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41 DIREITO COLETIVO DO TRABALHO 1 Denominacaio Para especificar a parte do Direito do Trabalho que ora passo a estudar, so emprega- das as seguintes denominagées: Direito Coletivo do Trabalho, Direito Sindical ou Direito Corporativo. Nao nos parece adequada a utilizac#io da denominagio Direito Sindical, pois esta é mais restrita, dizendo respeito apenas ao sindicato ow a sua organizacio, e também nao trata de grupos nfo organizados em sindicatos, que podem ser sujeitos para reivindicar direitos trabalhistas. Certas matérias que fazem parte do segmento ora em andlise, como a representacio dos trabalhadores na empresa, no seriam incluidas no Direito Sindical, pelo fato de que aqueles trabalhadores nao precisam ser sindicalizados para terem enten- dimentos com a empresa. ‘A denominagdo Direito Corporativo diz respeito nao sé a organizagio sindical, mas também & organizacéo da acdo do Estado de forma a desenvolver a economia. Critica-se, entretanto, o uso da denominagao Direito Coletivo do Trabalho, com o fundamento principal de que todo direito é coletivo ou feito para a coletividade. Deve-se lembrar que, primeiramente, 0 Direito Coletivo do Trabalho opée-se ao Di- reito Individual do Trabalho, pois este trata, regra geral, do contrato de trabalho, enquan- to aquéle versa sobre as relagGes coletivas de trabalho, mormente as regras coletivas que sero aplicaveis aos contratos de trabalho. Quanto ao fato de todo direito ser feito para a coletividade, néo discrepo de tal entendimento, apenas o Direito Coletivo do Trabalho, que nao é auténomo, vai estudar as relagdes coletivas a serem observadas no contrato de trabalho, gerando efeito sobre tal pacto. O Direito, de fato, é feito para a sociedade, num sentido genérico, porém o Direito Coletivo do Trabalho, como parte do Direito do Trabalho, nao vai tratar de regular todas as situagdes da sociedade, mas apenas aquelas regras coletivas que serio observadas em decorréncia do contrato individual do trabalho e da organizacio sindical, dai por que se trata de um segmento do Direito do Trabalho. 724 Direito do Trabalho * Martins 2 Conceito Direito Coletivo do ‘Trabalho é 0 segmento do Direito do Trabalho encarregado de tratar da organizagiio sindical, da negociacdo coletiva, dos contratos coletivos, da repre- sentagio dos trabalhadores e da greve. 0 Direito Coletivo do Trabalho é apenas uma das divisdes do Direito do Trabalho, no possuindo autonomia, pois nao tem diferencas especificas em relacéo aos demais ramos do Direito do Trabalho, estando inserido, como os demais, em sua maioria, na CLT. Na definicio deve ser destacada a representacdo dos trabalhadores, pois hoje é possi- vel que no existam sindicatos, federacdes ou confederacées juridicamente organizadas, fazendo com que o trabalhador tenha que se organizar num grupo, que niio reveste a roupagem de um sindicato ou associagio, para reivindicar seus direitos trabalhistas. Nao deixa o Direito Coletivo do Trabalho de ser instrumento para a melhoria das condigées de trabalho do empregado, como ocorre com os demais ramos da matéria em estudo. 3 Divisio Vou estudar no Diréito Coletivo do Trabalho a organizacao sindical, que compreende sua natureza juridica, a proteciio & sindicalizagio, seus érgios, eleicdes sindicais e as re- ceitas dos sindicatos; os acordos e as convengées coletivas de trabalho; a greves o lockout e outras formas de solucao dos conflitos coletivos. 4 Histérico Antes de passar ao exame da primeira etapa do Direito Coletivo do Trabalho, que & a liberdade sindical, ha necessidade de um pequeno esboco histérico sobre o tema, para melhor compreensio. 0 Direito Coletivo do Trabalho nasce com o reconhecimento do direito de associaciio dos trabalhadores, o que veio a ocorrer apés a Revolucdo Industrial (século XVI). ‘As crises que importaram no desaparecimento das corporagées de oficio acabaram propiciando o surgimento dos sindicatos. As corporagées de oficio foram criadas como forma de reuniio dos trabalhadores, objetivando melhores condigées de vida. A forma de funcionamento das corporacées acabou também provocando um antagonismo interno, pois os mestres determinavam tudo, terminando com a uniao existente e dando lugar ao descontentamento, razio pela qual foram surgindo reivindicagées, principalmente dos aprendizes e companheiros. Pode-se dizer que o bergo do sindicalismo foi a Inglaterra, onde, em 1720, foram formadas associagées de trabalhadores para reivindicar melhores saldrios e condigdes de trabalho, inclusive limitaco da jornada de trabalho. Desde 1824 houve uma fase de tole- rancia com os sindicatos; somente em 21-6-1824, as coligacdes deixaram de ser proibidas Direito Coletivo do Trabalho 725 em relagio aos trabalhadores, por ato do parlamento; nio se reconhecia, porém, o direito de greve, nem os trade unions. Apenas por lei de 1875, consolidada em 1906, é que houve a possibilidade da criacdo livre dos sindicatos. Na Franga, a Lei Le Chapellier, de 17-7-1791, proibia que “os cidadios de um mes- mo estado ou profissdo tomassem decisdes ou deliberagSes a respeito de seus pretensos interesses comuns”. O Cédigo de Napoledo, de 1810, também punia a associacio de trabalhadores. Em 1810, havia a Chambre Syndicates du Batiment de La Saint Chapelle. Sindicato era a Organizacdo. Sé se observa a liberdade de associaco dos trabalhadores a partir de 1884, quando foi reconhecida. Em 1830, em Manchéster, so criadas associagées de trabalhadores para mitua aju- dae defesa, chamiadas de Trade Unions, que so os embrides do sindicato. A lei Waldeck-Rousseau, na Franca, de 21-3-1884, permitiu As pessoas da mesma profissdo ou de profissdes conexas constituir associacdes, sem a autorizacéio do governo, para a defesa de seus interesses profissionais e econdmicos. O direito de associaco, na Alemanha, foi admitido expressamente pela Constituigaio de Weimar, de 1919, tendo sido a primeira constitui¢gao a tratar de matéria trabalhista e do direito coletivo do trabalho. O sindicato nasce, assim, como um érgio de luta de classes. No sistema italiano de Mussolini, 0 sindicato era submetido aos interesses do Estado. Este é que moldava o sindicato a suas determinacées. O sistema fascista nao proibia a criac&o de associages de fato. O art. 6% da Lei n? 563, de 1926 (Lei Rocco), previa a uni- cidade sindical. A pluralidade sindical implicava concorréncia entre os sindicatos. A Carta del Lavoro, de 1927, na parte III, determinava que a organizacio sindical ou profissional era livre. O sistema sindical era organizado por categorias (Lei n® 563), indicando o para- lelismo simétrico: de um lado, sindicato de categoria profissional e, de outro, sindicato de categoria econémica. O Estado é que organizava as categorias. A categoria preexistia a0 sindicato. Nao tinha, porém, a categoria personalidade juridica. Quem tinha personalida- de juridica era o sindicato. A associagéo era um fato voluntdrio. O enquadramento sindi- cal era prévio e obrigatério. Sé era posstvel o reconhecimento de um tinico sindicato pelo Estado em dada base territorial, concedendo a carta sindical, que era um ato politico. Nao havia diretamente imposi¢ao do sindicato tinico, mas unicidade do reconhecimento do sindicato. Somente o sindicato legalmente reconhecido e submetido ao controle do Estado é que tinha o direito de representar a categoria, estabelecendo os contratos cole- tivos, Para assegurar a autonomia financeira do sindicato ou sua dependéncia financeira ao Estado era criado o contributo sindacale. Cabia ao Estado disciplinar os conflitos de trabalho e organizar a producio nacional. Era estabelecido o poder normativo na Justica do Trabalho para controlar a greve, pois esta era proibida, assim como o lock-out. A Declaracio Universal dos Direitos do Homem, de 1948, determina que todo ho- mem tem direito a ingressar num sindicato (art. XXII, 4). A OFT, coma Convengo n® 87, de 1948, passou a determinar as linhas mestras sobre 0 direito de livre sindicalizacéio, sem qualquer ingeréncia por parte do Estado. Algumas constituicées mencionam também a liberdade de filiacdo, como a da Fran- a, de 1946, reafirmada em 1958, que prevé que todo homem pode defender seus direi- tos e seus interesses por meio do sindicato e aderir a agremiago de sua escolha (tout homme peut défendre ses droits et ses intéréts par Vaction syndicale et adhérer au syndicat de son choix). 42 \ LIBERDADE SINDICAL 1 Histérico ‘A Constituigao da OIT, de 1919, j4 previa o principio da liberdade sindical, que seria um dos objetivos a ser alcangado por seu programa de aco. Teve a Constituicio da OIT incorporada a seu bojo a Declaragio de Filadélfia, de 1944, em que o principio da liber- dade sindical era reafirmado com um dos postulados basicos da referida organizagao: “q liberdade de expressiio e a de associagao so essenciais A continuidade do progresso” (art. I, b). A Declaracdo de Filadélfia também inclufa entre os programas da OIT os que visavam “o efetivo reconhecimento do direito da negociagio coletiva, a cooperaciio entre empregadores e trabalhadores para o continuo melhoramento da eficléncia produtiva, e a colaboragio de trabalhadores e empregadores na preparagio e aplicacdo de medidas sociais e econémicas” (III, ¢). ‘Como se verifica, a liberdade sindical é um dos postulados bdsicos da OIT. Ja se sen- tia em 1927 a necessidade de elaboracio de um texto com as regras gerais a respeito de liberdade sindical. Havia, entretanto, divergéncias sobre 0 tema, entre os paises, enaque- Ja época era impossivel chegar a liberdade sindical. Isso s6 foi possfvel apés a Segunda Guerra Mundial, a saber, em 1948. Na Conferéncia Geral da Organizagio Internacional do Trabalho realizada em 9-7- 48, na cidade de Siio Francisco, nos Estados Unidos, foi adotada uma convengdo que trata de liberdade sindical e da protecao do direito sindical. Tal Convencio veio a ter.o miimero 87, denominada Convencao sobre Liberdade Sindical e a Protecéo do Direito Sindical. Essa norma internacional é que traca os parametros principais a respeito da liberdade sindical. Infelizmente, essa convengdo ainda no foi ratificada pelo Brasil; até mesmo em razio de a atual Constituicéo estabelecer a existéncia do sindicato unico, sindicato por categoria e contribuicao sindical determinada por lei, aaa incompativeis com a referida regra internacional. A Declaracao Universal dos Direitos do Homem também assegura o “direito a liber- dade de reuni#io e associacdo pacificas” (art. XX). Ademais, o direito de sindicalizaciio passou a estar elencado entre os direitos humanos: “todo homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para protecio dos seus interesses” (art. 23, n® 4). O Pacto Internacional dos Direitos Econémicos Sociais e Culturais, de 1966, estabelece no art. 8° que os Estados, que so partes no referido pacto, se obrigam a.assegurar:.“c) o direito que tém os sindicatos de exercer livremente sua atividade sem outras limitagdes que as Liberdade Sindical 727 previstas em lei e que constituem medidas necessdrias numa sociedade democrética, no interesse da seguranca nacional ou da ordem piiblica, ou para proteger os direitos e as liberdades de outrem”. 2 Conceito Liberdade sindical é uma espécie de liberdade de associagao. E 0 direito de os traba- Ihadores e empregadores se organizarem e constitufrem livremente as agremiagSes que desejarem, no ntimero por eles idealizado, sem que sofram qualquer interferéncia ou intervengio do Estado, nem uns em relagdo aos outros, visando & promogio de seus inte- resses ou dos grupos que irdo representar. Essa liberdade sindical também compreende 0 direito de ingressar e retirar-se dos sindicatos. A liberdade sindical significa, pois, o diréito de os trabalhadores ¢ os empregadores se associarem, livremeénte, a um sindicato. Todo aquele que tiver interesse profissional ou econdmico a ser discutido poderd reunir-se num sindicato. Os interesses profissio- nais ou econémicos serfo, assim, dos empregados, dos empregadores e dos trabalhado- res auténomos, como se observa do art. 511 da CLT. Os trabalhadores em servico piblico também terdo o direito de livremente constituir sindicato. A excegio A regra diz respeito aos membros das Forgas Armadas, da policia e aos servidores ou empregados piiblicos de alto nivel, assim considerados aqueles que tém funcSes com cardter decisério, ou seja, de confianca, o que poderd ser feito mediante exclusio pela legislacio nacional (Convengio n? 151 da OIT, de 1978, arts. 1°, 2°, 3), Para que haja autonomia e liberdade sindical, & preciso que exista uma forma de cus- teio da atividade das entidades sindicais, 0 que deveria ser feito por intermédio de con- tribuigdes espontaneas dos filiados e nao por intermédio de contribuicées compulsérias. Seria, por exemplo, a mensalidade dos sdcios e a contribuigo decorrente do custo da ne- gociacio coletiva. 3 Garantias Contém a Convencfo n® 87 da OIT varias garantias fundamentais: a. os trabalhadores e os empregadores, sem distingo de qualquer espécie, tero direito de constituir, sem antorizacao prévia do Estado, organizagées de sua escolha, bem como 0 direito de se filiar a essas organizaces, sob a tinica con- digo de observar seus estatutos (art. 2°). Os trabalhadores e empregadores tm o direito de escolher se querem unidade ou pluralidade sindical, sem que o Estado intervenha nessa relacdo. A unidade sindical iré decorrer livremente da vontade dos envolvidos. O direito de se filiar ao sindicato comporta dois aspectos: 0 positivo, que é o de ingressar na agremiacio, e o negativo, que € 0 de se retirar. Trata-se de uma liberdade sindical individual, na qual se evi- dencia que cada pessoa pode decidir, soberanamente, entre entrar ou no no sindicato, o que também foi acolhido pelo inciso V, do art. 8°, da Constituigao de 1988. Nao pode, portanto, haver qualquer constrangimento ou coacéo para a pessoa ingressar ou no no sindicato; ‘728 Direito do Trabalho + Martins b. organizagdes de trabalhadores e de empregadores terdo o direito de elaborar seus estatutos e regulamentos administrativos, de eleger livremente seus re- presentantes, organizando sua gestdo e sua atividade e formulando seu pro- grama de aco, inclusive no que diz respeito as federacdes e confederacées. 0 Estado no poderd interferir ou intervir no sindicato, de maneira a impedir o exercicio do direito sindical (art. 3°). Assim, o sindicato tem o direito de redigir seus estatutos e suas normas internas, elegendo seus dirigentes, sem qualquer ingeréncia ou interferéncia do Estado; ¢. suas autoridades ptiblicas deverdio abster-se de qualquer intervencio que pos- sa limitar esse direito ou entravar seu exercicio legal; d. as organizagées de trabalhadores.e de. empregadores néio estaro sujeitas a dissolugdo ou a suspenséo por via administrativa (art. 4°). O Estado nfio deve exercer qualquer controle, de modo arbitrdrio ou autoritdrio, sobre a atividade sindical, de maneira a dissolver ou suspender administrativamente as ativida- des da agremiacao; e. as organizacées de trabalhadores e de empregadores terdo o direito de cons- tituir federacdes e confederagées, bem como de filiar-se a estas, e toda orga- nizagéo, federagio ou confederacio terd o direito de filiar-se a organizacées internacionais de trabalhadores e de empregadores (art. 5°); f, aaquisi¢ao da personalidade juridica por parte das organizagées de trabalha- dores e de empregadores, suas federacdes e confederacées, nfio poderd estar sujeita a condigdes de natureza a restringir o direito de associacio. ‘As garantias previstas pela Convengio n° 87 da OIT aplicar-se-do as Forcas Armadas A policia, o que serd objeto da legislagdo de cada pais (art. 9°, 1). A ratificagio da refe- rida convengio ndo deverd afetar qualquer lei, sentenca, costume ou acordo jé existentes que concedam aos membros das Forcas Armadas e da pol{cia garantias previstas na citada norma (art. 9°, 2). Quanto aos empregadores, nao poderd haver discriminacdo antissindical dos traba- Ihadores, pois esses gozardio de adequada protecdo contra atos antissindicais relativos a0 emprego, tanto no momento da admissio, como durante o desenvolvimento do contrato de trabalho. O objetivo é 0 de ndo se exigir do trabalhador sua ndo filiacio a um sindi- cato ou a remincia a sua condicéo de membro da agremiagao, bem como de dispensar 0 empregado ou prejudicd-lo somente por ser membro de sindicato (art. 1° da Convengio n® 98 da OIT). Nao trata a Convengio n? 87 da OIT, expressamente, da liberdade de no associacio; apenas prevé o direito das pessoas de constituirem sindicato e de a ele se filiarem, prote- gendo, porém, diretamente a nao associacdo A agremiagio. A liberdade sindical deve ser assegurada tanto no setor ptiblico como no privado, sem distincdo ou discriminagao de qualquer espécie, como profissao, sexo, cor, raca, cre- do, nacionalidade ou opinio politica. A Convenciio n® 87 da OIT néo é, a primeira vista, dirigida aos governos, mas mais diretamente aos empregados e empregadores. Ela é, contudo, dirigida aos governos quando determina que nao pode haver interferéncia ou intervenciio nos sindicatos, cons- Liberdade Sindical 729 tituindo ato atentatério a liberdade sindical. A Convencao n° 87 da OIT também é dire- cionada aos funcionérios ptiblicos, pois o art. 9° da referida regra internacional prevé que a legislaco nacional deveré determinar até que ponto sero aplicadas 4s Forcas Armadas eA policia as garantias previstas na citada norma. A Convencio n® 98 da OIT, de 1949, que foi aprovada pelo Brasil pelo Decreto Legis- lativo n® 49, de 27-8-52, traca regras gerais a respeito de intromissdes reciprocas entre trabalhadores e empregadores. Os trabalhadores devem gozar de protecio adequada con- tra quaisquer atos atentatérios a liberdade sindical, no condizente a relacdo de emprego (art. 12). Para obtenciio do emprego, o empregador nao poder exigir do empregado que este venha a ndo se filiar a um sindicato ou a deixar de fazer parte dele (art. 2°, a). O trabalhador nao poderd ser dispensado ou prejudicado em razio de sua filiacdo ao sindi- cato ou de sua participacdo em atividades sindicais, fora do horério de trabalho-ou-com © consentimento do empregador, durante as mesmas horas (art. 2°, b). As organizagées de trabalhadores e de empregadores deverao gozar de protecfio adequada contra quaisquer atos de ingeréncia ou intervencao de umas em outras, quer diretamente quer por meio de seus representantes, em sua formacdo, funcionamento e administragao (art. 2°, 1). Consideram-se como atos de ingeréncia as medidas destinadas a provocar a criacdo de or- ganizacbes de trabalhadores dominadas por um empregador ou uma organizacao de em- pregadores, ou a manter organizacées de trabalhadores por outros meios financeiros, com 0 fim de haver controle por um empregador ou uma organizac&o de empregadores. Deve haver medidas no ambito da legislacdo interna de cada pafs para fomentar e promover 0 desenvolvimento da negociagao voluntaria entre empregadores e trabalhadores, visando regular por meio de convengées as condigdes de trabalho (art. 4*). A negociacao coletiva apanha as peculiaridades de cada regio. 4 Classificacao Liberdade individual é a de entrar e de sair do sindicato. Liberdade coletiva é a de criar 6rgdos superiores, como federacées, confederagées e centrais sindicais. Autonomia sindical é a liberdade do sindicato perante o Estado, de nao haver qualquer intervencio ou interferéncia na agremiagio. Como argumentam Orlando Gomes e Elson Gottschalk (1991:586), a liberdade sin- dical pode ser determinada segundo 0 individuo, o grupo profissional e o Estado. Quanto ao individuo, permite a referida orientacio que haja a liberdade individual de aderir, de ndo se filiar ou de sair livremente do sindicato. Em relagdo ao grupo profissional, ha a possibilidade de se fundar o sindicato, o quadro sindical na ordem profissional e territo- tial; a liberdade de relagées do sindicato, para fixar as regras internas formais e de fundo, regulando sua vida; liberdade de relacSes entre o sindicalizado e o grupo profissional; liberdade de relacées entre o sindicato de empregado e de empregador; liberdade no exercicio do direito sindical em relag&o & profissio; liberdade no exercicio do direito sindical em relagdo 4 empresa; a autonomia privada coletiva. No tocante ao Estado, diz respeito A independéncia do sindicato quanto & intervencdo por aquele, no conflito entre a autoridade estatal e a aco do sindicato; na integracdo dos sindicatos no Estado. A liberdade sindical também pode compreender a liberdade institucional, no sentido de o sindicato ser organizado de acordo com a vontade dos seus membros. 730 Direito do Trabalho * Martins Pode-se dizer que a liberdade sindical implica a possibilidade de livre criagao de sindicato, inclusive a criac&o de mais de um sindicato para a mesma categoria, e o direito de aderir ou nao ao sindicato e a liberdade de auto-organizacao sindical, sem qualquer ingeréncia governamental. Na Franca, por exemplo, os princfpios basicos em relagio ao sindicato séo: liberdade, pluralidade e autonomia. £ livre a criacda de sindicatos, porém se exige a apresentacio de’seus estatutos e da lista de seus dirigentes, que devem ser mostrados a Prefeitura do local da sede do sindicato. Apenas as pessoas que exercem a mesma atividade podem agrupar-se em sindicatos, visando a defesa de seus interesses profissionais. A liberdade sindical, portanto, implica varias facetas. No que diz respeito & pessoa, liberdade positiva de se filiar ao sindicato; a liberdade negativa de nfo se filiar ao sindicato, comportando também a desfiliacio, ocasifio em que o individuo deixa de ser associado do sindicato. Nota-se, pois, que nfo hd nenhuma necessidade de o Estado ser consultado para que as pessoas possam constituir sindicatos. No se pode dizer que a pluralidade sindical seja capaz de enfraquecer as organi- zag6es sindicais; ao contrario, os sindicatos representativos terfio maior forca, além de importar em maior participagdo democrdtica, Aqueles que prestarem os melhores servi- 0s terfo mais associados. A imposicao pelo Estado da unicidade sindical é que nao pode ser tolerada. Se os interessados decidirem constituir poucos sindicatos, como na antiga Republica Federal da Alemanha, ou muitos sindicatos, ficard ao livre alvedrio deles e nao de outra pessoa. O fato de o sindicalismo ser livre nao quer dizer que o sindicato vai ser fraco, pois, prestando bons servicos e conseguindo boas condigées de trabalho para a categoria, pode angariar mais sécios, aumentando sua receita. 5 Sistemas de liberdade sindical ‘Trés siio os sistemas relativos & liberdade sindical. O primeiro é 0 intervencionista, no qual o Estado ordena as relagGes relativas ao sindicato. O sistema intervencionista & destacado nos paises que adotavam o regime corporativo, como na Itdlia, de Musso- lini; na Espanha, de Franco; em Portugal, de Salazar, e até hoje no Brasil, O segundo é © desregulamentado, em que 0 Estado se abstém de regular a atividade sindical, como no Uruguai, em que no hé lei sindical, nem para tratar da organizacdo sindical, muito menos da atividade sindical, tendo o pais ratificado a Convengio n? 87 OIT, cumprindo seus dispositivos; o sindicato adquire personalidade gremial com seu registro, como 0 de qualquer pessoa juridica, O terceiro sistema é 0 intervencionista socialista, em que o Estado ordena e regula a atividade do sindicato, segundo as metas estabelecidas pelo primeiro, como ocorre em Cuba. Liberdade sindical quer dizer, contudo, autonomia sindical, néo se confundindo com soberania; esta é inerente ao Estado, decorrente de seu poder de império. A soberania do Estado ndo reconhece poder igual, superior ou concorrente na ordem interna, nem poder superior na ordem internacional. Consiste a soberania num poder: incondicionado, abso- lato, sem qualquer limite, j4 que seus limites so tracados pelo préprio Estado; origindrio, pois, niio é derivado de qualquer outro, nascendo com o préprio Estado; e exclusivo, visto Liberdade Sinidieal 731 que s6 0 Estado o possui e pode exercé-lo. f una a soberania. Nao se admite que um mes- mo Estado tenha duas soberanias, sendo um poder superior aos demais, no admitindo a convivéncia de dois poderes iguais no mesmo Ambito. E indivisivel, visto que nao admite a separagio das partes auténomas da mesma soberania. O Estado soberano pode auto- determinar-se ou autogovernar-se, autolimitar-se, isto , estabelecendo'seu ordenamento juridico, sendo, contudo, auténomo para decidir sobre tal ordenamento juridico. Tem, pois, o Estado um poder superior aos demais. O mesmo nao ocorre com o sindicato, com sua autonomia sindical, dependente inclusive do que determina a legislago baixada pelo Estado. A soberania é um dos fundamentos da Replica Federativa do Brasil (art. 1°, I, da Constituicaio). exercida a soberania popular por meio do sufrdgio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, conforme o art. 14 da Lei Fundamental. A liberdade sindical nao impde qualquer determinacio de vontade A pessoa de se associar ou no ao sindicato, favorecendo seu desenvolvimento espontaneo. Fo sistema que mais se adapta as regras da OIT. A Constituigéio de 1988 consagrou, ainda, o pluralismo politico, no inciso V, do art. 1°, Entretanto, a ideia de pluralismo politico é muito mais ampla, pois compreende até mesmo a ideia de pluralismo sindical. O fato de a pluralidade sindical criar sindicatos fracos nao impede que agremiagbes fracas se unam aos sindicatos mais fortes, criando apenas um sindicato, que ter muito maior éxito nas discussdes com os empregadores. No regime de um tinico sindicato, nao se pode dizer que haja liberdade sindical, pois inexiste liberdade de filiacdo, dado o fato de que hé um tinico sindicato e a pessoa nao pode pretender criar ou se filiar a outro. Dentro da livre sindicalizacio surgem alguns conceitos que devem ser explicados. © primeiro €'0 da closed shop, consistente na exigéncia de filiagio ao sindicato como condi¢ao de emprego. O segundo é 0 da union shop, em que se impée a filiago ao sindi- cato como condicio a continuidade do emprego. O terceiro é o da agency shop, que diz respeito apenas a exigéncia da obrigatoriedade da contribuicdo ao sindicato, mas nao & de filiagdo. Os Estados Unidos, por exemplo, admitem a union shop e a agency shop, mas nao a closed shop. O Comité de Liberdade Sindical da OIT adotou o entendimento de que as cldusulas da Convengio n® 98 nfo deveriam ser interpretadas, como admitidas ou proibidas. Ha, ainda, outra clausula utilizada nos Estados Unidos chamada check off: procedimento pelo qual o empregador ajusta com o sindicato deduzir dos saldtios de seus empregados as contribuiges sindicais e outras obrigagées financeiras, entregando estas somas aos préprios funciondrios do sindicato, a intervalos regulares. A Lei Taft Hartley declarou ilegais os acordos que permitiam aos empregadores deduzir automaticamente as contribuigdes dos saldrios dos associados do sindicato, ressalvadas as autorizagées individuais por escrito. Na Franca, tal cl4usula é proibida por lei, Existem também outras cldusulas a mencionar: mise 4 Vindex na Franca, que es- tabelece uma espécie de “lista negra” dos nao filiados; maintenance of membership, na Inglaterra e nos Estados Unidos, em que o empregado que se filiar voluntariamente a um sindicato deve nele permanecer na vigéncia da convencdo coletiva em que a cldusula foi pactuada. Sao cl4usulas que limitam a liberdade sindical. H4, também, a open shop: a empresa fica aberta a nAo filiados; yellow-dog contract : em que o empregado se com- promete a no se filiar ao sindicato para ser admitido pelo empregador; company unions: 732, Direito do Trabalho » Martins consiste no compromisso de no criacéio de sindiéatos fantasmas; preferential shop ou preferential hiring: ha apenas a preferéncia de admiss4o para filiados ao sindicato; label, em que o sindicato pée a sua marca nos produtos do empregador, visando mostrar que ha sindicalizagdo na empresa, 6 Autonomia sindical Aautonomia sindical é a possibilidade de atuacao do grupo organizado em sindicato endo de seus componentes individualmente considerados. O tipo de organizagiio a ser empreendida pelos interessados na criagéo do sindicato diz respeito a varias hipdteses. O sindicato pode ser organizado por grupo de empresas, por empresas, por categoria, por profissdo; dé ambito municipal, distrital, intermunicipal, estadual ou nacional. O sistema brasileiro adota uma forma de organizacio que despres- tigia a autonomia sindical, ao estabelecé-la por categoria, além de o sindicato nfo poder ter base territorial inferior A 4rea de um municipio (art. 8°, II, da Constituic&o). O enfoque da autonomia sindical compreende varios aspectos. O primeiro seria 0 da liberdade de organizacdo interna, de os interessados redigirem os estatutos do sindi- cato. Assim, os estatutos nao podem ser aprovados por autoridade administrativa, pois tal fato iria violar a autonomia sindical. O sindicato tem 0 direito de se fundir com outro sindicato, de haver ciséo no sindicato etc. A OIT entende que no fica ferida a liberdade sindical quando haja exigéncia de registro dos atos constitutivos do sindicato, desde que tal fato nao implique autoriza¢ao para o funcionamento do sindicato; do estabelecimen- to de quorum nas assembleias sindicais para efeito de estabelecer as decisdes no Ambito do sindicato; da possibilidade de a lei determinar que, para a fusio de sindicatos, hd ne- cessidade de assembleia sindical etc. Os sindicatos tém direito, também, de eleger livre- mente seus representantes, sem interferéncia de qualquer pessoa: Os érgaos do sindicato devertio ser determinados de acordo com seus estatutos, 0 que ndo impede, segundo entendo, que a lei estabeleca apenas quais siio os érgaos do sindicato, como 0 faz a le- gislaciio brasileira. O sindicato deve apenas tratar de questées profissionais ou econémi- cas, sendo desejivel que nio trate de politica, pois o sindicato nao pode transformar-se em instrumento de politica. Tem o sindicato direito de se filiar a outras organizacdes, inclusive internacionais. Poder-se-ia dizer, ainda, que hd tendéncia de participacao do sindicato na vida coletiva, observada por meio da Recomendaciio n® 113, que fomenta a participacdo do sindicato no sé quanto a interesses profissionais, mas também quanto a outros interesses, por meio do estabelecimento de consultas e colaboracdes no 4mbito de atividades econédmicas da nagio em razfio de questées de interesse comum. Estaria, assim, aberta a participagdo do sindicato em érgéo em que fossem discutidas questdes de interesse profissional e econémico. Isso também da ensejo A participagdo dos empre- gados nas empresas, por meio de delegados de pessoal, delegados sindicais, represen- tantes de pessoal etc. Nao ha violagao da liberdade sindical ao se exigir conhecimento publico ou outras regras que no sejam para determinar a autorizagao prévia para sua constituicdo. Se as autoridades responsaveis pelo registro fizerem exigéncias que tornem impossivel aquele objetivo, estard violada a'liberdade sindical. 0 mesmo se pode dizer do fato de a autoridade ter poder discricionario de negar o registro, equivalendo a exi- géncia de prévia autorizacdo. Liberdade Sindical 733 Nossa Constituic&o de 1988 estabelece que “€ livre a associacao profissional ou sin- dical” (art. 8"). Entretanto, 0 inciso II do mesmo artigo veda a criagdo de mais de uma organizacio sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou eco- némica, na mesma base territorial, que serd definida pelos trabalhadores ou empregado- res interessados, nfio podendo, porém, ser inferior A 4rea de um Municipio. Essa determi- nagio constitucional impede a ratificagdo da Convencdo n® 87 da OIT, mostrando que nao ha liberdade sindical no pais para as pessoas criarem livremente quantos sindicatos dese- jarem. De outro modo, temos ainda a exigéncia da contribuicio sindical prevista em lei, ‘que se atrita com o principio da liberdade sindical, como jé decidiu o Comité de Peritos da OIT (OTT, La liberté syndicale et négociation collective, Genebra, BIT, 1983, p. 48-50). Dentro da ideia de liberdade sindical, nao é fungéo do Estado ficar assegurando re- ceitas ao sindicato, principalmente por intermédio de contribuicio imposta por lei, embo- ra seja dever do sindicato colaborar com o Estado nas questées trabalhistas, como prevé a alinea d, do art. 513, da CLT. As receitas do sindicato devem advir, porém, da contribuigéo dos associados e de contribuicées extraordinarias decorrentes de a agremiagio ter parti- cipado das negociacées coletivas e de ter incorrido em custos em razio disso. O sindicato deve manter-se por conta prépria, prestando bons servigos aos associados e néo receben- do contribuigdes que siio compulsérias ou preestabelecidas pelo Estado por intermédio de lei. Entendo, assim, que, com base no principio da liberdade sindical, o Estado nao deve garantir ou assegurar receita ao sindicato, ainda que em épocas de crise econémica, mas a agremiacao é que deve procuréla por seus préprios meios, j4 que é uma entidade privada e ndo mais exerce funcio delegada de poder ptiblico. O Estado deve apoiar o sin- dicato, reconhecendo a liberdade da criaciio dessa entidade, que tem importante fungao no que diz respeito As questdes trabalhistas, porém nao assegurando receita financeira A referida agremiagdo, que é privada e deve sobreviver por si prépria. Se o Estado garante areceita do sindicato, est indiretamente interferindo na liberdade sindical, como ocorre, por exemplo, em relacio 4 contribuicio sindical, ficando a agremiac#o dependente do primeiro, o que de certa forma prejudica sua autonomia sindical e sua independénicia.

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