengas, dadas pelas condigdes espectticas de trabalho ou de moradia, pelo’ fato de sua repetigio; fato esse que ficaria dituido se essas docneas continuassem sendo tratadas em ins- fitwigdes que etendam indiscriminadamente um conjurto mais am plo de pessoas Voltando agora & questo especitiea da atuagio do Estado no Brasil, vejamos 0 porque do caréter de suas politioas que proviso. rlamente — e & falta de uma denominagao melhor — chamaremos de “modiatizantes”. A chave para isso poderé set enconirada nas carecter‘sticas do Hstado brasileito que desmentem qualquer vi. so simplista de ovas relecGes com a burguesia. Com efeito, o Es: tado brasileiro nfo é apenas um Estado “intervencionista” destinado & ampliar 0 controle da “iniciativa privada”. B sobretudo um Es. taco “empresaio” (para usar a terminologia de O'Donnell, 1977) que ‘omard para si a explorasio direia de diversas atividades pro- dutivas ¢ de servigos, Esse Estado, em conseqiigncia, deverd avan- gar moito além do estritamente exigido pela légica puramente eco. émica da burguesia como classe. Esic Estado se apresertaré assim. com um alto grau de autonomia com respeito ao conjunto das clas- ses, inclusive & propria burguesia. Esse Estado nfo assumird tan to um pepel de “érbitro” entre as classes, 0 que suporia sua auto- ‘excluste do processo que 0 Jeve a seu crescimento, mas sim um pa- pel de “neuttalidade patticipante” que Ihe permitira continuar eres. cendo a0 mesmo tempo em que garante a integraglo idcoldgica das classes desapropriadas ao sistema burgués. Seu cardter participante estard dado aqui por possuir uma dindmica estrututal de absorgao dos recursos, tanto orgenizacionais como financeiros, para levar a cabo esses fins de mediatizaggo. $6 que, e isso tem que ser escla- reoldo, enquanto as classes deseproprindas perdetfo 0 controle de seus recursos em termos absolutos, 0 mastic néo ocorrer’ com a barguesia, que manterd indmeros canais de controle da asio do Fs- ado © participaré junto com ele de seus emproendimentos. Cumpre ressaliar que a autonomia do Estado acima mencio- nada tom que ser vista de forma relativizads, dado que o interesse do capital, em termos de reprodugdo ampliads a longo prazo das relagdes capitalistas de produg#o, nem sempre coincide com o in- teresse itnediato da burguesia. Nese sentido o Estado, 20 corpo- fificar o interesse geral do capital, pode entrar em choque com 0 interesse imediato da burguesia, Nessa medida estaria configure. i2 da wna apatente autonomia que, na tealidade, seria apenas ume cxprenvio ta contndgéo. entre conuntura c-ehratura da reprodu a0 do capil. Tendo om vista exsas considereedes gorais até aqui desenvolvi- das, somos levedos & conelusfo preliminar de que a compreznsio a iniermediagéo politien da questéo de. sade, em um caso hist6- rico como o Brasileiro, passe polo desvendamerio dos elos que dio © sentido politico dessa upc, para o que se torna necessiria a ané- lise mais aprofundada de natureza © das finalidades do Estado ca- pitalista, 1. © ESPAGO TEORICO DA POLITICA DE SAUDE As consideragdes anteriores jé evidenciam que 0 pano de fun: do para a compreensio ca constituigto histérica de uma politica de aide € o amplo processo de expansio e diferenciacéo da esfera de ¢40 politica do Estado capitalist. # através desse processo que © Estado assume dizelamente a organizago de atividades at€ entio estruturadas sob a forma privade. Tal diferenciacdo do ambito da 20 politice do Estado tem por set lwdo como decorréncia a cons- tituiggo de éreas parciais de politica, formando as assim chamadas politicas setoriais, como no caso da politica de saiide. Jss0 significa que a discussio especifica da politica de saiide tem que set contextualizads pelos parémetros explicativas do_pré- prio procasso de diferenciagao da agfo do Estado como um todo, sem 0 que tender-se-ia a uma visio fragmentada falsemente espe- cifica daquela politica setoriel 2. © PROCESSO GERAL DE EXPANSAO DO ESTADO Em termos gerais, as tentativas de explicagao desse processo de ampliagéo ¢ diferenciagio da ago do Estado capitalista se desen- volvem em torno de irés linhas de argumentagio: a) a do Estedo antecipandose a necessidades de ampliagto do padtio de acumulagio: ; b) a do Estado assumindo 0 organizagao de atividades até entdo privadas, por razdes Tigados a problemas de remiabilidade do capital e de legitimagé ‘e) a da setorializagio da polities como instrumento de frage mentagdo da participaso polftica, 113 A primeira dessas formas de argumentagio ja se tomou cléssi- ca, notadamente na literatura que trate a expansio do Estado no Brasil, Argumentarse no sentido do Estado assumindo o papel de 980 do capital, com o que serin viabilizada a expansio do padrio vigente de ccumulagiio, através da ontanizagio de con digdes infreestruturais, ou até mesmo de atividades diretamente produtivas, por exemplo, nu érea dos assim chamsdos insumos in- dustriais, “Nessc contexto, a explicapfo do processo de crescimen- to e diferenciagto da ayo do Estado € desenvolvide em termes es fritamente econGmicos, como decoméncia dizeta das necessidades de sustentagdo do citcuito acumulacao-realizagsio (Oliveira, 1372). Jé a segunda linha de ergumentaglo procura combinar a ex- plicagdo econémica com fstores politicos. Seu panto de parlida ¢ 8 visio do Estado capitalista como s forma especifica de organiza: io dagueles setores de produgo que nio podem se: administra dos sob s forma privada, devido & contradigo entre o imperative ketal das necessidades de'legitimagio do sistema capitalista © 0 de- sonvolvimento técnico desigual (Vogt, 1973 & 1974 Segundo esse concepsio, o Estado tenderia a assumit as alivie dades caracterizades por baitas texas de progresso téenivo, na me- dide em que esses atividades ofereceriom taxos menores, ov ‘até mes mo ausenies, de crescimonto da produtividade do trabalho, Jé que as expectativas de rentebilidade do capital nestes casos texiam que Tevar ao auivento continuado dos precos, tsis atividades tenderiam a extingiirse ne medida em que seus produtos se temassem dema siadamente caros. Em diversos casas, porém, esses produtos 80 s0- ialmente improscindiveis, 0 que colocaria 6 Estado frente ao di- Joma de tet que manier, por razSes politics, detexminadas ativida- des economicamente nfo rontéveis. Em termos iniciais isso seria con duzido no sentido da reconsiituicio das condigdes de rentabilidade, geralmente através de mecaismos mais ou menos dirctos da sub: Yengio. Mas ao perdurarem a baixa taxa de crescimento da pro- dutividede do trabelho © a necessidade de manutensao daquelas ali- yidades, seria inevitével que o Estado assumisse diretamente sua of- ganizagéo, A origem do processo de crescimento ¢ diferenciagao Ga agi do Estado seria, portamio, econdmica, mas sua concretiza- gio dependeria de fatores politicos ligados as hecessidades de legi maglo do capitalismo como um modo global de producio. Engewnto que nas duas tinhes de interpretagio, até agora vistas, a expansio da atuagao do Estado é interpretada como decorréncia de provessos econémicos ou econdmicos ¢ politicos, ou seje, como Feagio a processos em si externos & agto do Estado, a terccira for- ma de ergementagao inicialmente mencionada tenta complementé- 114 las através da consideragao dos fatores docorrentes do papal, deale civo assumide peto Estado no aprofundamento du hegomonia de ae ‘ital. Nesse sentido, o proceso de crescimento e diferenclayaa da Sedo do Estado € visto como wma consoqtiéncia sim, mas come ein Sequtacia allamenie benéfiea, j6 que os mecanisimos posios et aya pelo Estado para descnvolver suas novas atividades permitirdio qu ele exerga melhor o seu papel nfo apenas de controle unilateral, mas também de mediatizacae escamoteadora da relagao capital-tra- batho. Isso ocorreria em um duplo sentido. Por um Jado uma parce ta eresvente da reprodugao das condigées de vida da populagio dei xa de ser resolvida através da relacdo direta capital-trabalho, co- ‘mo por exemplo as questies da educacto, do seguro sociale da sai. de, da habitagao, dos transpoties de masea ote. © provimento de tais condigSes de reprodugio passa a ser visto como “obrigagio do Fatado", reforgando sua aparéacia de neutralidade ao mesmo tem: po que obseurece a percepgdo de que cssas condigdes passam & set probleméticas devido & exposigao do trabalho ao capital. Por outro lado, 0 aspecto de dominagio unilateral do Estado € mascarado na medida em que essas novas reas de sua aco sio samen pete phere pen de, es re pitalista é diluide por meio de sua fragmentagao em questées par- toriais nao € dirctamente pol{tico, mas sim técnico ¢ aparentemente ¢s- pecifico a cada dtea de politica. Com isso a questo da legitima- cao transforma-se em um somatério de angumentagdes técnicas cs pecificas, reduzindo-a, portanto, a uma questo de eficiéneia. Resunindo, essa abordagem do proceso de rescimento ¢ di ferenciagéo de Ambito da acG0 do Estado nio se preocupa tanto com siia origem, mas sim com seus efeitos, que so interpretados como de aprofundamento da hegemonis do capital, através da tecnocra- tizsgio do Fatado ¢ de fragmentacdo da participasio politica em forme de movimentos reivindicatdrios espectticos (Narr, 1974). Tal teve implica na visio de que a canalizagio da participagao politica yaa movinenios reivindiatros agnosia in salto ne ental dda hegemonia do capital, na medida em que vi rs is a's tls i oe ee thas sim apenas seus zspecios patciais, com o que a dominago em sara tmplcitamente legitimads, por no ser problematizad. ‘Alguns autores discordam, porém, dessa conclusio. Segundo Offe (1959), por exemplo, o desenvolvimento da participacio poli 5 tica através de movimentos reivindicatérios, longe de eetabilizar as relagSer de dominagio, racolocaria «questo da legtimidade no seu sentido mais amplo, por questionar os pardmetros institucionais da representacdo politica convencional. Isso porque, segundo Offe, © ponte de partida do provesso politico seria constituide da art culacdo politica de necessidacles socinis, Tais necessidades, porém, estariar erescentemente referidas a reivindicagSes inespecfficas em termon eetuua de laos do ceplalians Seance Hs outs palavras: os movimentos sociais mais relevantes diriam respeito « guestdes tain como transportes, sate, habitago, qualidade de vida, plancjamento espacial, ecologia etc., as quais levantariam um pro. blema duplo. “Por um ledo, tais questées atravesseriam a estrulura e classes (isto é, seriam questées gerais © no especificas. a determi: adas classes), ¢ sew iratamento politico-institusional ago. poderia ser compieendico pelo modelo cléssico da teoria do conflito que pressupie a relacio direte entre e dominacio politica ¢ = estratura ie classes. Por outto lado, também a dominagio politics estaria defrontads com um problema de legitimacio, no sentido de que, exa- tamente por atravessarem a csiruiura de classes, tais questdes. se iam dificiimente administraveis através do quadro iostitucional da politica, ja que esse estatia essencialmente montado para canalizar 6 mediaizar us contradigdes decorrentes da prépria estrutute de Se bem que a crise de legitimacto da dominagto politica, a au segundo Olfe, decoreia dese Cuplo problama,Yetiese mais de famente ao contexto do capitalismo avengado, sts corsiderngSes po dem levat a importantes reflexes em torno daquilo que vem seado caracterizado como “movimentos socisis urbunos” na recente dis. cussio brasileira. Grosso modo, esses mavimentos_corresponderiam ay questGes levantadas por Offe coma o novo temério da politica: 36 que, no nosso comtexto, eles nao seriam inespecificas em termos de estrutura de classes, Pelo contrério, ‘ais questées setiam problemas cepecificos as classes sociais desapropriadas, Sendo assim, & ever Jugio politica dessas questées poderia levar nko apenas a uma cise dle legitimag#o és dominagko politica, mot termos inatitucionsis co- locados por Offe, mes a uma verdadeire crise de contesiscdo n80 36 da dominacdo politica, mas de toda a estrutura de hegemani de classe no capitalism, 3. AS POLITICAS SETORIAIS mando esses es linhas de argumentago como : , tao onto de partida para a compreensio do provesso mais abrangente de cresci- 116 mento € diferenciago da agéo do Estado, tornase nto possivel elinear mais precisamente 0 espago tedrico das assim chamadas po- liticas setoriais. Em principio elas surgiriam a partit da necessidade de organizagao centralizada de determinadas atividades, fundamen- talmente por raz6es econémicas, mas intermediadas por condicdes politicas. Na medida em que tais atividades passem a constituir po- Titicas sotoriais, elas buscam solucionar nao apenes um problema imediato de legitimacéo (que € exataments © ponto a partir do qual 1 politica seiorial se concrétiza), mas transformam-se nos modos por exeeléncia da atuagio do Estado, com o propéstto de aprofundar sew papel goral de mediatizagao da relagie cepitaltrabalho, Nesse sen- tido a questéo geral da Jogitimactio do Estado cupitalisia € desloca- a pare 0 imbito de cada politica setoriel. Passa « ser crucial, entfo, a discussio das possibilidades de es- tabelecimento de relagdes estabilizadas de legitimagio no context Isso porgue isis possibilidades garantirian s da estabilidade das relagdes de hegemonia no seu sex~ tido mais amplo. Nao deve, porém, ser descartuda a probabilidade de que case encaminhamento do problema geral da logitimagio do Esdo capitelista, através de sua fragmentacdo em politicas seto- s, apenas recoloque aquele problema de forms aprefundada. Isso porque, ao fazé-lo, 0 Estado abandora sua forma classica de argu rentagdo, que & generalizante, girando em toro de apelos aos assim Chamadon valores efvicos. E, 90 tornarse especifien, através des pollicas setoriais, a argumentagdo do Estado passa a referir-se.di- fetamente a0 cotidiano vivenciedo pela populagio w ele submetida. Por mais tecnocrdtica que seja essa argumentagéo, ou pot mais que se consiga tecnicizar a discussio politica, algo da “soberania popu for” porece estar irremediavelmente reexperado, na medida om que fa experiéncia cancrota de vida passa a ser, em titime insifincia, eti- tério decisivo para a legitimidade da acio sctorializada do Tstado. A possfvel incficitneia da etuagio do Estado capitalisia em de- torminada polltiea setorial (qne é 0 eas0 mais provével, j6 que se si- tia no contexto contraditério das relagdes capitalistas) tende, ex- tio, @ constiluit-se num duplo fracasso. Em primeiro lugar, em fra casto na legitimacéo imediata do Estado capitalista, Isso porque a ideologia do planejamento, subjaconte a toda a argamentaco da politica setoriclizada e tecnicizada, implica a imagem de que quel- Guer resultado ¢ planificado. © fracasso setorial passa a ser visto Gamo maguiavelicamente projetedo, ou ento como exemplo da ine- Fieiéneia geval; em qualquer vm dos casos questions-se @ legitimi: dade do Estado como um todo. nT Por outro lado, a ineficiéncia em uma politica setorial pode significar também o fracasso no papel da mediatizagio da telagio capitaltrabalbo que o Estado capitalista assume como caractertsti- ‘ea essencial de sua configuragao determinada. Esse parece ser 0 pon to fundamental a scr desenvolvido ne anélise de politices setorizs, ¢ sua comploxidade € de dificil resolugic. As préprias condigtes nas quais © Estado capitalista passe a sor encarcegedo da organiza: go daquelas atividedes que constituirdo as politicas setoriais pare com estabelecer um limite claro para a ago do Estado: ela ter um papel remediador e deve ser conduzida sem prejudicat os padroes vi gentes de acumulagéo — exetamente os mesmos padres que tor- ‘ram impossvel a omganizayio prvade daquelas mesins_ativ- les ___ Pasece que a légica desse relagio contradiiérfa exolsi, em prin cipio, a possbilidace de uma atunglo emplamente satisfetéria do Estado no ambito de suas politics setorlais: ela ceria que ser obje- fivamente eficiente para resolver os problemas de legitimagao que doram origem & sua constituieao, mas, se o for, provavelmente tor nese disfuncional com relagio ao padrio de acumulacio, ou por desvier recurses desproporcionais do cireulto acumulagao-teatiza- gio cu, o.que € mais sério ainda, por evidenciar que a causa do pro- ‘blema original de legitimagio era a “ineficiéncia” da. propria for. ima privala de apropriagdo do excedente. Por outro ada, a agdo do Esiado néo poderd ser continiiadamente. preesria, 20 ponto de gerar uma crise de effeidncia, que apenas refergaria 0 problema or Binal de legitimaso. Faxes dois movimentos opostos levam a que cada police setorial do Estado capitalists tenha que ser vista co- mo uma “administrago de crise”, onde os movimentos da. conta fora assumem uma importincie central. Coneluindo essa breve discussio em tome do espaca tebrico a andlise das assim chamades politicas setorieis, pode-se fixat, on Wo, que 0 sentido de sua configurago hissSrica pode ser compre. endido nos termos das iesee antes meneionadas, mas que as formas dde_ sua coneretizag#o somente sero compreensivels na medida em ue se considere 0§ faiores conjunturais em atuacao, Isso. porque casas polttices tenderiam a assumir seus contornoa através de mo Yimentos ciclivos dentio dos patimsttos das necessidades de logitl macio, por um lado, e de teproducao dos padrées de acumulagio, pot outro lado, Pastemos agora tentative de caracterizagio do espago tedcl- co da politica de satde, entendida como uma politics seroriat de Es tado capitals, 118 4. POLITICA DE SAUDE COMO POLITICA SETORIAL, A tese que procura explicar a agio setorial do Estado # par tir da nogio da antecipeeio de necessidads de amplisgéo do padrio de acumulagio tem servido mais ou menos explicitamente como pa- no de fundo para a maior parte da literatura em tonne de_ politica Ge saide, principelmente com referencia ao Bresil, A literatura abrange diversos nivcis de problematizacko dessa questo, que vio desde 0 simples enfoque médicortécnico (argumentando com a dis paridade existente entre o grau de conhecimento acumulado pela Inedicina ¢ sua concrotizagao em termos de préticn social), pessan- do pelo enfoque ético do humanitarismo reformista (que argumen- ta com a itracionalidade das condigSes de sae), e chegando & vi- sto da econemia politica da saiiée (buscando a compreansio da po- litica de sede através de sua inseryio orginica nas necessidades do capital) A vertente que estamos chamando de “economia politica da saide” € especialmente importante pera nossa discussio. Em ter mos gerais ela significa ver a politica de sade como decorréncia das nevessidades de reprodugao ow alé mesmo da propria constituigio da forca de trabalho ¢ como resultado da constituigéo de interesses fecondmicos na frea de sutide. A esse nivel, as possibilidades de ea: raclerizagio teérica do fmbito da politica de sadde so amplamente desenvolvides na literature. Tratase de uma discussio muito rica, cextamente incluindo diversas questées ainda néo regolvidss, Ten: 0, potém, em visla nosso proposito nesse momento (delimitagio do espago teérico da politica de smide), patece-nes ser desnecesséria ‘uma referéncia mais detalhada 4 literatura em qucstao, bastando por fora remeier principalmente ao texio de Gées de Paula & Braga (s.), onde encontrames essa Hinha de argumentagao claramente expl da c utilizada ne andlise do politice de satide no Bras Por outro tado, € apenas parcial a diseussio no contexto da tose que busca situar a dindmica das politicas setorisis através. da ogo do Estado assumindo a organizagio centralizada de ativida Ges em st passivels de serem organicadss privadamente, por razGcs Tigadas o problemes de rentabilidade do capital © de legitimagio. ‘Ambas as faces dessa (ese sG0 discutidas na literatura, mas sem que a politica de sade seja entendida como o resultado de sus inter- penetragio, Nesse sentido existem estudos em torne da evohucio fos stim chamados custos médicos, que demomstram sua constan- te elevagéo (Goes de Paula & Braga, s.d.; 225-31), da mesma for ma que cutros iextos ressallam que’ presses de legitimasio leva- tam, pelo menos em cerias conjuntures, & centralizagéo do atendi- ricnto & sadde por parte do Estado (Sigerist, sd.) 19 © que certamente dificulta a plena absorgio dessa tere & 0 fax esa diversas atividades ligadas & questio da saiide passe ram por um recente provesso de vigorosa expansfo, 0 que aparcn- temente nip estria coberto pela exe om quentao. Isto porque tq Ja tese parece dizet respeito apenas & nevessidade de manvtencio de stividades previamente exisiontes, Esse ccrtamente nfo 6 0 ca80 ‘no conterto dos assim chemados sorvigos de sadde, jé que histori- camenite sua orgenizagao privada nunca levou A ameaga de sus cx tingio pot reves de rentabilidade, Como Foucault assinala, ao sua. lisar a medicina de Estado slemi como ponte de origem da medi cina social: Pea eS ages baa = Sa See pore a antes ines omer ae team amie ie pee paren sae 2 ee Cee aaa Os servigos de sade so, portanto, ume questi politica desde sua crigem, no sentido de permitirem a reaizagio, de srés sistemas mécon soperpostos « coeritentes wna mediclsa siden estnads tos ta pobten, uta ted mie nigra sparen’ fe elemas gray coo. a vic ene fits ce, ¢ uma mediine yivace que benef, avtm faba sheos ce pease” (Rouen na: Boy) NT eTenws cue taba me __ Tomada nesse sentido, portamto, a iese da contradigio rent Dilidade/legitimagao possui' um alcance apenas parcial para o es clatecimento da politice de satide, jé quo ela dilicilmente seria ea- paz de explicar a consiituigao de ums politica do Bstado com rela. so 8 saide, Mas € a partir dela que podem ser evidenciados fax tores que permitiraa a compreensio dos movimenios cicli é SoSL EGBG LOM, Tp coast vituida , A ltima afirmagie pode ser fandamentada a partir ie te argumeriagi, "Oe ats chamados sergoe de sede compre cndem segurameate um tipo de atividade onde as possibilidades de nvangos da produtividade do trabalho so no minimo resteitas Na verdade, € até mesmo plausfvel esperarse uma relacio inversa entre conhecimento médico ¢ produtividads do trabalho aos. servie gos de sald. Isto porque, com excerdo das grandes descobertas curaiivas como 28 vacinas ¢ os antibiétices (que certamente pode- fiam ser compreendidas como impulsionadoras da produtividade do trabalho no combate is doengas em questio), os avangas do co- hecimento médico ei geral apenas ampliam a capacidade de tra- 120 temento de desvios do estado de higidez, muitas vezes até entdo sequer percebidos, ou no passiveis de intervencio médica, A uti ijzagao ‘de tal conhecimento significa, pottanto, uma sasior intensi dade do trabalho médico sim, mas maior intensidade no tratamento {ndividualizado. Vendo © tratamento individual como 0 “produ- to” dos servigos médicos, fica claro que a expansio do conker’ mento médico, nos termos assim descritos, Jonge de acarretar em jum avango na produtividade do trabelho, significaria exatemente seu inverso: nevessidade de dedicayto de mais “tempo de trabalho” pa ra cada “unidade de produto”. (F. claro que essa relaggo tem que fer vista na prestaglo de servigos de sade como um todo, € nie significa, por exemplo, que a atengio médica tenda a intensificar- ‘se em cada conlato como paciente. A referéncia aqui deve ser 9 individuo © no 0 ato médica isolado, Nese sentido, a maior ine tensidade dos servigos de saide teria que set medida a parti da ten- déncia 2 maior utilizagéo de tais servigos vo longo da vida das pessons) Na medida em que a anslise aqui epenas esboceda corresponda 4 realidade,. cla significa, entio, que os servigos de satde tende~ ram a apresentar taxes de avango ne produtividade do trabalbo fbaixo das de grande perto das demais atividadss vistas em termos econémicos. Isto ainda é agravado pelo fato de que o processo de tra- batho des servigos em questio & apenas parcialmente passivel dos procedimentos usuais de fragmentacao no sentido de sua decompo- Hicdo om tarefas a screm executadas pelo trabalho simples, desqua- lifieado (Braverman, 1977: 70-125), levando assim a desvaloriza- go do trabatho empregado (Magaline, 1977: 79-92). Nao que esses procedimentos nio fenham sido uillzados na tentativa de recons. finsiedo ca rentobilidade capitalisica dos sorvigos de. sulide, mas 6 interessante noter que em geral as tarefas isoladas constituirem nfo ‘categoria de trabalho simples, mas sim ocupagtes demasiadamen- fe complexas para permitit_um amplo processo de desvalorizacfo do trabalho. Mesmo no caso dos avangos téenicos através da me- canizagao, 6 interessante notar que, & excecio de sua introdugso tiie atividedes do laboratério (de ‘andlises ou farmactuticn), “08 equipamentos tendem a gerar_novas espzcializagtes complexes, © hae a substituir trabalho qualificada pelo trabalho simples (Steud. ler, 1973). Mesmo sem pretender ter esgotado a discusstio em torno des- 06 aspectos estrururais dos scrvigos de side, parece ser licito afie mar gue cles apresentam problemas especificos com refertncia &s pessibilidades de avungos na produtividade do trabelho envolvido, © que os coloca em uma situagso desprivilegieda no contexto das Giverses atividades passiveis de organizaglo nos modes capitalis- 121 (as estritamente privados. estes termos, tais servigos, para ccr- responderem a expectativa geral de rentebilidade do capital, teriem que apresentar um crescimento em seus precos, desproporcional com relagdo & evolugio dos precos em geral. Em outras palavras: de- vido as menores possibilidades de crescimento da produtividade do trabalho, os servigos de sadde organizados de forma estritamente ca pitalisa ‘eriam que scr oferecidos a pregos cada vez mais altos, tor. handose, portanto, crescentemente inacessiveis para a sociedade, Fé exatamente nesse ‘sentido que teria que ser compreendida a tese da conirudigio entre rentabilidade ¢ legitimagio no contesto dos servigos de saide: a necessidadc desses serviges se mentém, ou até mesmo aumenta, paralelamente ao avango de sua capacidade teér!- co-prética, mas esse mesmo avango tende a tomélos economics. mente inecesstveis, se mantidos organizados de forma estriiamente cupitalista. Tornase, portanto, necesséria e intermediagZo dessa contradigéo, que Vai processarse exatomente através do Estado, ou seja, pela polttien de saide, Nese contexto, a politica de saiide seria entendida como tem do por caracteristica cstrutural fundamental a manutengio de um grou minimo de acesso aos servigos de smiide. A forma de proves. samento dessa fungéo variaria desde a iniervengio mais branda pos- sivel na estrutura privada de organizacdo de tals servigos, através dg reconstinaigao da sentabilidade do capital a baixos néveis de pre- 0s (por exemplo, por meio da subvengio 20 consumo ox dicete mente ao capital), até a socializagio dor aspectos parciais mais eric 08 desses servigos (por exemplo, através do fornecimento, pelo Es: tado, de um nfvel minimo de tratamento). Mas, apesar da veriabilidade das formas bistéricas concretas de exercicio dessa intermediagao estatal na contradigio rentabilide- delegitimidade no contexto dos servigos de satide, a tese oxplica. tiva ora em questéo implica também 2 visio de uma tendéncia es tiutural 2 cresconte socializagéo desses servigos, jf que nenhuma des formas histéricas de intermediagao superaria, mas apenss ali viarla temporariamente aqucla contradic, Tal visio pode ser ox: plicada 70 sentido de que o problema em pauta tio se redur rmanutengao de um determinado estigio dos servigos de sadide, mas implica # necessidade de sua constante ampliagio, tanto em termos quandtativos como qualitatives. E & assim que podemos compre- ender porque até mesmo atividades em si rentéveis, como a da pro- dugao de medicamentos, passam a fazer parte da’ preocupagao, do Estado no contexto de politica de smide: a dinémica da ampliagio dos sexvigos de satide, garentide de alguma forma pela agio do Es. tado, rectia © possivelmente aprofunda © problema da garantia de 122 tum nivel mninimo de atendimento, eo ampliar as expectativas de tra- tumonto daquelas parceles da populagZo que menos condigées pos- suer para arcar com as despesis dat’ docorrentes. Rewunindo, tes do euniadivo,rntailicade/Ieisngi ennite ver 0 processo da politica de satde como um process Vigos de sadde padem ser consideradas como universais, mas por outro lado apenas condicionado, na medida em que as expectativas de rentabilidade do capital ainda nfo se define em termos globais (por mais que # politica de sade poderd atuar para provocar exe tamente esse ocultamento). Agvela experiéneia & realmente inocul- tével enquanto percebida ‘como conseqtiéncia direta da exposigio do trabalho x0 capital. Na medida em que seja possivel deslocar a questio da percepcao do processo de desgeste ao qual o trabalho esté submetido, reduzindoa & simples expectativa de atendimento hos sous momentos mais critices — sentidos como momentos de doenga — entdo poderia falsese de um ocultamento daquela ex- periéncia fundameatal de vida das classes desapropriadss. E € nes fe diregdo que alta a institucionalizagio da questa da snide atra vyés do Estado: 0 provimento das condigdes de save deine de ser esperado & partir da relagio direta com o capital, © passa a ser ar gumeniado como “obrigagao do Estado", como “custo social” que se define objetivamenic (cu. aif mesmo em termos nalurais © orgé- nicos}, e 20 socialmente através de relagdo capitaltrabatho. Evia dimensio da politica de sade, entendida como insteumen- to de dominagSo, tem como conseqiencia fundamental, portanto, 8 dilciglo da percepcio do popel determinante que a concretizagao do interesse do capital na produeo exerce sobre as concigies de Saiide néo apenas do trabalho diretamente envolvido na produc, mas de toda a populagio, cujo espago social sempre € definido @ partir de sua relaeG0 direta ov indireta com capital, Nesse sen- {ido, a intermediacio do Estado na questo da satide pode set com- preendida como elemento amortecedor desse que talver seja o mais ontundente espeio da, sorredigio capital tabelho: a tndénca atdvica dc capital para desiruit o trabalho nio apenas enquanto va- tor mes tomb enquasto untade fsa (Magalie, 1977" 84). © instrumento para tanto é « instilucionalizagio, através do Estado, da questo. do provimento das condigies de side, retirando-o, por tanto, do Ambito da responsahilidade diretn do capital, tornandoo 180 abstrata, faxilmente incorpordvel i ideologia da “‘new- © da “igualdade” na ordem burguess: o direito @ condi- Ges de satide através do trabulho é invertido como racionalidade de Estado em gerantir condigdes minimas de sobrevivéncia & po pPulagdo, 135 A intermodiegsio do Estado na questo da sadde oferece ainda lum outro aspecto importante para sua utlizagdo como instrumen- to de dominacio. Jé que el atua de forma a amortecer uma ex- pressio contral da contradigdo entre o capital ¢ 0 trabalho, sua te: lovanefa para e constituiglo da forme teenocrétien de axgumente- io do Estado capitalista contempordneo também € central: na me- dida em que for possivel reduzir essa questo, tio dirotamente li- sada & vivéncia imediata das pessoas, aos parimettos da discussio politica tecnicizeda, tanto maior serio esses possibilidades em ou- feng. droas da polities, em menor grau passiveis de controle pelos dominados a partir de’sua experitneia concreta de vide. Nosse con- texto, « politica de satide assumiria um papel central 1a legitimagio do Estado como aparate administrative objetive © neutro, condu- indo sua agdo a partir de critérios de racionalidade absoluta, racio nalidade essa que seria diretamenie derivada do quadro dos proble- as imediatamente em questio, ¢ ndo uma racionalidede valorative 1 partir dos interesses dominantes por ele representados. Esse forma de argumentaggo da racionatidade do Fstado in- duz. & fragmentagio de percepcéo da politica de Estado como tote lidade, jé que els afirma egir nao de acordo @ wna fGgica valorative eral, mas sim a partir da andlise “objetiva” dos fatores que com: péem os diversos momentos conjunturais de cada problema espec- fico enfrentedo pela “administragio” esiatal. © papel da politice de satide & privilegindo nesse contexto. NiO s6 por representar um (este decisivo na viabilidade polftica da argumentagdo tecnoceét- ca, por sua televéncia, mas também por lidar com um problema que oferece amplas perspectivas de tecnizago de sua discusséo, aira- ‘és do cavdter impositivo do “saber médico”. BIBLIOGRAEIA ALTHUSSER, Louis. Tdfologie et apparcily idéoiogioues Etat. La Penste, 181, fn, 1970 BRAVERMAN, Harry, Tratulho © capital monopolivia. Rio de Janeiro, Zax CARVALHO, Livio W. R. de. Principias ¢ aplicarto da politica solarat pés- 1964. Universidads Nacional de Drala, juny 1973. 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