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Agenda de pesquisa e agao em Linguistica Aplicada: problematizacdes ‘Angela B. Kleiman Por uma epistemologia do Sul da Linguistica, ciéncia dominante, a um campo que recém-comecava a se inear nas universidades brasileiras, notadamente no estado de Sao Paulo, como realidade na PUC-SP, sob a coordenacao dahomenageada deste volume, Antonieta Alba Celani, e ainda como projeto de agéo futura na UNICAMP. ‘Muitas décadas se passaram e muitos volumes sobre a identidade da rea foram escritos, notando-se uma constante nas diversas obras: @.mo- (mesmoanode como exigiaalegislag4o). O recém. Progeama de Mestrada em LA fi jente provadoe implantado no referido I aieFa rot tagee a ie idade por alguns praticantes da drea (Serra Celani e Paschoal, 1992), ea propria redefinigio do que é ser transdiscipl har, evidenciada na coletanea de textos reunidos por Signorini e Cavaleanti (1998). O registro desse movimento nessas obras é um atestado da progres- Sivaampliagio do quadro das ciéncias que informavam teoricamente os pes- quisadores da area (alids, o nico caminho possivel para dar conta dos obje- vos do campo), que reiteradamente explicitavam um compromisso social da Linguistica Aplicada (LA) com a resolucao de problemas e iniquidades em. que a linguagem jogava algum papel central (Cavalcanti, 1986; Moita Lopes, 1994; Kleiman, 1992; Celani, 1992), Essa (re)afirmagio epistemolégica culminou com a publicagao, em 2006, de uma coletinea de textos escritos por linguistas aplicados nacio- nals e estrangeiros (Moita Lopes, 2006b), que praticamente constitui uma Aeclaragio de principios sobre « hatureza trans2)da Linguistica Aplicada, cada vez mais epistemologicamente distante da Linguistica, e mais préxi- ma dos Estudos Culturais.e das Ciéncias Sociais, pelo seu cardter “trans. gressivo.e critico’, decorrente da necessidade social de problematizara irea (Pennycook, 2006). Neste trabalho, pretendo reabrir 0 debate iniciado por Moita Lopes (2006) no texto de sua autoria nessa coletinea, no qual ele advoga a ne- cessidade de construir conhecimentos que contemplem *as vozes do Sul”, ou seja, os sujeltos sécio-histéricos de nossa realidade social. A elaboragio de um programa de pesquisa, flexivelmente estrufuirado, de modo a con- templar todo o trabalho eritico da area, € um passo essencial na elabora- sao de uma agenda de pesquisa, agdo e intervenséo que outorgue maior visibilidade e credibilidade a nossa area, abrindo espaco, talvez, parauma participacao efetiva na mudanca de estruturas elitistas e arcaicas (como, Por exemplo, os curriculos na universidade). Venho trazer outras vores |htino-americanas,a fim de “sulear” (orientar para o Sul) o debate e ques- tionara hegemonia ocidental do Norte, ainda imperante na definigao dos nossos problemas de pesquisa. ar_uma|faceta de, criticida: ras de Paulo Freire (segundo Sreck e Adams, 2012), 0 “suleamento” (em vez. do norteamento) de nossa dade agadémica, pormeio do estabelecimento de mais didlogos com ou- 1s sociais crticos “de fronteira’: socidlogos, tedricos culturais, os que se posicionam na periferia, A margem do eixo euro-norte-ame- dle produgao de conhecimentos. Bm outraspalavas,parafraseando 0 o argentino-mexicano Enrique Dusell (2004: 24) urge, “antes, de tudo. didlogo entre.os criticos da periferia, um didlogo intercultural Sul-Sul’, Minha contribuigio para esse debate consistirs na problematizagdo 1m aspecta relevante na determinagao dos rumos da pesquisa na LA do a saber, ¢ daflescolonialidade epistemoldgica (Escobar, 2000, 2003; 10, 2004, 2007; Mignolo, 2000, 2007) na formulacao de problemas .esquiisa ¢ participagio social. Embasarei minha discussio num progra- 1a de pesquisa ¢ agao, em desenvolvimento na América Latina, que tem se tsado muito produtivo na formulagio dos problemas com ¢ por grupos ais as margens dos centros de produgio de conhecimento nas regides s periféricas de nosso continente, numa perspectiva desde o interior da feria, visando outorgar visibilidade a esses grupos. O programa tornou- se um paradigma produtivo, cujos prineipios tém sido adotados, com maior nenor explicitude e intensidade, na pesquisa sobre letramento que o gru- o Letramento do Professor desenvolve no Brasil’. Defendo, neste trabalho, uma Linguistica Aplicada critica com.uma agenda que, em consonancia com sua yocagig.metodolégica interventiva, rompa 0 monopélio do saber das uniyersidades e outras redinem grupos de pesquisadores e intelectuais e toma como um de seus ob. jetivos aelaboragio de curriculos que favoresam, por um lado, a apropriasio esses saberes por grupos na periferia dos centros hegemdnicos e, por outro, © Partcalarmente no Abi 00 eprtica de Itranse aC Reema pelea 1s Cosme dos Santos pelos antigos debates sobre margi |parapensar sobre oassunto.A Cala obriga ersto deste texto, ea Maria idade que, hi mui- as Vian iia Cintra Mar tos anos,me deramo impulse sme lembrado do upon ees6ny za Maen os. Numa extens, esses repensar arelagio de Brodugio ¢ uso de conhecimentos entre os pesq es da Europa e dos Estados Unidos e os pesquisadores da América hispano-falante e do Brasil ‘oblematizo, assim, nossa dependéncia desses polos e o desconhecimen- to erejeigdo dos saberes, conceitos e programas de pesquisa que nao fazem parte da epistemologia ocidental do Norte. A obra da qual este capitulo faz parte, cujo intuito é prestar homena- gem Antonieta Alba Celani, é particularmente receptiva, creio eu, a tal ob- jetivo, pela trajetéria de Antonieta que, numa época em que outras relacdes entre disciplinas e saberes imperavam, soube problematizar situa, es da ida profissional do professor de linguas e procutar os meios para rhe ‘8 problemas e desafios préprios desta era de ripidas mudancas e miltiplas ovas exigéncias postas 20 professor’ 7 Centro e periferia na produgao do saber Dado que aglobalizagio neoliberal éhegemonice, nao surpreende que ea eta ‘nraizada no saber, nde menos hegeménico, da ciencia moderna de base ocdental. Boaventura de Sousa Santos, O Férum Social Mundial © modo em que a pesquisa em Linguistica Aplicada vem se desenvol- vendo no Brasil se destaca e diferencia da pesquisa ocidental do hemisfé. vio Norte, onde o préprio paradigma crtico é questionado e rejetado por linguistas aplicados de renome (cf. Pennycook, 2006: 68). No Brasil, pelo contritio, desde a década de 1990, dilogos muito frutiferos vém se on volvendo entre a Linguistica Aplicada e outras ciéncias sociais e humanas * _-Acsserespeito, hoe raflemo minas palavias de vi egsise dt Anon treonfiranos ao onge 3 os nos Prime sare habia Seu ein sas epegun oglu 19941) Esta eas demasrdages dongs dnp anos aris sobre a trajetria de ira que foram confirmados 1 medidas de longo ada” (Kleiman, neste capitulo sto de mia atria, igagdes que se ocupam de questdes em que a linguagem \A* {om umn papel constitutive nos saberes, nas configuracdes identitarias ¢ nas) swlagoes — fer as, 6tnico-raciais, sociais — que formam, conformam, am, transformam as realidades que construimos. lemento comum a essas pesquisas, que nos aproxima das perspec- ntz Fanon e de Stuart Halll, é o lugar em que sio produzidos esses _ cimentos, identidades e relagbes: desde um espago-tempo que soften 1s de colonizacao, um Iécus que marca os nossos corpos, as nossas pa- parece-me, deveria também marcar nossas epistemes. Esse lécus, porém, é também o lécus da periferia cultural, econdmi- woldgica, E a periferia se define, muitas vezes, em relagao a um ro de produgio de conhecimentos, neste caso, os conhecimentos eua-céntricos" Mas nao precisa ser assim, como alega um grupo de pesquisadores, a 1a da América hispano-falante, que apresenta argumentos importan- a pensar num "giro", ou virada, epistemoligico, para a periferia ea ir da periferia, o que torna esses sistemas de saberes nao subalternos em do a.um centro sempre hegeménico) como se fosse sé ld que se produzo hecimento “que conta como cophecimento” (Sousa Santos, 2004), Nesta ena proxima secio, discutirei alguns dos principios do Programa Modernidade/Descolonialidade (PM/D) no qual sociélogos, semioticistas, \ssofos.¢ historiadores realizam pesquisa que nao é “sobre” a periferia, partir da" periferia (Florez, 2000). Um dos objetivos dese programa e pesquisa € a visibilizacao dos participantes de movimentos fe: movimentos étnico/raciais, dos movimentos gays, dos sem-terra, sem-teto, sem-escrita, ou ainda, como no caso dos alfabetizadores e professores, da-jA: les sem movimentos sociais que os acolham e fortalecam. Tal objetivo aproxima esse programa dé muitas de nossas pesquisa, particularmente as + ‘Tome emprestado (¢ traduize) 0 terme “euto-usa-centrc”usado por Catharine Walsh (2010) para referiee og Estados Unidos como centrohegeménico naprodusiedeconhecimentos. 7 respeitém o Outro da pesqui O tema € dificil pelo perigo de o texto ser entendido como uma apo- logia por uma LA autéctone, brasileira, ou do hemisfério Sul, que defende a reinvengao de principios metodoligicos ou de conceitos ja desenvolvidos na pesquisa ocidental dos paises do nérte. Nao se trata disso. A questo aqui envolvida (semelhante 4 dos movimentos que produzem conhecimentos como 0 Férum Social Mundial, analisado por Sousa Santos), a viak lade, ou mesmo relevincia, de prop: égica, scja.cla.a arena global ou local. A questéo que tais programas imedia- tamente enfrentam é, nas palavras de Sousa Santos, “o problema epistema- logico da validade’é utilidade|desse mesmo conhecimento cientifico [pro- duzido pelos programas ou movimentos] paras lutas contra-hegeménicas” (Sousa Santos, 2004: 12). A crenca, entre linguistas aplicados, de que a LA. critica tem a contribuir para o debate se depara imediatamente com outro. “metaproblema” epistemolégico também levantado por Santos, o da credi- bilidade da drea, quando pergunta: “Com que conhecimento ou epistemo- logia poderio ser estes problemas formulados?” (Sousa Santos, 2004: 12). Acredito, como muitos outros linguistas aplicados, que & possivel criar um programa de pesquisa que vise & “justiga cognitiva global” (Sousa Santos, 2004: 13). E, assim, meu objetivo é também argumentar a favor da “insergao do processo investigativo no movimento politico da sociedade” (Streck, Adams, 2012: 1). Podemos imaginat varias formas de insercéo. Primeiramente, pode mos entender essa inser¢io no préprio seio dos movimentos politicos dos grupos sociais que participam da pesquisa: mulheres, afrodescendentes, indios, trabalhadores do campo, alfabetizadores e professores, a fim de en- tender outros sistemas de conhecimentos, periféricos em relacio ao conhe- cimento hegeménico. Em segundo lugar, podemos entender essa inserga0 ica como o movimento de pesquisadores dialogando da periferia para a periferia, com outros pesquisadores engajados do nosso continente; por iiltimo, podemos entender essa insercio como o movimento de linguistas \ aplicados criticos tentando vencer as barreiras epistémicas das tradicionais \ nossos p novagao 19 abrem espaco neaca imentos produzidos dentro ou A defesa dos didlogos Sul-Sul ¢ importante neste momento porque, Walsh (2010: 214), citando Lander (2000) e Sousa Santos (1987), ponta, diferentemente do que ocorria nos anos 1960 e 1970, quando lectuais da América Latina voltados para os préprios problemas do yente faziam parte de um movimento forte, hoje lencia-se na regio um retorno aos paradigmas liberais do século XIX, incluindo as metanarrativas universais da modernidade e progres- so © uma posigio de nao envolvimento (Lander, 2000a). Mas também. se evidencia ainstalagao de uma nova racionalidade cientifica que “nega « cariter racional a todas as formas de conhecimento que nao partem de seus principios epistemol6gicos e suas regras metodolégicas". Qualquer que seja o sentido dado a essa insercio politica, o resulta ‘er uma construcao social e epistémica que incorpora os saberes, os los de ser, os valores de nossos povos e que se|posiciona criticamente ;elagio ao poder hegeménico, seja ele baseado em aspectos culturais, témicos, econémicos, raciais, de género, Dai a importancia de conhecer ‘ograma que compartilha esses objetivos com a vertente da LA critica savolvida no Brasil. A descolonizacao do conhecimento Por uma Linguistica Aplicada hist6rica Segundo o socidlogo peruano Quijano (2000), a colonialidade foi ge- rada no colonialismo, embora, diferentemente deste, seja mais profunda ¢ duradoura. Uma consequéncia da.colonialidade consiste em negar status epistémico as “histérias locais” produzidas justamente com base no ques- le Pa Mt oes ea periferia ¢ Sppoden e especificamente com) saber como forma de poder, / _ Para o PM/D*.a ciéncia ¢ critica quando qui Spistemologias do norte (ou do ocidente) que, primeico, escondem ¢ a sama diversidadee, segundo, apresentam teorias sobre os movimentas iais que (re)atualizam 0 pensamento dicotémi cial de luta dos grupos da periferia, dos projetos globais. ‘Toda teoria critica € hist6rica, no sentido de que entende que os sujei -tos.de pesquisa e reflexio sdo sujeitos que trazem marcas de sua ‘propria si- na teoria critica da cultura do PM/D reivindica usa lo PM/D reivindica-se incluso de todas as hist6rias que marcam um sujeto, inclusive as historias locais dos atores sociais agindo na periferia ea partir estiona as Categorias das ico neutralizador do poten- em tiltima instancia, os atores criticas, ss ; a periferia, _Ss2 concepgio ¢ entendida como uma postura epistémica de frontel- 42. (Mignolo, 2000; Escobar, 2003). O pensamento de fronteira correspon. deria, na nossa area, ao . Tea, a0 que Pennycook (2006) denomina de aborda, transgressiva da LA, nome que me parece conter um ¢ a -quivoco de ori Porque o transgressor é aquele que desobedece, desrespeita, infringe e, por- Adotamosa defini de Carts (2007 28, sussensmo cs (2007: 219), pare que sro Pam jana forma de operae set roi dep iments de consrienuetiealdad sect © no nie pera plo ilo coma fri hits masons 1a.dodorninio imperial-global do capitalismo, Jia artirdeumaperepctnn, Sick Ana eam eno QU ane e le conhecimeaasseatcamene labor apustir ‘conhecidas figuras Quijano, semis 6logo venczuelane Edgacdo ine Walsh, no Equador, Iu grupo modern cos. Sogundo Walsh 1960-1970, cuja ques "que inclu, dade estrotural de Quijano, 2 lo de Freire, os projetos de cimento (se nao a o do termo pressupde.o.rec 40) da. nidade da ordem hegem@nica, da lei, do conhecimento do centro. A. nguistica Aplicada transgressiva, segundo o mesmo autor, tenta “pensar » quuendo deyeria ser pensado, fazer o que nao deveria ser feito” (2006: 82); para o sujeito de fronteira essa atitude corresponde justamenté a sar 0 que sim deveria ser pensado, fazer 0 que sim deveria ser feito, dizer sim deveria ser dito. A dimensio ética da LA critica, seja ela anti-hegemOnica, mestiga ou la (Moita Lopes, 2006a: 88) est4 contemplada no PM/D: o pensa- to de fronteira, segundo Mignolo (2007), é uma forma ética de pensar 3, sendo marginal, nao tem uma dimensao etnocida, de destruicao de cultura ou etnia, Tampouco tem propdsitos proselitistas, ligados & cor- «to de inverdades e proclamagao da verdade tinica; seu objetivo é pensar ro modo, em direcio a uma outra légica “em suma, mudar os termos, somente o contetido da conversasio" (p. 29). com certeza esse objetivo singular que esté por tras das diferengas nterpretagio da diversidade e da diferenga entre o PM/D ea dimen- sao critica dos Estudos Culturais, do qual o PM/D faz parte. Umexemplo a diferenga entre a implosao das categorias cultura alta ¢ cultura popu- devido ao impacto da industria cultural em todo o planeta. 0 PM/D a a.necessidade de ir além)da aceitacao das culturas de massa e dos 108 sociais decorrente das novas tecnologias de informagao, tal como os Estudos Culturais fazem, porque seriam, segundo estes, “espacos de_ mancipagio” e/ou “lécus de hibridizagao e resisténcia” as exigéncias do mundo global. © PM/D, segundo o colombiano Castro-Gémez (2000: 158) nao submete o potencial da diversidade, a diferenga entre o culto eo popular a “mercantilizacao fetichizante dos bens simbélicos” (afinal, nao podemos negar que os imperativos do mercado também sio determina- dos pelo norte), Um objetivo importante do programa é entender os mecanismos de produgao da diferenga. Castro Gémez (2000) vai mais longe: a reorga- nizagao global da economia capitalista se sustenta na produgao das dife- rengas e, portanto, sua celebracao pode contribuir para consolidar o sis- uy 2st 8 da te cessirio desvencilhar-se de categorias bindrias do passado, como coloni- zador versus colonizado, centro versus periferia, opressor versus oprimido, natureza( versus cultura, unidade versus diversidade, ente outras, uma vez ue essas categorias da légica exclusiva (ou isto ou aguilo) nao mais cor- Fespondem as novas configuragdes do poder, que obedecem a uma légica lusiva: isto e/ou aquilo ‘Uma pergunta pertinente em rela¢io a0 programa que os préprios membros se fazem é a razao pela qual o grupo sente a necessidade de uma ova compreensio da modernidade. A resposta dada por eles préprios evidencia com clareza 0 rompimento politico epistemoldgico que dese- jam coneretizar. Considerando que o fim da modernidade foi decretado pela cigncia social hegeménica, na Europa ena América do Norte, eles utilizam a cate- Soria modernidade'para afirmar.o direito a usufrui-la por aqueles que forain Privados de vivencié-Ja, i.e., 08 povos nao ocidentais, na Asia, na Africae na América Latina, Dussel (2004), todavia, propde uma perspectiva transmo- derma de descolonizagio do conhecimento, Essa perspectiva rejeita também as categorias bindrias norte-sul, como se a questio entre Norte e Sul fosse apenas geogrsfica, bastando inverter a hierarquia, Alguns pesquisadores do PM/D, como Mignolo, se preocupam com. uma possivel atribuigio de caracteristicas obscurantistas a0 programa pela sua rejeigio de categorias da ciéncia moderna hegeménica, Segundo ele, uerer ir além das categorias de anslise nio significa negé-las ou abandon’- tas poralgo melhor. Significs’ampliar campo de visiblidade tracado pela ciéncia ocidental moderna, uma vez que ela interditou dominios importan- (es para o entendimento dos movimentos sociai imidade, sen- s0.comum, conhecimentos ancestrais e corporeidade. Trata-se, portanto, de ‘uma abertura categorial para nio tratar essas formas de conhecimento como subalternas e pai integrar outros modos de produgio de conhecimento & cincia euro-eua-céntrica, fvorece a ocul- descrédito de teorias de conhec Uih exemplo conhecimento indigena sobre as plantas da Amazénia que, por ser n lugar de moderno, pode ou ser usurpado pela indistria far- «global, sem maiores consequéncias legais ou econémicas, ou ser atender aos critérios da comunidade cientifica. allgumas resrigbes a algumas teorias critcas pos-moder- ‘oloniais que subsidiam teoricamente a pesquisa critica. Segundo (2007), os autores que nutrem o pensamento critico fronteirigo historiador e ilustrador quéchua Waman Poman eo abolicionista ga- 5 Cugoano, que permitem, respectivamente, a compreensio da lingua _ neméria indigena no seu confronto com a modernidade emergente ibrangas e as experiéncias da escravidao, confrontadas com a mo- dade econdmica e politica. Para Mignolo, “o pensamento descolonial, assentar-se sobre experiéncias e discursos como os de Waman Poma ¢ ano nas coldnias das Américas, desprende-se (amigavelmente) da cri- p6s-colonial” (p. 33). Tais diferencas provavelmente decorrem dos recortes. epistémicos inda caracterizam as disciplinas tradicionais: enquanto para 0 histo- Jor os temas abordades por Waman Poman embasam as conclusdes s0- ye a identidade indigena, para o linguista aplicado podem ser os textos de Foucault os que melhor permitem entender as orientacdes discursivas, das is podem ser depreendidos o ethos ou os aspectos identitarios no texto. [: justamente nesse tipo de diferenga esté 0 espaco para a concretizasao de sa especificidade. Uma agenda de pesquisa Uina pesquisa que dialogue, imverta ecruze fronteiras. Edgardo Lander (2000: 9-10), organizador do livro La colomialidad del suracentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latino-americanas, que sab rene 0s trabalhos apresentados no Simpésio Alternativas ao Eurocentrismo aan Eobey rene # Qual é a relagio dessas perspectivas te les le com o ressurgimento lutas dos povos historicamente excluidos, y : como os grupos negros mo podem ser considerados, com base nestes questionamentos, 03) debates sobre identidade, hibrides, transculturacio e espe eee ral do continente? je a5 possibilidades (¢ a realidade) de um dislogo das sexclufdas subordinedas por saberes coloni i Attica, América Latina)? e eurocéntricos spas sit questdes se encontra no Sul. A proposta envolve BS L, ane inventar novas metodologias e teorias. ci zefa (dificil porque se coloca na contramao dos programas ae " je fim de iniciar “esta conversacién en otros térmi- hana dst ax ae Jaseaaescid ser discutida nesta Sor atividades no local de trabalho, especi- A aa marae aser discutida na tiltima secao deste ae ana reza so problemas de pesquisa investigados ja vem sendo am- pe Pes ‘outros linguistasaplicados critics: trabalhos sobre ae amo, ucktazaie do professor, a exclusio e 0 ensino i ibis = lturalidade na producao de textos escolares, na de dost curriculos da escola, séo temas atraentes para los que querem olhat, com olhos do Sul, parao Sul, de uma Reliado em 198, darante 0 Co ‘cipacio dos pesquisadores do PM/D, Caan: ja de Montreal, com a 4anossa parcel dor, | iis, justamente porque articula Umproblema relativo especificamenteAlinguagem, izado, parece-me privilegiado pelo seu carster agluti jase todos os problemas s re centro e periferia desde a época colonial (Rama, 1985), sem_ lesconhecimento da escrita. Trata-se de um mecanismo poderoso de iio da subalternidade na academia, como jé mostramos em outros 1s (por ex., Kleiman, 2006). Nossa pesquisa® mostra que a5 categorias emergentes da hierarquiza- de grupos e comunidades nao conseguem descrever as (re)invensdes ‘om relagao a escrita (em funcio das necessidades do grupo), © que ‘aa partir de construtos como letramento pode ser limitadora do,olhar: .o se abrir as historias locais. Essa abertuta foi essencial para “romper silenciamentos sobre a historia da populagio negra no Sul do Brasil jas que historicamente foram invisibilizadas’, se~ mostrar outras histéri undo Sito (2010: 144). Aopea0 metodolégica da pesquisadora envolveu rticipar das prticas e eventos de letramento da comunidade participante pesquisa (uma comunidade de negros em pleno processo de Iuta pelos seus direitos de propriedade da terra em que moravam).coma finalidade de interpretar essas priticas sob uma nova 6tica. ‘Sua opgao ética (e metodoligica) foi contar a historia do.grupo.e apro- simar-se dos seus saberes e priticas de escrita, emergentes na sua luta pela terra. Luanda Sito nos mostra como o fato de limitar seu olhar a um aspecto darelagio do negro comasociedade hegem@nica, reduzindo-0 a categoriade nig letrado (em relagao a instituigio letrada de poder instituido), ignorando suas praticas cotidianas, na familia, com amigos; teria apagado outro fato, 0 de que, para fazer frente as iniimeras dificuldades do grupo na obten¢3o do titulo de sua terra, os membros da comunidade estavam desenvolvendo cstratégias de mudanca identitiria: eles estavam tornando-se q lombolas, ‘Do Grupo Letramento do Professor, jé menctonado, adangas nas relagoes de poder que institui: & a.questio.da.pos-) ai Po Mata tie deuma nova categoria politica, em outras palavras, um processo de tornar- :s2.quilombola” (p. 144). A categoria letramentos de reexisténcia (Souza, , 2010) foi desenvolvida para descrever as apropriagées le formas cionalizado, de riar novas instituig6es ¢ novas identidades, por grupos negros nas suas di- de falar, de escrever, de lidar com o conhecimento versas lutas com o poder hegeménico no Brasil Ontro.exemplo de histérias locais que interessa por em citculagao para definir uma posstvel agenda de pesquisa na érea é fornecido por Julia Maués Correa (2010), que, em suas observagées sobre as histérias esquecidas de rofessoras ribeirinhas de Belém do Paré (portanto na fronteira entre o ut~ bano eo ru utiliza o conceito de “trayessia", para capturar tanto a forma de olhar a realidade quanto as injuncdes sociais que constituem as ages observadas, e que fazem parte do contexto socioeconémico do territério de periferizasio da cidade de Belém. Em vez de uma sealidade de fracasso,. como em gerala escola é di inda quando o lugaré tide como pe- rilérico em relagio ao que ji ¢ periferia, o conceito de “travessia” Ihe permit entender uma pritica de letramento na Amaz6nia paraense. Neste caso, fica clara a importancia da perspectiva trans(cultural), que vai muito além de reafirmar as diferengas e a multiculturalidade, segundo a autora, e que leva em conta a importincia do lugar. E o lugar em que acontecem suas préprias experiéncias culturais — distintas dos letramentos dominantes em outras tealidades urbanas — que permite a.essas professoras acharem ies iné- ditas, impossiveis.em outros lugares. F nesse enraizamento que a cultura “istitui sua dimensio simbslica e material, combinando mattizes globais, rnacionais, regionais e locais” (Correa, 2010: 21). Segundo Correa, trata-se de uma “ordem local que gera e funciona na ordem ¢ desordem ali vivenciadas" (Correa, 2010; 25). Ou seja, os saberes da professora se constroem sobre o reconhecimento e a vitalizagao de seus saberes locais, sobre seus modos de ser e estar no mundo, sobre seu modo de te deveria ser legitimado na formagao profissional res, Ag travessias de que fala a autora do estudo envolvem a rajetdrias de formacio de grupos cujos saberes nao sio ‘sas trajetérias em moyimentos de aco social, ouem ‘omo 0s cursos universitérios.A arquitetura da formacio ie para singularidades plurais a partir do momento em que aponta a lade e valor da histéria da formagio dessas profissionais” (Correa, 0: 83). ‘ ALA, gracas a seu foco na producio das realidades sociais pela pratica > usiva, esta em posigio ideal para visibilizar e entender as resistencias ricias) desses grupos que, a partir da periferia, produ- Wwos saberes num processo de transformagio do global pelo local. Em suma, essas constatagoes de pesquisas como as duas brevemente ritas resultaram de uma frente de acao investigativa “desde y hacia” nos: \gat, numa virada epistemolégica para o Sul, que envolveu a elaboragio 1m programa de pesquisa” que permitisse entender, além das priticas 10 travessias e da cons -4o de novas identidades, j4 mencionadas, os :mentos de reexisténcia de jovens urbanos da maior cidade da América } as metéforas do cotidiano de alfabetizadoras do semiagreste baia- para tornar os saberes académicos coerentes com o lugar em que vi- as epistemes sobre leitura de educadoras populares para se legitima- como leitoras! entre muitas outras Os resultados de pesquisas como essas engendram_outra questio: 0. meeremey lat Pa te Moa tpee Contemporaneidade e legitimidade na universidade Por uma smiversidade descolonial Locus de uma ciénc lassificados como ue, 20 contrério interasoes entre, por exemp! Ou entre um académico e uma al- ¢ essencial partie do principio de que t tradicionais,“orais’, “do passado",Significa da assincronicidade que caracteriva as ‘écnico em agricultura e um camponés fabetizadora popular, Ponés, professor e edu as entrelacadas pelas necessidades miituas, ressuposta, Quando as histérias locais do camponis ¢ am 2 fer estatuto de teoria com epistemes que coabitam o mesmo tempo e cimento legitimo, Seguindo Mignolo (2000), historias esquecidas, cheias de éoy *sPaco do interlocutor que representa o conhe- na universdade, de uma era setornarprofessra a. oul lades comunicativas da maioria que nos escut. ; Pr a relagao imperialista do inglés com objetivos espe , de trabalho e agao™ ey Outro aspecto relevante para contribuir p: ha Sul que defina seus préprios pele de asa vidal a mnstante da base racional stot , ee © coro de vozes de que queremos fazer parte, A ess Sel Cor mum tern em epee ne MD, reconhece essa base epistemoldgica na sociologia q entemente, numa iadordeums im pes op ao dapat, que ncilaprofecore dling lemies, teés sio franceses, um é britinico ¢ dois sio autores brasileiros do sexo masculino (Costa, 2012: 3) No que tange a formacio universitiria, a abertura epistemolégica nos programas de graduacao enfrenta enormes dificuldades devido a estruturas nflexiveis, hierarquizadas (em institutos ou faculdades, departamentos) com rigidas fronteiras disciplinares guardadas, muitas vezes, por verdadei- ‘as fortalezas epistemolégicas, instransponiveis. E no que tange & pesquisa nessas instituigses, a transdisciplinaridade dos Estudos Culturais, ou da Linguistica Aplicada, por exemplo, nio tem acolhida nos érgios de fomento ‘pesquisa e assim, quem se aventura pelas complexas vias do dislogointer- disciplinar correo risco de ver seus projetos sem financiamento porque nao se enquadram rigida e perfetamente em nenhuma das disciplinas que po- dleriam contribuix para melhor analisar ¢ entender o problema de pesquisa Mas todos esses problemas, jé complexos, viram insignificantes, de fi- cil soluga frente 4 questio de mudangas curriculares que nao obedecam a0 canone'* estabelecido ao longo de décadas de tradicao “cientifica”. Nessa realidade académica”, os departamentos donos das disciplinas determinam © que € pertinente ler, quem é autoridade num determinado tema, o que econtramosrertncas 5 pemadore de ngenetones te-americana versus 16 referéncias a pesquisadores de of I in ‘ecortes de setores do conheciment pela diciplinas Hiercerdes -como a doutorade em Estudos Culturais livar mo Equador, que, segundo saa cvorde- nsgrediseatravessar as fronelras do que tadicionalmente cultura nis do que um objeto de ext” (Walsh, 2010: 219), ment ntretanto, Castro-Gémer. (2007: ia (citando José Rozo Gavta, um investigador do pensamento izadla ¢ fragmentada’ vorescentes, cartesianos, humanistas, disciplinantes, incapazes de in- ‘em um mundo que funciona com uma légica complexa” (Rozo Gauta, 2004; 156-157). A articulagao do conhecimento disciplinarmente ordenado com co- ios produzidos fora da universidade nao seré Ficil. Quando muito, istemologias de fronteira s20 aceitas como o elemento exético do tamento: etnomatemitica, etnomusicologia, etnobiologia, etnocién- sempre e para sempre & margem dos conhecimentos “vilidos” do, "ver- 10" curriculo, Todavia, acredito que uma cruzada com esse objetivo pena e nos aproxima dos pesquisadores do nosso continente com os vvimos propondo mais dislogo. um desejo caro no PM/D que os conhecimentos tradicionais, vincu- jos & corporeidade, aos sentidos, e tidos como supersticées e mitos pré- cos e pré-racionais sejam aceitos como legitimos: “Pares iguais em didlogo desaberes” (Castro-Gémer,2007:89),inclus nauniversidade, A critica a qualquer tentativa de abolir o disciplinamento académico xistente sera de varios tipos, como Walsh (2010) jé comprovou no progra- de doutorado em Estudos Culturais Latino-americanos que coordena: 0s programas podem ser desqualificados por serem politizados em demasia, (c,portanto, menos académicos) ou por serem uniparadigmiticos (suposta- mente fechados a outras linhas de conhecimento), fundamentalistas (supos- tamente excludentes dos alunos dos grupos menos afetados pela violéncia colonial) e demasiadamente ligados 20 lugar do conflito (e, portanto, dis- tantes da tradi¢ao cultural letrada). & interessante notar que os argumentos descritos por Walsh sio reminiscentes daqueles usados no nosso contexto para defender o status quo quanto constituigio étnica e social da popula- go estudantil de nossas universidades. emp Eetoy E por isso, no momento presente, concordamos com Castro-Gém: usr Pade erate conhecimente produsido nas comunidades indigenas, nos movimentos so iais, porque ¢ tradicional, ou pré-cientifico, & “precisamente, a estratégi colonial do Ocidente, desde o século XVIII: 0 ordenamento epistémico d populagdes no tempo”. E, como nos lembra Moita Lopes (2006), um pouco de utopia faz bem. Se, como nos diz Eduardo Galeano, a utopia esta no ho: rizonte, afastando-se a medida que nos aproximamos, indicando um cami: ‘ho, nao vejo por que os caminhos da LA, seja atris da pesquisa ou da acio social, nao deveriam ser “suleados” por essa utopia. SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

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