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[189 TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO NOTA INTRODUTORIA A Teologia do Novo ‘Testamento pressupée que os dogmas da tradi¢éo eclesiéstica devem ser idénticos com os ensinos do Novo Testamento ¢, por isso, eles devem ser reavaliados, julgados e até reformulados luz da reflexio sobre 0 contetido teolégico do Novo Testamento. Portanto, a Teologia do Novo Testamento se torna importante nos espagos em que a anilise teoldgica se da porque trata-se de oportunidade que se tem de verificar porque ¢ como, as vezes, hd distancia entre o querigma ea prética da igreja primitiva ¢ aquilo que é ensinado ¢ feito no Cristianismo de hoje. Além disso, a disciplina discute ¢ avalia a postura crista dos principais apéstolos e escritores do texto neotestamentério como que a procura de um. modclo para as definigées eclesidsticas ¢ tcoldgicas da contemporancidade. 1.PRESSUPOSTOS DATEOLOGIA DO NOVOTESTAMENTO Fundamentalmente, a “teologia do Novo Testamento” denota a disciplina que procura interpretar criticamente a reflexio sobre theos (qeo,) que se encontra nos documentos que compéem o NI: Entretanto, nao ha concordancia no que diz respeito 3 metodologia ¢ 0 contetido desta disciplina por parte dos estudiosos que trabalham nesta area de pesquisa Sao pressuposigées da teologia do NT segundo Dunaway:”** QA teologia do Novo Testamento assume a existéncia ¢ significado de uma entidade chamada 0 Novo Testamento, isto é, 0 cinone aceito pela igreja cristé como normativo para sua fé ¢ pratica. Entretanto, pergunta-se: nao seria melhor procurar a “teologia da igreja primitiva’ e, consequentemente incluir em nosso estudo outros escritos fora do canone? A nogao de canone pressupée a existéncia ¢ autoridade da igreja como uma comunidade histérica que tem continuado por vinte séculos e cujas decisées administrativas ¢ litirgicas da época patristica ainda estio em vigor. QA teologia do Novo Testamento pressupée a inteligibilidade do termo “teologia” (= discurso sobre o divino). Contudo, é questiondvel se tal discurso ou 734 DUNAWAY 735. DUNAWAY.sd 190| CURSO MEDIO EM TEOLOGIA | KARPOS raciocinio sobre o divino ainda faz sentido para o ser humano do século XI, um set que esté se tornando cada vez mais secular ¢ cada ver menos religioso. © Para o homem secular, 0 conceito de Deus ¢ considerado simplesmente desnecessitio, pois ele pode fazer sentido de sua existéncia no universo sem Ele, Para mais informagio sobre a secularizagéo da cultura de nossa época, veja Langdon Gilkey, Naming the Whirlwind (= Nomeando o Redemoinho), ma parte do qual existe em portugués na forma de uma apostila, Portanto, pode-se indagar hoje: nao seria melhor tratar do NT ¢ outros antigos escritos “mitolégicos” ¢ religiosos como interpretaées da existéncia humana (nao divina), exprimidas em termos de uma cosmologia sobrenaturalista obsoleta?”* 0A teologia do Novo Testamento pressupée que haja uma distancia historica, cultural, cosmolégica ¢ metafisca entre 0: autores dos documentos do NT ¢ os seus Leitores atuais, sobre a qual se deve construir uma ponte, se a intengio dos textos do NT puder tornar-se inteligivel para nés hoje. Isto é, escrever uma teologia do NT necessariamente mete o tedlogo no meio da tarefa hermenéutica. Haé inevitavelmente uma necessidade de tentar fazer os pensamentos do N'I, que se expressam na forma arcaica do mundo helenistico-hebraico, inteligiveis as pessoas da nossa época pés-moderna.”” A disciplina da teologia do Novo Testamento, entio, assume que ¢ legétimo, inteligivel, itil e defensdvel procurar explicar 0 raciocinio acerca do divino que se manifesta dentro do limites dos 27 documentos que compéem o que é nomeado o NT. 1.1. Métodos do Novo Testamento Parece uma definigéo adequada da tarefa do estudioso do Novo 'Testamento, dizer que seu propésito é investigar a evolucio do pensamento dos escritores do Novo Testamento a respeito de Deus ¢ do mundo, mais especificamente do mundo e dos seres humanos, bem como a forma como ambos se relacionam.”* Um primeiro método é juntar todos os livros do Novo Testamento de forma indiscriminada, fazendo uma compilacio de afirmagées teolégicas retiradas do Novo Testamento. Entretanto, certamente este método nao passaria de um harménico apanhado de citagées aleatoriamente extraidas de seus livros. Esse mécodo iria apenas arrancar as afirmag6es para fora de seus contextos originais ¢, portanto, deixaria de ONAWAY, ad 737 DUNAWAY, ed 738 DUNAWAY, sd MODULO 7 |TEOLOGIA DO Novo TestameNTo_|191 proceder a uma andlise mais cuidadosa de suas nuances e variagées. Um segundo método consiste em adotar um critério de organizagio preexistente, extraido, por exemplo, de que essa estrutura norteava 0 pensamento dos escritores do Novo Testamento. No entanto, é necessério dizer que, de modo geral, quem adota essa abordagem est praticamente convencido de que a estrutura reconhecida nessas obras equivale de fato 4 estrutura dos livros do Novo ‘Testamento.”” Um terceiro método, que evita os riscos supracitados, consiste em fazer uma andlise individual dos autores e livros do Novo Testamento, com a finalidade de destacar aquilo que cada um ensina sobre os mais variados tépicos ¢, entio, colocé-los lado a lado, procedendo ou nao a uma comparasao de seus contetidos Depois ele compara estes contetidos com os ensinamentos de Jesus. Este método é vilido, com a ressalva da necessidade de ser capaz de identificar aqueles que parecem ser os temas centrais dos préprios autores do Novo Testamento, em ver de recorrer a temas encontrados em algum trabalho de teologia sistematica, identificando também os ensinamentos dos varios autores em relagao a cada tema, Um quarto método adota uma abordagem histérica que busca tracar a evolusio das ideias que se encontram registradas nos documentos que subsistiram, Esca forma é legitima ¢ necesséria, ¢ pode ser de grande ajuda em termos de organizasao de aparente caos reinante, pois mostra qual é a possfvel relacéo genealégica entte as diversas formas de expressio de diferentes ideias encontradas no Novo Testamento. A investigagao histérica incluiré os documentos do Novo Testamento, sendo seu propésito inseri-los dentro de uma certa ordem cronolégica que nos possibilite tragar 0 processo de evolusao das ideias dentro do Novo Testamento. Parece que um dos caminhos mais adotados recentemente tem sido uma espécie de versio derivada do quarto método, que se orienta principalmente a partir de uma estructura histérica ou de uma estrutura que busque tragar 0 desenvolvimento de certas doutrinas, agrupando os autores ou documentos do Novo Testamento segundo um critério histérico.”” 1.2. Teologias ¢ Teologia Para alguns escritores atuais, 0 nivel das contradig6es é de tamanha proporsio que nao pedemos falar na existéncia de uma teologia do Novo ‘TTestamento, mas somente de teologias do Novo 'Testamento que coexistem em acentuada tensio.”" 739 DUNAWAY, sd 740 DUNAWAY, sd 741 IDEM. 192| CURSO MEDIO EM TEOLOGIA | KARPOS Hi trés formas possiveis de se lidar com esta tensio:”* A primeira delas é defender sua total irredutibilidade. Paulo e Tiago, por exemplo, seriam opostos entre si e no haveria como faze-los chegar a um acordo, Uma segunda forma seria examinar com cuidado as supostas contradiges encontradas em enunciados e posigées, aparentemente em tensio, ¢ determinar se existe a possibilidade de que estejam de acordo naquilo que afirmam, desde que sejam estendidas segundo a ética apropriada. A terceira forma de lidar com a questio seria determinar se existe a possibilidade de se encontrar uma unidade implicita nesses documentos, apesat de suas aparentes diferencas, examinando-os de um outro nivel de perfeisio.”° Cada uma das formas pode ser aplicada a casos especificos, pois nem todos os problemas serio solucionados de uma mesma maneira. O teélogo do Novo ‘Testamento tem a responsabilidade de lidar com essa questéo. A discussio deve apresentar dois aspectos diferentes. Por um lado, tedlogo deve levantar as tcologias dos varios autores do Novo ‘Testamento em toda a sua diferenga e diversidade, apés um exame cuidadoso de cada uma delas. Por outro lado, o tedlogo também deve determinar de que maneira as tcologias esto relacionadas entre si, nao s6 em termos de seu desenvolvimento hist6rico, mas, sobretudo, sob 0 aspecto teolégico: o que clas apresentam em comum ¢ em quais pontos se diferencia? Podemos encontrar uma perspectiva comum a todas elas ¢, se for possivel, como devemos expressa-la?”™ Para Dunaway,”® entre as varias interpretagdes do evento Cristo no NT, por exemplo, as de Paulo, Joao, os Sinéticos, Pedro, Hebreus, hé alguns fatores comuns que as unem de modo que se possa dizer que h4 uma teologia compartilhada por todos os escritores do Novo Testamento? Ou a diversidade entre os intérpretes do evento Cristo é tao enorme que é impossivel falar inteligivelmente de uma unidade teoldgica dos escritos dos quais é composto o NT? A teologia do Novo Testamento possui duas tarefas distintas: Em primeiro lugar, investigar 0 modo como se deu a formagio do pensamento teolégico da igreja primitiva, ¢ que se encontra registrado nesses documentos. Fard isso através da andlise conjunta ou individual das varias teologias encontradas nos diversos documentos que compéem 0 Novo ‘Lestamento. Em outras palavras, sera feita uma andlise de cada livro ou de certos grupos de livros Em segundo lugar, investigar a existéncia e a natureza de uma possivel sintese que traré 4 luz os dogmas comuns contidos nesses documentos, indicando 43. DUNAWAY, 744 DUNAWAY, ed 743 DUNAWAY, sd MéDULO 7 |TEOLOGIA DO Novo TestameNTo _|193 também como cada documento desenvolveu esses dogmas de uma forma diferente. Dessa forma, torna-se possivel verificar se existe algum tipo de harmonia entre os documentos neotestamentitios ou se existem pontos de discordancia que nio podem ser solticionados.” Para Dunaway, as tarefas possiveis da Teologia do Novo Testamento podem ser: a. Sua tarefa é apoiar ¢ sustentar um sistema de teologia dogmética jé existente, Conforme esta concep¢io, cla é somente um auxiliar subordinado a uma outta disciplina superior, a da teologia eclesidstica oficial, ¢ serve s6 para fandamentar suas doutrinas “verdadeiras” ¢ talvez para purificé-las, de vez em quando, de algumas pequenas imputezas. b. Sua tarefa € criar uma nova teologia verdadeitamente biblica que sirva como a base para criticar ¢ reformular radicalmente as teologias tradicionais que se desviaram dos ensinos biblicos devido as influéncias filoséficas, culturais ¢ eclesidsticas. c. A tarefa da tcologia do Novo Testamento ¢ descrever 0 que os textos do NT significaram para os leitores do século I. Ela é uma ciéncia histérica descritiva que se preocupa apenas com o sentido do texto na sua situagao vivencial (Sitz em Lebem) no século I (a tese de Gabler). Ela néo se ocupa com o sentido do texto para nés hoje, mas, sim, apenas com seu sentido para os primeiros leitores do primeito século da era crista d. A teologia do Novo ‘Testamento tem como sua tatefa principal a de explicar o que os textos do NT podem ou devem significar para nés hoje. Segundo esta posicao, ela é uma ciéncia normativa ou dogmatica com finalidades praticas ¢ existenciais. Ela visa tornar o NT inteligivel ¢ relevante ao homem do nosso tempo. Ela é uma serva da igreja atual no seu trabalho evangelistico, educativo ¢ litdirgico. 2. ARESSURREICAO DE CRISTO EMETODOS DEINTERPRETACAO A doutrina da ressurreicao de Jesus de Nazaré tem produzido diversas controvérsias nos tiltimos duzentos anos. O timulo vazio é 0 simbolo dessa realidade maior. Desde o século XVIII o problema do timulo vazio tem recebido atengio nos debates académicos a respeito da ressurteigio.”” Na tentativa de explicar racionalmente a razio do vimulo ter sido encontrada vazia, criticos radicais propuseram algumas tcorias tais como: teoria 756 DUNAWAY, « 747 RODRIGUES, 2012 apad MC DOWELL, 1994, 35 194| CURSO MEDIO EM TEOLOGIA | KARPOS do desmaio, teoria do roubo, teoria da alucinagio ¢ teoria do ttimulo errado.”* Todas essas teorias se mostraram inadequadas para realizar aquilo a que se propuseram. A teologia crista moderna tem debatido exaustivamente esse tema A tessurreigéo de Jesus alicerga o Cristianismo (1Co 15:17). Ambos esto conectados de tal maneira que ou eles subsistem juntos ou entdo sucumbem de mios dadas. A discussio sobre se o fato da ressurreigao de Jesus Cristo pode ser considerado um evento histérico aberto ao escrutinio critico é uma questio central no debate atual a respeito da viabilidade desta ressurreigi0.”” Estudiosos contemporaneos como N.T. Wrigth e William Lane Craig’® defendem abertamente ser a ressurreigao de Jesus de Nazaré um evento histdrico, objetivo, que est4 aberto a investigagio critica. E consenso entre eles que quanto a0 seu significado, a ressurreicdo € uma questéo teolégica, ao passo que ela, como um acontecimento, trata-se de uma questao histérica O tedlogo luterano Wolthart Pannenberg’™" diz que “a indagagao sobre se algo aconteceu ou néo em determinada época, hd mais de mil anos, s6 pode ser determinada por argumentos histéricos.” Alguns tedlogos modernos sio reticentes quanto & busca por evidéncias histéricas que apontem para a ressurreigio como a melhor explicagéo para o ‘iimulo vazio encontrado pelas mulheres naquele domingo de Piscoa. Na opiniao deles, esse assunto deve ser resolvido pela légica da fé ¢ isso basta. H razio nisso. A priori, a fé deve dispensar provas para aceitar 0 contetido das narrativas evangélicas. A fé adquirida diretamente pela agao sobrenatural do Espirito Santo nao precisa de evidéncias para se sustentar, No entanto, existem aqueles que & semelhanga de Tomé dizem: ‘ie eu ndo vir nas suas méos 0 sinal dos cravos de modo aalguin acreditarei” (Jo 20:25). ‘Muitas pessoas passam a crer por meio de evidéncias. Existe legitimidade em desejar averiguar as evidéncias a respeito da ressurreigéo, afinal de contas 0 Ressurreto se apresentou com “muitas provas incontestaveis” (At 1:3). Na contramao desses dois grupos, céticos tém se esforgado para negar a ressurreigéo corporal de Jesus alegando, por exemplo, que 0 corpo de Jesus, pés- crucificagio, fora langado numa cova rasa ¢ comido por caes. Essa explicasio é apresentada pelo estudioso do Novo Testamento John Dominic Crossan, membro do movimento Semindrio de Jesus. 7 est4 no centro desta discussie também quando o assunto é conhecimento ou nao, do apéstolo Paulo, da tradicao do timulo vazio. De modo Crossan’ 749 RODRIGUES,2012 spud MCDOWELL, 1994, 36. 50 RODRIGUES, 2012 spud CRAIG, 2011, 246, 751 IDEM. 752 RODRIGUES, 2012 spud CROSSAN, 1995, 208, MODULO 7 |TEOLOGIA DO Novo TestameNto_|195 geral, as conclusées dele (¢ do Semindrio) tém sido questionadas, pois pairam suspeitas quanto a metodologia usada nos estudos, pressuposigdes, motivagées ¢ estabelecimento de datas. Digno de nota ¢ 0 fato das pressuposigées radicais do Semindrio ¢ de Crossan” quanto aos milagres narrados nos Evangelhos. Eles partem para a pesquisa rejcitando, injustificadamente, os milagres. Num debate travado com Crossan em 1994, Craig diz que seu interlocutor é um naturalista, Sobre ressurteigio dos mortos, aquele estudioso escreveu: “no acredito que alguém, em algum lugar, em algum tempo traga mortos de volta a vida.” Tentando demonstrar que a ressurrcigéo corporal de Jesus € a melhor explicagéo para o timulo vazio, discutizei a seguir a possibilidade de milagres ocorrerem depois de tecer algumas consideragdes sobre 0 método cientifico, demonstrarei de modo breve que a ressurreigio do Nazareno esté aberta a0 escrutinio eritico ¢ posteriormente suscitarei uma répida discussio sobre ter 0 apéstolo Paulo o conhecimento do tiimulo vazio. Antes de prosseguir, visto que irei insistir na questao do tamulo vazio como fato hist6rico circundado por evidéncias bem antigas, torna-se necessétio citar ¢ concordar com a seguinte fala do estudioso conservador do Novo ‘Testamento George Eldon Ladd: “o wimulo vazio nao despertow a fé na ressurrcigio de Jesus, nem o faz agora’, (Me 16:8; Le 24:11, 21). Transcrita essa fala, devo de igual modo ressaltar que a tiimulo vazio é um sinal do ato escatolégico divino irrompendo no mundo, no tempo ¢ espago. Pode-se dizer ainda mais, em tom esclarecedor, quanto 4 importancia ¢ 0 lugar do elemento “timulo vazio”, lembrando Colin Brown, que “foram os aparecimentos de Jesus que os convenceram; 0 timulo vazio foi o corol4rio corroborativo”.”*> 2.1. O Método Cientifico Moderno Prescindir dese método para determinar se a ressurrcigéo € a melhor explicagio, ou nio, do timulo vazio, ¢ uma decisio inteligente. O método cientifico consiste em apontar algum fenémeno como verdadeiro a partir da repetigéo do mesmo diante de quem possa assegurar que ele é verdadeito. Isto deve se dar em um ambiente controlado onde hipéteses possam ser observadas empiricamente. ‘Vamos a um exemplo simples da aplicagio do método cientifico: a0 chegar em casa, depois do culto matinal, voeé decide ligar seu aparelho de som ¢ ele néo 753 RODRIGUES, 2012 apad CROSSAN, 195,207, 754 RODRIGUES, 2012 spud LADD, 2004, 755 RODRIGUES, 2012 spud LADD, 2004 196| CURSO MEDIO EM TEOLOGIA | KARPOS funciona, Nesse instante, vocé comega a formular hipéteses que possam te fazer entender 0 que esté ocorrendo. Hipétese 1 — O som nio esté conectado & rede de energia elétrica. Ao verificar, vocé constata que nio é essa a razio do nao funcionamento do aparelho €, com isso, essa hipdtese é negada. Hipétese 2 — Esté faltando energia elétrica. Ao acionar um interruptor para acionar uma limpada, percebe que esse também nao é 0 problema. Desse modo, essa segunda hipétese é refutada, Depois de levantar essas hipéteses vocé se depara com o fato da nao solugéo do problema. Porém, entendendo ou nao, 0 método cientifico fora aplicado por vocé frente a essa situagio doméstica. E evidente que submeter a ressurreicio de Cristo a esse método é algo impensavel, pois ela é um acontecimento histérico tinico, singular... um milagre, Para muitos, 0 que nao passa pelo crivo do método cientifico deve ser rejeitado. Ora, nio é © método cientifico a tinica maneira de se provar alguma coisa. Caso fosse, como poderia eu provar que hoje estive no trabalho? © método cientifico 6 ineficaz quando o assunto é provar ou nao questdes relativas a eventos ¢ pessoas histéricas. A impossibilidade de se provar a verdade da ressurreigio por meio desse método no é suficiente para caracteriz4-la como um mito, Na verdade, com essa incapacidade de reter em um ambiente controlado © fendmeno da ressurreigao, ¢ de vé-lo se repetis, o método cientifico moderno se mostra limitado para averigué-la. A alternativa entio é a de uma anilise sobre © fenémeno como um acontecimento histérico. Partindo dese pressuposto, ¢ amparados pelas evidencias, é possivel concluir que o ttimulo esta vazio exatamente porque Jesus, muito provavelmente, ressuscitou ao terceiro dia A itracionalidade em se negar a ressutreigio de Cristo como um fato estabelecido por no poder submeté-lo a0 método cientifico moderno consiste em ser aquele fendmeno, um milagre, conforme dito anteriormente. Milagres no podem ser enquadrados em um laboratério ¢ manipulados pelos cientistas. Eles acontecem ¢ pronto 2.2. Milagres Ocorrem? O filésofo judeu panteista Benedito Spinoza” (1632-1677) argumentou serem as leis naturais imutaveis. Nao ha como interrompé-las, portanto milagres séo impossiveis, pois a natureza “guarda uma ordem fixa e imutdvel”. A visio de Spinoza sobre o universo ¢ fechada. Por isso, a ressurreigéo, por exemplo, adversa MODULO 7 |TEOLOGIA DO Novo Testamento_|197 as leis naturais conhecidas, no pode ter ocorrido. Pesa contra o argumento de Spinoza” o fato de queas evidéncias favoraveis, a um tinico comeco do universo de tempo-espago a partir do nada se avolumam. Se assim for, estamos diante de um milagre? Geisler & Turek comentam: “A propria criagdo em si demonstra que as leis ndo sio imutdveis. Uma coisa ndo surge naturalmente do nada, Mas aqui estamos todos nés. Se é assim, Spinoza esté superado quanto sua crenga de que os milagres, por definigéo, sto imposstveis. Outro cético, o filésofo David Hume", escreveu Um milagre é uma violacio das leis da natureza; e como uma experiéncia constante ¢ inalterivel estabelecet estas leis, a prova contra o milagre, devido & prdpria natureza do fato, é tio completa como qualquer argumento da natureza que se possa imaginar. Por que é mais do que provivel que todos os homens devem morrer; que 0 chumbo nio pode por si mesmo permanecer suspenso no af; que o fogo consome a madeira ¢ que, por sua vez, a 4gua o extingue; a nao ser que estes eventos estio de acordo com as leis da natureza, e que é preciso uma violagao destas leis, ou em outras palavras, um milagre, para impedi-los? Nada é considerado um milagre se ocorre no curso normal da natureza Néo é um milagre que um homem, aparentemente de boa satide, morra subitamente, pois verifica-se que tal género de morte, embora mais incomum que qualquer outro, ocorre frequentemente. Mas é um milagre que possa ressuscitar, porque isto nunca foi observado em nenhuma época ¢ em nenhum pais. Portanto, deve haver uma experiéneia uniforme contra todo evento miraculoso, senao 0 evento nio mereceria esta denominagio. Hume” também nega o milagre porque este contraria as leis da nacureza. Porém, cle nega a uniformidade da natureza ¢ torna-se contraditério. Suponhamos que Hume” esteja certo: que nenhum homem jamais deixou sua sepultura a0 longo de toda a hist6ria da Terra até o presente; entio, pela prépria argumentagio dele, Hume nao pode ter certeza de que um morto nao possa ressuscitar amanha, Sendo assim, ele nao pode excluir o milagre. ‘Acrescentemos contrariamente ao argumento da inalterabilidade das leis naturais o fato de estarmos quase a todo tempo vencendo a lei da gravidade? Se os humanos podem vencer leis naturais, muito mais Deus Pensando ainda no que disse Hume”, vale ressaltar que 0 que ocorre 757 IDEM. 758 RODRIGUES, 2012 apud HUME, 2006, 759 RODRIGUES, 2012 apud HUME, 2006, 760 RODRIGUES, 2012 spud HUME, 2006 761 RODRIGUES, 2012 spud HUME, 2006, 198| CURSO MEDIO EM TEOLOGIA | KARPOS costumeiramente na natureza ndo pode ser considerado milagre. Mas, se algo acontece fora do curso normal da natureza, é um milagre, entio, por isso, nao deve ser corrente. A fraqueza do argumento antimilagres consiste no fato de que ele nao leva em conta que os fatos histéricos sio particulares e tinicos e que nao necessitam, obrigatoriamente, de uma correspondéncia com uma experiéncia passada para serem admitidos como reais. Logo, esperar por analogias contemporaneas da ressurteicio, por exemplo, é uma perda de tempo. E evidente que estudiosos como Spinoza ¢ Hume nao contam com o tefsmo, dai a explicagao de suas crengas. Mas, de acordo com Antony Flew, “se aceitamos o fato de que hi leis, entdo temos de aceitar que existe alguma coisa que impée essa regularidade ao universo”, Para ele “é racionalmente justificada nossa conclusao de que ¢ Deus ~ 0 Deus explicado pelos teistas que cria as leis, impondo as regularidades a0 mundo, Estariam os milagres, no debate cientifico contemporaneo, descartados? Para Lennox” “nao hé nenhuma objesio cientifica, em prine{pio, a possibilidade de milagres.” O erro de alguns céticos consiste no fato de eles pensarem aprioristicamente quando nao admitem os milagres como acontecimentos possiveis. ‘Toda decisio tomada a priori é um suicidio intelectual. Nao & porque se & naturalista que alguém deva determinar como improvavel um milagre, pois, fazendo isso, cemos uma caracterizacio de especulacio filosdfica que vira as costas para a investigacio histérica e nada mais, Bernard Ramm” comenta a abordagem naturalista nos seguintes termos: Se a questo girar em torno da existéncia do sobrenatural, mui obviamente tal abordagem fez da conclusio a sua premissa maior. Em suma, antes da critica realmente comegar, o sobrenatural jé foi eliminado. E terd de desaparecer totalmente. Portanto, a conclusio nao serd resultante de um estudo feito com a mente aberta acerca do sobrenatural, ¢, sim, uma conclusio determinada dogmaticamente, por parte de uma metafisica antissobrenatural. Sobre qual outa base poderiam os criticos anular completamente 0 elemento sobrenatural em um. documento que, reconhecidamente, reveste-se de valor histérico, E importante que o pesquisador nio alije do contexto histérico a ressurreiggo de Cristo por causa de seus pressupostos que de maneira alguma estio propensos & inflexibilidade. Frente as suxpresas no proceso investigativo, © historiador eritico sério ndo concebe nada como impossivel mesmo que suas {@ RODRIGUES, 2012 apud FLEW, 2008, 81 763 RODRIGUES, 2012 spud LENNOX, 2011, 274 764 RODRIGUES, 2012 spud RAMM, 2000, MODULO 7 |TEOLOGIA DO Novo TestameNto_|199 convicgées sejam confrontadas. Nao é tarefa dos estudiosos aproximarem-se da histéria com vistas a construi-la partindo de nodes preconcebidas. Sio as melhores evidéncias que devem norted-lo em seu trabalho © teélogo alemio Rudolf Bulumann,”® que reduziu a ressurteigio de Cristo a uma experiéncia existencial dos discipulos, concorda com esse tipo de comportamento. Para cle “...o historiador certamente nao goza de licenga para pressupor os resultados de suas pesquisas” E aqui que os eruditos da Alta Critica, por exemplo, tropesam quando analisam o Pentateuco ¢ determinam que 0 mesmo nio foi escrito por Moisés Eles desprezam evidéncias arqueolégicas ¢ histéricas favoraveis a uma autoria mosaica do Pentateuco cxatamente por causa de pressupostos filosdficos e, por isso, acaba por fazer do Pentateuco uma colcha de retalhos. © método usado na formulagio de uma tcologia do Novo Testamento pelos eriticos radicais ¢ chamado histérico-critico Seus critérios, so os seguintes: etitica, analogia e correlagao.”* O primeiro diz que todas as declaragées histéricas deverao ser analisadas quanto ao seu contetido de verdades histéricas. O segundo, ligado ao primeiro, advoga que o mundo ¢ um sistema fechado © 0 que nio acontece hoje também nao pode ocorrer outrora. Esse é 0 padrio para julgar a realidade dos eventos no passado No caso do terceiro, os eventos histéricos estéo subordinados a lei de causa ¢ efeito ¢, 0 que nao derivar dessa lei, nao poder ser considerado confivel do ponto de vista histérico Decorrente do uso desses critérios, as experiéncias de milagres que nao ocorrem hoje néo ocorreram na histéria. Visto nao existir na experiénei contemporinea ressurreigées, falta sentido advogar que um miorto tenha ressuscitado no passado. Estamos diante de uma perspectiva da natureza da histéria como mecanicista ¢ positivista. George Eldon Ladd” critica esse método: “o método histérico-critico néo é um método adequado para interpretar a teologia do Novo ‘Testamento, isso porque suas pressuposigées limitam suas averiguagées até A exclusio da mensagem biblica centzal.” 2.3. A Investigagao Critica E irracional a alegacio de alguns céticos que a accitagio da ressurteigio de Cristo sugere um salto no escuro ¢ a adeséo a uma crenga que se opie as 765 RODRIGUES, 2012 apad BUILTMANN, 2008. 766 IDEM. 767 RODRIGUES, 2012 spud LADD, 2004, 2094, 200| CURSO MEDIO EM TEOLOGIA | KARPOS evidéncias eA razao. Lucas, por exemplo, era um homem da ciéncia, pois ele era médico (Cl 4:14) ‘Também é sabido, devido 4s conclusées de estudiosos, que ele era grego de boa educagao ¢ de boa formagao. Isso é observavel quando se analisa o seu estilo literdrio, Para os eruditos imparciais Lucas também pode e deve ser considerado um excelente historiador. Algumas descobertas arqueolégicas tm demonstrado a precisio das informagées lucanas no Evangelho ¢ em Atos. Este escritor canénico revela uma responsabilidade insuspeita em narrar os fatos que envolveram o ministério terrenal de Jesus Cristo quando ele diz: “eu mesmo investiguei tudo cuidadosamente, desde 0 comeco,..” (Le 1:3). E importante destacar a palavra “cuidadosamente” nesse momento. Aqui, cle usa a palavra grega akribés que significa “acuradamente”, indicando que a pesquisa foi feita de maneira meticulosa. Em Atos 1:3, falando sobre a ressurreicao de Cristo, ele escreve: “.. deu-thes muitas provas indiscutéveis de que estava vivo.” Dessa referencia devemos destacar a frase “muitas provas indiscutiveis’, A palavra grega que cle usa, érekmerion, significa, em légica, “prova demonstrativa’, e na linguagem médica, “evidéncia demonstrativa.” ‘A observagéo do uso dessas palavras gregas por Lucas, fato que depée favoravelmente a ele quanto 4 certeza de uma narrativa precisa, leva facilmente & aceitagio de que a crenga da igreja primitiva na ressutreigio de Cristo era fundamentada em acontecimentos reais e, portanto, histéricos Os discipulos, por vezes, sio acusados pelos criticos de serem possuidores de uma cosmovisio mitica ¢, por conta disso, serem capazes de construir 0 mito da ressurreigo de Cristo. Este tipo de compreensio sobre a visio de mundo dos discipulos ¢ das pessoas do primeiro século faz delas sujeitos ingénuos ¢ até ignorantes. Mas, uma breve andlise de algumas passagens biblicas mostra-nos que os discipulos nao eram assim téo ingénuos como supdem os criticos. Veja a.Pedro dizia que eles nao seguiam fabulas construfdas pelos homens de maneira engenhosa (2 Pe 1:16). b. No Aredpago, o discurso paulino sobre a ressurrei¢ao de Cristo chocou os ouvintes (At 17:16-34). Por qual razao os ouvintes de Paulo escarneceram dele quando cle falou sobre a ressurreiga0? c. Quando Tomé manifesta uma “inctedulidade” sobre a noticia da ressurteigao de Cristo ele est4 dando algum sinal de ingenuidade? Quando ele fala em ver ¢ em tocar no sinal dos cravos, ele esta mostrando ser tio primitivo MODULO 7 |TEOLOGIA DO Novo TrstamenTo |201 assim como gostam de afirmar os criticos? Acreditando num preudo primitivismo dos discipulos, os criticos reduziram a ressurteigao de Cristo, crida objetivamente por seus seguidores, em uma experiéncia existencial e a histérica. Porém, parece que as evidéncias demonstram estarem errados. Os critétios histéricos a serem usados para examinar a ressurteigio de Cristo como sendo ou nao a explicasio mais plausivel para o timulo encontrado vazio naquele domingo de Pascoa devem set os mesmos adotados para a anilise de outros eventos histéricos passados. A busca por evidéncias que satisfagam um enfoque adequado ¢ a sustentabilidade dos fatos pleiteados indicam critérios que atestam a plausibilidade da ressutreigio de Cristo. Por eles é possivel estabelecer um argumento historico s6lido sobre a ressurreigéo. Estudiosos defensores da ressurreigio de Cristo. como sendo um acontecimento histético aberto & investigacéo critica creem existir evidéncias suficientes para corroboré-la Por uma abordagem historiogréfica interessada nas evidéncias, pode-se concluir ser a mesma a melhor explicagio para o ttimulo vazio. Por uma atitude critica, um critico histérico pode perfeitamente examinar as testemunhas, atestar a morte por crucificacéo, analisar todo 0 proceso de sepultamento e ratificar todas as afirmagées de que Jesus Cristo ressuscitou ¢ que o tiimulo nao estava mais ocupado e sim vazio. Para esse corpo de evidéncia histérica, a ressurreigao de Jesus Cristo é a explicagio mais provavel e plausivel. Veja 0 caso da tumba vazia e 0 uso de um critério de historicidade chamado atestagao miltipla. Também denominado de “corte transversal” ¢ “miiltipla confirmagio”, o critério atestagio miiltipla é explicado assim por Craig; “o fato é relatado em miiltiplas fontes primérias da época em que se alega que ele ocorret ¢ que nao dependam umas das outras nem de uma fonte comum.” Um exemplo com muiiltipla atestagio sio as palavras de Jesus sobre 0 pao ¢ vinho na Ultima Ceia (Mc 14:22-25; 1Co 11:23-26; Jo 6:51-58). Outro exemplo sio as palavras de Jesus a respeito da lampada que aparecem em Me 4:2, Mt 5:15 ¢ Le 11:33. No que tange a fontes antigas ¢ independentes relacionadas 20 tiimulo vazio temos a fonte de Marcos, Mateus ¢ Jodo que apresentam o caso a partir de fontes distintas, Atos (2:29, 13:36) ¢ Paulo na apresentagio do antiquissimo credo descrito em 1Corintios 15:4. Habermas numa reviséo do estado da arte,pesquisou mais de 2.200 768 RODRIGUES, 2012 apad CRAIG, 2011 769 RODRIGUES, 2012 spud HABERMAS, 1989, 202| CURSO MEDIO EM TEOLOGIA | KARPOS publicacées em inglés, francés e alemio sobre a ressurreicao de Jesus de Nazaré ¢ descobriu que 75 % dos pesquisadores vem a narrativa do sepulcro vazio como histérica. Digno de nota nesse instante é o fato que no debate sobre a historicidade da ressurreigio de Jesus Cristo, crer ou. no que 0 apéstolo Paulo tinha 0 conhecimento do timulo vazio faz. muita diferensa. Escudiosos que negam a tessurreigio como um fato hist6rico afirmam, que o apéstolo desconhecia qualquer antiga narrativa de um wimulo vazio. Os eruditos J. M. Borg ¢ John Dominic Crossan afirmam:”” “Paulo nao enfatiza um. imulo vazio, Pelo contratio, ele baseia sua confianca na ressurreicao de Jesus, nas aparigées de Jesus aos seus seguidores c, em tiltima instancia, no que ele préprio, Paulo, entende como visées. Crossan”! entende que as narrativas do sepultamento ¢ ressurreicéo foram recente criagio ilusdria de fatos que se desejaria fossem realidade. O cadaver de Jesus seguiu 0 caminho dos corpos de todos os criminosos abandonados: provavelmente coberto apenas com refugo, vulnerdvel aos cies selvagens que vagavam a terra devoluta das dreas de execucio Assim, as narrativas do tiimulo vario néo passam de acréscimos aos textos evangélicos. Ou seja, sio lendas inseridas no contexto da f€ ¢ que o apéstolo Paulo nao tinha conhecimento sobre nenhuma tumba vazia, No entanto, é possivel encontrar pistas apontando para o fato de que o apéstolo Paulo conhecia © timulo vazio.”* ‘A metodologia que Crossan”? usa nos estudos dos textos evangélicos para determinar 0 que é “auténtico” ou néo, traz em seu bojo o descarte imediato de toda profecia ¢ todo milagre. Ou seja, o antissobrenaturalismo faz parte do escopo metodolégico e essa realidade compromete suas andlises, pois, aprioristicamente, a ressurreigao corporal de Jesus nao deve ser levada em conta, mas preterida O problema nesse censtio é que Crossan” e outros estudiosos (historiadores ¢ tedlogos) em suas pesquisas aproximam-se de seu objeto de estudo repletos de preconceitos nao histéricos, mas filos6ficos Noutras palavras, séo as convicgées metafisicas que determinam os resultados “histéricos” ¢ nao os fatos, as evidéncias. Se 0 naturalista continuar a negar um mundo teista nao haverd conjunto de provas que 0 convenga da plausibilidade da ressurreigio de Jests Cristo Com essa tendéncia metodolégica a ressurreigio de Jesus nio pode ser 770 RODRIGUES, 2012 spud CROSSAN, 1995, 107. IDEN. RODRIGUES, 2012 773 RODRIGUES, 2012 apud CROSSAN, 1995, 108. 774 RODRIGUES, 2012 spud CROSSAN, 1995, 108. MéDULO 7 |TEOLOGIA DO Novo Testamento_ |203 outra coisa que ndéo um mito. Citando Pannenberg, McGrath”? escreve fato decisivo na determinasao do que aconteceu no primeiro dia da Pascoa é a evidéncia contida no Novo ‘Testamento, ¢ nio as teorias dogmaticas e efémeras dos estudiosos acerca da natureza da realidade.” ‘Mas, Paulo sabia alguma coisa sobre o wimulo vazio? 2.4, Paulo e o Tamulo Vazio Um dos acontecimentos histéricos mais veementes que favorece a aceitacao da ressurreigéo corporal de Jesus Cristo é a transformagio de Saulo, Sua conversio dificilmente pode ser explicada por alguma teoria naturalista. Falar sobre Paulo eo ttimalo vazio ¢ importante porque as cartas paulinas foram escritas muito cedo, por exemplo: Romanos foi escrita entre 55-58 d.C. e 1Corintios foi escrita em 56 d.C. Com essas datas temos entre 26 ¢ 28 anos de distancia entre a escrita delas e a condenagio, crucificagio, morte e ressurreigéo de Jesus Cristo. Ou scja, do ponto de vista histérico temos uma distancia cronol6gica infima. ‘Alguns pesquisadores tm compreendido que a afitmagio “ressuscitou a0 terceiro dia” de 1* Corintios 15:1-8 é uma prova de que Paulo conhecia 0 ttimulo vazio. Leiamos. Ora, cu vos lembro, irmaos, o evangelho que jé vos anunciei; 0 qual também recebestes, e no qual perseverais, pelo qual também sois salvos, se é que 0 conservais tal como vo-lo anunciei; se ndo é que crestes em vio. Porque primeiramente vos entreguei o que também reccbi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras; que foi sepultado; que foi ressuscitado ao terceiro dia, segundo as Escrituras; que apareceut a Cefas, ¢ depois aos doze; depois apareceu a mais de quinhentos irmaos duma vez, dos quais vive ainda a maior parte, mas alguns jé dormiram; depois apareceu a Tiago, entio a todos os apéstolos; ¢ por derradeiro de todos aparece também a mim, como a um abortivo. Essa Escritura, segundo estudiosos como Gary Habermas, Bem Whiterington III ¢ Wifhart Pannenberg, é um antigo credo cristao. Hanegraaff diz. que “os estudiosos de todos os naipes concordam que este credo pode ser datado de trés a oito anos da prépria crucificacio.” Simon Kistemaker explica: “as palavras recebi ¢ entreguei sio termos técnicos que indicam os elos individuais na corrente da tradigéo (transmissio de um depésito sagrado).” As provas técnicas de que tal escritura trata-se de um antigo credo sao as seguintes: + As palavras entreguei ¢ recebi sho termos descritivos do tratamento rabinico da tradigéo santa, indicando que esta é uma tradigio santa recebida por Paulo; TH spud PANNENBERG, 204| CURSO MEDIO EM TEOLOGIA | KARPOS * Virias frases primitivas e antigas, pré-paulinas, sio usadas (“os doze”, “ao terceiro dia’, “foi visto”, “pelos nossos pecados”, “ressuscitou”). Estas frases judias e primitivas; * O estilo poético é hebraico; + O aramaico Cefas é usado; este era um modo antigo de referir-se a Pedro. 0 Esta declaragao é um credo por causa de sua forma aramaica primitiva, afirmam estudiosos. Muito possivelmente eta usada nos cultos em forma de cantico, O fator importante que este antigo credo cristao citado por Paulo traz 4 baila é que o evangelho paulino nao se baseia numa revelagéo espiritual apenas, mas em eventos histéricos sélidos. Paulo deixa claro que seu ensino é oriundo de uma tradigao recebida ¢ cle a reproduz sem nenhum questionamento. Aos que levantam a hipétese de que a ressurreigao é uma invengio da igreja primitiva, ébom lembrar nio ter havido tempo para a igrcja inventar uma hist6ria como a da ressurreigao, pois mitos ¢ lendas, para serem construidos, requerem pelo menos duas geragées para ornarem os fatos histéricos ¢, como jé foi dito, 0 antigo credo ctistio dista 3 a 8 anos da crucificagio, morte e ressurreigao. A sociologia ¢ a antropologia tém defendido que as comunidades sio mais receptivas do que criativas. Portanto, conjecturar que a comunidade crista primitiva vivia inventando coisas a respeito do Jesus hist6rico é uma tolice. Mas, onde esta o ttimulo vazio no credo? JA foi dito que est no versiculo 4: “foi sepultado, e ressuscitou ao terceito dia’. Quando o apéstolo diz “foi sepultado (ctaphe) cle estk demonstrando ter (ou isso ¢ subentendido) conhecimento do imulo vazio. Além dos escritores dos Evangelhos, apenas Paulo menciona esse fato. Em Atos 13:29 cle declara: “depois de cumprirem tudo 0 que a respeito dele estava escrito, tirando-o do madeiro, puseram-no em um sepulcro.” Na tumba 0 corpo de Jesus Cristo descansava, Seu sepultamento € consequéncia de sua morte e prentincio de sua ressurteigao. Por li ficou por curto espago de tempo ¢ 0 proprio apéstolo afirma ter ele “ressuscitado”. Essa incrivel correspondéncia entre tradigées independentes é uma prova de que a formula de quatro linhas transmitida a Paulo é uma sintese ou esboo dos acontecimentos bésicos da paixio ¢ ressurreisio de Jesus. Incluindo seu sepultamento em um sepulero Paulo entende essa ressurreigio como tendo sido corporal ow espiritual? A conexio entre os verbos “sepultar’¢ “ressuscitar” no conjunto da frase nao pode indicat © sepultamento do corpo ¢ uma ressurreicio espiritual como defendem alguns. No contexto, Paulo fala nos versiculos 35 44 de soma, “corpo fisico” em grego, que seré transformado pelo Espirito Santo tornando-se apropriado para entrar na vida eterna ¢ para experimentar a imortalidade. A expressio “ao terceito dia” também sustenta uma ressurreigao corporal. Provavelmente, temos M6DULO 7 |TEOLOGIA DO Novo Testamento_|205 uma referéncia & experiéncia das mulheres que ao terceiro dia foram & tumba ¢ wia (Mt 28:1-10; Mc 16:1-8; Le 24:1-12; Jo 20:1-10) estudioso do Novo ‘Testamento, Bart D. Ehrman,” teélogo liberal e agnéstico, afirma que para Paulo a ressurreigéo de Jesus foi fisica: Paulo quer lembrar a seus seguidores que, de fato, Jesus, real e fisicamente, foi crguido dentre os mortos. Paulo insiste em que a doutrina da ressurrcicéo tem a ver com uma verdadeira ressurteigio fisica, Jesus nio foi erguido apenas espiritualmente.”” Além de 1Corintios 15:4, 35 podemos ver também em Romanos (uma epistola paulina bastante antiga) que o apéstolo tinha a informacéo de que 0 timulo estava vazio.’”* No capitulo 8 versiculo 11 ele diz: “Se habita em v6s 0 Espirito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre 0s mortos vivificard também os vossos corpos mortais...” Observe que nesse verso 0 escritor comunica aos seus interlocutores que eles poderiam ter a esperanca de que seriam vivificados da mesma maneira que foi quando Jesus ressuscitou. ‘Tal esperanga inclufa uma transformacao de seus corpos mortais. O uso do advérbio “também” indica que do mesmo modo como aconteceu com o corpo de Jesus em sua ressurteigio assim iria acontecer com os corpos deles. Ora, se os eristaos terio seus corpos mortais vivificados porque o de Jesus passou por tal experiencia é evidente que o apéstolo tinha o conhecimento de que 6 ttimulo de Jesus Cristo estava vazio, pois é um contrassenso falar de um corpo mortal vivificado e pensar que tal corpo ainda jaz na sepultura.”” Como Paulo fala de uma ressurrcigo corporal de Jesus, orna-se ébvia a conclusio que ele sabia de um timulo vazio deixado pata trés. Paulo conhecia 0 sepulcto vazio © tal conhecimento descansa em uma realidade histérica atestada por um o antigo credo cristio que “pode ser rastreado até as fases formativas da primeira igreja crista.” Esta claro nos escritos paulinos que 0 apéstolo por diversas vezes ocupa- se com a transmissio de informasées histéricas. E mais, em alguns casos, estas informagées sio frequentemente reconhecidas pelos estudiosos como sendo mais antigas que os préprios escritos dele (vide Rm 1:3-4; 1Co 11:23ss, 15:3-8; Fp. 2:6-11; Cl 1:15-18; 1Tm 3:16; 2Tim 2:8). Viu-se que o Novo Testamento é marcado pela ressurreiso de Jesus Cristo de Nazaré. Os primeitos cristaos nao tinham clividas quanto a esse evento ter ocortido nna historia ¢ na dimensio espaco-tempo. Para cles, Deus operara esse milagre.” encontraram-na vi 776 RODRIGUES, 2012 apad ERHMAN, 2008, 210. 777 IDEM. 778 RODRIGUES, 2012 apud FH 779 IDEM. 780 RODRIGUES, 2012, MAN, 2008, 210, 206| CURSO MEDIO EM TEOLOGIA | KARPOS O sepulero vazio, um fato estabelecido ¢ independente, cuja sustentagio descansa no relato histérico do sepultamento, trabalhado aqui de modo breve, é um dado histérico que nos pée frente a frente com a necessidade de considerar a ressurreigio do Nazareno como “um evento em que o mundo de Deus fez intersecio com o mundo do tempo e do espago.” Existem outros argumentos histéricos especificos a favor da ressurrciséo que consubstanciam a concluséo dessa pesquisa. Refito-me as aparigées de Jesus, ao fato das mulheres serem as portadoras da noticia da tumba vazia ¢ as origens da fé crista. Todos eles sio fatos independentes ¢ estabelecidos. Um testemunho histérico poderoso em favor da ressurreigéo de Cristo é dado exatamente por seus inimigos. Trata-se da nao refutagio objetiva, inquestionavel e conclusiva deles em relacio & afirmagio dos discipulos de que Jesus Cristo ressuscitara. Isso & um fato hist6rico.”™ Por qual razio os judeus e os romanos foram incapazes de apresentar refutacées diretas ¢ fulminantes? Por qual razao eles ficaram silentes? Por qual razio eles usaram de perseguiges, martirios ¢ ameagas para tentar frear o avango do cristianismo quando uma simples apresentagio do corpo de Jesus Cristo resolveria 0 caso? Bom, o fato é que eles nada puderam provar, nem mesmo usando a mentira do roubo do corpo de Cristo. O siléncio deles tornou-se num argumento histérico tao poderoso quanto o testemunho dos apéstolos sobre a ressurreicéo de Jesus Cristo.” 3. JESUS COMO MESSIAS Dos quatro Evangelhos, apenas o de Joio usa a forma transliterada do termo hebraico ou aramaico para Messias (Messias, 1.41; 4.25) ¢, ao mesmo tempo, fornece a tradugio grega (Christos). No Evangelho de Joao, a palavra Christo ocorre dezessete veres, ¢ 0 titulo composto com o nome Jesus (Jesous Christos) ocorre duas vezes. A questio do messiado de Jesus surge diversas vezes no Evangelho de Joao. Jodo Batista insistiu que ele nao era o Cristo (1.20; 3.28), os disefpulos confessaram que Jesus ¢ 0 Messias (1.41), ¢ © messiado de Jesus foi discutido pelos lideres judeus (7.52), pelas pessoas comuns (7.25-31,40-43; 12.34) ¢ pelos samaritanos (4.29,30).7* T IDEM, "82 RODRIGUES, 2012. 783 ZUCK, 2008, 210, 784 ZUCK. 2008, 210 M6DULO 7 |TEOLOGIA DO Novo TestameNto_|207 Jesus como Mesias no Evangelho de Joao Todavia, o messiado de Jesus descrito no Evangelho de Joao difere um pouco do retratado pelos escritores dos Evangelhos sinéticos. As duas circunstancias em que o titulo Messias é aplicado de forma explicita a Jesus ocorrem no inicio do quarto Evangelho (1.41; 4.25).7* De acordo com 0 relato de Joao, os primeiros discfpulos reconheceram quase de imediato o messiado de Jesus, isso aconteceu logo que o conheceram, enquanto os Evangelhos sinéticos nfo mencionam nada sobre o assunto até a confissio de Pedro em Cesareia de Filipe (Mt 16.16). Embora alguns argumentem contra a historicidade do quarto Evangelho nesse ponto, h4 uma explicag4o que nao deixa o relato joanino em desarmonia com os sindticos. Em Joao 1.41, André diz a seu irmao Pedro: ‘Achamos o Messias” - Logo depois disso, Filipe disse a Natanael: “Havemos achado aguele de quem Moisés escreveu na Lei e de quem escreveram os Profetas” (1.45).2*6 Isso sugere que os primeiros discipulos entendiam o messiado contra o pano de fundo do Antigo Testamento, e nio em um sentido politico. O contexto nao fornece nenhuma indicagao de que essa observacio dos discipulos seja algo além de uma primeira impressao. O escopo de quem Jesus realmente é ¢ 0 que isso representaria para cles era uma percepgao que cresceria com o tempo € que se expressaria, mais tarde, na confissio de Pedro registrada nos sinéticos. Joao fornece apenas a primeira impressio deles, fato omitido pelos evangelhos sinéticos. Em Joao 4.25, a mulher samaritana usa 0 termo “Mesias” em um sentido geral, conforme indica a incerteza dela em relagao & exata missio do que estava por vir (“Quando ele vier, nos anunciaré tudo”). Em todo caso, 0 titulo “Messias” nfo transmitiria aos samaritanos a err6nea interpretagio politica que tinha para os judeus.”” Joao, em duas passagens de seu Evangelho, fornece informagées a respeito das expectativas messianicas judaicas da época. Alguns acreditavam que 0 Messias surgiria de repente e de origem desconhecida (7.27), e outros criam que Ele faria sinais miraculosos (v. 31).”* Outros ainda entendiam, a partir da Lei, que 0 Messias, quando viesse, permaneceria para sempre (12.34). Evidentemente, Joao incluiu essas percepgées (errdneas) a fim de mostrar que Jesus nao era o Messias que as pessoas comuns esperavam, ¢, por isso, nao é de surpreender que elas o rejeitassem (cf. 1.1112) A fé de que 0 Messias apareceria de um lugar secreto exclufa Jesus, pois 785 ZUCK, 2008, 211 2008, 211 787 ZUCK, 2008, 211 788 ZUCK, 2008, 211 208| CURSO MEDIO EM TEOLOGIA | KARPOS sua (suposta) origem era conhecida (Nazaré). A £ de que o Messias ficaria para sempre exchifa Jesus, pois Ele predissera sua partida (ou seja, a aproximagio de sua morte na cruz) Nos dois dislogos, Joio mostra que Jesus realmente é 0 Messias ¢ que as expectativas das pessoas estavam erradas, Em 7.29, Jesus respondeu aperguntasobre origem invocando sua origem celestial, algo que, na verdade, era desconhecido, Em 12.35,36, Jesus indica que é necessdrio esclarecimento espiritual (que Ele mesmo fornece) para entender o sofrimento ¢ a morte do Messias.”” Encontramos outro uso do titulo Messias na confisséo de Marta (Jo 11.27), c esse uso esté ligado ao titulo de Filho do Homem (“Disse-lhe ela: Sim, Senhor, creio que tu é 0 Cristo, o Filho de Deus, que havia de vir a0 mundo”). Mais uma vez, fica claro que os conceitos politicos nao estéo presentes em 11.27, pois os dois titulos (“Cristo” ¢ “Filho de Deus”) sao ligados um ao outro, ¢ Marta faz referencia & origem celestial de Jesus.”” De forma semelhante, 0 registro de Joao de que Jesus rejeitou a tentativa do povo de fazé-lo rei apds a alimentagio das 5.000 pessoas (6.15) ¢ mais uma excluséo da implicacio politica. Também encontramos o titulo Messias em Joao 20.31, passagem vista pela maioria dos intérpretes como uma importante afirmagio de propésito por parte do escritor do Evangelho. Esse titulo, mais uma vez como em 11.27, esté associado 20 de Filho de Deus (“Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é 0 Cristo, o Filho de Deus, ¢ para que, erendo, tenhais vida em seu nome”) Embora o quarto Evangelho enfatize mais Jesus como Filho de Deus, a afirmacio de seu messiado tem um papel importante nesse Evangelho. O Evangelho de Joao fornece a imagem de que Jesus 0 Messias nao no sentido politico da expectativa popular, mas em um sentido distinto, relacionado com sua filiacdo divina, além de estar de acordo com o Antigo Testament, em vez de com a expectativa judaica do século 1." Jesus como Messias nas epistolas joaninas Nas epistolas joaninas, 0 termo Messias é usado como titulo associado a Jesus. Encontramos a forma combina da “Jesus Cristo” em 1 Joo 1.3; 2.1; 3.23; 4.2,3; 5.6,20 ¢ em 2 Joio 3,7. As passagens 1 Joao 2.22 ¢ 4.3 (veja também 2 Jo 7), em que os oponentes de Jogo negam que Jesus é 0 Messias, sio importantes para a compreensio do papel de Jesus como Messias. Conforme jé afirmado, muitos intérpretes veem algumas 789 ZUCK, 2008, 211 790 IDEM. 791 ZUCK, 2008, 211 MéDULO 7 |TEOLOGIA DO Novo Testamento_|209 formas primitivas de docetismo aqui, heresia que distingue o Jesus humano do Cristo celestial e deposita sua fé no tiltimo em detrimento do primeiro.”” Joao enfatiza que essa visio nao sé é uma cristologia inaceitavel, mas é uma evidéncia da presenga do anticristo (1 Jo 4.3).7 Aceitar Jesus como o Messias é uma doutrina fundamental da fé crista (5.1). Jesus como Messias no Apocalipse. O livro de Apocalipse contém apenas trés referéncias ao termo Messias (Ap 1.1,2,5). Todas associadas ao nome de Jesus e usadas como um titulo semelhante & forma combinada “Jesus Cristo” usada nas epistolas joaninas.”™ Messias ¢ Rei de Israel, Na literatura joanina, a descrigéo de Jesus como Messias tem relacao estreita com o titulo “Rei de Israel”, esse tiltimo titulo ocorre em Joio 1.49 e 12.13, Em 1.49, Natanael exclama que Jesus é Filho de Deus e Rei de Israel. Em 12.13, na entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, a multidao gritou: “Bendito o Rei de Israel que vem em nome do Senhor!" . No relato de Joao, logo apés essa aclamagao segue-se a citagio de Zacarias 9.9, a mesma passagem profética mencionada por Mateus em conexao a realeza davidica de Jesus (Mt 21.4-9). Portanto, parece claro que, para Joio, o titulo “Rei de Israel” tem conotagées de reinado davidico ¢ que Jesus deve ser entendido como o herdeio e sucessor do trono davidico.”*> Essa visio é indiretamente apoiada pela pergunta suscitada pela multidéo a respeito da origem de Jesus: “Vem, pois, o Cristo da Galileia? Nao diz a Escritura que 0 Cristo vem da descendéncia de Davi e de Belém, da aldeia de onde era Davi?” (Jo 741,42). Na natrativa de Jodo, a pergunta revela ignorincia a respeito da verdadeira origem de Jesus, ignorancia essa que se transforma em ironia, pois se espera que o leitor do Evangelho de Joao saiba que, na verdade, Jesus veio de Belém (e antes disso, do céu).”” Embora a pergunta, em si mesma, revele ignorancia popular, cla presume que o leitor tenha conhecimento dos relatos do nascimento de Jesus em Belém ¢ de sua descendéncia davidica, conforme relatado nos Evangelhos sindticos. 4. JESUS COMO LOGOS O termo grego, logos, ocorre muitas vezes no Evangelho de Joao em virios de seus sentidos ustiais (por exemplo, “afirmar” ou “dizer” em Jo 4.39,50; 6.60, 7.36; 15.20; 18.9; 19.8; a “palavra” de Deus como revelagio em Jo 10.35; a 792 ZOCK, 2008, 211 793 ZUCK. 2008, 211 794 ZUCK. 2008, 211 795 IDEM 796 IDEM. 797 ZUCK, 2008, 212. 210| CURSO MEDIO EM TEOLOGIA | KARPOS ‘palavra’ de Deus revelada por intermédio de Cristo, (Jo 17.14). Contudo, 0 uso mais relevante de logos no Evangelho de Jodo ocorre no prdlogo (1.1-18) em 1.1 (“No principio, era o Verbo”) e 1.14 (“O Verbo se fez carne”).7* Aqui, Jesus mesmo usa 0 termo como uma designacao técnica, e muitos estudiosos devotaram muito empenho para a comprecnsio do pano de fundo ¢ do uso de logos nesses dois versiculos. Nio se comprovou de forma categérica se 0 termo logos, conforme usado por Joao deriva-se de um pano de fundo judaico ou grego (helenista) ou de alguma outra fonte. Nem esté claro que associagées Joao pretendia transmitir com 0 uso desse termo.”” Os leitores sio deixados por conta prépria para resolver as alusées ¢ 0 sentido exato do termo. Joao trabalhava com alusées ao Antigo Testamento, mas cle também escrevia para um ptblico familiarizado com o pensamento helenista (grego), ¢ certos aspectos de seu uso do termo logos ocorreriam a eles.‘ Os dois panos de fundos sio importantes para compreender esse titulo conforme usado por Joao nas passagens 1.1 ¢ 14. O pano de fando grego do termo. Logos, como termo filoséfico grego, refere-se a “alma do mundo’, isto é a alma do universo. Esse era um principio bastante difundido, o principio racional do universo. Era a energia criativa, Em um sentido, todas as coisas provinham dele, mas, em outro sentido, a sabedoria das pessoas provinha dele.** Esses conceitos sio, pelo menos, tio antigos quanto o filésofo grego Herdclito (século VI a.C.) que escreveu que o logos “sempre existiu” e que “todas as coisas acontecem por intermédio do logos”. No pensamento helenista posterior, esses conceitos persistiram, mas foram um pouco modificados. Filon de Alexandria, filésofo judeu do inicio do século I, mencionava com, frequéncia 0 logos (o termo aparece mais de 1.400 vezes em seus escritos), mas cle estava preocupado com a distingio platénica do termo, conforme ele mesmo fazia, entre este mundo material e 0 mundo celestial real das ideias."” Os estoicos, outro grupo de filésofos helenistas, desenvolveram o conceito de logos. Eles abandonaram 0 arquétipo celestial platnico em favor do pensamento (mais préximo de Herdclito) de que o universo é permeado pelo logos, a Razdo eterna. Os estoicos, convencides da racionalidade suprema do universo, usavam, ZUCK, 2008, 212. DEM 801 ZUCK, 2008, 212. 802 IDEM. MODULO 7 |TEOLOGIA DO Novo TrstameNTO |211 © termo logos para expressar essa convicgao. Para eles, era a “forca’ que dava origem a todas as coisas, permeava-as e ditigia-as, Ele era 0 principio supremo que governava o universo." Todavia, os estoicos nao entendiam 0 logos como algo pessoal nem o compreendiam da forma como alguém poderia entender a Deus (isto é, como tuma pessoa a ser adorada) 4,1. A Glotificagao de Jesus no Evangelho Joanino No Evangelho de Joao, a glorificacéo de Jesus descreve, em conjunto, stia morte, ressurreicao, ascensao ¢ exaltagao. Isso fica claro em passagens como Joao 7.39, em que o evangelista escteve em uma nota explicativa que “o Espirito Santo ainda néo fora dado, por ainda Jesus nio ter sido glorificado” A glorificagao pressupse a morte, ressurrcigao ¢ retorno de Jesus para o Pai Joao 12.16 também menciona a “glorificagi 10” em relagio A morte, ressurteigio retorno de Jesus para o Pai: “mas, quando Jesus foi glorificado, entéo, se lembraram {os discipulos] de que isso estava escrito dele ¢ que isso the fizeram." Encontramos 0 pano de fundo para essa compreensio da morte, ressurcigéo, ascensio ¢ exaltagio de Jesus no uso do termo “glétia” (doxa) no quarto Evangelho. Ele ocorre pela primeira vez em Joao 1.14, passagem em que o evangelista testifica em relagio & Palavra encarnada: “vimos a sua gléria, como a gléria do Unigénito do Pai, cheio de graca e de verdade”."* O Evangelho de Jofo apresenta Jesus como a total ¢ completa revelagio da presenga e da natureza de Deus (por exemplo, Jo 1.18). Essa autorrevelagio de Deus na pessoa de Jesus aconteceu néo s6 por intermédio da exemplar vida terrena de Jesus, mas também por meio dos sinais milagrosos que Ele realizou (2.115 114,40) Joao menciona isso em seu comentério explanatério que segue o milagre da transformagéo de 4gua em vinho na festa do casamento de Cand. “Jesus principiow assim os seus sinais em Cand da Galileia e manifestou a sua gloria, ¢ os seus discipulos creram nele” (2.11).! Mas a gloria de Jesus néo comegou com sua encarnagéo nem com seu ministério puiblico, incluindo os sinais milagrosos. Para Joio, 0 Cristo pré- encarnado sempre possuiu essa gloria na eternidade passada."”” Em Joao 17, Jesus, em sua oragao, refere-se a essa gléria anterior & encarnagio. “E, agora, glorifica me tu, 6 Pai, junto de ti mesmo, com aquela glaria 303 ZUCK, 2008, 212. 804 IDEM. 805 ZUCK, 2008, 217. 806 ZUCK. 2008, 2177 807 IDEM. 212| CURSO MEDIO EM TEOLOGIA | KARPOS que tinha contigo antes que 0 mundo existisse” (17.5). Joao (12.41) diz que o profera Isaias também falou dessa gléria no Antigo Testamento (Is 6.1-3).*° ‘Todavia, a apresentagio de Jodo da glorificacio de Jesus néo termina com a morte dEle na cruz. Ela envolve o retorno ao estado de gléria anterior A encarnagio que Jesus experimentara com o Pai (17.5), apés a humilhacio da encarnagio, o softimento e a morte. Esse retorno ao Pai envolve ndo apenas a morte de Jesus na cruz, mas também a ressurteigio e ascensio dEle 8 presenga do Pai. Em Joao 13.33, a declaragio de Jesus para os discipulos: “para onde eu vou nao podeis vés ir”, sugere nao sé que Ele esté para partir por meio da morte, como também que Ele voltard para o Pai." Na verdade, pode-se entender todo 0 movimento do evangelho de Joao como a descida de Jesus seguida de sua subida, Esse movimento é expresso no prélogo do Evangelho (1.1-18) ¢ reiterado no restante da obra. No prélogo, o Verbo, que estava na presenga do Pai (v. 1) antes da encarnagao, desce ao mundo, mas é rejeitado por este (Ww. 9,10), e, depois, volta & presenca do Pai (“estd no seio do Pai”, v. 18). Encontramos, de novo, 0 mesmo movimento no restante do Evangelho de Jodo. Jesus é aquEle que desceu do céu (3.13), mas foi rejeitado por seu povo que preferiu as trevas 4 luz (v. 19; cf. 1.10). Essa rejeigdo caracterizou todo o ministério piblico de Jesus. Conforme o cevangelista resume: “E, ainda que tivesse feito tantos sinais diante deles, néo criam nele” (12.37). Depois disso, inicia-se o movimento ascendente do retorno de Jesus a0 Pai, j4 predito por Jesus em Jogo 12.32 (“quando for levantado da terra’) Para Joao, a crucificasio de Jesus é parte integral dese movimento ascendente. Jesus entrega sua vida, ¢ Ele o faz de forma voluntaria, apenas para tomé-la de volta (10.17,18). Pilatos apresentou Jesus como Rei ao povo judeu (19.14), os lideres judeus rejeitaram-no categdrica ¢ definitivamente (v. 15); depois, Ele foi exposto na cruz como Rei para que todo mundo visse (w. 19,20)." 5. O ESP{RITO SANTO: PARACLETOLOGIA JOANINA De acordo com Zick," além do Evangelho de Joao, seis passagens do quarto Evangelho incluem declaragées relevantes a respeito do Espirito Santo. 308 ZUCK, 2008, 217. 809 ZUCK, 2008, 219. 810 IDEM, 811 IDEM, 812 ZUCK, 2008, 219.

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