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Historia da arte da Universidade de Cambridge A ARTE DE VER A ARTE Susan Woodford et ee 1 aS . Historia da arte da Universidade de Cambridge Susan Woodford AARTE DE VERA ARTE (a CIRCUCO DO LiIVRO Peter, que é mais do que apenas um bom observador. Agradecimentos - Pee Germissdo para a reproducio de ilustragies, a autora ¢ os editores ingleses desejam agradecer 2s instituigdes e personalidades mencionadas nas Iegendas. Também estamos gratos as seguintes pessoas ¢ entidades: | 59, Colerfie, Londres, e Eddy van der Veen, p. 1, Cooper-Bridgeman Library, Pondres: pr Tl, Deutsches Archéologisches Institut, Roma: p. 31, Werner Forman, Londres; p, 21, Giraudon, Paris; p. 37, Michae! Holford, Loughton; pp. 16, 43, 44, 50, 52, 56,57, $8, 77, 78, €0, 83, 96, 97 © 98, Mansell/Alinari, Londres ¢ Florenga; Py. 5,9, 17, 18, 67, &6 € 91, Réunion des Musées Nationaux, Parisi pp. 2, 75, 79 © 82 Beata, Florenga; p. 65, © Vaga, Nova York: p. 23, Victoria and Albert Museum, Londres. ‘gradecimentos s3o também devidos a seguintes editoras, pela autorizagio para transcrevermos excertos de obras por elas publicadas: Penguin Books Ltd., por trechos citados da traducio inglesa dos Evangelhos de E. V. Rieu, © por um Frecho das Metamorfoses de Ovidio, em traduco para o inglés de Mary M. Tnness; Harvard University Press, por um trecho de The letters of Rubens, de R. Magurn; fe Random House, por um trecho de Complete works of Plato, de Jowett. CIRCULO DO LIVRO S.A. Caixa postal 7413 01051 Sao Paulo, Brasil Edigao integral Titulo do original: “Cambridge introduction to the history of art: . Looking at pictures” Copyright © by Susan Woodford, 1983 Tradugéo: Alvaro Cabral Layout da capa: Anibal dos Santos Monteiro Licenga editorial para 9 Circulo do Livro cortesia de Zahar Baditores S.A, 10 Mt 12 13 Sumario Modos de ver pinturas ......0000000000eeeeees Paisagens e marinhas . BRR oe eee rom suas ree Vida cotidiana € coisas de todos os dias: pintura de género e natureza-morta .... Historia e mitologia Imagens religiosas Quadros como decoragdo em superficies planas .. Tradigho 2.2... eee eee eee e eee eeeeeeeeeeeeeee Consideragées sobre construcao e organizacio de UM QUAGTO 2... eee eeeeeeeeeeeeee eee eeeees Problemas na representagdo do espago .......... Uma abordagem da anélise estilistica: contraste entre Renascimento e Barroco ......... Significagées ocultas ... Qualidade Indice analitico 4 21 30 43 55 69 ww 9 1 Pintura de um bisdo na caverna pré-histéric de Altamira, Espanha. 15000-10000 a.C. 2 A ressurrei¢ao de Lazaro. Mosaico, século VI. S. Apollinare Nuovo, Ravena. 1. Modos de ver pinturas Ha muitas maneiras de olhar para uma pintura. Neste ca- pitulo, escolhemos quatro pinturas, amplamente separadas no tempo e no estilo, e vamos observé-las de um certo numero de maneiras muito diferentes. Podemos comecar por indagar a finalidade de uma pin- tura, A figura vigorosa e convincente de um bisdo (fig. 1) foi pintada ha uns quinze mil anos no teto de uma caverna existente no que € hoje a Espanha. Qual seria a fungao dessa bela e vivida pintura, colocada num escuro recanto a pouca distancia da entrada da caverna? Alguns pensam que sua fina- lidade pode ter sido magica, e que a imagem presumivelmente habilitava seu autor (ou sua tribo) a surpreender e matar 0 animal assim representado. Encontramos um principio analogo na magia negra, onde se supde que um alfinete espetado num Modos de ver pinturas boneco feito a imagem e semelhanca de alguém infligird danos a essa pessoa. O pintor rupestre pode ter alimentado a esperan- ga de que o fato de capturar a imagem do bisdo na caverna Ihe propiciaria capturar o proprio bisio. ‘A segunda pintura (fig. 2) € muito diferente; trata-se de um mosaico de uma igreja crist primitiva. Seu tema, a ressurrei- cao de Lazaro, é de facil identificagdo. Lazaro morrera havia quatro dias quando Jesus chegou, mas Jesus pediu que abris- sem o ttimulo e depois, segundo o Evangelho de Sao Joao, Ele, “Jevantando os olhos para o céu, disse: ‘Pai ... assim falei por causa da multidao presente, para que creiam que Tu me enviaste’. E, tendo dito isso, clamou: ‘Lazaro, vem para fora’. Saiu aquele que estivera morto, os pés e as maos ligados com atadu- ras...” (Joao, 11:41-44). A pintura ilustra a historia com maravilhosa clareza; vemos Lazaro, “os pés e as maos ligados com ataduras”, surgindo do ttimulo onde estivera sepultado. Vernos Jesus, vestido de pitr- pura, conclamando Lazaro a que saia, com um gesto elogiiente. ‘A seu lado, um dos que formavam a “multidio presente”, em atengiio A qual o milagre foi realizado, ergue a mao num gesto de surpresa. A organizacao da cena é simples, com figuras pla- nas bem definidas, contra um fundo dourado. Nao é uma obra t4o vigorosa quanto a pintura rupestre, mas faz com que a his- téria seja imediatamente reconhecida. A que finalidade servia essa pintura como parte da deco- ragdo de uma igreja? Na época em que esse mosaico foi criado, no século VI, poucas pessoas sabiam ler. Nao obstante, a Igreja estava profundamente interessada em evangelizar o maior mimero possivel de pessoas. Como explicou o papa Gregério Magno, “as pinturas podem fazer pelos analfabetos o que a escrita faz pelos que sabem ler”; em outras palavras, as pes- soas simples poderiam receber a mensagem das Sagradas Es- crituras olhando para ilustragdes como essa, de facil com- preensao. Vejamos agora um quadro a éleo saido do pincel do re- quintado pintor quinhentista Bronzino (fig. 3). Ele retratou a deusa pagi do amor, Vénus, sendo beijada de modo erotica- mente sugestivo por seu filho, Cupido, o menino alado. A direi- ta do grupo central, vemos um garotinho sorridente que, segun- do um estudioso, representa o Prazer. Atras dele esta uma estranha jovem de verde, cujo corpo, notamos surpreendidos, emerge de sob o vestido na forma de uma serpente enrosca- oe. Modos de ver pinturas da. E provavel que ela represente a Asticia, uma qualidade desagradavel — amavel ¢ sedutora na parte de cima e repulsiva sob a superficie — que freqiientemente acompanha 0 amor. A esquerda do grupo central, vé-se uma velha megera arrepelando os cabelos. E 0 Citime, essa combinagio de inveja ¢ desespero que também acompanha muitas vezes 0 amor. Ao alto vernos duas figuras erguendo a cortina que, aparentemente, cobria a cena. O homem é 0 Pai Tempo, alado, sustentando sobre o ombro sua simbélica ampulheta. E 0 Tempo que revela as com- plicagdes que assediam o tipo de amor lascivo aqui mostrado. ‘A mulher defronte a ele, no alto, a esquerda, é — ao que tudo indica — a Verdade; ela desvenda a dificil e perigosa combina- cdo de terrores ¢ alegrias, insepardveis das dadivas de Vénus. Portanto, o quadro transmite uma maxima moral: o citime ea astticia podem ser companheiros tao insepardveis do amor quanto o prazer. Contudo, essa maxima ndo é transmitida de modo simples e direto, como na historia da ressurreigéo de Lazaro (fig. 2); ela estd consubstanciada numa alegoria obscura e complicada, em que figura algo a que se da o nome de perso- nificagdes. A intengao desse quadro no foi contar claramente uma histéria para pessoas incultas ou analfabetas, mas desper- tar a curiosidade e, em certa medida, provocar um piiblico mui- to esclarecido ¢ culto. Foi pintado para o grao-duque da Tosca- na e, por este, presenteado a Francisco I, rei da Franca (ver as figs. 17 e 18). Portanto, era uma pintura destinada a diverti- mento e edificacio de um grupo restrito de pessoas cultas. Finalmente, vejamos um quadro feito em nossa propria época, obra do pintor norte-americano Jackson Pollock (fig. 4). Nao nos mostra qualquer parte reconhecivel do mundo comum —nenhum bisdo a ser capturado, nenhuma histéria religiosa a ser transmitida, nenhuma alegoria complexa a ser deslindada. © que ele pretende, pelo contrario, € registrar a ago do pré- prio pintor enquanto arremessava tinta contra uma enorme tela, criando esse excitante e animado padrao abstrato. Qual a finalidade de semelhante obra? Sua intengdo é revelar a ativi dade criativa e a pura energia fisica do artista, informar 0 observador sobre a ago tanto de seu corpo como de seu espi- tito quando empreende o trabalho de produzir uma pintura, Uma segunda maneira de ver pinturas consiste em indagar fo que elas nos dizem a respeito das culturas em que foram pro- duzidas, Assim, a pintura rupestre (fig. 1) pode dizer-nos (ainda que de forma bem obscura, é verdade) algo sobre os homens 9 Modos de ver pinturas 3. A esquerda. Agnolo Bronzino (italiano, 1503-1572): Alegoria (denominada Venus, Cupido, Loucura @ Tempo), ca. 1546. 146 x 16cm. National Gallery, Londres. 4 Acima. Jackson Pollock (norte-americano, 1912-1956); Ritmo de outono, 1950. 267 x 526 cm. Metropolitan Museum of Art, Nova York (George A. Hearn Fund, 1957). primitivos, que se deslocavam de um lugar para outro, por vezes abrigando-se em cavernas, que cacavam animais ferozes, mas no construiam casas permanentes nem plantavam coisa alguma, os homens cacadores e coletores da pré-histéria. O mosaico cristao do século VI (fig. 2) reflete uma cultura paternalista, na qual os poucos esclarecidos forneciam instru- Go &s massas incultas. Diz-nos que nos primeiros tempos do cristianismo era importante comunicar historias sagradas ao povo do modo mais claro possivel, de forma que ele pudesse absorver 0 significado dessa religiéo relativamente nova. ‘A alegoria pictorica de Bronzino (fig. 3) fala-nos expressiva e significativamente de uma sociedade palaciana, intelectual mente refinada, talvez até blasé, que adorava enigmas e usava a arte para entreter-se em jogos requintados. A pintura do século XX (fig. 4) conta-nos algo acerca de pessoas que vivem numa era favoravel A visio pessoal ou & ac&o singular de um artista, uma era que parece rejeitar os valores tradicionais das classes privilegiadas e incentiva os artistas a se expressarem de modo livre e original. Uma terceira forma de ver pinturas consiste em procurar avaliar até que ponto elas sdo realistas. A semelhanga com a natureza foi, com freqiiéncia, um dado importante e desafiador para os artistas, especialmente durante a Antiguidade clissica (de 600 a.C. a 300 4.C., aproximadamente) ¢ no perfodo que vai da época do Renascimento (a partir do século XV) até inicios do século XX. Fazer com que uma pintura parega convincente- mente real apresenta problemas fascinantes, e muitas geragdes de artistas trabalharam com grande imaginagao e aplicacao para resolvé-los, Mas tal preocupacdo nem sempre predominou no espirito dos artistas. Muitas vezes é irrelevante tentar apli- UW Modos de ver pinturas car nossos préprios padrées de realizacéo naturalista a um quadro pelo simples fato de nfo ser esse o padrao pelo qual o proprio artista se orientou para executar sua obra. Por exem- plo, o mosaicista medieval que quis contar uma histéria biblica tdo claramente quanto possivel (fig. 2) néo fez suas figuras pa- recerem tao bem torneadas e naturais quanto as de Bronzino (fig. 3), mas fez com que as personagens principais, Cristo e Lazaro, fossem facilmente reconheciveis, e colocou o gesto significativo de Cristo no centro da pintura, isolado contra o fundo. Clareza era o que ele buscava acima de tudo; evitou qualquer insinuagdo de ambigiiidade, por infima que fosse, ¢ a complexidade e confusdo do que consideramos aparéncias na- turais poderiam parecer-lhe apenas um motivo de distracdo. Analogamente, o artista moderno que criou o quadro da fig. 4, procurando expressar-se vigorosamente por meio da tinta, ndo deve ser julgado em funcdo de qualquer semelhanca com a natureza. Ele visou transmitir algum aspecto de seus sentimentos, e nao desejava registrar seu ambiente visual. Assim, embora nos seja Iicito indagar até que ponto uma pintura se assemelha a realidade, cumpre ter o cuidado de nao o fazer quando tal indagacdo possa ser irrelevante. Uma quarta maneira de ver pinturas consiste em analisd- las em termos de construgéo — ou seja, o modo como formas e cores so usadas para produzir padrdes dentro do quadro. Por exemplo, se observarmos dessa maneira a Alegoria de Bronzino (fig. 3), poderemos ver que o grupo principal de figuras, Vénus e Cupido, forma um L de cor p4lida que acompanha o formato da moldura do quadro. Notaremos, em seguida, que o pintor equilibrou esse grupo em forma de L com um outro L, este invertido, formado pela figura do menino que representa 0 Prazer e pela cabeca e pelo braco do Pai Tempo. Esses dois LL formam um retangulo que fixa a representac4o dentro da mol- dura; desse modo, é assegurada a estabilidade de uma compo- sigo que, sob outros aspectos, é sumamente complexa. Atentemos agora para outros aspectos da composigao picté- rica, Note-se que o espaco esta todo ele preenchido por objetos e figuras; néo hé um lugar onde os olhos possam descansar, Essa atividade constante e bulicosa de formas, de uma ponta a outra do quadro, esta relacionada com o espirito e o tema da obra, que reflete agitagdo e auséncia de firmeza de intengao. Amor, prazer, citime e astticia estao interligados num padrao formal e intelectualmente complexo. 12 Modos de ver pinturas © artista pintou as figuras com contornos frios e duros € superficies maciamente rolicas. Quando as olhamos, mais pare- cem feitas de marmore. A sensacdo de frieza e solidez é inten- sificada pelas cores usadas: quase exclusivamente azuis palidos e brancos nevosos, com toques de verde e azul mais escuro. (A linica cor quente é 0 vermelho da almofada onde Cupido se ajoelha.) Toda essa impressio de frieza e solidez é 0 oposto daquilo que normalmente associamos @ atividade sensual que estd no centro da pintura. Ao recorrer a tais meios, o artista fez com que um gesto de amor ou paixdo, usualmente terno ou candente, se traduzisse nesse quadro por um gesto frio e cal- culista. Uma espécie de tensdo estabelece-se entre as formas e cores, por um lado, ¢ o tema, por outro — tensdo inteiramente de acordo com a idéia paradoxal, talvez ligeiramente irénica, subentendida na alegoria representada. A andlise formal da construgao de uma pintura freqiiente- mente nos ajuda a compreender melhor seu significado e a apreender alguns dos recursos e estratagemas a que 0 artista recorre para obter os efeitos desejados. Nos doze capitulos que se seguem, estaremos vendo pintu- ras de muitos periodos e lugares diferentes. Embora, em pri- meiro lugar, nés as vejamos primordialmente em funcdo do tema, vamos concentrar-nos depois, cada vez mais, em aspectos de forma e composic&o que nao sao facilmente apreendidos ao primeiro olhar. Pelo caminho, encontraremos conceitos — por vezes um tanto inesperados — que nao podem ser inteiramente enquadrados nas categorias de “contetido” ou “forma”, mas que, no entanto, podem ser vitais para a compreensfo e a frui- cdo de uma pintura. Nao consideraremos a relac&o das pinturas com as socieda- des que as produziram, nem estudaremos tais obras de arte por ordem cronolégica. Muitos livros excelentes de historia da arte situam as obras em seus contextos historicos ¢ descrevem ‘a evolucdo dos estilos em seus sucessivos perfodos. Mas, 0 que & mais importante, ndo nos limitaremos a ver as pinturas; também estaremos falando sobre elas, pois, por muito estranho que isso possa parecer, vélas somente no é, na maioria das vezes, suficiente. Encontrar palavras para descre- ver e analisar obras de arte fornece, com freqiiéncia, o tinico caminho que nos poderé ajudar a progredir de um mero olhar passivo para um ver ativo e discernidor. 13 2. Paisagens e marinhas 5 Claude Monet (francés, 1840-1926): Impressao: nascer do sol, 1872. 49,5 x 65 cm. Musée Marmottan, Paris. A paisagem pode ser um motivo tao atraente para um pin- tor quanto para qualquer amante da natureza. Alguns artistas tornaram-se, na realidade, especialistas em paisagens, enquanto outros sé ocasionalmente se voltaram para esse género de estu- do da natureza — como refrigério para o espirito e os olhos. Apresentar lado a lado obras do homem com criagées da natureza pode produzir pinturas nao apenas visualmente agra- daveis, mas também serenamente reveladoras do lugar do ho- mem na natureza. 0 caso, por exemplo, do quadro de Consta- ble da catedral de Salisbury (fig. 8, p. 16). A imponente catedral esta parcialmente escondida pelas frondosas arvores em primeiro plano. Vacas pascem calmamen- te, algumas sé tenuemente vistas nas sombras, outras realga- das pela luz do sol, que ilumina a catedral em todo o seu esplendor. A imensa flecha da torre ¢ a extensao horizontal do telhado fornecem as principais linhas do edificio, mas a varie- dade de detalhes — janelas altas e estreitas, algumas delas agrupadas dentro de um arco encimado por uma rosécea, nu- 14 6 A direita. J. M. W. Turner (inglés, 1775-1851) Vapor numa tempestade, 1842, 91 x 122 cm. Tate Gallery, Londres. 7. Abaixo. Katsushika Hokusai (japonés, 1760-1849): A grande onda ao largo de Kanagawa (das Trinta ¢ Seis Vistas do Fuji), 1823-1829. Xilogravura, 25 x 38 cm Metropolitan Museum of Art, Nova York (doagao da Sra. H. O. Havemeyer, 1929. 8 John Constable (inglés, 1776-1837): A catedral de Salisbury vista dos jardins do bispo, 1820 ¢ mais tarde. 88 x 112 cm. Metropolitan Museum of Art, Nova York (doacdo de Mary Stillman Harkness, 1950). merosas agulhas e varias paredes de diferentes alturas, tudo contribui para nossa percepgfio da catedral como um todo. Que contraste entre os elementos regulares, embora variados, do edificio e a grandiosa, livre e indisciplinada variedade do ambiente natural circundante! Nesse contexto, o homem parece muito pequeno — inclusive 0 bispo, que encomendou o quadro e aparece, ao lado da esposa, no canto inferior esquerdo. O artista holandés Van Gogh, que trabalhou na Franca du- rante os uiltimos anos de sua vida, pintou a igreja de Auvers (fig. 9) uns setenta anos depois, em 1890. Produziu um quadro de carater muito diverso da viséo serena de Constable (fig. 8). A propria igreja parece to estuante de vida e atividade quanto os canteiros de grama 4 sua frente. A vitalidade das pinceladas — muitas delas fortes, largas e independentes, for- mando padrées e texturas dotados de grande autonomia — anima o céu e a vereda, assim como a igreja e suas cercanias. As expectativas despertadas pela pintura de Constable nao sdo frustradas por uma visita a Salisbury, mas a igreja de Auvers nada nos apresenta que se parega a excitagdo visual do quadro de Van Gogh. 0 edificio, como os de outras igrejas, é macico, estavel e de formas regulares. A viséo pessoal de Van Gogh converteu-o em parte integrante da paisagem da mente. A ins6lita e fantasmagorica paisagem de Dali (fig, 10), pin- tada em nosso préprio século, é claramente improvavel, toma- da como um todo. Entretanto, compée-se de elementos que, embora distorcidos, tem um misterioso ar de realidade. Uma paisagem de penhascos, mar e planicie intermindvel est4 ines- peradamente pontilhada de formas produzidas pelo homem, 16 petbhan 9. Acima, a direita Vincent van Gosh (holandés, 1853-1890): A igreja de Auvers, 1890. 94 x 74 em. Louvre, Paris. 10 A direita. Salvador Dali (espanhol, n. 1904) A persisténcia da memoria, 1931. 24 x 33 cm. Muscum of Modern Art, Nova York. rigorosamente regulares, como, por exemplo, a placa lisa e de superficie refulgente perto do mar e a caixa gigantesca, seme- Ihante a um atatide, da qual parece ter brotado, de modo des- concertante, uma arvore morta. Cada um dos trés relégios desagradavelmente “moles” assume um significado diferente, segundo seu contexto: um deles pende como uma carcaga de um galho ressequido da arvore; outro sugere a sela de um cava lo morto hé muito tempo, decompondo-se na incomensuravel 17 11 Simon Vlieger (holandés, ca. 16002-1653): Uma belonave holandesa e varios navios numa brisa, ca. 1640. Madeira, 41 x 545 cm. National Gallery, Londres. superficie deserta do tempo e do espaco, enquanto o terceiro parece ter derretido em algum sopro de calor causticante, e agora vai escorrendo irregularmente pela caixa retangular onde assenta, uma solitaria mosca pousada em sua superficie. O unico reldgio sdlido e intacto é o espécime ovdide e ver- melho em seu estojo. A primeira vista, parece decorado com um delicado desenho preto, mas um exame mais minucioso mostra que esse reldgio é 0 ponto de atraco para um grupo de formigas devoradoras, que, com a mosca vizinha, constituem as unicas criaturas vivas representadas no quadro. Sugest6es de permanéncia e decadéncia, somadas 4 meticu- losa representacdo realista do impossivelmente irreal, contri- buem ainda mais para um todo plausivel, perturbador e oniri- co. Dali, o mestre desse estilo chamado “surrealista”, € capaz de criar paisagens obcecantes, muito diferentes de qualquer uma que possamos alimentar a esperanca de visitar algum dia. No século XVII, os holandeses estavam entre os maiores marinheiros do mundo; quadros mostrando navios e o mar eram, por isso, muito populares entre eles. Simon Vlieger, mes- mo quando pintava uma cena relativamente simples (fig. 11), era capaz de sugerir a vastidéo do mar com toda a sua ameaca- 18 dora turbuléncia e a beleza afoita dos barcos que o sulcam. Um céu imenso serve de fundo para os soberbos navios que acolhem o vento que os levar para ousadas aventuras. Em contrapartida, a0 pintor francés Monet fascinava a cin- tilagdo da 4gua, a névoa subindo lentamente nos preltidios da manha e pequenas embarcagées baloucando sem heroismo na superficie cintilante do mar (fig. 5, p. 14). Ele nos dé uma visdo Ar ate Paisagens e marinhas intima, caseira, do mar, que conhecia bem, pois passara sua infancia no porto de Le Havre. Seduzia-o especialmente o jogo de luz sobre a agua, e trabalhou arduamente para desenvolver uma técnica que pudesse captar esse efeito em pintura. Bem poucos deixariio de concordar em que Monet conseguiu trans- mitir, de forma admiravel, a aparéncia da aurora derramando- se sobre as Aguas nesse quadro a que deu o titulo de Impres- so: nascer do sol. Na época em que essa pintura foi exposta, em 1874, entretanto, foi criticada pela indefinicéo dos elemen- tos nela representados. Os criticos zombaram dessa pintura e de outras expostas com ela, apelidando o movimento a que Monet pertencia de “Impressionismo” e destacando esse qua- dro e seu titulo como totalmente ridiculos. Talvez essa atitude seja ainda mais surpreendente se aten- tarmos para 0 fato de que, ja em inicios do século XIX, Turner tinha realizado brilhantes estudos de tempestades maritimas em que toda a definicao de forma se perdia nas ondas agitadas e espumantes ¢ nas nuvens em torvelinho. Vapor numa tempes- tade (fig. 6), pintado em 1842, ilustra com que eficdcia Turner pode mostrar imagens de mar e navio praticamente dissolvidas por impetuosas massas de cor. Tao convincentes s4o os poderosos quadros de Turner e tio adequados os meios pelos quais ele descreve tempestades e ondas gigantescas que se pode pensar nao existir outra forma de representar pictoricamente o caos de uma tempestade. Mas no & esse 0 caso. Usando justamente meios opostos, contornos firmes e formas definidas com extrema precisio, 0 artista japonés Hokusai foi surpreendentemente bem sucedido ao transmitir-nos a magnificéncia assustadora de uma grande vaga (fig. 7). Essa xilogravura fazia parte de uma série de vistas do monte Fuji, e o cénico e nevado pico vulednico pode ser visto ligeiramente & direita do centro do quadro. Mas, dentemente, é a gigantesca e imponente vaga a esquerda, encres- pada e prestes a quebrar, que primeiro se apossa de nossa atencao. A espuma turbilhonante desfazse na miriade de pe- quenas garras, cada uma delas claramente definida. O irresisti- vel impeto ondulante do mar ¢ revelado pelas formas brancas, de recortes nitidos e erigados. A composicao constitui toda ela uma imagem téo vigorosa do mar tempestuoso e, a0 mesmo tempo, um arranjo decorativo to maravilhosamente agradavel, que s6 algum tempo depois se comega a prestar ateng&o aos detalhes e se descobrem as embarcagées quase a pique e os homens derrotados pelo esforco inglério. 19 12. Francesco Guardi (italiano, 1712-1793): Santa Maria della § ca. 1765. 48 x 38 cm. National Gallery of Scotland, Edimburgo. lure, Por fim, uma marinha diferente: um panorama setecentis- ta de Veneza (fig. 12), essa extraordindria cidade construida sobre o mar. Guardi captou aqui a cintilagdo da luz sobre a Agua com tanto éxito quanto Monet (fig. 5), mas de modo muito diferente — pois preferiu representar 0 momento em que 0 sol esta a prumo e inunda a cena com luminosidade ofuscante. © tema principal da pintura é a grande igreja de Santa Maria della Salute, que domina a cena (Ao majestosamente quanto a catedral de Salisbury, de Constable (fig. 8). Trata-se de uma construgao sdlida e maciga, mas Guardi estendeu sobre ela com tanta habilidade um vasto ¢ resplandecente céu, e tao talentosamente animou o edificio com cores palidas ¢ radian- tes, que cle parece estar firmemente ancorado e, a0 mesmo tempo, flutuar com serenidade entre 0 mar ¢ o ar. ‘Além disso, tal como na pintura de Constable, o prédio da igreja apequena os seres humanos defronte dele — animados italianos, cruzando incansavelmente a laguna ou gesticulando ao longo do cais, talvez atarefados na realizagéo de seus obje- tivos mercantis nessa que era uma frenética cidade comercial. quadro pretendia apenas retratar uma parte encantadora de Veneza; no entanto, oferece-nos um contraste provocante entre a visio de beatffica serenidade proporcionada pela igreja ¢ o alvoroco das pessoas para quem ela foi edificada. 20 ME 3. Retratos Durante muitos séculos, os artistas ganharam a vida pin- tando retratos, e alguns ainda hoje o fazem. Os retratos séo populares por duas razdes: os retratados gostam de ter suas fisionomias registradas para a posteridade e aqueles que apreciam quadros gostam de descobrir que aparéncia tinham pessoas do passado. Os retratos nao precisam necessariamente ser de indivi- duos; também podem ser de grupos. Por exemplo, durante os séculos XVI e XVII, pessoas que, de uma forma ou outra, atuavam juntas — por exemplo, como curadores de instituigdes de caridade, vereadores ou até membros da corporagdo dos cirurgides — encomendavam retratos em grupo. Os mais anti- gos retratos de grupo representaram companhias da Guarda Civica; 0 da fig, 13, pintado por Cornelis Anthonisz. em 1533, é exemplo tipico. Cada membro da Guarda Civica deu sua contri- buicéo para 0 pagamento do artista e esperava, em troca, ser retratado de modo claro ¢ fiel. 0 cuidadoso delineamento de cada individuo e o tratamento uniforme de todos os membros do grupo condizem perfeitamente com os termos do contrato, mas 0 resultado nao foi um quadro dos mais excitantes. A solene formagao de rostos individuais torna-os um tanto anéni- mos justamente por serem eles numerosos. Os retratos em grupo continuaram sendo pintados na Ho- Janda ao longo do século XVII, mas, por essa época, os artistas interessavam-se cada vez mais em produzir quadros que fossem intrinsecamente interessantes, embora sem deixar de agradar a seus clientes, Assim, quando Frans Hals retratou o Banquete dos oficiais de Sao Jorge, em 1616 (fig. 14), tentou criar uma pintura que fosse mais vivida e interessasse mais ao olhar. Em vez de colocar todas as figuras estaticamente ao redor da mesa, uniu-as em resposta a um evento central: a apresentagio da bandeira, (Os grupos de oficiais holandeses, que preferiam fazer-se retratar tao festivamente reunidos para um jantar, ti- nham, em outras ocasides, sérias fungdes militares a desempe- nhar.) A prépria bandeira acrescenta uma mancha de cor e um vigoroso acento diagonal & j4 tio animada composicio. Embo- ra tenha logrado produzir uma obra de arte muito mais inte- 21 13 No alto. Cornelis Anthonisz, (holandés, 1499.ca. 1555): da Guarda Civil, 1533. 130. x 206 cm. Museu Hist6rico de Amsterdam. ressante que a de Anthonisz., Hals também preencheu conscien- ciosamente os requisitos da encomenda que lhe foi confiada, e retratou cada membro da companhia com grande fidelidade. Ninguém é especialmente adulado nem recebe particular des- taque, mas cada um é retratado como um individuo dotado de caracteristicas unicas. Isso ¢ 0 que usualmente esperamos de um retrato — que mostre uma pessoa tal como ela é, 22 14 Abaixo, a esquerda. Frans Hals (holandés, 1580-1666): Banquere dos oficiais de Sao Jorge, Frans Halsmuseum, Haarlem. 15. Acima. Hans Memling (Flamengo, em atividade ca. 1465-m, 1494): Retrato de Maria Portinari, 1472. Tempera, 44,5 x 34cm. Metropolitan Museum of Art, Nova York (doagio de Benjamin Altman, 1913) 16 Acima, a direita. Hugo van der Goes (flamengo, em atividade 1467. Portinari (Adoragao dos pastores), ca. 1475. Uffizi, Florenga (ver também, a fig. 52). Essa expectativa, entretanto, pode ser um tanto ingénua. Examinemos, por exemplo, dois retratos da mesma pessoa, Ma- ria Portinari (figs. 15 e 16). Ambos foram feitos por artistas altamente competentes, e registram grosso modo as mesmas feiges, mas os dois sao de cardter to diferente que se torna dificil definir a aparéncia real de Maria Portinari O retrato mais antigo (fig. 15) foi pintado por Memling em 1472, e © mais recente, por Hugo van der Goes, por volta de 1475 (fig. 16). O retrato de Van der Goes faz parte de um retébulo cujo centro mostrava o Menino Jesus adorado por pastores (fig. 52, p. 60). Os doadores, responsdveis pela enco- menda da pintura, apareciam nos painéis laterais: Tommaso Portinari e seus filhos & esquerda, sua esposa Maria e uma filha a direita. Essas personalidades da época desejavam ser lembra- das mediante sua representacao, diminuta mas devota, nas homenagens Sagrada Familia, como se delas tivessem parti- cipado. As grandes figuras de seus santos padroeiros, atras dos Portinari, intervém como se fossem seus padrinhos. Mas examinemos mais de perto Maria Portinari, tal como foi retratada por Hugo van der Goes (fig. 16). Tudo indica que ele nfo se poupou nos cuidadosos detalhes, uma quantidade in- finita de mintsculas pinceladas que se combinam para delinear as faces encovadas, o longo nariz e a expresso intensa. Em contraste, no retrato de Memiling (fig. 15), ela parece superficial, quase frivola, faltando-lhe inteiramente a profun- didade de sentimentos e a intensidade reveladas no retrato de 23 17 Acima. Jean Clouet (francés, 1486-ca. 1540): Francisco I, ca. 1525-1530. Painel, 96 x 73,5 cm. Louvre, Paris. 18 Acima, a direita. Ticiano (Tiziano Vecelli; italiano, 1488-1576): Francisco I, 1539. 109 x 89 cm. Louvre, Paris. i ud Van der Goes. Suas feicdes sao nitidamente mais bonitas, sem a angulosidade e o carter do retrato de Hugo. Memling reali- zou um trabalho téo esmerado quanto Hugo. Ficamos na dit- vida sobre se Memling incensou seu modelo ou se Van der Goes transmitiu algo de sua propria profundidade ao carater mais superficial de Maria Portinari. Qual dos retratos nos mostra como ela realmente era? O que uma pessoa realmente aparenta ser é uma coisa; 0 que ela gostaria de parecer é outra. Para figuras da vida publi- ca, a segunda proposi¢ao reveste-se freqiientemente de muito mais importancia, Sabemos como os politicos se esforcam, hoje em dia, por trabalhar suas “imagens”. As personalidades régias do passado nao eram menos sensiveis nesse aspecto. Para os retratos de cabegas coroadas, a semelhanga fisica é apenas parte do que se requer: a imagem de um rei deve pare- cer, em seus infimos detalhes, a de um rei. Tera o pintor francés Clouet conseguido transmitir essa impressao em seu retrato de Francisco I da Franca (fig. 17)? O rei esta ricamente trajado, e sua presenca domina a pintura. Mas quando se compara esse retrato com 0 que o grande Ticia- no fez do mesmo rei (fig. 18), que mundo de diferenga! A volun- tariosa rotacdo da cabeca do rei, sua barba densa e majestosa, até mesmo a postura autoritaria dos ombros no retrato de Ti- ciano — tudo Ihe confere uma qualidade herdica que era suma- mente apreciada por clientes régios, Embora Ticiano nao tenha visto seu real modelo face a face (ele baseou o retrato numa medalha que retratava 0 rei de perfil), sua concepcao arrojada 24 19 Sio Marcos, detalhe dos Evangelhos Ebbo, ca 816835. 25,5 x 20 cm Biblioteca Municipal de Epernay. Retratos com que a meticulosa seu vigoroso trabalho de pincel fazer execucao de Clouct pareca quase delambida. Nao admira que reis ¢ imperadores desejassem ser pintados por Ticiano; e tam- pouco surpreende que artistas ulteriores (como Rubens e Van Dyck), que eram mente capazes de incutir em seus reais ‘andeza, fossem tao requisitados modelos um ar de irrestrita como pintores da corte. Por vezes, 0 retrato deve refletir, de algum modo, o cardter da pessoa retratada. Em tais casos, néo importa a aparéncia fisica real da pessoa nem como ela desejaria ser representada Podemos ver exemplos disso nas charges politicas estampadas em jornais — embora clas se inclinem mais, com freqiién- cia, para a caricatura do que para a caracterizagao. Os artistas preocupam-se com a caracterizacio num sentido mais profun- do. Vemos isso com extrema clareza quando os pintores sio 25 Retratos solicitados a fazer retratos de pessoas que nunca viram. Por exemplo, havia uma velha tradigao segundo a qual o texto de um livro devia ser precedido de um retrato do autor. Quando © livro era um dos Evangelhos — o que era muito freqiiente na Idade Média —, 0 artista se defrontava com um problema: nin- guém conhecia a verdadeira aparéncia fisica dos evangelistas. O artista podia basear seu retrato em representagdes anteriores (também imagindrias) ou tentar imaginar que espécie de card- ter um evangelista teria e que expressdo apresentaria quando inspirado para transcrever a palavra de Deus. A fig. 19 mostra como um artista do século IX retratou Sao Marcos redigindo sua contribuicéio para o Novo Testamento. O santo esta senta- do atras de seu tinteiro, o livro aberto sobre o regago. Franze 0 cenho ao erguer ansiosamente os olhos para o céu, onde paira seu simbolo (0 ledo alado), desenrolando encorajadoramente um rolo de pergaminho. Nao deixa de ser surpreendente que os retratos imagind- rios se coloquem entre os mais comoventes em pintura. B, por exemplo, o caso do retrato de Aristdteles ao lado do busto de Homero (fig. 20), de Rembrandt. Aristdteles foi o renomado filésofo grego do século IV a.C. que, durante certo periodo, exerceu as fungées de tutor de Alexandre, o Grande, rei da MacedOnia. Durante a Antiguidade, escultores tinham feito bus- tos de Aristoteles, mas Rembrandt nao baseou neles as feigdes de seu filésofo; o carater esplendidamente complexo, com sua expressfo triste, foi derivado de alguma experiéncia mais proxima e mais intima. Aristételes nao esta vestido como um filésofo antigo, mas como um corteséo contemporéneo de Rembrandt. Dedilha a corrente de ouro que usa como marca do favor real — alusao a seu relacionamento com Alexandre —, mas seu olhar se perde na distancia enquanto pousa a mao direita no busto de Homero, o grande poeta cego cuja obra influenciou tao profundamente a cultura grega, e cujo herdi (Aquiles) foi um modelo para o proprio Alexandre. O busto de mérmore de Homero na pintura é copiado de um antigo retra- to — embora ele também imagindrio, feito uns seis séculos apés a morte de Homero. Ninguém conhecia o aspecto fisico do bardo, mas o escultor (desconhecido) que criou essa ima- gem tinha sentido claramente a pujanca de sua poesia e logrou executar um dos mais memordveis retratos que possuimos — apesar do fato de nfo ter, presumivelmente, qualquer seme- Ihanca fisica com 0 homem que se propés retratar. Por vezes, um retrato pode ser, em primeiro lugar, uma 26 20 Rembrandt Harmenszoon van Rijn (holandés, 1606-1669): Aristételes ao lado do busto de Homero, 1653, 1435 x 1365 cm. Metropolitan Museum , Nova York 6). obra de arte, ¢ sé secundariamente a representagdo de deter- minada pessoa. E esse 0 caso do retrato (fig. 21), feito por Picasso, do marchand d'art Vollard. Na época em que pintou esse retrato, em 1910, Picasso estava profundamente imerso na formulacao do estilo chamado “Cubismo”. Ele e alguns de seus amigos aproveitaram a sugestao de Cézanne (ver p. 38) de que um artista deve procurar revelar os cones, esferas e outras formas geométricas subjacentes nas aparéncias naturais, até sua conclusao légica, e talvez ainda mais além. Assim, vemos que nao s6 0 rosto e a figura de Vollard esto decompostos em formas facetadas, agudamente angulares, mas também que o espaco atrds ¢ ao redor dele foi tratado do mesmo modo. A 27 Retratos 28 21 A esquerda. Pablo Picasso (espanhol, 1881-1973): Retrato cubista de Ambroise Vollard, 1910. 91 x 65 cm. Museu de Puchkin, Moscou. 22 A direita, Pablo Picasso: Ambroise Voltard, desenho, 1915. 465 x 32 cm Metropolitan Museum. of Art, Nova York. Retratos antiga distingdo entre figura fundo foi abolida, e a superficie inteira da tela é tratada como um todo homogénco. Isso confe- re ao quadro a espécie de unidade que raramente se observa em obras figurativas, mas & mais comum nas puramente abstra- tas (como a fig. 4). Na pintura de Picasso existe, porém, sur- preendentemente, uma forte — embora indefinida — sugestao de profundidade, espago ¢ até volume, O que talvez seja ainda isso & © modo irresistivel como as mais surpreendente em tudo teigdes ¢ a personalidade de Vollard emergem da confusio de formas quebradas ¢ anfractuosas. Cinco anos depois, Picasso fez outro retrato de Vollard (fig. 22); € um belo desenho em estilo convencional. Figura e fundo distinguem-se claramente um do outro. O homem, a cadeira, as roupas, 0 ambiente — tudo esta inequivocamente representado e, no entanto, duvida- mos de que sua personalidade esteja ai mais vividamente refle- tida do que no retrato cubista anterior (fig. 21). 29 23 Jan Steen (holandés, 1626-1679): A familia dissoluta, ca. 1665. 77 x 87,5 cm. Museu Wellington, Apsley House, Londres. Vida cotidiana e coisas de todos os dias: pintura de género e natureza-morta Cenas corriqueiras do cotidiano foram consideradas, em alguns periodos, desprovidas de dignidade artistica e, embora pudessem ser registradas nas margens de manuscritos durante a Idade Média, nao forneciam temas para pinturas sérias. Em outros periodos, entretanto, clientes e artistas deleitavam-se em contemplar e descrever o dia-a-dia. Os colecionadores de arte holandeses do século XVII, por exemplo, eram grandes apreciadores da pintura de género, como é chamada. Os qua- dros produzidos para satisfazer esse mercado eram freqiiente- mente belos e fascinantes, apesar de seus temas anédinos. Os pintores holandeses mostram-nos rixas em tavernas, rui- dosas festas de familia, alegres patinadores cabriolando no gelo, mulheres comuns entregues a seus afazeres cotidianos Vida cotidiana e coisas de todos os dias com serena dignidade — enfim, toda a rica variedade da vida cotidiana da época. A familia dissoluta (fig. 23), de Jan Steen, fornece bom exemplo disso. O reldgio perto da porta, no quadro, mostra-nos que faltam cinco minutos para as cinco horas, e uma luz de fim de tarde filtra-se através da janela com barras, no alto, a esquerda. 0 dono da casa jantou obviamente bem e esté entre- gue ao prazer de um cachimbo de barro. Uma dama ricamente vestida, rechonchuda e de fartos seios — que pode ser sua esposa — esta Ihe oferecendo um copo de vinho. Ele olha na direcdo do espectador, com a mao na anca ¢ um brilho maroto no olhar. A governanta, sentada na outra extremidade da mesa, caiu num sono profundo, alheia ao fato de o garoto ajoelhado a seu lado estar surrupiando o contetido de sua bolsa. Cartas de jogar esto espalhadas pelo chao, ao lado de enor- mes conchas, de uma ardésia abandonada e do chapéu do dono da casa, displicentemente jogado. A direita, véem-se queijos e pao em abundancia, e uma apetitosa peca de carne que esta despertando grande interesse no cachorro. Quanto mais se olha, mais detalhes divertidos se descobrem: a vizinha curiosa espiando, de sua janela, a criada que flerta com © miisico, as costas do dono da casa; as duas criancas @ direita, uma delas erguendo provocativamente uma moeda, e, finalmente, 0 maca- co empoleirado no dossel da cama e brincando com os péndu- los do relégio. Talvez, afinal de contas, nao sejam cinco para as cinco! Mas que importa o tempo em semelhante casa? Steen, porém, ndo estava apenas preocupado em criar um quadro interessante. Desejou também transmitir uma mensa- gem moral: 0 comportamento indigno dos mais velhos esta obviamente dando mau exemplo as criangas ¢ suscitando até um efeito calamitoso na criadagem; o cachorro esta prestes a sucumbir a seus apetites animais e o macaco esté literalmente “matando 0 tempo” Nesse quadro, Steen langa um olhar de irénica reprovagio as atividades das familias abastadas, Em outras pinturas, seus temas foram a gente comum, cujas excentricidades ele podia observar de perto na taverna de sua propriedade. Uma pintura feita exatamente um século antes, em 1565, fornece um panorama da vida ao ar livre e do trabalho da gente comum (fig. 24). Brueghel captou aqui a esséncia da colheita: 0 trabalho extenuante dos camponeses avangando laboriosamente pelos caminhos abertos na seara, os homens, A esquerda, ceifando com suas foices e, a direita, uma mulher BSE M opolitan Museum ot Nova York (Rogers Fund, 1919) reita. L. 8. Low ‘i ini sia 1930. x fire da Chace oe Salford, Lancashire. Vida cotidiana e coisas de todos os dias dobrada para atar um fardo de feno; os prazeres simples de comer e beber mostrados num grupo arranchado em primeiro plano; ¢, 0 mais comovente, 0 camponés exausto estendido ao pé de uma érvore, gozando as béngaos de um sono reparador. No passado, a maior parte do trabalho era agricola; hoje, a maior parte dele é industrial. A vida urbana e 0 trabalho fabril parecem temas pouco auspiciosos, mas Lowry, indiferen- tea tais consideragées, captou vigorosamente o meio ambiente que Ihe era familiar. Mesmo mostrando gente cansada e frio- renta caminhando vergada para casa entre enormes edificios (fig. 25), foi capaz de revelar a beleza de composi¢ao que pode ser extraida dos ambientes mais deprimentes. A triste sorte dos pobres urbanos — mal-vestidos, famintos ¢ sofridos — é traduzida com suprema compaixao por Daumier no quadro O carro de terceira classe, feito na década de 1860 (fig. 29, p. 36). As cores escuras e melancélicas ¢ os contornos Asperos e irregulares refletem vigorosamente 0 sombrio estado de Animo e a resignacdo da familia exausta que se amontoa nos duros assentos de madeira do carro. Ha poucos detalhes metictilosos no quadro. Linhas fortes e negras so suficientes para sugerir as circunstancias e criar a atmosfera. Em contraste, a ilustragio dos irmaos Limbourg para o més de fevereiro (fig. 30), num livro de horas exuberantemente ilustrado, para um cliente aristocratico, em inicios do século XV, foi alegremente colorida e esmaltada dos mais requintados detalhes. Mostram-se os camponeses transidos de frio no inver- no rigoroso. Trés deles, abrigados na cabana de madeira — a parede da frente foi omitida pelo pintor, para que possamos ver 0 que se passa ld dentro —, juntam-se ao redor da lareira acesa, repuxando indecorosamente as roupas para que os cor- pos enregelados tirem 0 maior proveito do fogo. Uma mulher sopra nas maos frias, enquanto se aproxima da cabana, vinda da direita; um homem corta madeira energicamente e outro fustiga seu burro pelo caminho nevado que conduz a aldeia distante, Passaros debicam, famintos, as escassas migalhas, € ovelhas amontoam-se no redil. A vida da gente humilde foi descrita com grande elegancia para o cliente nobre, que exigia beleza em tudo o que possuia e certamente nao gostaria de ver ‘0s camponeses retratados de modo mais realista. A vida nao é toda feita de trabalho e sofrimento; as pessoas também relaxam e se divertem. Alguns pintores preferem mos- trar esses momentos mais felizes, e ninguém o fez mais jubilo- samente que Renoir. Por exemplo, seu quadro intitulado Almo- 33 26 Acima. Pierre-Auguste Renoir (frances, 1841-1919): Almoco festivo a bordo, 1881. 130 x 173 cm. Phillips Collection, Washington, D.C. 21 A direita. Rembrandt: Aprendendo a andar, provavelmente de 1630. Desenho a giz vermelho, 265 x 32,7. cm. British Museum, Londres. 34 28. Pablo Picasso: Os primeiros passos, 1943, 130 x 97 cm. Galeria de Yal Connecticut (doa Stephen C. Clark) 0 festive a bordo (fig. 26), de 1881, tem o mais simples dos temas, e é impregnado do mais puro deleite. A cena se passa num dia quente de veréo — os homens estéo apenas com as camisetas de baixo —, a mesa esta repleta de copos e garrafas de vinho, mocas bonitas exibem seus chapéus novos. Todo mundo esté alegre, simplesmente desfrutando as delicias de um ensolarado e quente feriado ao ar livre. As cores sAo bri- Ihantes, agraddveis e resplandecentes. As pinceladas, leves € livres, Tudo se combina para transmitir uma sensagio de natu- ral prazer pelas alegrias simples da vida, tao alegremente com- partilhadas aqui pelo pintor e seus modelos — pois os partici- pantes da excursao de barco eram amigos de Renoir e a encan- tadora jovem brincando de modo téo galante com o cachorri- nho, viria a ser a esposa do artista. ‘Um desenho de Rembrandt (fig. 27) fere uma nota mais tranqiiila. Uma crianga esta prestes a dar os primeiros passos. ‘A mie, forte e madura, curva-se para segurar-lhe a mo. Ela se volta ligeiramente para o menino e estende 0 outro brago, enco- rajadora, apontando o caminho a ser seguido. A direita do desenho, vemos uma ancia, a avé, Dobrada ao peso dos anos, mas também pegando na mao da crianca, oferecendo um débil apoio, ela volta a cabeca, de tracos bem marcados, na direcéo do neto. O bebé se prepara para uma grande aventura — 35 29 Abaixo: Honoré Daumier (francés, 1808-1879): Carro de terceira classe, 1863-1865? 65 x 90 cm. Metropolitan Museum of Art, Nova York. 30. Pagina oposta. Irmaos Limbourg (ilamengos, m. ca. 1416) “Fevereiro”, de Trés riches heures du Duc de Berry 1413-1416. Pagina inteira: 28 x 21 cm. Museu Condé, Chantilly Vida cotidiana e coisas de todos os dias timidamente. Com espléndida economia de tragos, Rembrandt conseguiu comunicar-nos a expresso ansiosa no rosto da crian- ca e oferecer-nos, de maneira inconfundivel, trés diferentes fases da vida, trés atitudes diferentes e a teia sutil dos ternos sentimentos que ligam os seres humanos uns aos outros, Os primeiros passos de uma crianga séo também o tema de um dos quadros de Picasso (fig. 28, p. 35). Ele nada possui do delicado realismo do desenho de Rembrandt, mas esta, tanto quanto este, impregnado de sentimento humano. Rem- brandt sugeriu a ansiedade da crianca; Picasso tornow.a expli- cita. Um grande pé, os dedos tensos, é projetado para a frente; o rosto da crianga esta distorcido pela ansiedade da incerteza — onde ira pousar esse pé? Ela estende as pequeninas maos 36 Vida cotidiana e coisas de todos os dias espalmadas, os bragos hirtos. Atrés dela, assomando serena- mente, envolvendo-a, esta a mae. Discretamente, as maos ma- ternas sustentam a menininha; o rosto meigo da mae mostra que ela se solidariza com a ansiedade da crianga, mas que também confia nela. E uma imagem extraordindria, que sugere como a mée se converte num casulo protetor envolvendo sua filhinha e como esta, embora absorta nas proprias sensagées, aceita com naturalidade a ajuda materna. As distorcdes da realidade habilitaram o artista a penetrar por sob a aparéncia superficial dos eventos e das emocoes. Finalmente, duas cenas de homens entregues ao jogo numa mesa (figs. 31 e 32). A primeira vista, parecem tao semelhantes que fica dificil acreditar que quase dois mil anos as separam. A primeira (fig. 31) foi encontrada na parede de uma taverna em Pompéia. E um esboco apressado, de escasso mérito artisti- co, mas realista e apropriado para seu contexto. Fazia parte de uma série de pinturas que decoravam uma taverna, mostrando as atividades habituais dos seus freqiientadores — jogos de azar, brigas e, finalmente, sua expulsdo @ forca. Tais pinturas combinavam a informacéo com a decoragdo, eram convites para o prazer temperados por lembretes sutis de que o compor- tamento buligoso nao devia passar de certos limites. Jé os Jogadores de cartas (fig. 32), de Cézanne, embora sejam uma pintura superficialmente semelhante, constituem, na verdade, uma obra de arte muito séria. # possivel que Cé- zanne se inspirasse num quadro de um artista francés do século XVII, Mathieu le Nain; ele reelaborou o tema por diversas vezes, até reduzir finalmente o ntimero de figuras as duas que vemos aqui. O assunto, em si mesmo, é bem trivial, mas Cézan- ne, através de cuidadosa andlise da forma e do sutil equilibrio dos varios elementos, investiu-o de grandeza e dignidade. Os dois homens esto sentados um defronte do outro, proporcio- nando fortes notas verticais de ambos os lados da tela. O braco mais préximo de cada um parece compor-se basicamente de dois cilindros. Os quatro cilindros, em conjunto, descrevem a forma de um W muito raso, as linhas moderadamente angulo- sas ligando entre si as duas figuras eretas. Cézanne enfatiza em toda a pintura as simples formas geométricas subjacentes ao formato da garrafa, da mesa, do peitoril da janela e até dos chapéus e joelhos dos jogadores. As cores sao abafadas e auste- ras, O resultado é uma sensac&o de tranqitilidade e ordem que promana da licida combinagao de formas claras e incomplexas. 38 gedhanel 31 Acima. Homens jogando dados, pintura numa parede de uma taverna, em Pompéia, século 1 d.c, Museo Nazionale, Napoles. 32. A diveita. Paul Cézanne (francés 1839-1906): Jogadores de cartas, ca, 1890-1895, 415 x STom. Louvre, Paris. SE 39 33. Paul Cézanne Fruteira, copo e macas, 1879-1882. 45,7 x. 34,5 cm. Colegio particular, Paris. Ceres Natureza-morta O imteresse de Cézanne em descobrir as formas geométri- cas subjacentes & aparéncia das coisas e suscetiveis de confe- rir ordem a arranjos pintados fez dele um soberbo pintor de naturezas-mortas (fig. 33). Uma fruteira, um copo e um pano enrodilhado sobre uma mesa, esses simples elementos apresen- taram-lhe um desafio de composi¢aéo: como dar uma ordem visual firme a um arranjo de objetos aparentemente casual Naturezas-mortas foram pintadas na Antiguidade classica, € a recuperagao da arte de representacao realista no Renasci- mento, somada a um intenso respeito pelas obras da Antigui- dade classica, estimulou o ressurgimento desse tipo de pintura. Os quadros de natureza-morta contém, por vezes, frutos empi- Ihados em luxuriante abundancia (fig, 35), argénteos peixes em bandejas, aves de caca sutilmente coloridas e pendentes de uma parede ou arranjos florais em opulentas cascatas de cor. As naturezas-mortas também podem consistir em reluzentes vasilhas de estanho, copos de rutilante transparéncia, tapetes ricamente tecidos abertos sobre uma mesa, livros, jarras, ca- chimbos, o tinteiro de um escritor ou a paleta e os pincéis de um pintor, Toda sorte de objetos inanimados constitui tema adequado para naturezas-mortas, pois a habilidade do artista faz-nos subitamente cénscios das propriedades estéticas de coi- sas comuns e¢ vulgares. Esse fato recebeu surpreendente ¢ Fenovada importancia, em termos de atualidade, por volta de 40. 34 Acima. Andy Warhol (norte-americano, n, 1930): 100 latas de sopa, 1962. 183 x 234 cm. Galeria Leo Castelli, Nova York. 35. A direita. Jan Davidsz. de Heem (holandés, 1606-1684); Natureza-morta com fruta e lagosta, fins da década de 1640. 70 x 59 em, Rijksmuseum, Amsterdam. Bawoennanas Here CI SESES Seoreroreaes Sie saeseaea CORD eaEIEwED a] pabaron rscsestses soaoe benseaeaoeaes 41 36 Pieter Claesz. (holandés, m. 1661): Vanitas: natureza-morta, 1623. Madeira, 2435,5 cm. Metropolitan Museum of Art, Nova York (Rogers Fund, 1949) 1960, quando Andy Warhol nos fez olhar para nossas despensas com um novo sentido estético de ordem, depois que pintou este quadro absolutamente literal (fig, 34) de latas de sopa Campbell. As naturezas-mortas podem transmitir até mesmo uma mensagem moral, ferindo uma nota séria, quase tragica (fig. 36). A presenca de uma caveira em meio a varios objetos impe- cavelmente pintados é um inevitdvel lembrete da transitorieda- de de todas as coisas, chamando a atengao para as comoventes palavras do Eclesiastes: “Vaidade das vaidades; tudo é vaida- de” (Eclesiastes, 1:2) Essas naturezas-mortas “Vanitas” foram muito populares justamente na época em que os pintores holandeses e flamen- gos estavam produzindo os arranjos mais exuberantemente ricos de flores, frutos, peixes e aves — maravilhosamente pin- tados, vividamente sugestivos de bem-estar material ¢ das boas coisas da vida (fig. 35). Sua seriedade projeta uma sombra de alusdo literéria sobre todas as naturezas-mortas, recordando aos homens: “No dia de prosperidade, rejubilai; mas, no dia de adver- sidade, meditai: Deus também contrapés um ao outro, a fim de que o homem no desvende o futuro” (Eclesiastes, 7:14). 2

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