You are on page 1of 6
CENTRO DE ENSINO MEDIO 02 DO GAMA MODERNISMO 3° FASE (1945 a 1964) 1. CONTEXTO HISTORICO Em 1945, termina a Segunda Guerra Mundial No Brasil, com a deposi¢ao de Gettlio Vargas © oleigdo de Dutra, inicia-se 0 proceso de redemocratizacao do pals. De 1945 a 1947, surgem muitas companhias siderirgicas e grandes fabricas © 0 operariado cresce. Getulio Vargas volta ao Governo, eleito pelo povo (1951 +1954). De 1955 a 1960, mudangas de profundo significado ocorreram na economia brasileira {industria automobilistica, sidertirgica e mecanica), durante 0 govero de Juscelino Kubitschek. O programa, baseado no investimento estrangeiro, acabou gerando um process inflacionario que se agravaria bastante. © ano seguinte ficou marcado pela inauguragao de Brasilia e elei¢ao de Janio Quadros, para a Presidéncia da Republica (que renunciaria 4 meses depois, gerando grave crise politica © miltar), 2. MANIFESTAGOES ARTISTICAS a) Pintura. Apartir de 1945, a fundagao de museus foi um fator de grande importancia para a divulgagao das artes plasticas. Da mesma forma, a Bienal de Sao, Paulo, a partir de 1950, faria convergir para cé a arte contempordnea de todas as partes do mundo. ‘Aparece 0 grupo concretista em cujas obras predomina 0 geometrismo (década de 50). b) Arquitetura Brasilia 6 0 exemplo mais veemente das renovages que caracterizam o periodo em questo. ) Teatro O teatro foi a forma de expressao artistica que maior renovaco apresentou nesse periodo. Surgem nomes como Ariano Suassuna, Jorge de Andrade, Guarnieri, Augusto Boal, para citar alguns. Em 1943, jd se pressentia essa renovagao no plano cénico, quando Ziembinski dirigiu a montagem de Vestido de noiva de Nélson Rodrigues. E importante assinalar ainda, a partir de 1950, o trabalho desenvolvido pelo Teatro Brasileiro de Co- média (TBC) e pelo Teatro de Arena, responsaveis por uma mudanga radical no teatro brasileiro. Nesse periodo de luta ideolégica aguda, a palavra passou a ter grande destaque. Cresce 0 valor do copy-desk. 0 titulo da revista mais impor- tante surgida no perfodo é "Manchete’. Na imprensa, a forma visual é um dos aspectos da luta. Os recursos graficos @ o uso da cor 's0 mais um motivo para ataques ao jomal “Ultima Hora” pelos antivargas, que sentiram necessidade de apresentar resposta por um signo visual: a lantema (simbolo da "Tribuna da Imprensa’, de Carlos Lacerda), Na misica, comega em 1955 - 1956, 0 movimento da misica popular. 3. LITERATURA PROSA A terceira fase do Moderismo buscou 0 aperfeicoamento do romance de 30. 0 modo como passam a ser tratados os assuntos mostra que 0 ‘empenho literdrio deixou de ser a dentincia de uma realidade brasileira, que instigava a uma revolugao, para ser uma “obra de arte”, para ser compreendida ‘come produto do dominio da lingua em todos os seus aspectos, épocas e niveis; dominio das técnicas construtivas da ficgao. A proposta prende-se ‘a uma criagdo “original”, uma “invengao” do autor. A preocupacdo é de libertar a literatura das limitagdes locais, regionals, nacionais e circunstanciais ¢ dar- the, em oposigao, uma significagao universal Grande sertdo: veredas - Guimaraes Rosa; A maga no escuro - Clarice Lispector; Novelas nada exemplares - Dalton Trevisan; Chapadao do bugre - Mario Palmério; Nove novenas - Osman Lins $80 exemplos significativos, Abra do periodo nao se popularizou como 0 romance de 30 por ser considerada dificil e muito “intelectuat’ AAs linhas que orientam a produgao do periodo séo: 1. Permanéncia da prosa de introspeccao pslcolégica em que a sondagem do mundo interior Literatures) + 229 do homem torna-se mais profunda, mais penetrante, representante maior dessa tendéncia é Clarice Lispector. Podemos citar ainda: Lygia Fagundes elles, Carlos Hettor Cony, entre muitos outros. © objetivo principal é atingir as regides mais profundas da mente do personagem, para ai sondar complexos processos psicolégicos Esse objetivo, presidindo a elaboragao da narrativa, determina caracteristicas especificas: a) O enredo tem importancia secundaria. Por isso, as agbes, quando aparecem, servem para ilustrar caracteristicas psicolégicas do personagem ‘Seguindo o fluxo de pensamento do perso- nagem, o narrador nao obedece a critérios cronolégicos. Predomina o tempo psicol6gico, cujo referencial sao os “movimentos” da cor- rente de pensamento. ©) © espago exterior € relegado a segundo plano, pois a narrativa centra-se no espaco mental do personagem Para expressar esses contetidos, torna-se necessério alterar a linguagem romanesca tradicional: - anarrativa é fragmentada; = 08 processos linguisticos se alteram, produzindo combinagées inusitadas que tentam expressar a atmosfera interna do personagem; = ocorrem trechos dissertativos, b 4) 2. Prosa regionalista: Embora permanecam autores cuja orientagao € o neorrealismo da fase anterior, a marca do periodo 6 a renovagao da tematica e das formas expressivas, Destacam-se Marlo Palmérlo (Chapada do bugre ¢ Vila dos confins), Bemardo Ells, Adonlas Filho ©, principalmente, Jo&o Guimares Rosa, que vai utilizar a matéria regional para construir uma obra de caréter universaizante, A linguagem sofre verdadeira subversdo, gragas ao experimentalismo tematico- formal 3, Reallsmo maglco ou fantéstlco; leva-se ainda em conta o aparecimento do realismo fantastico, em que a recriagao da realidade se processa através de uma Inguagem profun-damente simbélica, numa narrativa que, & primeira vista, parece destituida de coeréncia ¢ ordem, A intengaio verdadeira do escritor esconde-se atrés de 200 + LiteratuaBrasilere profundas metéforas. Destacam-se: Murllo Rubléo e José J. Velga, entre outros. PROSADORES E OBRAS DA3* FASE, 1, CLARICE LISPECTOR (1926 - 1977) Escritora de ficgao intimista, introspectiva, com aberturas para um horizonte social (romance psicolégico) Textos complexos e abstratos, emprego de metéforas incomuns, obediéncia a0 fluxo da consciéncia sdo algumas de suas caracteristicas. Alguns de seus contos encerram tragos feministas parecidos, embora com crescentes implicagdes. universais e floséficas (‘Amor “Lagos de familia’ “A partida do trem’, “Uma aprendizagem’). OBRAS: Perto do coragao selvagem; Apaixdo segundo G. H.; Acidade sitiada; Lagos de familia; A legiao estrangeira; Amaga no escuro; Olustre; Agua viva; Aaprendizagem ou Livro dos prazeres. ‘Comentarios sobre alguns de seus textos: OLUSTRE Numa simbiose, a perpétua fusdo entre a dor © 0 prazer tem curso em O lustre, em relato fragmentado e desconexo em que a jovem heroina Virginia tenta romper com as confortadoras memérias infantis (ou seja, o irmao) em favor de uma ligagao efémera com um amante descomprometido. A especialidade oscila fatalmente com o elemento temporal entre a fazenda e a metrépole - e Virginia ée termo a sua dolorosa e infrutifera busca de um Ponto de apoio atirando-se melodramaticamente a frente de um carro em disparada. Como disse um critico de O lustre: "Penetra como um pesadelo. Sua atmosfera 6 densa e sombria... negadora pessimista” ACIDADE SITIADA Prossegue numa veia anéloga, autobiografia jovem com preocupagées de status, Lucréia Neves. Seu monélogo interior (indireto) leva-a a uma espécie de coruzeiro de prazer, partindo de sua cidade natal, com que ela tanto se identifica (a cidade sitiada), ea ela voltando, com varios notéveis interludios no percurso, como casamento, quase adultério e viuvez. com a errdtica de uma AAPRENDIZAGEM OU LIVRO DOS PRAZERES timo romance de Lispector a tratar, pelo menos na superficie, com 0 mundo puramente feminino e, no qual, significativamente, a protagonista avangou em anos, em relagao direta com a autora - tem um titulo quase documentario: A aprendizagem ou Livro dos prazeres. Publicado vinte anos depois de A cidade sitiada, esmiuga as dividas € anseios de Léri, uma professora que ama pela primeira vez (isto €, experimenta o prazer), mas tem medo de perder a prépria identidade (e respeito?) no proceso. O processo, naturalmente, é a sua lenta e no raro solitéria aprendizagem, através da qual ela logra com sucesso sintetizar os extremos antes irreconciliéveis de independéncia (sua vida pessoal) e dependéncia (0 amor ou o vinculo matrimonial) AMAGA NO ESCURO Nessa obra, 0 protagonista Marlim busca refiigio espiritual nos confins de uma fazenda isolada. Seu estado de confusdo mental € exacerbado pela presenga de duas mulheres rabugentas, to sedentas de atengdo masculina quanto Martim de ser deixado em paz para por em ordem o seu programa de vida. O seu dilema & delineado no inicio pelo narrador onisciente: “Qualquer diregao era a mesma rota vazia e iluminada, ¢ ele nao sabia que caminho significaria avangar ou retroceder.” Por infelicidade de Martim, sua crescente estabilidade mental € obliterada quando a policia vem para prendé-lo por tentativa de assassinato contra a esposa - 0 crime cujo impulso originou a sua conturbada peregrinagdo ao interior selvatico. Ha nos contos e romances de Clarice Lispector uma exacerbacao do momento interior na procura @ no entendimento do eu. Sua produgao ficcional é de cunho existencialista em que o personagem sente a necessidade de subjetivar as, coisas, 0s objetos, os animais, as pessoas @ 0s fatos que Ihe cercam e atingem. O desejo de se integrar ao mundo © ao outro se efetiva através da experimentagao do prazer, da dor, das emogées, utilizando-se, também, da racionalidade num. constante proceso de autoandlise Asseguir alguns fragmentos do livro A hora da estrela em que a autora conta a tragica vida de uma nordestina pobre, vivendo no Rio de Janeiro: “Nunca pensara em ‘eu sou eu’. Acho que julgava nao ter direito, ela era acaso, Um feto jogado na lata de lixo embrulhado em um jomal. Ha milhares como ela? Sim, @ que nao apenas um acaso. Pensando bem: quem nao é um acaso na vida? Quanto a mim, s6 me livro de ser apenas um acaso Porque escrevo, o que é um ato que é um fato. Para que escrevo? E eu sel? Sei nao. Sim, é verdade, as vezes também penso que eu nao sou eu, parego. pertencer 2 uma galaxia longiqua de (40 estranho que sou de mim, Sou eu? Espanto-me com 0 meu encontro.” “Desculpai-me, mas vou continuar a falar de mim que sou meu desconhecido, ao escrever me surpreendo um pouco, pois descobri que tenho um destino. Quem jé no se perguntou: sou um monstro ou isto 6 ser uma pessoa?” “Eu sou sozinha no mundo e nao acredito em ninguém, todos mentem, as vezes até na hora do amor, eu ndo acho que um ser fale com 0 outro, a verdade sé me vem quando estou sozinha.” LLterature eases + 231 2. LYGIA FAGUNDES TELLES (1923) Representante da prosa intimista, mostra em suas obras a gradual desagregagéo do mundo burgués, representada na agao de personagens femininas, Fixa 0 clima saturado de certas familias Paulistanas, cujos filhos jé ndo tém ideias nem orientagdo. Cenas e estados da alma, da infancia e da adolescéncia séo os momentos em que a autora consegue os mais belos efeitos. “Os contos da autora conseguem sor pequenas sinteses do momento decisivo da personagem. A eseritora sabe manejar a gota d'agua, 0 efeito Unico, o instante tensivo em que a Vida tem que se decidir, Desde suas primeiras narrativas, ela aos poucos vai assumindo uma feigao insélita, fantastica, vai descobrindo o valor ¢ a extensao do imaginério, transpondo as fronteiras do real, a fim de melhor encontrar-se com 0 drama humano Os romances ja tém outra perspectiva, pois ali pode repousar sobre o drama, pode analisar com mais serenidade e tempo, Pode parecer estranho, mas é possivel dizer que o melhor da escritora so sous contos, apesar de Otavio de Faria e Nogueira Moutinho qualificarem-na excelente romancista. (Vicente Ataide) OBRAS: Praia viva; O cacto vermetho; Ciranda de pedra; Verdo no aquario; O Jardim selvagem; Antes do baile verde; As meninas; Seminério dos ratos; Aaisciplina do amor; Invengao e meméria; ‘Meus contos preferidos; Meus contos esquecidos. “Minha vizinha dona Simone veio me consolar quando escutou minha afligao. Homem é assim mesmo ela disse naquela fala enrolada que eu nao entendia muito bem porque era gringa. No melo da conversa soltava tudo quanto é palavrdo lé na lingua dela que mulher pra dizer asneira estava all. Fazia o 202 + tereuaBrastere gesto ao mesmo tempo que falava. E virava a garrafa de vermute que pra onde ia levava debaixo do brago. Falou demais num tal de Juju. & acabou confundindo esse Juju com o Rogério. Tudo farrine do mesmo saque berrou tao alto que seu Maluf voltou pra ver se a gente nao estava brigando. Depois ficou com sono e se jogou na minha cama com aquele bafo do forte que néo aguentel ful dormir no chao. Voltou mais vezes. Usava um perfume que me enjoava porque ficava misturado com o bafo. A bendita garrafa debaixo do brago. Se sentava com as pernas sempre pra cima porque 0 pé inchava demais e af ficava bebendo e xingando até cair no sono, Numa tarde veio quase pelada e me mandou ficar pelada também. Comegou a me agarrar. Expliquei que se nem com homem eu gostava quanto mais com mulher, Ela riu e ficou dangando feito louca agarrada no travesseiro. Depois cantou a musica ld dos gringos e no meio do choro me xingou © Juju. Até que caiu de porre atravessada no chao do quarto. Tive que arrastar ela para fora feito um saco de batata, Nessa noite me deu vontade de me matar. Respeitei seu Maluf que nao queria confuso ho hotel e fui pra rua comprar soda, Bebo com guarand no jardim pensei, Mas quando fui pasando pelo bar da esquina me deu uma fome desgragada. Foi entdo que encontrei Amaldo me perguntando se Por acaso eu ndo era a pequena do Rogério. Nem pude responder. Entdo ele se sentou comigo no balcdo. Disse que o navio do Rogério ja devia estar Jonge e que era melhor mesmo eu tirar ele da cabega Porque nao era homem de voltar nem pro mesmo porto nem pra mesma mulher. Aconselhou ainda que eu bebesse cerveja porque soda queima que nem fogo e cerveja sempre lava 0 corago.” (Antes do baile verde) 3. ADONIAS FILHO (1915 - 1990) A obra de Adonias Filho tem como cenario a regio cacaueira da Bahia. Analisa a alma primitiva, © barbarismo, o telurico (influéncia do meio nos costumes, usos e psicologias das pessoas). Na realidade criada por ele, o homem é visto como um ser fatalmente cercado pela violencia e pela desgraga. O vale, os jagungos, os dementes e os criminosos da sua obra nada tém a dizer além dos simbolos que encarnam da vida tragica e enclausurada. Os servos da morte, Memérias de Lazaro © Corpo vivo séo romances que se desenrolam na rea interiorana de lihéus e apresentam a mesma realidade brutal em que os seres so perseguidos pela desgraga, fatalidade, loucura; 0 mundo se apresenta como um cerco em. que a loucura, a crueldade e a vinganca nao se restringem a alguns CORPO VIVO Narra a preparagio do menino Cajango para que, quando adulto, se vingue dos que exterminaram: sua familia. Adulto © chefe de bando, o jagungo Cajango toma gosto pela violéncia e faz dela sua conduta. E da prépria vida que ele parece estar se vingando na sucessdo dos crimes que comete. O amor que 0 liberta, exige-the também que cometa um titimo erime: matar Inur,o indio que o educara Cajango parte para uma serra de passagem impossivel, sugerindo, assim, que a fuga da violéncia 86 € possivel no retro absoluto, num local em que nem mesmo 0 sol tenha tocado a terra Nos fragmentos a seguir, retirados de Corpo vivo, temos em linguagem postica, a formalizagao de uma situagao edénica em que os amantes (Cajango © Malva), afastados do ambiente social degradado, do inicio a uma comunidade primordial no interior da selva. Essa reinvengao do paraiso perdido, a parlr do amor, é uma eonstante na obra do eseritor: “Poderdo viver entre os bichos da selva, nus poderao andar, e paz existira porque outro homem e outra mulher nao descobriréo o nino (...) Fogo no faltara para abrandaro tio. € bastard outra voz para tencher os dias. Bela serd a face da mulher e fortes 0s bragos do homem. Permanecerao deitados, a serra protegendo o mundo embaixo com toda sua célera. O vento do outro lado nao tera poderes para rachar a montanha.” () “Cajango e a mulher esto ali, em alguma parte, unidos os corpos que vao gerar outros homens. () “A serra ressurge, aleijéo medonho, um homem e uma mulher agora em suas entranhas. Nao ha febre, o calor diminui, mas é a serra que se levanta dentro do seu calor. Cajango e a mulher, as maos nas méos, pisam o cho Umido. As rochas como que se movem, dobrando-se a serra, para recebé-los. Descobrirdo as cavernas, examinarao os fossos, encontrarao o ninho. OBRAS: Os servos da morte; Memarias de Lazaro; Corpo vivo; O forte; Léguas da promisséo. 4, JOAO GUIMARAES ROSA (1908 - 1967) Estreando em 1946, com Sagarana, Joao Guimaraes Rosa se afirmou desde ali como 0 maior criador na ileratura. brasileira, gragas a sua originalidade e tematica expressiva, Destruindo a nogdo de género como categoria distinta, ele opera a jungao da narrativa com a lirica, e o resultado disso 6 um universo ficcional mistico, em que os nossos critérios de julgamento, préprios para o romance 0 0 conto realistas e racionalisias, mostram-se ine ficazes ‘Sua obra-prima, talvez a maior obra da literatura ocidental do século XX, Grande sertéo: veredas é caracterizada pela travessia do persona- gemenarrador pelo sertéo, num sertao de jagungos © guerras. Riobaldo, o personagem central se mara- vilha diante da descoberta do mundo do sertéo. Paralelamente, a travessia exterior pelo sertao corresponde a uma travessia interior, o proceso de conhecimento do mundo (0 sertéo 6 0 mundo) e de autoconhecimento, quando ele se apaixona por Diadorim, descobrindo que © amor 6 o fundamento mais importante da existéncia Algumas caracteristcas de sua obra (segundo Alfredo Bosi): Primeiro: A metamorfose do cédigo. Se José Lins do Rego e Jorge Amado ja tentaram fugir da linguagem escrita tradicional, académica, em dregao da linguagem oral tipica do Nordeste, Guimaraes Rosa néo sé radicalizou esta dirego, como também pesquisou profundamente cada passo dado, a ponto de transportar 0 cédigo de nossa lingua para uma Literatures) + 233 dimensdo nunca atingida. Apés ter feito um inventario dos processos da lingua, da linguagem do sertéo, da musicalidade da fala sertaneja, percebeu o quanto de medieval havia na melodia © na formagao de muitos vocdbulos; depois de entendidas © aplicadas estas caracteristicas arcaicas, cobriu 0s claros deixados num novo cédigo com outros coordenados aqueles: neologismo, associagSes linguisticas_ raras, aliteragdes, onomatopeias, cortes, desligamentos sintéticos, vocabulério inédito @ insélito... de tal maneira que sua linguagem fica encharcada de musicalidade © de inumerdveis faixas de ondas semanticas. Segundo: Seu reglonalismo. So outros regionalistas nordestinos exploram o ciclo das secas, © ciclo da cana-de-agticar, 0 ciclo do cacau, ele, Guimaraes Rosa, explorou 0 ciclo da pecudria: a Pecuérla no serio, Se os outros regionalistas delimitavam geograficamente sua érea, 0 sertdo de Guimardes, além de nao ter limites geogréficos especificos, ainda adquire dimensées de mundo, untversaliza-se & proporcdo que o autor tematiza questées universais como 0 amor, a violéncia, a traigdo, o medo. Terceiro: A tens&o critica, A tensao critica entre a obra de Graciliano Ramos ¢ sua realidade recursos geografica, social, econémica, era maxima. A tensao critica entre José Lins do Rego e sua realidade, em verdade, existia consciente, observada, detectada, porém ha uma identificagao autorirealidade, numa tentativa de preservar, através da obra, a realidade criticada, analisada. Jorge Amado, fora 0 nivel Ideolégico de algumas obras, procurou desviar-se das contradigées, das injustigas sociais, econdmicas de uma sociedade, para ver nela outro veio: 0 veio sentimental, poético, lirico, até libertino ... do povo da Bahia: o que reduz a tensao critica do autor. Guimaraes Rosa transporta a tensao para outra dimensdo. A dimensao de um mundo mitico, originérlo, postico, pré-oglco, com seres huma-nos em estagio pré-consciente. Neste mundo, ha duas coordenadas: 0 Bem e o Mal, quer dizer, Deus eo diabo, isto 6, 0 Positive eo Negativo, o Tudo e 0 Nada, A seguir, temos alguns trechos de GSVem que se tematiza a inexorabilidade do destino humano, a problematica de Deus e do diabo, a vastidao do saber, a existéncia e a propria narragao: 234 + LiteratuaBrasilere “Ao que tropecei, e 0 chao nao quis a minha queda” “Amorte de cada um jé esté em edital” "Avida invental A gente principia as coisas, no nao saber por que, e desde ai perde o poder de continuagao - porque a vida é mutirao de todos, por todos remexida e temperada.” "O diabo vive dentro do homem, os crespos do homem - ou é 0 homem arruinado, ou o homem dos avessos solto, por si, cidadao, ¢ que nao tem diabo nenhum.” “Com Deus existindo, tudo dé esperanga’ ‘sempre um milagre 6 possivel, o mundo se resolve. Mas, se ndo tem Deus, ha-de a gente se perder no vai-vern, @ a vida 6 burra. & 0 aberto perigo das grandes e pequenas horas nao se podendo facilitar - 6 todos contra os acasos.” “Vivendo se aprende, mas o que se aprende, mais 6 s6 a fazer outras maiores perguntas.” “Viver 6 muito perigoso. Por que ainda ndo se sabe. Porque aprender a viver é que é o viver, “Eu estou contando ndo é uma vida de sertangjo, soja se for jagungo, mas a matéria vertente. Queria entender do medo e da coragem, & da ga que empurra a gente para fazer tantos atos, dar corpo ao suceder” Finalmente, apresentamos uma passagem considerada antolégica em que Riobaldo, tendo feito um pacto com o deménio, tenta entender seu ato: E as ideias instruidas do senhor me fornecem paz. Principalmente a confirmagao, que me deu, de que 0 Tal no existe, pois 6 no? O Arrenegado, 0 Co, 0 Cramulhao, 0 Individuo, 0 Galhardo, 0 Pé-de- Pato, 0 Sujo, o Homem, 0 Tisnado, 0 Coxo, 0 Temba, © Ozarape, 0 Coisa-Ruim, o Mafarro, 0 Pé-Preto, 0 Canho, © Duba-Dubé, o Rapaz, o Tristonho, o N&o= sei-que-diga, O-que-nunca-se-r, o sem-Gracejos. Pois, nao existe! E se nao existe, como é que se pode se contratar pacto com ele?" OBRAS: Sagarana (contos;) Corpo de baile (novelas); Grande sertao: veredas (romance);

You might also like