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Modernismo (V) — Terceira fase — Prosa & desdobramentos na literatura contempordanea Joao Antonio 1) Na bagagem ‘Que temsticas e caracteristicas formais estariam presentes na literatura brasileira produzida a partir da segunda metade do século XX? = Vock jé ouviu falar na chamada geracio de 45? Quais seriam os principals escritores e obras desse periodo, também conhecido como ter calra fase ou terceira geragao do Modemnisino (1945-1962)? * Vocé jé leu alguma obra de Guimarses Rosa? 7 Sabe qual ¢ a importincia desse autor na literatura brasileira até 0s dias de hoje? Nas trilhas do texto ai ler um tred fe Gran fas em que 0 p a ta. um c gungo chamado jento: a hist6rla de Maria M so, conheca ete sua am faze par as divid: 178 ‘opacto de Riobaldo com o deménio,s perda dos companhelros, os crimes cometides pelos bandos de jagungos entre outros temas. ‘Oespaco € 0 serio e 0 tempo é marcado pelas lembrancas do narrador. Além de Rlobaldo e Dia dorim, outras personagens fazem parte da trama, como Joca Ramiro, Vaz Medeiros, Zé Bebelo, Hermé- ‘genes e Maria Mutema, ‘Oromance apresenta elementos da novela de cavaaria medieval. Os sentimentosde honrselealdade, 2 visio da guerra como missio @ 0 respeito &hierarquia fazem parte desse ‘universo feudal, sertanejct ‘Alinguagem & dindmica, lidica e poética. O narrador brinca com as palavras as combina de modo inovadore sugestivo,recriando a fala do sertanejo como usa de neologismos, arcaismos, termos enuditos, ‘expressdes regionals marcadas com ritmo, mas, epeticbes de palavrase letras. Em seu relato memorials- tico, Riobaldo, a0 falar do serto, fala do mundo; a falar de si mesma, fala de todas as pessoas. © Leia, agora, um trecho do romance: Grande sertéo: veredas imardes Rosa 4 igreja todo santo dia, afora que de trés em trés agora se confessava. Dera em carola — se dizia ~ s6 constante na salvagio de sua alma. Ela sempre de preto, conforme os costumes, mulher que nao ria— esse lenho seco. E, estando na igreja, nao tirava os ‘olhos do padre. (O padre, Padre Ponte, era um sacerdote bom- -homem, de meia idade, meio gordo, muito des- ‘cansado nos modos ¢ de todos bem estimado. Sem [..] E 0 Joe contava casos. Contou. Caso que ‘se passou no sertao jequitinhao, no arraial de Sao Jodo Lea, perto da terra dele, Joe. Caso de Maria Mutema e do Padre Ponte. Naquele lugar existia uma mulher, por nome Maria Mutema, pessoa igual s outras, sem ne- nhuma diversidade. Uma noite, 0 marido dela morreu, amanheceu morto de madrugada. Maria Mutema chamou por socorro, reuniu todos os ‘mais vizinhos. O arraial era pequeno, todos vieram certficar. Sinal nenhum nao se viu, ¢ ele tinha es- tado nos dias antes em satide apreciivel, por isso se disse que s6 de acesso do coragao era que podia desrespeito, s6 por verdade no dizer, uma pecha cele tinha: ele relaxava. Gerara trés filhos, com uma mulher, simpléria ¢ sacudida, que governaya a casa cozinhava para ele, ¢ também acudia pelo nome ter querido morrer. E naquela tarde mesma do dia dessa mana, ¢ marido foi bem enterrado. Maria Mutema era senhora vivida, mulher em preceito sertanejo. Se sentiu, foi em si, se sofren muito no disse, guardou a dor sem demonsiragio. Mas isso 1d é reyra, entre gente que se diga, pelo visto a ninguém chamou atengio. O que deu em nota foi outea coisa: foi a veligito da Mutema, que daf pegou a ir de Maria, dita por aceita alcunha a Maria do Padre, Mas nao va maldar o senhor maior escandalo nes situagdo — com a ignorancia dos tempos, antiga- ‘mente, essas coisas podiam, todo o mundo achava trivial. Os filhos, bem-criados ¢ bonitinhos, eram “os meninos da Maria do Padre". E em tudo mais © Padre Ponte era um vigirio de mao cheia, eum pridor e caridoso, pregando com muita virtude seu sermao e atendendo em qualquer hora do dia ou da noite, para levar aos roceiros o conforto da santa héstia do Senhor ou dos santos-6leos. Mas 0 que logo se soube, disso s ‘em duas partes: que a Maria Mutema tivesse tan- tos pecados para de trés em trés dias necessitar de penitncia de coracao e boca; e que o Padre Ponte visivel tirasse desgosto de prestar a ela pai-ouvido naquele sacramento, que entre dois s6 dois passa e tem de ser por ferro de tanto segredo res guardado. Contavam, mesmo, que, das primeiras vezes, povo percebia que o padre ralhava com ela, terrivel, no confessionario. Mas a Maria Mutema se desajoelhava de 1a, de olhos baivos, com tan- ta humildade serena, que uma santa padecedora mais parecia. Dai, aos trés dias, retornava. E se viu, bem, que Padre Ponte todas as vezes fazia tuma cara de verdadero sofrimento ¢ temor, no ter de ir, a junjo, escutar a Mutema, la, porque con- fissdo clamada nao se nega, Mas ia a poder de ser padre, e nao de ser s6 homem, como nds, E dat mais, que, passando 0 tempo, como se diz: no decorrido, Padre Ponte foi adoecido fican- do, de doenga para morrer, se vit logo. De dia em dia, ele emagrecia, amofinava 0 modo, tinha do- res, em fim encaveirou, duma cor amarela de palha de milho velho; dava pena. Morreu triste. E desde por diante, mesmo quando veio outro padre para 0 S20 Joao Leao, aquela mulher Maria Mu- tema nunca mais voltou na igreja, nem por rezar nem por entrar. Coisas que sio, E ela, dado que vitiva sotuma assim, que nao se cedia em conver- sas, ninguém nao aleangou de saber por que lei ela procedia e pensava. Por fim, no porém, passados anos, foi tempo de missao, e chegaram no arraial os missionarios. Esses eram dois padres estrangeiros, pa fortes e de caras coradas, bradando sermao forte, com for- te vor, com fé braba. De manhi a noite, durado de tres dias, eles estavam sempre na igreja, pregan- do, confessando, tirando rezas € aconselhando, com entusiasmados exemplos que enfileiravam o pose no bom rumo. A religiio deles era alimpada falou, era NAO EBOREVA NO LIVRO, € enéngica, com tanta satide como virtude; € com cles nao se brineava, pois tinham de Deus algum eneoberto poder, conforme o senhor vai ver, por minha continuagao. S6 que no arraial foi grassan- do aquela boa bem-aventuranca Aconteceu foi no derradeira dia, isto €, véspe- +a, pois no seguinte, que dava em domingo, ia ser festa de comunhio geral e gléria santa. E foi de noite, acabada a bengao, quando um dos missio- nérios subi no piilpito, para a prédica, e tascava -rainha. E foi nessa hora que a Maria Mutema entrou, Fazia tanto tempo que ndo comparecia em igreja; por que foi, entdo, que deu de vir? Mas aquele missionario governava com luzes ‘outras. Maria Mutema veio entrando, e cle es- de comegar de joelhos, rezando a sah barrou. Todo © mundo levou um susto: porque & salve-rainha € oragao que nao se pode partir em meio ~ em desde que de joelhos comegada, tem de ter suas palavras seguidas até ao tresfim. Mas ‘0 missionario retomou a Fraseacao, s6 que com a voz demudacda, isso se viu, E, mal no amém, ele se levantou, cresceu na beira do pilpito, em brasa vermelho, debrugado, deu um soco no pau do pei- tori, parecia um touro tigre. E foi de grito: ="A pessoa que por derradeiro entrou, tem de sai A p'ra fora, ja, j4, essa mulher!” ‘Todos, no estarrecente, cagavam de ver a Maria Matema. = "Que saia, com seus maus segredos, em nome de Jesus ¢ da Cruz! Se ainda for capaz de tum arrepencimento, entao pode ir me esperar, agora mesmo, que vou ouvir sua confissio,.. Mas confissao esta ela tem de fazer 6 na porta do cemi- tévio! Que vi me esperar li, na porta do cemitério, onde estdo dois defuntos enterrados!.” Isso 0 missionrio comandou: € os que estavam dentro da jgreja sentiram 0 rojo dos exércitos de Deus, que lavoram em fundura € sumidade. Hor ror deu, Mulheres soltaram gritos, e meninos, ou- tras despencavam no chao, ninguém ficou sem se ajoelhar. Muitos, muitos, daquela gente, choravam, E Maria Mutema, sorinha em pé, torta magra de preto, deu um gemido de lagrimas e exclama- gio, berro de corpo que faca estracalha. Pediu perdio! Perdao forte, perdio de Fogo, que da dura bondade de Deus baixasse nela, em dores de ur- géncia, antes de qualquer hora de nossa morte, rompeu fala, por entre prantos, ali mesmo, a fim de perdio de todos também, se confessava. Con- fissio edital, consoantemente, para tremer exem-

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