You are on page 1of 35

Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03.

Para verificar a assinatura acesse


MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

RECLAMAÇÃO 50.114/DF
RELATOR: MINISTRO GILMAR MENDES
RECLAMANTE: FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES
RECLAMADO: JUIZ DO TRABALHO DA 21ª VARA DO TRABALHO DE
BRASÍLIA
BENEFICIÁRIO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
PARECER AJT/PGR Nº 10498/2022

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


RECLAMAÇÃO. ADMISSÃO DE AMICUS
CURIAE EM RECLAMAÇÃO. POSSIBILIDADE.
INVIABILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA
RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO DE
RECURSO OU DE OUTRAS AÇÕES CABÍVEIS.
NÃO CONHECIMENTO. ASSÉDIO MORAL E
DISCRIMINAÇÃO NO LOCAL DE TRABALHO.
OFENSA À HIGIDEZ FÍSICA E PSICOLÓGICA DE
TRABALHADORES. VIOLAÇÃO DE NORMAS DE
SEGURANÇA, HIGIENE E SAÚDE DO
TRABALHO. SÚMULA 736 DO STF.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.
ALEGAÇÃO DE OFENSA À ADI 3.395/DF.
CARÊNCIA DE ADERÊNCIA ESTRITA ENTRE O
ATO RECLAMADO E O PRECEDENTE DOTADO
DE EFEITO VINCULANTE. NÃO
CONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO
DO PARADIGMA DE CONTROLE.
IMPROCEDÊNCIA.
1. É possível a admissão de amicus curiae na
reclamação quando suas finalidades estatutárias
forem compatíveis com o objeto da demanda e o seu
ingresso possa contribuir para a solução da lide, a

1
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

depender da relevância da matéria, da especificidade


do tema discutido ou da repercussão social da
controvérsia, cabendo ao relator definir os seus
poderes no processo, a teor do art. 138 e do art. 990,
ambos do CPC. Precedentes.
2. É incabível o ajuizamento de reclamação como
sucedâneo de recurso ou de outras ações cabíveis.
3. A prática de assédio moral e de atos
discriminatórios no ambiente de trabalho é capaz de
provocar danos à saúde física e psicológica dos

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


trabalhadores, configurando o descumprimento a
normas de segurança, higiene e saúde do trabalho.
4. A Justiça do Trabalho é competente para julgar
ação civil pública proposta pelo Ministério Público
do Trabalho objetivando o cumprimento de normas
de segurança, higiene e saúde dos trabalhadores,
consoante preconiza a Súmula 736 do STF.
5. Não há aderência estrita entre a decisão que proíbe
a prática de assédio moral e discriminação no
ambiente de trabalho com base em normas de
segurança, higiene e saúde ocupacional, como meio
de preservação da saúde física e psicológica dos
trabalhadores, e o decidido na ADI 3.395-6/DF, por
estar ausente controvérsia entre o poder público e
servidor para discussão de relação jurídico-
estatutária.
— Parecer pelo não conhecimento da reclamação e,
eventualmente, no mérito, pela improcedência do
pedido.

2
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

Excelentíssimo Senhor Ministro Gilmar Mendes,

Trata-se de reclamação proposta contra decisão interlocutória

proferida pelo Juízo da 21ª Vara do Trabalho de Brasília, nos autos da Ação

Civil Pública 0000673-91.2021.5.10.0021, ajuizada pelo Ministério Público do

Trabalho em oposição a Fundação Cultural Palmares e Sérgio Nascimento de

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


Camargo.

Narra o autor que o Ministério Público do Trabalho atribui a Sérgio

Nascimento de Camargo, presidente da Fundação Cultural Palmares, a prática

de supostos atos de gestão, “sobretudo no que se refere à gestão de pessoal”, que

seriam capazes de configurar assédio moral contra servidores e demais

trabalhadores da instituição.

Advoga que a ação manejada pelo Ministério Público do Trabalho,

embora lastreada na defesa do meio ambiente do trabalho, questiona a

validade de atos administrativos praticados pela presidência da Fundação

Cultural Palmares na condução do poder hierárquico e disciplinar da entidade

no âmbito da gestão de pessoas.

Sustenta que a 21ª Vara do Trabalho de Brasília, na decisão reclamada,

deferiu medidas que restringiram as atribuições funcionais do presidente da

Fundação Cultural Palmares, “afastando-o da gestão dos recursos humanos” e

3
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

impedindo-o de “nomear ou exonerar servidores para cargos de confiança ou funções

comissionadas, como também obstando-o de instaurar procedimento disciplinar em face

de servidores públicos e de firmar contratos administrativos com empresas prestadoras

de serviços”.

Em seu entender, referida decisão viola a autoridade do julgado

proferido por este Supremo Tribunal Federal na ADI 3.395/DF em razão do

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


regime jurídico-estatutário a que estão submetidos os servidores da entidade,

sendo a Justiça do Trabalho incompetente para processar e julgar o feito.

Requer, ao final, a cassação da decisão e a determinação de remessa

dos autos da ação civil pública à Justiça Comum Federal.

O Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (IARA) requereu sua

habilitação no feito na qualidade de amicus curiae, conforme petição de fls.

401/409.

Informações prestadas pela autoridade reclamada às fls. 430/453.

Vieram os autos à Procuradoria-Geral da República, para parecer.

Em síntese, é o relatório.

4
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

Inicialmente, analisa-se o pedido residente na petição de fls. 401/409,

na qual o Instituto de Advocacia Racial e Ambiental – IARA postulou seu

ingresso no feito como amicus curiae.

Observa-se que as finalidades do instituto, constantes do art. 2º do

seu estatuto, 1 são compatíveis com a matéria discutida na causa de origem,

uma vez que está em debate a violação de normas de proteção ao meio

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


ambiente do trabalho por meio de, entre outras práticas, atos de discriminação

e assédio moral com base na cor do trabalhador. 2 Há, portanto,

“representatividade adequada”, na esteira do que exige o caput do art. 138 do CPC.

Tal conclusão tem especial importância em virtude da constatação de

que a prática de atos discriminatórios e assediadores no ambiente de trabalho,

com base na cor do trabalhador, é fato que goza de relevância no ordenamento

jurídico brasileiro e cujos efeitos reverberam para além da esfera de interesses

individuais da vítima, gerando repercussão social. Corrobora essa assertiva o

fato de a Constituição Federal eleger, como um de seus objetivos fundamentais,

“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer

outras formas de discriminação” (art. 3º).

1Fls. 411/420.
2Fls. 189/190 da decisão reclamada.

5
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

A admissão de amicus curiae em reclamação é reconhecida na

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Refiram-se as decisões proferidas

na Reclamação 26.070 ED/CE (Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 1º.8.2019),

Reclamação 29.303 AgR/RJ (Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 6.12.2019) e

Reclamação 26.056 /RS (Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 30.10.2017).

A participação desse terceiro na reclamação é também legitimada

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


pelo teor dos arts. 138 e 990 do CPC.

Feitas essas considerações, o Procurador-Geral da República opina

pela admissão do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental – IARA no

presente feito, na qualidade de amicus curiae, cabendo ao Exmo. Ministro

Relator definir seus poderes, a teor do § 2º do art. 138 do CPC.

Passa-se, adiante, a examinar as teses inseridas na reclamação.

É assente a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à

inviabilidade da reclamação como sucedâneo de recurso ou de outras ações

cabíveis em face do ato reclamado. A título exemplificativo, destacam-se os

seguintes julgados de ambas as turmas desta Corte:

Ementa: RECLAMAÇÃO. SÚMULA VINCULANTE 46.


AUSÊNCIA DE ADERÊNCIA ESTRITA. AGRAVO
REGIMENTAL. CONTRARIEDADE A NORMAS
CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS.
RECLAMAÇÃO COMO SUBSTITUTIVO RECURSAL. OFENSA

6
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. INVIABILIDADE DA


RECLAMAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA
PROVIMENTO.
1. A ausência de pertinência entre a matéria versada nos autos e aquela
objeto da súmula vinculante supostamente violada inviabiliza o
processamento da reclamação.
2. Revela-se indevida a utilização da reclamação constitucional como
instrumento a viabilizar a manifestação do Supremo Tribunal Federal
em face de suposta contrariedade a normas constitucionais ou
infraconstitucionais.

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


3. A reclamação não pode ser usada como sucedâneo recursal
nem de outras ações judiciais, devendo valer-se o interessado
em juízo das ações ou recursos próprios.
4. Ofende ao princípio da dialeticidade recursal a peça recursal que não
apresenta motivação de fato e de direito suficientes a infirmar os
fundamentos da decisão recorrida.
5. Agravo regimental na reclamação a que se nega provimento.
(Rcl 46.289 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma,
julgado em 20.9.2021, Processo Eletrônico DJe 193 Divulg
27.9.2021 Public 28.9.2021.)

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. CIVIL.


INTERNET MÓVEL. ACESSO ILIMITADO. LIMITE DE DADOS
DA FRANQUIA. REDUÇÃO DA VELOCIDADE/BLOQUEIO.
SUSPENSÃO DA DEMANDA INDIVIDUAL ATÉ O
JULGAMENTO DO RECURSO PARADIGMA. MANEJO DA
RECLAMATÓRIA CONTRA DECISÃO DE TURMA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INADMISSIBILIDADE DA
VIA ELEITA. PRECEDENTES. UTILIZAÇÃO DA
RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO OU
OUTRAS AÇÕES CABÍVEIS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO
REGIMENTAL DESPROVIDO.

7
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

(Rcl 28.975 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado
em 18.10.2019, Processo Eletrônico DJe 236 Divulg 29.10.2019
Public 30.10.2019.)

Consoante menciona a autoridade reclamada em suas informações,3

a parte reclamante intentou, contra a decisão reclamada, a Suspensão de

Liminar em Antecipação de Tutela (SLAT) 0000778-34.2021.5.10.0000, que

tramita perante o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região.

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


Em consulta ao citado processo, verifica-se que, em 20.10.2021, o TRT

da 10ª Região indeferiu o pedido de liminar formulado pelo reclamante, em

decisão da lavra do Exmo. Desembargador Presidente, da qual se extraem os

seguintes excertos:4

Vistos.
FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES ingressa com
pedido de suspensão de liminar ou antecipação de tutela em
face da decisão proferida nos autos da ação civil pública nº
0000673-91.2021.5.10.0021, protocolada pelo MINISTÉRIO
PÚBLICO DO TRABALHO. Referida decisão concedeu tutela de
urgência para determinar o imediato afastamento do sr. Sérgio
Nascimento de Camargo das atividades relacionadas à gestão de
pessoas, assim como para impor obrigações de não fazer de caráter
inibitório.
(…)

3Fl. 437.
4 Disponível em: https://pje.trt10.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/0000778-
34.2021.5.10.0000/2. Acesso em: 27.1.2022.

8
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

Pontua que a Justiça do Trabalho não possui competência


para apreciar a matéria, que o Ministério Público do Trabalho
não detém legitimidade ativa para formular a demanda e que
inexiste fundamento para que o segundo réu figure no polo
passivo da ação civil pública. Ainda, aduz que a inicial da ação
principal não demonstra a prova inequívoca das alegações,
nomeadamente a configuração de assédio moral, e que os fatos ali
narrados não foram submetidos ao contraditório, de modo que não há
razão para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela.
Desse modo, requer a suspensão liminar dos efeitos da

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


decisão impugnada e seja mantida até o trânsito em julgado da
decisão de mérito a ser proferida na ação civil pública.
(…)
Percebe-se que o afastamento é apenas parcial, repita-se, apenas
para a gestão de pessoas, devendo ser salientado que a decisão
impugnada “poderá ser a qualquer momento revista, ampliada ou
reduzida, especialmente se ela se mostrar ineficaz (inadequada),
excessiva (pouco ou não necessária) ou desproporcional (sem
proporcionalidade em sentido estrito)”.
(…)
Na hipótese vertente, verifica-se que o juízo de primeiro
grau ancora-se em vasta produção probatória, fazendo,
inclusive, registro dos diversos depoimentos colhidos para
concluir pela configuração de assédio moral, cyberbulling, no
ambiente de trabalho. Portanto, havendo elementos iniciais de
prova, mesmo que em cognição sumária, de desrespeito à
dignidade do trabalhador e, por decorrência, ao trabalho digno,
sendo reversível a medida, há de se inibir de forma concreta
qualquer conduta que vilipendie a pessoa humana (CRFB, art.
1º, inc. III).
(…)
Desse modo, em exame próprio dos juízos de urgência,
INDEFIRO o pedido. (Grifos nossos.)

9
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

Dessa decisão, a Fundação reclamante, em 26.10.2021, interpôs

agravo interno, o qual foi parcialmente provido, tão somente para “imprimir

efeito suspensivo à designação do substituto do Sr. Sérgio Nascimento Camargo”,

mantendo-se intacto o restante da decisão indeferitória da liminar em

Suspensão de Liminar em Antecipação de Tutela (SLAT). 5 Contudo, antes

mesmo da interposição do referido recurso, a reclamante ajuizou a presente

reclamação constitucional.6

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


Percebe-se, então, que a tutela provisória deferida pelo Juízo da 21ª

Vara do Trabalho de Brasília, nos autos da Ação Civil Pública 0000673-

91.2021.5.10.0021, está sendo alvejada simultaneamente por esta reclamação e

pela Suspensão de Liminar em Antecipação de Tutela (SLAT) 0000778-

34.2021.5.10.0000.

Em verdade, a reclamante, visando obter a reforma da decisão que

deferiu a tutela provisória no juízo de origem, utiliza-se de vários subterfúgios

processuais de forma concomitante, sobrecarregando a máquina judiciária

indevidamente.

5 Disponível em: https://pje.trt10.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/0000778-


34.2021.5.10.0000/2. Acesso em 27.1.2022.
6Reclamação distribuída em 21.10.2021, conforme recibo de petição eletrônica de fls. 399.

10
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

Como resultado, maneja a presente reclamação como sucedâneo de

recurso ou de outras ações, com o fito de analisar per saltum a matéria, o que se

mostra incabível perante o Supremo Tribunal Federal.

Opina-se, pois, pelo não conhecimento da reclamação.

Em sessão virtual de 3.4.2020 a 14.4.2020, o Plenário do STF julgou

parcialmente procedente o pedido formulado na ADI 3.395/DF, confirmando a

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


decisão liminar outrora concedida e fixando, com aplicação de

interpretação conforme a Constituição, sem redução de texto, que odisposto no

inciso I do art. 114 da Constituição Federal “não abrange causas ajuizadas

para discussão de relação jurídico-estatutária entre o Poder Público dos

Entes da Federação e seus Servidores, nos termos do voto do Relator” (grifo

nosso).

Eis a ementa do julgado, que também elucida os contornos da

competência material ali delimitada:

CONSTITUCIONAL E TRABALHO. COMPETÊNCIA DA


JUSTIÇA DO TRABALHO. ART.114, I, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. EMENDA CONSTITUCIONAL 45/2004. AUSÊNCIA
DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. EXPRESSÃO
“RELAÇÃO DE TRABALHO”. INTERPRETAÇÃO CONFORME
À CONSTITUIÇÃO. EXCLUSÃO DAS AÇÕES ENTRE O
PODER PÚBLICO E SEUS SERVIDORES. PRECEDENTES.
MEDIDA CAUTELAR CONFIRMADA. AÇÃO DIRETA
JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.

11
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

1. O processo legislativo para edição da Emenda Constitucional


45/2004, que deu nova redação ao inciso I do art. 114 da Constituição
Federal, é, do ponto de vista formal, constitucionalmente hígido.
2. A interpretação adequadamente constitucional da expressão
“relação do trabalho” deve excluir os vínculos de natureza
jurídico-estatutária, em razão do que a competência da Justiça
do Trabalho não alcança as ações judiciais entre o Poder
Público e seus servidores.
3. Medida Cautelar confirmada e Ação Direta julgada parcialmente
procedente. (Grifos nossos.)

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


O que restou decidido na ADI 3.395/DF, portanto, foi que a Justiça do

Trabalho carece de competência para apreciar causas “ajuizadas para discussão

de relação jurídico-estatutária” instauradas entre o Poder Público, de um lado,

e o(s) servidor(es), de outro.

A orientação da Suprema Corte tem sido no sentido de que estão fora

da alçada da Justiça do Trabalho as causas voltadas à discussão de relação

jurídico-estatutária nas quais figuram, em um dos polos, a União, os estados, o

Distrito Federal e os municípios e, no outro, os seus servidores ocupantes de

cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas

autarquias e fundações públicas, nos termos do voto do Relator, o Ministro

Alexandre de Moraes:

De fato, cabe se desconsiderar qualquer espaço para uma leitura


interpretativa do inciso I do art. 114 da Constituição Federal que
admita como competente a Justiça do Trabalho para julgamento de
causas que alcancem relações jurídicas laborais, figurando em um

12
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

dos polos a União, os Estados, o Distrito Federal e os


Municípios, e no outro os seus Servidores ocupantes de cargos
criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão,
incluídas autarquias e fundações públicas. (Grifo nosso.)

São duas, portanto, as condições para que seja afastada a

competência material da Justiça do Trabalho: a matéria, que há de aludir ao

regime jurídico-estatutário, e as partes, que hão de ser o Poder Público em um

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


dos polos e o servidor público estatutário no outro.

Na hipótese dos autos, aduz o reclamante que o pronunciamento

judicial atacado não observou a autoridade da decisão proferida na ADI

3.395/DF, ao decidir pela competência material da Justiça do Trabalho para

processar e julgar demanda, na qual se questiona, segundo o reclamante, a

validade de atos administrativos praticados pelo presidente da Fundação

Cultural Palmares “como agente público submetido ao regime jurídico dos servidores

públicos federais”.

No caso, porém, a decisão reclamada carece de identidade material

com a decisão paradigma.

A relação jurídico-estatutária é matéria alheia à decisão reclamada,

que se volta ao cumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho

como meio de proteção à saúde dos trabalhadores que desenvolvem suas

atividades na Fundação reclamante, independentemente do regime jurídico a

13
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

que estejam vinculados. Por outro lado, inexiste litígio entre servidor público

estatutário e o respectivo ente contratante.

O escopo da ação civil pública proposta pelo Ministério Público do

Trabalho é fazer cessar a prática do assédio moral, tutelando, assim, a saúde

física e psicológica dos trabalhadores vítimas das práticas assediadoras,

discussão alheia à decisão proferida na ADI 3.395.

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


A decisão reclamada invoca preceitos constitucionais, disposições

materializadas em convenções internacionais da OIT ratificadas pelo Brasil,

bem como normas regulamentadoras editadas pelo Ministério do Trabalho,

todos relacionados à proteção da saúde no ambiente de trabalho, para embasar

suas conclusões em torno das consequências fáticas e jurídicas do assédio

moral, estando ausente a discussão em torno do direito administrativo ou de

direitos constantes de regime jurídico de servidores estatutários. Nesse sentido,

as seguintes passagens da tutela provisória reclamada:7

1.2. Os riscos psicossociais, o meio ambiente do trabalho


e o assédio moral
A Constituição adota o princípio do trabalho seguro, ao
assegurar o direito fundamental de redução dos riscos à saúde
inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII), ao elevar a status
constitucional o meio ambiente do trabalho (art. 200, VIII) e ao
estabelecer a universalidade do direito à saúde (arts. 6º e 196),
inclusive a saúde do trabalhador (art. 200, II).

7
Fls. 165/169

14
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

Os diversos tratados internacionais de direitos humanos, em


especial o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais e a Convenção da OIT, e em particular a Convenção n. 155,
incorporados ao direito brasileiro como normas supralegais, nos
termos do entendimento do STF, também asseguram que o trabalho
humano está sujeito à proteção contra os riscos à saúde humana.
Em uma visão clássica, o risco à saúde no trabalho, isto é o
potencial de lesão ou de efeitos adversos a saúde de um trabalhador, foi
associado a fatores ambientais relacionados a agentes físicos (inclusive
mecânicos), biológicos e/ou químicos. A partir da década de 1980,

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


porém, constatou-se que pressões oriundas da organização do trabalho
e das condições em que o trabalho é prestado poderiam ocasionar o
adoecimento psicossomático do trabalhador. Desenvolveu-se a ideia de
fatores psicossociais de trabalho.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT),
os fatores psicossociais (ou estressores) dizem respeito às interações
entre o ambiente de trabalho, o conteúdo das tarefas e as condições
organizacionais com as capacidades, necessidades e expectativas dos
trabalhadores, seus costumes e cultura e suas características pessoais
externas ao trabalho e que podem repercutir no desempenho
profissional, na satisfação no trabalho e na saúde do trabalhador. Esse
“conjunto de fatores da organização do trabalho, estilos de gestão”,
impactam na saúde mental (e física) do trabalhador, causando-lhe
sofrimentos e danos. Eles têm como origem as deficiências na
concepção, na organização e na gestão do trabalho; decorrem de um
contexto social de trabalho conturbado e podem levar a efeitos
negativos a nível psicológico, físico e social, inclusive ocasionando
diversas enfermidades, notadamente estresse, esgotamento ou
depressão no trabalho.
Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), os riscos
psicossociais do trabalho constituem “um dos principais
desafios contemporâneos para a área de segurança e saúde no
trabalho e estão relacionados à ocorrência de problemas, tais

15
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

como: estresse, assédio, bullying e violência no local de


trabalho”.
(…)
O assédio é capaz de desagregar o ambiente de trabalho,
afetar a saúde e a vida no ambiente de trabalho e quando é
institucionalizado, há, lamentavelmente, relatos e estudos,
especialmente em outros países, que apontam, como risco extremo, o
de ideação suicida e de suicídio16. Portanto, erradicar o assédio no
trabalho é uma questão de preservação da vida, da saúde e do meio
ambiente de trabalho.

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


A Norma Regulamentar 17 (NR 17) expedida pelo
Ministério do Trabalho (nos termos dos arts. 154, 155, 200 e 201
da CLT), como anexa a Portaria 3.214/1978, e destinada às condições
ergonômicas, deixam claro que “as condições ambientais de
trabalho devem estar adequadas às características
psicofisiológicas dos trabalhadores e à natureza do trabalho a
ser executado” (item 17.5.1). Seu anexo II, dirigido aos empregados
de teleatendimento e de telemarketing, veda, de forma expressa, o
assédio moral, o medo e os constrangimentos (item 5.13) naquele
ambiente de trabalho e, obviamente, por extensão, a qualquer outro
ambiente laboral. (Grifos nossos.)

Ao final, o Juízo, por meio de sua decisão interlocutória, ao afastar a

preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho, salienta de forma objetiva

os contornos da demanda:

REJEITO a preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho


em relação às questões sanitárias e ambientais do trabalho
decorrentes das alegadas práticas de assédio moral e de
discriminação em face de empregados celetistas (terceirizados ou
não), de ocupantes de cargos em comissão e de servidores públicos
efetivos e/ou cedidos à 1ª ré.

16
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

Depreende-se, portanto, que a competência da Justiça do Trabalho

foi mantida pela autoridade reclamada no que se refere às questões sanitárias

e ambientais do trabalho ligadas a supostas práticas de assédio moral e

discriminação, as quais atingem, amplamente, todos aqueles que trabalham no

local, incluindo trabalhadores acobertados pelo regime celetista. Inexiste

controvérsia em torno de regime jurídico-estatutário.

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


Há de se destacar que a Portaria 2.309, de 28.8.2020,8 editada pelo

Ministério da Saúde, elenca de forma expressa o assédio moral como fator

capaz de provocar doença ocupacional e justificar a concessão de benefício

previdenciário de natureza acidentária.

Ao atualizar a “Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho, a ser adotada

como referência dos agravos originados no processo de trabalho no SUS”, constante

da Seção IV do Capítulo III do Título III, art. 423, da Portaria de Consolidação

5/GM/MS, de 28.9.2017, a Portaria 2.309, de 28.8.2020, enumera os seguintes

fatores de risco psicossociais no trabalho:

Gestão organizacional: Deficiências na administração de


recursos humanos, que incluem estilo de comando, modalidades
de pagamento e contratação [terceirização, trabalho intermitente, MEI,
pejotização e uberização]

8 Disponivel em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.309-de-28-de-agosto-de-


2020-275240601. Acesso em: 6.12.2021

17
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

Características das relações sociais no trabalho: Deficiência no


clima das relações, coesão e qualidade das interações, inclusive
trabalho em equipe, assédio psicológico, entre outros.
Violência e Assédio moral/sexual: Violência física ou psicológica
relacionada a aspectos do trabalho
Discriminação. (Grifos nossos.)

A mesma norma aponta, como doenças relacionadas ao trabalho

oriundas dos fatores de risco acima indicados, exemplificativamente,

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


“Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool”, “Transtornos

delirantes persistentes”, “Episódios depressivos”, “Transtorno depressivo recorrente”,

“Transtornos ansiosos, outros”, “Reações ao ‘stress’ grave e transtornos de adaptação”,

“Hipertensão essencial (primária)” e “Sinovites e Tenossinovites”.

Conforme reproduz a decisão antecipatória reclamada, a Norma

Regulamentadora 17, do Ministério do Trabalho e Emprego, aponta para a

necessidade de compatibilização das condições ambientais de trabalho às

características psicofisiológicas dos trabalhadores, a evidenciar o possível

descumprimento da referida norma pelo reclamante ao imprimir contra os

trabalhadores atitudes supostamente assediadoras e causadoras de

degradação psicológica.9

9Fl. 169.

18
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

E é sob esse prisma que está assentada a ação civil pública, da qual

se extraem as seguintes passagens dos pedidos, a fim de corroborar essa

assertiva:10

VI.1 – Em caráter definitivo:


Requer, ainda, em caráter definitivo, a integral procedência do pedido
inicial, para:
1) AFASTAR imediatamente o Sr. SÉRGIO NASCIMENTO DE
CAMARGO da Presidência da Fundação Palmares, em decorrência da

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


prática de assédio moral e discriminação contra os trabalhadores da
Instituição;
2) impor à Fundação Palmares a obrigação de NÃO SUBMETER,
NÃO PERMITIR OU NÃO TOLERAR a exposição dos
trabalhadores da fundação a atos de assédio moral, abstendo-se por
qualquer de seus gestores, administradores, diretores, gerentes, chefes,
supervisores ou pessoas que ostentem poder hierárquico, de utilizar
práticas vexatórias ou humilhantes contra os trabalhadores, assim
compreendidas, especialmente, os comportamentos que consistam em
pressão psicológica, coação, intimidação, discriminação,
perseguição, autoridade excessiva, exigências e condutas
abusivas, posturas constrangedoras, efetuados por intermédio
de palavras e/ou gestos agressivos, aplicação de punições
indevidas ou dequalquer outro comportamento que os submeta
a constrangimentos psíquicos, físicos e morais atentatórios à
honra e à dignidade dos trabalhadores, especialmente;
perseguições e ameaças; sanções administrativas infundadas;
imposição deliberada do servidor a situação de ostracismo, através
medidas e comportamentos que implicam em desprezo, indiferença,
ignorância, humilhação, isolamento de contatos com seus superiores
hierárquicos ou com outros servidores, privando-o de receber
atribuições, tarefas, atividades e quaisquer informações necessárias ao

10Fls. 150/151.

19
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

exercício de suas funções ou úteis a sua vida funcional; divulgação de


rumores e comentários maliciosos, bem como de críticas reiteradas ou
de subestimação de esforços, que atingem a dignidade do servidor;
desvio de função; transferências arbitrárias de local de trabalho ou
negativa abusiva a pedido de mudança de lotação sem comprovada
necessidade da administração pública; e exposição do servidor aoutras
situações cujos efeitos adversos causam riscos à sua integridade física
ou psíquica,em prejuízo de seu desenvolvimento pessoal e profissional;
3) impor à Fundação Palmares a obrigação de PROMOVER, no prazo
de 180 (cento e oitenta) dias, através de profissional da área de

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


psicologia social, imediato diagnóstico do meio ambiente
psicossocial do trabalho, com vistas a detectar qualquer forma
de assédio moral ou psíquico aos servidores públicos,
comissionados e terceirizados, incorporando osresultados e conclusões
do documento técnico elaborado nos seguintes programas do órgão
público: Programa de Gerenciamento de Risco (NR 1); Programa
de Controle Médico de Saúde Ocupacional - PCMSO - (NR 7) e
Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA - (NR 9);
(…). (Grifos nossos.)

Exsurgem dos pedidos formulados pelo Ministério Público do

Trabalho mandamentos dirigidos à cessação do assédio moral e de outras

práticas psicologicamente degradantes no ambiente de trabalho como forma

de proteger a higidez física e psicológica de todos os trabalhadores da

Fundação, em sintonia com as Normas Regulamentadoras (NRs) 1, 7 e 9, do

Ministério do Trabalho e Emprego.

Consequentemente, a demanda tem por objetivo o cumprimento de

normas relativas à saúde, higiene e segurança, sendo irrelevante a natureza do

20
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

vínculo estabelecido com os servidores da Fundação Cultural Palmares, ou seja,

se terceirizado, celetista, comissionado ou estatutário. Trata-se de direito

assegurado tanto aos trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do

Trabalho, quanto àqueles submetidos ao regime jurídico-administrativo,

conforme o disposto nos arts. 7º, XXII, e 39, § 3º, da Constituição Federal.

É o que esclarecem, novamente, as seguintes passagens da decisão

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


reclamada:11

A aplicação analógica ou extensiva das NRs para a


Administração Pública em geral costuma fundamentar-se,
especialmente, nos arts. 1º, III e IV, 5º, 6º, 7º, XXII, 39, § 3º, 196,
200, VIII, e 225 da Constituição Federal, nas Convenções 155 e
161 da Organização Internacional do Trabalho, adotadas pelo
Brasil, e na Política Nacional de Segurança e Saúde no
Trabalho, instituída pelo Decreto 7.602/2011. De fato, o art. 37, §
3º, da Constituição é claro em assegurar a todos os servidores
públicos o direito à “redução dos riscos inerentes ao trabalho,
por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (art. 7º, XXII,
da Constituição). A 1ª ré, em resposta a este juízo, apresenta cópia
de suaPolítica de Gestão de Riscos, elaborada sobre a presidência do 2º
réu, que, a seu juízo, considera atender a NR 1 e deixa claro que não
possui PCMSO e PPRA.
A implantação das Normas Regulamentares de saúde e de segurança
no trabalho (NRs) expedidas pelo Ministério do Trabalho destinadas
aos empregados celetistas (arts. 154, 155, 157, 200 e 201 da CLT) para
os servidores públicos (ou para a Administração Pública) tem se
mostrado complexa. Algumas dessas normas, como as NRs 4 (Serviço
Especializado em Segurança e Medicina do Trabalho - SESMT), 5

11Fl. 481.

21
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

(CIPA), 7 (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional -


PCMSO) e 9 (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA),
possuem requisitos próprios (como a quantidade de empregados e o
risco associado à atividade econômica) para que os órgãos ou os
programas sejam adotados de forma obrigatória, o que, no caso, exige,
pelo menos, um início de dilação probatória, incompatível com a
natureza cautelar ou liminar da tutela antecipada requerida. (Grifos
nossos.)

Inexiste, portanto, debate em torno de direitos previstos em regime

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


jurídico estatutário. A causa versa sobre o cumprimento de normas de

segurança, higiene e saúde dos trabalhadores, independentemente da natureza

dos seus vínculos.

O Supremo Tribunal Federal, inclusive, há muito firmou

jurisprudência no sentido de que compete à Justiça Especializada do Trabalho

dirimir tais conflitos, tendo sido editada a Súmula 736:

Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa


de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à
segurança, higiene e saúde dos trabalhadores.

Referida súmula não faz distinção entre ambientes laborais ocupados

por estatutários ou celetistas. Aliás, como as condições de segurança, de saúde

e de higiene de trabalho dizem respeito a todos os trabalhadores,

indistintamente, seria inviável definir a competência jurisdicional tendo como

fundamento a condição jurídica individual de cada trabalhador; ao contrário,

22
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

ela há de ser fixada à luz da causa de pedir. Essa diretriz foi adotada, pelo

Pretório Excelso, na Reclamação 3.303/PI:

CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. ADI 3.395-MC. AÇÃO


CIVIL PÚBLICA PROPOSTA NA JUSTIÇA DO TRABALHO,
PARA IMPOR AO PODER PÚBLICO PIAUIENSE A
OBSERVÂNCIA DAS NORMAS DE SAÚDE, HIGIENE E
SEGURANÇA DO TRABALHO NO ÂMBITO DO INSTITUTO
MÉDICO LEGAL. IMPROCEDÊNCIA.

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


1. Alegação de desrespeito ao decidido na ADI 3.395-MC não
verificada, porquanto a ação civil pública em foco tem por objeto exigir
o cumprimento, pelo Poder Público piauiense, das normas trabalhistas
relativas à higiene, segurança e saúde dos trabalhadores. 2. Reclamação
improcedente. Prejudicado o agravo regimental interposto.
(Rcl 3.303-PI, Rel. Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, DJe nº 088,
de 16.5.2008.)

No mesmo sentido, decidiu a Primeira Turma do STF, nos autos da

Rcl 20.744 AgR/SC (Rel. Min. Roberto Barroso), em acórdão assim ementado:

Ementa: RECLAMAÇÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO


TRABALHO. ADI 3.395. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
CUMPRIMENTO DE NORMAS DE SAÚDE, SEGURANÇA E
HIGIENE NO TRABALHO.
1. Não há identidade estrita com o decidido na ADI 3.395-MC
o debate sobre a competência da Justiça do Trabalho para
julgar ação civil pública, cujo objetivo é impor a ente público o
cumprimento de normas relativas ao meio ambiente do
trabalho (no caso, hospital público no qual trabalham não
apenas servidores estatutários, mas também funcionários
terceirizados, submetidos à CLT).
2. Agravo regimental desprovido.

23
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

(Rcl 20.744 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma,


julgado em 2.2.2016, Processo Eletrônico DJe 034 Divulg
23.2.2016 Public 24.2.2016) – Grifos nossos.

Ao apreciar o Recurso Extraordinário com Agravo 1.062.324/RR,

Vossa Excelência deparou-se com demanda semelhante. Ali se debateu a

competência da Justiça do Trabalho para julgar ação civil pública contra o

Estado de Roraima para corrigir condições sanitárias desfavoráveis no meio

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


ambiente de trabalho da Secretaria Estadual de Infraestrutura.

Em decisão monocrática, Vossa Excelência pontuou:

O Tribunal de origem, em observância à Súmula 736 desta Corte,


consignou que a Justiça do Trabalho é competente para apreciar o
litígio, tendo em vista se tratar de matéria relacionada à saúde do
trabalho. Registrou, ainda, que cabe ao Judiciário, em medidas
excepcionais, determinar que a Administração atue de modo a
assegurar direitos constitucionalmente garantidos, sem que isso viole
o princípio da separação dos poderes.
(…)
Com efeito, o debate instaurado na origem diz respeito ao cumprimento
de normas relativas à higiene, saúde e segurança dos trabalhadores da
Secretaria Estadual de Infraestrutura – SEINF, matéria sem
identidade com o julgado na ADI 3.395-MC.
(STF, ARE 1.062.324, Rel. Min. Gilmar Mendes, dec.
monocrática, j. 21.3.2019, DJe 189 de 26.3.2019.)

Enfrentando agravo da citada decisão, Vossa Excelência ratificou o

posicionamento de outrora:

24
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

Ementa: Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2.


Direito do Trabalho. 3. Súmula 736 desta Corte. Compete à Justiça
do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o
descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança,
higiene e saúde dos trabalhadores. Ofensa ao art. 114, I, do
texto constitucional não verificada. 5. Ausência de argumentos
capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo regimental a que se
nega provimento. Sem majoração da verba honorária.
(…)
Como já demonstrado na decisão ora agravada, segundo a Súmula 736

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


desta Corte, é da Justiça do Trabalho a competência para apreciar o
litígio, tendo em vista se tratar de matéria relacionada à saúde do
trabalho.
Ressalte-se, ainda, que o entendimento do Tribunal a quo em nada
afronta a decisão proferida por esta Suprema Corte na ADI-MC 3.395
(Rel. Ministro Cezar Peluso, DJ 10.11.2006), porquanto visa tão
somente a exigir o cumprimento, pelo Poder Público, de normas
relativas à saúde, à higiene e à segurança do trabalho, no
âmbito da administração pública, inexistindo, no caso,
pretensão de se discutir a natureza do vínculo entre os
trabalhadores e o ente público.
(STF, ARE 1.062.324, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma,
j. 23.8.2019, DJe 191 de 3.9.2019.)

Em mais de uma oportunidade, após a edição da Súmula 736, o STF

deixou assentada a competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar

as ações civis públicas manejadas pelo Ministério Público do Trabalho contra

entes públicos visando ao cumprimento de normas trabalhistas relativas à

segurança, higiene e saúde dos trabalhadores, mesmo com a presença de

servidores públicos estatutários nos ambientes alcançados pela demanda.

25
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

Cite-se, exemplificativamente, a decisão proferida pela Ministra

Cármen Lúcia na Ação Cível Originária 2.169:

(…) Na espécie vertente, a Procuradoria Regional do Trabalho da 17ª


Região determinou a remessa do procedimento administrativo em foco
ao Ministério Público Estadual, ao fundamento de que os guarda-vidas
teriam sido contratados por tempo determinado pelo Município de
Vitória/ES. Assim, nos termos do que teria sido assentado no
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.395,

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


"trata[ndo-se] de regime especial administrativo, compet[iria] à
justiça estadual comum processar e julgar controvérsias entre o
Município e seus servidores, ainda que a contratação tenha ocorrido
em caráter precário ou desvirtuado" (fl. 98).
7. Esse entendimento não foi perfilhado pelo Procuradoria-Geral da
República, que distinguiu a questão envolvendo o descumprimento de
direitos sociais trabalhistas daquela tratada na Ação Direta de
Inconstitucionalidade 3.395. Nessa linha, realçou: "[A]
jurisprudência dessa Suprema Corte firmou-se no sentido de que é
competente a Justiça do Trabalho para processar e julgar ação civil
pública referente a ambiente, às condições e à organização do trabalho.
Nesse sentido cumpre destacar a Súmula 736 do STF, segundo a qual
compete à Justiça do Trabalho a competência para julgar demandas
relacionadas a descumprimento de normas trabalhistas relativas à
segurança, higiene e saúde do s trabalhadores. Na espécie, a
Procuradoria Regional do Trabalho da 17ª Região instaurou inquérito
civil público para apurar o descumprimento das normas relativas ao
meio ambiente de trabalho dos guarda vidas contratados pelo
Município de Vitória. Como se vê, o referido inquérito civil servirá de
base para a propositura de ação civil pública a ser ajuizada pelo
Ministério Público do Trabalho, com o fim de exigir do Poder Público
do Município de Vitória o cumprimento de normas relativas à higiene,
segurança e saúde dos trabalhadores. De fato, a controvérsia não
tem como pano de fundo causa entre a Administração Pública

26
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

e servidores a ela vinculados, isto é, não se volta a questão em


torno de qualquer direito que decorra do regime jurídico
administrativo, mas sim, de direito social trabalhista, de
alcance coletivo geral, pouco importando a diversidade dos
regimes jurídicos dos trabalhadores, uma vez que todos eles
estão submetidos às mesmas condições de trabalho” (fls. 121-
122, grifos nossos). Como apontado pela Procuradoria-Geral
da República, a natureza do vínculo jurídico que une os guarda-
vidas ao ente público municipal não está em questão naquele
procedimento administrativo, que apura "irregularidades no

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


meio ambiente de trabalho dos Guarda-Vidas" (fl. 8), pelo que
inexistiria contrariedade ao que decidido no julgamento da
Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.395/DF, tampouco
óbice à atuação do Ministério Público do Trabalho.
(ACO 2.169, Rel. Min. Cármen Lúcia, dec. monocrática, j.
18.9.2013, DJe 189 de 26.9.2013) ‒ Grifos nossos.

Como bem ressaltado na decisão acima, “não se volta a questão em

torno de qualquer direito que decorra do regime jurídico administrativo”. A demanda

ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, a exemplo da versada na

presente reclamação, veicula “direito social trabalhista, de alcance coletivo geral,

pouco importando a diversidade dos regimes jurídicos dos trabalhadores”.

E esse é exatamente o caso da presente reclamação. Nenhum dos

pedidos deduzidos na ação coletiva manejada pelo Ministério Público do

27
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

Trabalho decorre do regime estatutário. Na verdade, os pedidos não possuem

relação com a natureza do liame entre os trabalhadores e o Poder Público.12

O Supremo Tribunal Federal, como se infere dos julgados acima, vem

ratificando a competência da Justiça do Trabalho com amparo na Súmula 736,

enfrentando expressamente a questão da existência de servidores públicos

estatutários laborando no ambiente cuja saúde e segurança estão sendo

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


tuteladas.

No presente caso, trata-se de ação coletiva, manejada pelo Ministério

Público, tutelando o direito difuso e coletivo ao meio ambiente do trabalho

seguro e saudável, objetivando a implementação de medidas de segurança

tendentes a evitar doenças ocupacionais.

Os bens protegidos por esta ação – a vida, a saúde e a integridade

física e psicológica de trabalhadores – estão longe de se caracterizarem como

individuais. Os titulares desses bens também não se restringem a servidores

estatutários, mas a todo e qualquer trabalhador que preste serviços nas

dependências da Fundação Cultural Palmares, uma vez que o meio ambiente é

um só.

12Fls. 150/154.

28
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

O Conselho Nacional do Ministério Público, órgão constitucional

incumbido de decidir conflito de atribuição que se trave entre ministérios

públicos de distintas esferas federativas,13 recentemente pontificou que cabe “ao

Ministério Público do Trabalho investigar e processar questões que tratem da prática de

assédio moral organizacional na Administração Pública Direta e Indireta,

independentemente do regime jurídico de trabalho, uma vez que a ofensa se relaciona ao

meio ambiente do trabalho”.14

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


Noutra oportunidade, o CNMP registrou: “apesar de ser estatutário o

regime de contratação de pessoal da UESC, a Notícia de Fato trata de questões relativas

ao descumprimento de normas trabalhistas relacionadas à segurança, higiene e saúde

dos trabalhadores, circunstância a atrair a competência da Justiça do Trabalho para

processar e julgar eventual ação”.15

Esse panorama decisório do CNMP é de bastante relevo para

contrapor à citação, feita pelo reclamante, de antiga decisão monocrática do

Ministro Luiz Fux, no julgamento da ACO 2.036/MG.

13 Entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Cível


Originária 843/SP (Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para o acórdão Min. Alexandre de
Moraes, Tribunal Pleno, DJe n. 263, de 4.11.2020).
14CNMP, Reclamação para Preservação da Autonomia do Ministério Público 1.01045/2020-99,

Rel. Cons. Sandra Krieger Gonçalves, Pleno, julgado em 23.2.2021.


15 CNMP, Pedido de Providências 1.00887/2020-41, Rel. Cons. Silvio Roberto Oliveira de

Amorim, julgado em 14.4.2021.

29
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

O pronunciamento unipessoal residente na ACO 2.036/MG, de

22.2.2013 – do tempo em que o STF se via competente para dirimir conflito

entre ministérios públicos – foi superado pelos precedentes do CNMP acima

referenciados.

Relevante pontuar ainda que, embora o reclamante afirme, de modo

generalizado, que seus servidores são estatutários, consulta ao Portal da

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


Transparência da Fundação 16 evidencia a existência de vários trabalhadores

contratados sem concurso público antes da Constituição Federal de 1988, 17

assim como dezenas de empregados terceirizados, os quais são regidos pela

CLT. 18 Isso demonstra que há trabalhadores vinculados a outros regimes,

inclusive celetista, nos quadros de pessoal do reclamante, não apenas

estatutários, como afirmado na reclamação.

Em adição a essa constatação, emergem da decisão reclamada vários

depoimentos narrando condutas supostamente cometidas em face de

empregados terceirizados (fls. 186/188).

16 Disponível em:
http://transparencia.gov.br/servidores/consulta?orgaosServidorLotacao=OR40408&org
aosServidorExercicio=OR40408&ordenarPor=nome&direcao=asc. Acesso em 7.12.2021.
17Exemplos de servidores admitidos no serviço público sem concurso antes da CF/1988: Ivan

Fernandes Marinho (admissão em 2.12.1985) e Ângelo Plínio Bonatto (admissão em


4.2.1985).
18 Disponível em: https://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/2012/05/relacao-de-
terceirizados-14-05-21.pdf. Acesso em: 7.12.2021.

30
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

Essa contextualização sinaliza que as supostas violações das normas

que tutelam a saúde e segurança no meio ambiente do trabalho, objeto de

debate na origem, atingem de modo coletivo uma gama de trabalhadores

agasalhados por distintos regimes jurídicos, incluindo o da Consolidação das

Leis do Trabalho.

A jurisprudência do STF consolidou-se no sentido da necessidade de

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


máximo rigor na verificação dos pressupostos específicos da reclamação. 19

Exige-se o ajuste exato entre o ato questionado e o julgado reputado paradigma,

algo que não se verifica no presente caso.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, semelhantemente, já

chancelou a tese de desajuste – inviabilizador do seguimento de reclamação –

entre o provimento exarado na ADI 3.395-MC/DF e ato reclamado, emanado

da Justiça do Trabalho, que dirime ação civil pública tendente a impor, à

Administração Pública, o cumprimento de normas de saúde, higiene e

segurança:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. RECLAMAÇÃO. AFRONTA


AO DECIDIDO NA ADI 3.395-MC/DF. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA PROPOSTA NA JUSTIÇA DO TRABALHO,

19STF, Rcl 24.176 AgR/SP, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, DJe nº 171, de 22.8.2018;
STF, Rcl 29.178 AgR/GO, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, DJe nº 153,
de 1º.8.2018; STF, Rcl 21.030 AgR/GO, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe
nº 157, de 6.8.2018.

31
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

PARA IMPOR AO PODER PÚBLICO A OBSERVÂNCIA DAS


NORMAS DE SAÚDE, HIGIENE E SEGURANÇA DO
TRABALHO NO ÂMBITO DE HOSPITAL. AUSÊNCIA DE
SIMILITUDE ENTRE O ATO RECLAMADO E A DECISÃO
PARADIGMA. AGRAVO IMPROVIDO.
I – Esta Corte, por ocasião do julgamento da ADI 3.395-MC/DF, deu
interpretação conforme ao art. 114, I, da Constituição Federal, para
excluir da competência da Justiça do Trabalho as causas instauradas
entre o Poder Público e servidor que lhe esteja vinculado por relação
jurídico-estatutária.

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


II - O ato reclamado deve ajustar-se com exatidão ao paradigma
invocado, a fim de que se verifique afronta à autoridade de decisão deste
Tribunal.
III - A ausência de similitude entre o ato reclamado e o acórdão
indicado como paradigma impede o julgamento da reclamação.
IV – No caso, trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo
Ministério Público do Trabalho, com o fim de apurar o
descumprimento de normas relativas ao meio ambiente do
trabalho, especialmente no que se refere ao Hospital 28 de
Agosto, localizado em Manaus/AM, o que afasta a competência
da Justiça comum.
V - Agravo improvido.
(Rcl 13.113 AgR, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI,
Tribunal Pleno, julgado em 18.12.2013, ACÓRDÃO
ELETRÔNICO DJe-34 Divulg 18.2.2014 Public 19.2.2014) –
Grifos nossos.

Nesta outra reclamação, a Segunda Turma entendeu que a matéria

alusiva à doença ocupacional, objeto de discussão na Justiça do Trabalho, não

contraria o decidido na ADI 3.395:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO.


COMPETÊNCIA DE JULGAMENTO. DOENÇA

32
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

OCUPACIONAL. ADI 3.395. AUSÊNCIA DE ESTRITA


ADERÊNCIA. DESCABIMENTO DA RECLAMAÇÃO. AGRAVO
A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. É inviável a reclamação quando o ato reclamado não possui
aderência estrita ao paradigma apontado como afrontado.
2. Ao contrário do alegado, o ato impugnado, relativo à
competência de julgamento para demanda trabalhista fundada
em doença ocupacional, não contraria a decisão proferida na
ADI 3.395.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


(Rcl 40.441 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma,
julgado em 20.10.2020, Processo Eletrônico DJe-282 Divulg
27.11.2020 Public 30.11.2020.)

Recentemente, a ausência de aderência estrita entre o paradigma

residente na ADI 3.395/DF e a discussão atinente ao cumprimento de normas de

saúde e segurança no trabalho foi referendada no julgamento da Reclamação

49.516/RO, Relatora Ministra Rosa Weber, cuja ementa merece destaque:

RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL. ADI 3.395. AÇÃO CIVIL


PÚBLICA. PEDIDO DE TUTELA PARA CUMPRIMENTO DE
NORMAS RELATIVAS AO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO.
NÃO VERIFICADA VIOLAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA NA
ADI 3.395. AUSÊNCIA DE ADERÊNCIA ESTRITA. NEGATIVA
DE SEGUIMENTO.
(Rcl 49.516, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 10.12.2021,
Processo Eletrônico DJe-246 Divulg 14.12.2021 Public
15.12.2021.)

33
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

No ponto, alerte-se que o reclamante arguiu medida cautelar proferida na

Reclamação 49.516/RO que, no entanto, já foi cassada pela Ministra Rosa Weber

conforme ementa destacada acima.

Considerando a importância da viragem decisória, panorama antagônico

à tese inserida nesta reclamação, cabe transcrever os fundamentos lançados pela

Ministra Rosa Weber:

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


8. Como se vê, a Corte reclamada, ao exame do recurso ordinário,
reputou competente a Justiça do Trabalho para processar e julgar ação
civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho que
pleiteava a condenação do ora reclamante ao pagamento de indenização
por danos morais coletivos, bem como em obrigações de fazer e não
fazer relacionadas ao fornecimento de meio ambiente do trabalho hígido
e seguro.
Extrai-se do trecho transcrito que suscitado, no bojo de ação civil
pública, o desrespeito às normas relativas ao meio ambiente de trabalho
praticados pelo Estado de Rondônia, válido para todos que ocupam o
espaço laboral e não exclusivamente para os servidores estatutários,
conforme alegado pelo reclamante, mesmo porque em qualquer
repartição pública há também empregados regidos pela CLT.
Não se trata de causa ajuizada entre o Poder Público e o servidor
a ele vinculado por regime jurídico-estatutário, tampouco direcionado
o pleito a uma categoria específica, em relação a qual se pudesse aferir
o vínculo jurídico com o ente público.
Com efeito, consta expressamente da decisão reclamada que não
está a presente ação a tratar de direitos individualizados de servidores
públicos estatuários, mas sim de descumprimento de normas
relacionadas ao meio ambiente, higiene e saúde do trabalho, impondo
ressaltar que o meio ambiente do trabalho sadio e hígido é um direito

34
Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 31/01/2022 20:03. Para verificar a assinatura acesse
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

de todos os trabalhadores, independentemente do regime jurídico a que


estejam sujeitos.
9. Nesse contexto, não se vislumbra a existência de
identidade material entre o que decidido na ADI 3.395 e a
hipótese em exame, a inviabilizar o manejo da reclamação.
Como visto, a causa de pedir da ação de origem diz respeito ao
descumprimento das normas atinentes ao meio ambiente
hígido de trabalho, matéria não debatida no paradigma
suscitado. Nesse sentido, colho precedentes: (...)

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 915d4eef.84941470.add16eca.5ef302f3


Assim, considerando a moldura fática delineada na decisão antecipatória

reclamada, verifica-se inexistir aderência estrita entre o ato impugnado e o decisório

de efeito vinculante dessa Corte, conforme exigido pela jurisprudência.

Em face do exposto, o PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA opina

pelo não conhecimento da reclamação e, eventualmente, no mérito, pela

improcedência do pedido.

Brasília, data da assinatura digital.

Augusto Aras
Procurador-Geral da República
Assinado digitalmente

[ERBS/TSTB/RANB/ISGNP]

35

You might also like