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Revista Brasileira de Educagao do Campo Brazilian Journal of Rural Education ARTIGO/ARTICLE/ARTICULO DOM: hutpi//ds.doiorg/10.20873//ufurbec.012480 Experiéncias educacionais africanas na diaspora e experiéncias afrodiaspéricas na educagio: didlogo de saberes desde as praticas culturais san soars do souza!, ©varcos santos’, vaio souza Sanaa? * Universidade Estadual de Feira de Santana’- UEFS, Departamento de Misica. Avenida Transnordestina, sJn. Feira de Santane. Novo Horizonte - BA. Brasil, * Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN. ° Universidade Federal da Bahia" UFBA. ‘Autor para corespondéneia/Aurhor for correspondence: conigaras®@gmallcom RESUMO. Neste ensaio buscamos refletir sobre as experiéncias educacionais negras no Brasil - em particular no contexto da Bahia - observando desde um olhar metodol6gico as formas que constituem a capoeira, os sambas de roda e os blocos afros enquanto horizontes civilizat6rios africanos, cujo contexto em didspora tém —engendradoexperiéncias _educacionais emancipatérias a partir de dilogos epistemoldgicos pluriversais. Nesse sentido, a reflexio aqui realizada trouxe como acréscimo a emergéncia de pensar tais saberes e fazeres pedagdgicos- educacionais oriundos das populagées negras no Brasil, ‘enquanto caminho de ensino e aprendizagem artistica de caréter inclusivo e diverso. Palavras-chave: experiéncias educacionais negras, capoeira, sambas de roda, blocos afro. [RBEC | Tocantindpoli/Baasl | v.¢ | e12480 | 10-20873/aicrbece12480 | 2021 | TSSN 2505-4885 1 (SOI Brin cena Crave Commons Aibutn $0 nema iene (Open Access, This content is licensed under a Creative Commons atibution-ype BY Souza, Le African educational experiences in the di: Samos, M, & Samos, VS. (2021). Experi esis fans ma dps xeis aap na: lg aes dad pita ra spora and afrodiaspora experiences in education: a dialogue of knowledge from cultural practices ABSTRACT. In this essay we seek to reflect on black educational experiences in Brazil - particularly in the context of Bahia - observing from a methodological perspective the forms that constitute capoeira, sambas de roda and afro blocks as African civilizing horizons, whose diaspora context has engendered emancipatory educational experiences from pluriversal epistemological dialogues. In this sense, the reflection carried out here brought, as an addition, the emergence of thinking about such pedagogical-educational knowledge and practices deriving from the black populations in Brazil, as an inclusive and diverse path of artistic teaching and learning, Keywords: black educational experiences, capoeira, sambas de roda, blocos afro. BEC [Tocaatiadpola Baal | v.6 | e12480 | 1020873 /ahccbec e12000 | 202 | WSN 255865 2 Souza, Le Expe Samos, M, & Samos, VS. (2021). Experi esis fans ma dps xeis aap na: lg aes dad pita ra ncias educativas africanas en la diaspora y experiencias de afrodiaspora en la educacién: un didlogo del conocimiento desde las practicas culturales RESUMEN. En este ensayo buscamos reflexionar sobre las experiencias educativas negras en Brasil - particularmente en el contexto de Bahfa - observando desde una perspectiva metodoldgica las formas que constituyen la capoeira, sambas de roda y bloques afro como horizontes civilizatorios africanos, cuyo contexto de diéspora ha engendrado una educacién emancipadora. experiencias de didlogos epistemoldgicos pluriversales. En este sentido, la reflexién aqui realizada trajo, como un agregado, el surgimiento de pensar sobre dichos saberes y précticas pedagdgico-educativas derivadas de las poblaciones negras en Brasil, como un camino inclusivo y diverso de ensefianza y aprendizaje artistico. Palabras clave: experiencias educativas negras, capoeira, sambas de roda, blocos afro. BEC [Tocaatiadpola Baal | v.6 | e12480 | 1020873 /ahccbec e12000 | 202 | WSN 255865 3 Snot, Me Samos, VS. (2021). Eseries sana n dpe expe acpi nea cdl aoe dad pita ra Saberes _africanos, afrodiaspéricas experiéncias Muitos dos valores civilizatérios construfdos pelas sociedades africanas permanecem e ainda direcionam modos de vida de populagdes negras no Brasil. Dando conta dos grupos culturais os quais foram trazidos para este territério a partir do século XVI — os ambundus, bakongos e central, posteriormente os hauga, yoruba e gége da ovimbundu da Africa Africa ocidental, 6 evidente considerar que uma multiplicidade de —experiéncias filos6ficas, espirituais e educacionais oriundas deste continente se fundiram Aquelas até entdo desenvolvidas pelos povos originérios daqui, bem como também se mantiveram presentes desde seus fundamentos ancestrais_ e em ressignificagoes formuladas em muitas comunidades negras. No Ambito das relagdes cotidianas, tais valores civilizat6rios sio_princfpios pereebidos desde 0 cuidado no criar coletivo de uma crianca que nasce, na partilha de um prato de feijao, no cuidado com a terra que gera o alimento bem como na bengdo materna a um filho ou filha que de casa se ple a sair. Neste universo, dindmicas colaborativas sustentam 0 significado do existir, onde a ideia do ser sendo em estado de ubu-ntu movimenta implicagdes de ordem comunitéria, onde 0 elemento ocidental do ew individual cede espago para o elemento afro orientado do eu comunidade. Nessa chave, pensar o lugar da educagdo € pensar o lugar do viver em seu estado pleno, onde a hierarquia do saber se 44 numa via de mio dupla durante todo 0 tempo, onde quem aprende também ensina. Seja menino, mulher ou idoso, nessa esfera de partilha a idade cronolégica _ndo necessariamente determina _—_ lugares estiticos de saber, pois aqui o conhecimento opera sob diversas camadas. No Brasil, ao passo em que assumimos a Africa como ponto de partida para reflexdes que tangenciam as experiéncias negras, toma-se possivel enxergar os caminhos formas __educacionais, estruturadas por estas civilizagdes ¢ entao ressignificados no contexto americano. Tal qual uma rede, as linhas que costuram estas formas perpassam a materialidade do fenémeno do ouvir/falar desde seu cardter polidimensional. Aqui, esta__chave ouvir/falar 6, portanto, a linha mestra educacional a qual encaminha os pontos cruzados nesta rede de saberes cujo inicio e final esto emaranhados. ‘A saber, enquanto valor civilizatério africano, o falar & antes de tudo um ato de orientar, um ato de cuidar e de abengoar. A escuta, por sua vez, é um territério fecundo e sedento desta orientago edo [CRBECT | TocantinGpols Bia |v. 6 | 12480 | 020873 /uttsbec 12480 | 201 | TSSNTHsD5-a85 Snot, Me Samos, VS. (2021). Eseries sana n dpe expe acpi nea cdl aoe dad pita ra acolhimento; lugar este entio repleto de outros saberes cujo propésito também 6 0 de re-orientar aquele ou aquela que Ihe orienta. Vale também ressaltar que além das experiéncias africanas em didspora outras foram e continuam sendo gestadas, fruto das trajet6rias afrodiasp6ricas que so vivas e continuam em constante processo de transformagdo, _ressignificagdo, reexisténcia e resisténcia. Sd0 fluxos, refluxos, conexdes, didlogos, conflitos, influéncias, caminhadas, disputas de narrativas, negociagdes. Tudo isso faz com que se amplie 0 arcabougo de experiéncias socioculturais e, mais do que isso, experiéneias de existéncia, a citar: alimenticias, de satide, socioeconémicas, culturais, artisticas, politicas, sociais, afetivas, relacionais. Aqui na afrodiéspora, somos desafiados a redefinir nossos rumos pensando em trajetérias cujas orientagdes esttio sob cuidados ancestrais, nos assentando no lugar de _sujeitos constituidos a partir de uma localizagao propria com hist6rias, culturas, filosofias, epistemologias e cosmovisdes que apresentam outras formas de construgdes & elaboragdes nas relagdes humanas. A relagiio tempolespaco se estabelece dentro de uma visio metafisica diversa que geram outras interpretagdes sobre cronologias linearidades que interferem profundamente ‘na maneira como podemos realizar leituras de mundo. B com essa consciéncia que compreendemos a linguagem como um c6digo e por meio dele decodificamos elementos concretos e simbélicos que entrelagados organizam outras formas de aprender, ensinar_—e~—_oppreservar conhecimentos. Dada & necessidade de apresentar & de melhor aprofundar as dimensOes que tangenciam formas civilizat6rias africanas de compreensio sobre processos educacionais artisticos ento presentes no Brasil, 0 presente texto busca apontar caminhos educacionais que tangenciam essas dimensdes a partir de uma metodologia reflexiva em tomo das préticas da capoeira angola, dos sambas de toda e dos grupos musicais blocos afro. Assim, pretende-se com esta proposta reflexiva contribuir junto ao campo da educag3o de modo geral, e da educacao artistica no campo de modo especifico. Dimensdes educacionais desde a capoeira angola: corpo e ancestralidade A capoeira angola & convocada aqui a ser pensada como um fenémeno afrodiaspérico potente desde sua dimensio educacional. Em seu fazer orginico, os elementos tocar-dangar-cantar anunciam de antemio a dimensio complexa e horizontal [CRBECT | TocantinGpols Bia |v. 6 | 12480 | 020873 /uttsbec 12480 | 201 | TSSNTHsD5-a85 5 Souza, Le 8, Santos, M, & Samos, VS. (2021). Eprints afaas na dre pris picasa ees ls esac dad pita ra em que se dé 0 didlogo de saberes entre as instincias musicais. ~~ gestuais coreogrdficas. Quem toca, canta, quem canta, danga, quem danga, joga. Estes elementos atuam enquanto base epistémica produzindo pluralidades corporais_ sonoras fundadas em didlogos dindmicos. Em sua arte encamada, a capoeira é constituida de informagdes historicamente registradas, cujo acesso aciona seu caréter maledvel de aparente desequilibrio, onde 0 corpo enquanto ponto de partida e de chegada 6 igualmente visto aqui como canal de fruigo dos atravessamentos que constituem essa arte/luta/jogo enquanto produgdo negro diaspérica, Por ser atravessada por vetores identitérios, politicos e epistemolégicos relacionais, 0 bojo capoeira assumiu a partir da segunda metade do século XX perspectivas diversas desde suas vertentes Angola e Regional, destituindo neste complexo qualquer tentativa’ de homogeneizagao entre as linguagens. Nesse sentindo, buscamos aqui dialogar desde a vertente angola do fazer capoeira, a qual o lugar do sagrado encobre todo 0 fazer ritual desde a tiragem e raspagem do arame, 0 corte e raspagem da beriba, bem como da limpeza e preparo das cabagas na confecgiio do berimbau, até o estigio de acontecimento da roda. Toda a sua dimensio é educacional, pois ela esté fundada numa construgiio coletiva onde se ensina brincando, aprende brincando ¢ busca dialogar através de uma ética da troca em prol de um equilfbrio no desequilibrio da ginga. Por ser ancestral, a capoeira angola é um modo de ser e estar no mundo. Ela, por si s6, € um modo de vida cujo caminho filoséfico € orientado por dimensdes que perpassam, antes de tudo, a experiéncia no corpo. Este corpo que € moldado pelos movimentos, pelas negagas, pelas cantigas, pela mandinga, ele também molda o mundo a sua volta ¢ assim estabelece uma condigio = de_—relagio. © em complementaridade. Este mesmo corpo é atravessado e constituido pelo que os mais velhos e mais velhas chamam de fundamento, um profundo ¢ complexo conjunto de saberes que em sua dindmica de existéncia tem sido engendrado pela negritude ao longo do tempo e, sobretudo nos dias de hoje. A dimensio ancestral ou a ancestralidade que encobre ¢ alimenta o fazer capoeira 6 entendida por Oliveira (2007) como um princfpio educacional em si, fazendo, portanto, parte de sua propria constituigao. Para 0 autor, a ancestralidade converte-se no principio maximo da educagiio. Educar o olhar ¢ Educagdo. No caso da cosmovisio africana, educa-se para a sabedoria, para e filosofia da terra, para a ética do encantamento. [CRBECT | TocantinGpols Bia |v. 6 | 12480 | 020873 /uttsbec 12480 | 201 | TSSNTHsD5-a85 6 Snot, Me Samos, VS. (2021). Eseries sana n dpe expe acpi nea cdl aoe dad pita ra Educar ¢ conhecer a partir das referéncias culturais que estio no horizonte da minha historia (ancestralidade). Othar é um treino de sensibilidade. Aguea-se a sensibilidade para perceber 0 encanto que tece as coisas. Sensibilizado, 0 Outro deixa de ser apenas um conceito, ¢ me interpela para uma ago de justiga e me convida a uma conduta ética, Sensibilizado, posso fazer da vida uma obra de arte, uma construgao estética. Edifico uma moral e uma ética baseada na criatividade ¢ na tradigdo. (Oliveira, 2007, p. 259). Enquanto fluxo de vida perene, que tempo/espago _passado- presente-futuro numa dinamica espiralar, atravessa 0 elemento ancestralidade ao passo em que atua como teia ancorando este fazer, ele também constréi abertura, territério & espagos de aprendizagem que se ramificam nos diversos fazeres. Este € 0 caso do territério onde a capoeira acontece; 0 espaco da oda. Ela, “enquanto acontecimento, € um principio que fundamenta muitas das tradigdes do continente africano bem como tradigdes dos povos originérios do Brasil. Ela organiza a partilha de experiéncias musicais nos diversos lugares e contextos do nosso territério" (Santos, 2020, p. 2). A roda assume aqui nesse contexto um lugar estratégico e genuino de troca horizontal de saberes. Onde os olhos se encontram, os gestos se completam, onde as vibragdes sonoras das cantigas e chamadas ecoam no correr da grande da pequena roda. Iéece, gritou o mestre. Os olhos se voltam atentos para aquele corpo curvado, que ao pé do berimbau invoca 0 Nguzu a Nzambi, mirando cada pessoa na roda como se enxergasse o fundo da alma. Ali se entende que 14 vem ladainha, cfntico que descreve hist6rias, trajet6ria, travessias de antepassados vencedores, construtores de resisténcia e fazedores de conhecimento onginico. Séo eles © elas as ancestrais professoras e professores por exceléncia. Formados nas universidades da vida vivida que, quando partilhada, ramifica esse aprendizado por entre todas as geragdes. Nessa relagio espiralar entre juventude, velhice, passado, presente e futuro que os fios os quais tecem o equilibrio —tocar-dangar-cantar_ se encontram. Enquanto base para a produgao de um conhecimento corporificado no ser capoeira, este “trio poderoso” tem nas vias da ancestralidade e das permanéncias ressignificadas as suas ramificagdes, as quais si engendradas em permanentes processos de resisténcias e negociago. Nesse sentido, 0 estabelecimento de escolas, grupos ¢ academias de capoeira, pode entio ser pervebido como tragos de ramificagdes desta tradigdo, as quais possibilitam a proliferago _destes conhecimentos através do ensino ¢ aprendizagem de maneira sistematizada, socialmente legais e acessiveis. [CRBECT | TocantinGpols Bia |v. 6 | 12480 | 020873 /uttsbec 12480 | 201 | TSSNTHsD5-a85 7 Snot, Me Samos, VS. (2021). Eseries sana n dpe expe acpi nea cdl aoe dad pita ra Enquanto lugar construtor_ de consciéneia politica, racial e cultural, 0 ambiente possibilitado pela capoeira se constitui no que o artista e pensador Abdias do Nascimento (1980) chamou de kilombo urbano, considerando ele este modelo de ajuntamento um fruto da emergéncia de invengdes negras no contexto das cidades do século XX. Forjada nos poros de uma sociedade racista patriarcal, a capoeira reinscreve o gestual corporal centro africano no contexto colonial do Brasil através de metodologias procedimentos pedagégicos. que alcangam © dizem respeito a toda uma comunidade entao subjugada. Antes de tudo, a capoeira emerge como simbolo de existéncia e (re)existéncia perante um quadro social que se organizou para dizimar o corpo negro. Em sua trajet6ria dindmica e insurgente, a capoeira tem construido caminhos de luta, de fuga e de ressignificacio da vida de populacdes nao somente negras, mas de toda uma gente sedenta de um mundo equinime. A capoeira tem na metodologia da oralidade uma de suas _principais ferramentas. Junto A escrita gestual corporal dos movimentos, gingas e mandingas, a comunicagdo oral exercida através da milsica conduz as pessoas envolvidas a um estado de conexio com a dimenso ancestral cujo acontecimento reacende a necessidade politica de continuar a viver a partir de valores que sejam significativos para o corpo coletivo. A voz, enquanto guia mestra deste fazer metodolégico, encaminha as diretrizes conceituais do fazer capoeira sublinhando histérias e convocando os envolvidos & dinimica de reflexio do que é ser um ou uma capoeira (capoeirista) no mundo contemporaneo. Esses ensinamentos dizem sobre a responsabilidade que é fazer parte de um kilombo onde a queda de um é a queda de todos e todas. Atabaque, Gunga, viola, médio, pandeiro, reco-reco, agog6, dio 0 colorido sonoro numa roda tradicional. Mesmo aqui, no soar instrumental, a dimensdo do ensino/aprendizagem perpassa compromissos que dizem respeito ao funcionamento do corpo coletivo, onde a entrada de um precede o infcio dos demais instrumentos. Na esfera do tocar, um dos elementos mais significativos € a concepgao de andamento ou, como se costuma chamar, o “ritmo”. Compreendido a partir das dindmicas "lento” e “’répido”, © ritmo, aqui, & responsivel por ditar a intengdo sentimental inscritas nas cantigas (se & de agradecimento e louver, de protegdo, saudade ou desafio, ete.), assim como ele guia. a _—_intensidade (dindmica/forga/energia) a qual cada instrumento deve ser tocado e determina o [CRBECT | TocantinGpols Bia |v. 6 | 12480 | 020873 /uttsbec 12480 | 201 | TSSNTHsD5-a85 8 Snot, Me Samos, VS. (2021). Eseries sana n dpe expe acpi nea cdl aoe dad pita ra “estilo” dos canticos (Iadainha, corrido, chula, declamagao, ete.) que compéem um jogo. Do mesmo modo, os “toques”, instincia que estrutura a partir dos berimbaus todas as nuances da pritica, so responsaveis por desenhar e nomear 0 tipo de jogo proposto. Mestre Naldinho explica que 0 toque influencia na movimentago e na conversa que se da entre os corpos. "Se um jogo & do toque de angola, deve-se estudar 0 outro. Se for Sio Bento pequeno, seri um jogo mais amistoso. Se for Sao Bento Grande, dependendo do toque, aconteceré. um tipo de jogo" (Mestre Naldinho, 2012 apud Medeiros, 2012, p. 102). O sagrado, 0 lidico e o politico tangencia toda a dimensio educacional assim como comungam de um mesmo sentido de partilha nessa esfera musical coreogrifica, fazendo da capoeira um lugar ‘onde o corpo negro se inscreve desde sua plenitude de expressio. Nesse sentido, a capoeira traz em suas expressividades, um modo de fazer musical, bem como caminhos de pensar a danga de uma singularidade inerente ao seu fazer ao asso em que se ancora em principios filoséficos/cosmolégicos ancestrais comuns ao universo da didspora africana, Por ser um elemento fruto dos agenciamentos negros na didspora, a capocira se relaciona com outras formas de expressdes de negritude onde a dimensio educacional se imbrica com a produgio sonora musical ¢ todos os elementos que constituem estes fazeres, a exemplo do fundamento da roda e da metodologia oral como caminho comunicacional primordial nos processos de ensino aprendizagem. Assim, temos como algumas destas préticas relacionais os sambas de roda, elemento. que em muito apresenta caracteristicas comunitéria, educacionais entio atravessadas pela dimensao ancestral africana, Os sambas de roda: uma experiéncia afrodiaspérica - "Pacataté Tindan" O Mestre Milton Primo costuma dizer que 0 samba de moda € 0 denominador comum das manifestagdes culturais, visto que ele dialoga e esta presente dentro do rito de muitas préticas musicais afrodiaspéricas. A pr6pria experiéncia do samba de roda é uma experiéncia diaspérica e ao mesmo tempo diversa, visto que a depender do contexto no qual esté inserido acaba ganhando particularidades, o que contribui para a diversidade de conceitos que podem ser utilizados para descrever o samba de roda. Tenho preferido assumir essa diversidade no discurso © uso a ideia de sambas do Rec6ncavo, inclusive considerando a [CRBECT | TocantinGpols Bia |v. 6 | 12480 | 020873 /uttsbec 12480 | 201 | TSSNTHsD5-a85 9 Snot, Me Samos, VS. (2021). Eseries sana n dpe expe acpi nea cdl aoe dad pita ra didspora destes sambas para trazer a meméria as diversas manifestagdes de sambas que circundam a Bafa de Todos os Santos e/ou que esto dispersos em todo 0 estado da Bahia e no Brasil, seja samba chula, samba barravento, samba de caboclo, samba de capoeira, samba de lavagem, samba de beira de praia, samba duro, samba de enxada, samba de viola, samba de lata, samba rural..., essa lista nao pararia por aqui. E importante destacar essa ideia de didspora dos sambas, visto que 0 6xodo rural foi e & uma realidade na formagio das grandes metrpoles. brasileiras. Nao foi nem 6 diferente com a formagdo da capital baiana. Esse fuxo e refluxo, seja para a capital ou para outras regides do estado, por motivos varios, também provocou fluxos ¢ refluxos nas manifestagdes culturais, nas tradigdes, nas formas de viver, nas formas de ser e estar no mundo. Entendemos que essas outras formas de viver, ser ¢ estar no mundo também se aplicam aos sambas, &s suas maneiras de ser e estar nas tradigdes e nas culturas afro-brasileiras. Sendo assim, também reivindicamos e defendemos do ponto de vista conceitual, a ideia das digsporas dos sambas do Recdneavo, tendo a capital, o sertio, as ilhas, também como territ6rios de fluxos diespéricos. Mas, a dimensio relacional e — educacional enquanto fundamento _epistemoldgico acompanha todas esas manifestagdes desta tradigfio, nos seus diferentes territ6rios. Como jé dito, estamos falando de saberes e fazeres que possuem fundamento. “Pacataté Téndam” = foi_uma onomatopeia usada por um dos violeiros do Samba Chula Mirim Flores da Pitangueira, grupo que € fruto dos trabalhos desenvolvidos pela casa de samba Mestre Zé de Lelinha através do projeto “essa viola d4 sambal”, para nos ensinar um toque na viola machete. Apés sua apresentagio no quintal da casa do Mestre Zé de Lelinha, um joven violeiro nos ensina a tocar a viola que representa a vida. De uma maneira muito natural, ele entrega 0 instrumento, colocou os dedos nas cordas e diz: “pacataté téndam, Pacataté téndam. Vai, toca!” Assim executamos o “Pacataté Téndam”, 0 outro integrante do grupo mirim prontamente comega a tocar 0 seu surdo. Nos tornamos sambadores! Mas, como é que se aprende samba? O que significa "pacataté téndam’ em uma experiéncia coletiva de existéncia afrodiaspérica? Como as sambadeiras ¢ sambadores aprenderam os seus saberes € fazeres? Quais sao os fundamentos? Quando perguntados ou quando consultamos em publicagdes (Sodré de Souza, 2019) é quase undinime a resposta [CRBECT | TocantinGpols Bia |v. 6 | 12480 | 020873 /uttsbec 12480 | 201 | TSSNTHsD5-a85 10 Snot, Me Samos, VS. (2021). Eseries sana n dpe expe acpi nea cdl aoe dad pita ra de que aprenderam sozinhos por meio da observaco, escuta, da imitagio, do fazer, da pritica, da experiéneia, do fazer em conjunto, Como memorizagio, da diz Dona Bete, "no tenho nada escrito por papel, té tudo na cabega!" (Barreto, Rodsério & Gumes, 2015, p. 29). Esse aprendizado se dé, sobretudo, a partir da vivéncia e convivéncia com as mestras mestres, sambadores ¢ sambadeiras, nas rodas de samba, nas casas de samba. Trata- se de um processo de aprendizagem oitiva. ‘A itisica esté nas pessoas, podendo ser acessada a qualquer momento. F através do fazer miisica que as subjetividades ganham forma acistica, me refiro a aguelas subjetividades que atravessam as diferentes trajetorias, existéncias e experiéncias afrodiaspéricas. Sendo assim, a propria existéncia dos corpos e corpas que fazem misica, que fazem samba, € 0 que dé sentido ao fendmeno acdistico no momento da sua concepeao. Neste ponto, vale Iembrar que esses compos so atravessados de subjetividades e que também estiio em constante proceso de metamorfose, visto que 0s processos identitérios_ so complexos, vives e dindmicos. Desta maneira, esses corpos também esto em plena didspora de si mesmo. A experiéncia, no caso deste texto a experigncia musical ou o fazer musical, também pode ser vista como um processo. Aqui vale mais um lembrete: essa experiéneia 6 destes corpos plurais. E se sdo plurais, um mesmo evento pode gerar experiéncias diferentes. em —_corpos diferentes. Nessa perspectiva, os processos empreendidos nas casas de samba, as quais tive acesso, partem de uma légica na qual 0 conhecimento musical € visto na sua totalidade. © processo de ensino & basicamente o fazer musical. Ou seja, aprende-se fazer musica fazendo. O processo de aprendizagem se da justamente através do exereicio do fazer mediado pelo mestre, pelos colegas, pela comunidade, pela vivencia © experiéncia, Nio ¢ diferente do proceso educacional da capoeira, narrado acima. As pessoas vivenciam desde cedo, mesmo sem necessariamente dominarem —_aqueles saberes. A medida que vio vivenciando, aproximando-se e dedicando-se, vo adquirindo novos saberes, ao mesmo tempo em que vio se apropriando de novas camadas de experiéncia. Mas isso acontece de uma maneira diversificada, sem abrir mio da unidade que é a roda e da diversidade dos corpos que a compoem. Entdo, assistir a roda e bater palmas faz de voc8 alguém que é parte daquele fendmeno, a0 mesmo tempo em que o mestre ou mestra também é e esté fazendo © samba compondo aquela unidade da roda. Os diferentes niveis, ou melhor, as [CRBECT | TocantinGpols Bia |v. 6 | 12480 | 020873 /uttsbec 12480 | 201 | TSSNTHsD5-a85 a Snot, Me Samos, VS. (2021). Eseries sana n dpe expe acpi nea cdl aoe dad pita ra incompletudes com diferentes niveis ¢ camadas de experiéncia convivem e dio vida a uma roda que soma as experiéncias € se retroalimenta formando cada vez. mais agueles que dela participam. O que estamos apresentando é uma leitura de processos que acompanham =a sobrevivencia das culturas afrodiaspéricas no Atlantico Negro Gilroy, 2001) e no Brasil. A experiéncia, 0 fazer, 0 existir, reexistir, o festejar, o estar, a alacridade (Sodré, 2018), nao esto desatrelados de uma trajet6ria de existéncia cujo futuro foi quase sempre uma incégnita. Sim, foram os fazeres € © compromisso com essas experigneias que conduziram as trajet6rias coletivas das existéncias afrodiaspéricas. Esses fazeres, que dentre eles € também fazer samba, foram e so poténcias formativas, educativas e diaspéricas desde um tempo em que no tinhamos direito a escola. Aqui falamos de uma formagio comunitéria, de uma experiéncia africana em didspora que esté conduzida por uma experiéneia cultural afrodiaspérica e que, a0 mesmo tempo, € um ato de resisténcia 4s condigdes socioculturais afrodiaspéricas ‘no Brasil e na Bahia. "Pacataté Téndan" € mais do que uma onomatopeia ou uma partitura oral para um toque de viola machete. Pacatata Téndam € um convite & experiéneia, Um convite ao fazer. Um convite a sermos quem somos naquele momento. "Pacataté Tindan" © uma _experiéncia epistemol6gica, pedagégica, metodolégica, mas 6 também um ensinamento sobre viver. "Pacataté tandam", vai, toca! Repete! Nao desiste! Tenta! Isso! Vou fazer pra vocé ver! Se ligue! Vail Isso! Tenta novamente! Isso! Pacatata téndan! ‘Vamos juntos! ‘A dimensiio educacional desde os blocos afro Quando nos limitamos a escutar e apreciar misica apenas como um fendmeno sonoro, de entretenimento ou como um simples recurso que incrementa ‘as produgées mididticas, reduzimos a complexidade existente do fazer musical a um estégio de incompletude, na medida em que nio podemos dissociar a mésica da hist6ria da humanidade ¢ © grande lastro que isso representa. Ao passo que localizamos a mtisica como base para construgio de um discurso, somos instigados a fazer uma andlise do visivel ¢ invisfvel ali presente, evitando as armadilhas que falsas percepgdes impegam processos analiticos da misica enquanto verbo, fonte de saberes, representagao identivéria e cultural. Direcionando os olhares para os processos educacionais envolvidos no [CRBECT | TocantinGpols Bia |v. 6 | 12480 | 020873 /uttsbec 12480 | 201 | TSSNTHsD5-a85 2 Souza, Le 8, Santos, M, & Samos, VS. (2021). Eprints afaas na dre pris picasa ees ls esac dad pita ra ensino e aprendizagem musical, nos valemos das profundas discuss6es sobre a educago e sua importincia na elaboragdo € estruturago social. Ainda que estejamos longe do que consideramos como 0 basico necessério, ha em certa medida, um senso comum sobre 0 qudo importante é a educagdo para o crescimento nfo sé econémico, mas também na melhoria no que se refere a0 bem-estar social, a qual, por consequéncia, garante uma melhor qualidade de vida para os cidadios e cidadas de qualquer localizagao. Focalizando nos processos. de resisténcia, somos instigados pela necessidade da existéncia a confrontar 0 projeto politico que historicamente visa manter uma estrutura. de poder hegeménico, Desta maneira, € com o propésito do enfrentamento que o pensamento contracolonial surge como rompimento com a colonialidade do saber e do ser, apresentando estratégias para subverter epistemologias dominantes, trazendo para centro_saberes invisibilizados. O conceito das epistemologias do Sul oaventura, 2009), necessidade de alinhamento do discurso evidencia. a decolonial tendo como foco ¢ centro as questdes referentes as produgées dos povos originérios e afrodiasp6ricos. Conforme nos alerta (Bernardino-Costa, Maldonado- Torre & Grosfoguel, 2018), preciso trazer para o- primeiro plano a luta politica das mulheres negras, dos quilombolas, dos diversos movimentos negros, do povo de santo, dos jovens da periferia, da estética negra, bem ‘como de uma enormidade de ativistas ¢ intelectuais, tais como: Luiz Gama, Maria Firmina dos Reis, José do Patrocinio, Abdias do Nascimento, Guerreiro Ramos, Lélia Gonzalez, Beatriz do Nascimento, Eduardo de Oliveira ¢ Oliveira, Clovis Moura, Sueli Cameiro, Frantz Fanon, Césaire, Du Bois, C. L. R. James, Oliver Cox, Angela Y. Davis, Bell Hooks, Patricia Hill Collins, etc. (Bernardinho-Costa, __ Maldonado- Torre & Grosfoguel, 2018, p. 10). Prosseguindo com nossa reflexao, é impossivel nao associar 0 conceito da interseccionalidade a0 nosso discurso, trazendo a luz as questées referentes a género e raga, Uma vez que o racismo, o machismo, o sexismo provenientes do patriarcado branco, hétero e cisgénero alicergam como parte fundante “estruturante do. sistema-mundo modemo/colonial” _(Bernardino-Costa, Maldonado-Torre & Grosfogue, 2018, p. 11), 0s quais, por sua vez so refletidos nas préticas educacionais e na forma como produzimos ¢ ensinamos musica. Considerando esses elementos como obstdculos para construgio de uma sociedade equinime, tomna-se imprescindivel a retomada dos pasos — [CRBEC | TocantinGpols/Biaall | v. 6 | 12480 | 020873 /utisbeceT2480 | 2021 | ISSN 25254865 ] B Souza, Le 8, Santos, M, & Samos, VS. (2021). Eprints afaas na dre pris picasa ees ls esac dad pita ra como em um movimento de Sankofa que nos Jevam aos caminhos tragados por aqueles que nos antecederam, a fim de aprender a reaprender a partir dos saberes ancestrais, indicando formas de superar e protagonizar um novo modelo de sociedade experienciada a partir de novas préticas educacionais. FE justamente sobre essas formas outras de se produzir e perpetuar conhecimentos que os Blocos Afros da cidade do Salvador/BA se destacam ao apresentar préticas pedagégicas que, sem diividas podemos classificar como contra- hegem@nica na medida em que os processos de ensino ¢ aprendizagem so realizados a partir de um outro lugar. O Bloco Afro lé Aiyé em seu movimento politico na luta contra o racismo no carnaval de Salvador, assumiu como pauta a construgio de uma narrativa € 0 discurso de valorizagdo idemtitéria das pessoas pretas, a referéncia a ancestralidade africana tanto no aspecto cultural como religioso e sobre a importincia da estética negra como forma de exaltar a beleza dessa afrodidspora, assim como agdo de enfrentamento a discriminagdo racial, O Ile Aiyé foi o primeiro Bloco Afro do Brasil, criado em 1974 no Curwzu, bairro da Liberdade, em Salvador, como fruto do desejo de um grupo de jovens, entre os quais Antonio Carlos dos Santos (Vové) ¢ Apolénio de Jesus. Segundo Silva (2014, p. 90), “o Bloco Afro Te Aiyé constituiu 0 embrido da Lei no. 10.639/03, que toma obrigatéria a inclusio no currfculo em toda rede de ensino bisico a obrigatoriedade da abordagem de temiticas ligadas a hist6ria de cultura afticana e afro- brasileiro, sendo um redefinidor” das agdes do Movimento Negro na Bahia em fungo da sua busca por uma educagdo pluricultural. O Bloco néo ficou restrito ao entretenimento como sugere a sua definig&o, enquanto entidade politica e cultural, foi visto também como precursor do movimento negro no inicio da década de 1970, como afirma Ana Célia da Silva em seu livro “A discriminagdo do negro no livro didatico”. Que bloco é esse? Eu quero saber! é © mundo negro que viemos mostrar pra yoc8! Repleta de simbolismo, essa frase foi um grito de resisténcia dado no primeiro desfile do bloco em 1975. O mundo negro que foi apresentado de diversas maneiras através dos sons marcantes dos tambores, do canto negro que se alto afirmava, nos turbantes, nos trajes e cores que traziam a estética das miltiplas Africas vivas na didspora. Essa conexao transatléntica com nossas matrizes hist6ricas, culturais e epistemolégicas promovida pelo lé Aiy@, transita por um territério de saberes que buscam através [CRBECT | TocantinGpols Bia |v. 6 | 12480 | 020873 /uttsbec 12480 | 201 | TSSNTHsD5-a85 4 Souza, Le 8, Santos, M, & Samos, VS. (2021). Eprints afaas na dre pris picasa ees ls esac dad pita ra dessa ancestralidade —_invisibilidade, retomar 0 rumo a uma localizagao epistémica que extrapola as fronteiras estabelecidas pelo sistema colonial. Localizagao", no sentido afrocéntrico, refere-se a lugar psicolégico, cultural, histérico ou individual ocupado por uma pessoa em dado momento da histéria. Assim, estar em uma localizagio & estar fincado —temporéria ow permanentemente, em determinado espago ... Descobrir a localizagao de alguém refere-se a saber se essa pessoa esté em um lugar central ou marginal com respeito & sua cultura (Asante, 2009, p. 96). Os tambores na digspora surgem como reprodugio de uma linguagem que reverbera_epistemologias, apresentando I6gicas que nos orientam para outras priticas pedagégicas na medida em que a perspectiva da afrocentricidade assume a centralidade do pensamento. A. ideia aftocéntrica refere-se essencialmente — @ —_proposta epistemoldgica do lugar. Tendo sido 0s afficanos deslocados em termos culturais, psicolégicos, econémicos e histéricos, é importante que qualquer avaliagio de suas condigdes em qualquer pais seja feita com base em uma localizagio centrada na Africa e sua diéspora. Comecamos com a visio de que a afrocentricidade é um tipo de pensamento, pritica ¢ perspectiva que percebe os africanos como sujeitos e agentes de fendmenos atuando sobre 2 sua propria imagem cultural e de acordo com seus prdprios _interesses umanos (Asante, 2009a, p. 93). Esse centramento foi a orientagao que Ievou a busca pela sonoridade que criava a conexio com a ancestralidade materializada nos sons dos tambores. Surdos, atabaques, tardis e timbaus criam a atmosfera que ao ser decodificada apresenta diversos elementos com estreita ligagdo com as religiosidades de matriz africana resistindo a todas as perseguigdes © tentativas de marginalizagio silenciamento. As agdes pedagégicas promovidas pelo Bloco Afro possibilitaram_ que diversas histérias sobre a Africa, a Tuta. dos povos afticanos e afrodiaspéricas pudessem ser recontadas por meio de suas cangdes. A elaboragdo dos “Os Cademos de Educagdo” a partir do ano 1995, reforgou ainda mais a abordagem. antropolégica e cultural centrada em uma perspectiva afrocentrada. © Tle Inspirou-se em referéncias te6ricas para sua _idealizagio, reportando-se a um modelo de ideologizag3o politica a partir das informagdes do movimento negro norte-americano da década de 1970, das lutas de independéncia dos paises afticanos e, sobretudo, na resisténcia cultural affo-brasileira originéria do Candomblé (Shaun, 2002, p. 7). ‘A oralidade delineia os contornos que apresentam outras_-—_dimensGes edueacionais, a vor realiza comunicagdes verbais e niio verbais, onomatopeias criam e recriam ritmos e sonoridades que traduzem a subjetividade do imaginério em [CRBECT | TocantinGpols Binal | v. 6 | 12480 | 020873 /utisbeceT2480 [2021 | ISSN 2554805 ] 1s Snot, Me Samos, VS. (2021). Eseries sana n dpe expe acpi nea cdl aoe dad pita ra sons concretos executados nos tambores. Esses sons nfo se dissociam de uma corporeidade, a relagdo do som com corpo amplifica a capacidade perceptiva, dessa forma 0 Mestre de Percussio conduz 0 processo de ensino com conceitos ¢ abordagens que partem de uma légica propria, a escrita ainda que importante, exerce um papel secundério uma vez que ela ndo possui os elementos que decifram as diversas camadas ritmicas e sonoras, ela se limita a decodificar 0 que a légica matemética presente na miisica permite, em contrapartida, as nuances que estio presente nas entrelinhas necessitam de abstragdes que abram espagos para uma pervepgdo ampla do fendmeno sonore. A perspectiva da afrocentricidade apresentada por Molefi Kete Asante (2009) € visivelmente identificada nas abordagens do Ile Aiyé. O discurso presente nas canges est para além do visivel, levando os ouvintes a uma imerséo no imenso terreno de saberes que conectam os negros da didspora com a sua ancestralidade. Portanto a sua miisica € transportadora de uma esséncia capa de _interferir profundamente no —_reposicionamento hist6rico, politico e econémico do sujeito afrodiaspérico, torando-se agente dos fendmenos que iro garantir a construgdo de sua propria imagem cultural atendendo 0s seus interesses humanos. Tudo 0 que foi exposto neste capitulo tem como propésito, refletir sobre os caminhos que promovam a quebra dos paradigmas estabelecidos por um poder hegeménico, que impde padroes, valores culturais e que criam regras que excluem outras epistemologias. A Capoeira, 0 Samba de Roda e os Blocos Afros nos apresentam intimeras formas de se pensar outros os processos. de ensino & aprendizagem da mésica. Arrastiio caminho a percomrer em diregdo a um ensino de misica descentralizada do eurocentrismo se torna potente e pulsante quando colhemos no pasado, como em um etemo movimento de Sankofa, as referencias necessérias para reaprender a direcionar o ato de educar em uma prética libertadora que dista dos moldes tradicionais tio comumente utilizados nas instiwigdes de ensino. Sair da linha convencional ¢ priorizar também saberes outros que primam pelo respeito & diversidade € tomar Iicito a luta pela equidade legitimando passos quem vem de Jonge. Trazer como modelo de experiéncias os processos de ensino ¢ aprendizagem existentes na Capoeira, nos Sambas do Recdneavo e nos Blocos Afros, € um ato revoluciondrio e também de enfrentamento ao conceito engessado ¢ [CRBECT | TocantinGpols Bia |v. 6 | 12480 | 020873 /uttsbec 12480 | 201 | TSSNTHsD5-a85 16 Snot, Me Samos, VS. (2021). Eseries sana n dpe expe acpi nea cdl aoe dad pita ra limitante que prioriza a hist6ria tinica contada apenas sob uma stica. Os saberes ¢ fazeres africanos em digspora, bem como os saberes ¢ fazeres estabelecidos a partir das experiéncias afrodiaspéricas nos educa e ao mesmo tempo nos_—apresenta—_arranjos socioculturais, socioecondmicos, educacionais, geopoliticos, epistemolégicos. que podem —_ ser fundamentais para repensarmos o pais em que vivemos. O Brasil entrou no século XX com um projeto de nao que nao inclufa as populagbes negras, pelo contrério 0 projeto era de exterminio, seja pela miscigenagio ou pelas_mortes. causadas pela falta de assisténcia do Estado. Esse projeto fracassou!!! Outro projeto foi instituido, 0 de exterminio cultural, 0 de —_ embranquecer epistemologicamente as populagdes negras no Brasil. Esse projeto também fracassou! O Ilé Aiyé no deixou! Os movimentos negros ndo deixaram! A capoeira nao deixou! Os sambas nfo deixaram! Os terreiros de candomblé nfo deixaram! O mundo negro no deixou! Nés nao deixaremos! A Capoeira, Os Sambas do Recéncavo © 0s Blocos Afros, tradigdes escolhidas para conduzir a discussio deste texto, vo além de serem manifestagdes estéticas. Sdo referéncias epistemolégicas. So os nossos referenciais tedricos para resistir, para entender 0 mundo e para analisé-lo também. As experiéncias educacionais afticanas na didspora, bem como as experiéncias affodiasp6ricas no contexto educativo colocam 0 didlogo de saberes desde as priticas culturais em lugar pedagégico, de formago para uma sociedade de respeito a terra, a quem chegou primeiro, aos mais velhos ¢ mais velhas, a natureza e tudo que nela hé. A capoeira, os sambas do recéncavo e os blocos afros.«sio.-—referéncias epistemoldgicas. Sio referéncias para aprendermos sobre_—resistncia, reexisténcia, sobre ser e estar nesse mundo. & pensar o nosso lugar enquanto individuos psicologicamente localizados na ancestralidade € nos valores civilizatérios que garantiram a presenga das epistemologias que sustentam a existéncia dessa afrodidspora. Essas musicalidades comunicam, sao linguagens, portanto extrapolam os limites estabelecidos pelo fenémeno sonoro porque a musica da didspora africana est4 carregada_ de elementos metafisicos que ultrapassam a compreensio fisica do fazer musical, 0 som é matéria prima, entretanto a sua construgZo requer um conjunto de outros elementos que unificados _atribuem diversos significados. [CRBECT | TocantinGpols Bia |v. 6 | 12480 | 020873 /uttsbec 12480 | 201 | TSSNTHsD5-a85 wv Souza, Le 8, Santos, M, & Samos, VS. (2021). Eprints afaas na dre pris picasa ees ls esac dad pita ra Pensar uma educagéio emancipadora, uma educagdo que nao hierarquize pessoas por raga, género, classe, regitio geografica ou préticas de crenga, implica em trazer & frente uma perspectiva de troca de saberes que seja horizontal. A equidade nas relagdes, enquanto premissa para se conceber uma comunidade equilibrada e justa, demanda considerar a ocupacio de lugares sociais os quais possuem valores especificos e adequados ao contexto cultural no qual esta inserido. Considerar perspectivas aftodiaspéricas enquanto lugar de ensino e artisticas negro aprendizagem comunitéria é considerar que nessas priticas se buscam antes de tudo © ensino para a convivéncia humana. Portanto, 0 que se entende aqui como educagao perpassa agéncias cotidianas como uma ago coletiva de preparar e cozinhar um feijZo enquanto o samba acontece na sala, bem como o aprendizado de um toque cavalaria no berimbau enquanto uma mestra ensina aos mais jovens na roda que respeitar as nossas e nossos mais velhos é garantir que nossa ancestralidade futura esteja sendo bem cuidada. Longe de esgotar essas abordagens, foi pretendido aqui apresentar lugares potentes para se pensar os atravessamentos em tomo do que se entende institucionalmente como _priticas educativas, e neste caso no campo, partindo de valores civilizatérios africanos entio ressignificados na didspora para como fonte de tais poténcias. A capoeira, os sambas de roda, os blocos afro so experiéncias vividas e remodeladas as quais contam hist6rias de pessoas a0 longo de séculos. So quilombos culturais, filoséficos, espirituais, portanto, lugares onginicos de educagio comunitéria, horizontal e, antes de tudo, emancipadora. Portanto, se faz urgente pensar essas experiéncias enquanto—_caminhos metodolégicos férteis e vilidos perante 0 sistema educacional institucional. Referéncias Asante, M. K. (2009). Afrocentricidade: notas sobre uma posigao disciplinar. In Elisa L. N. (Org.). Afrocentricidade: Uma abordagem epistemoldgica inovadora (pp. 93-110), Sao Paulo: Selo Negro. Barreto, L., Rosétio, R., & Gumes, S. (Orgs.). (2015). Mulheres do samba de roda. Santo amaro: projeto mulheres do samba de roda, Bernardinho-Costa, J., Maldonado-Torres N., & Grosfoguel, R. (2018). Introdugio. Colonialidade e pensamento afrodiasp6rico. In Bernardino-Costa, J., Maldonado-Torres, N., & Grosfoguel, R. (Orgs.). Decolonialidade e pensamento afrodiasporico (pp. 8-43). Belo Horizonte: Auténtica. [CRBECT | TocantinGpols Bia |v. 6 | 12480 | 020873 /uttsbec 12480 | 201 | TSSNTHsD5-a85 18 Souza, Le 8, Santos, M, & Samos, VS. (2021). Eprints afaas na dre pris picasa ees ls esac dad pita ra Lei 10.639 de 2003. Estabelece as diretrizes curriculares nacionais para a educagio das relagdes étnico-raciais. recuperado de: http://www .planalto gov.br/ceivil_03/leis/2 003/110.639.htm Gilroy, P. (2001). O Atlantico negro: modernidade e dupla consciéncia. Trad. Cid Knipel Moreira. Sao Paulo: Editora 34; Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes, Centro de Estudos Afro- Asiaticos. Medeiros, W. X. (2012). A percussdo na performance musical do grupo capoeira angola comunidade (Dissertagio de Mestrado). Universidade Federal da Paraiba, Jofio Pessoa. Nascimento, A. (1980). 0 quilombismo. Petropolis: Vozes. Oliveira, E. (2007). Filosofia da ancestralidade: corpo e mito na filosofia da educagéo brasileira. Curitiba: Editora Grafica Popular. Santos, M. (2020). 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Pensar nagé. Petrépolis: Editora Vozes. Santos, B. S., & Meneses, M. P. (Orgs.). (2009). Epistemologias do Sul. Coimbra. Editora Almedina. Informagées do Artigo / Article Information Recebico em : 19/06/2021 ‘Aprovado em: 25/08/2021, Publicado em: 30/08/2021 Received on June 19th, 2021 ‘Accepted on August 25th, 2021, Published on September, 2th, 2021 Contribuigtes no Artigo: Os autores foram os. fesponsdvels por todas aS elapas e resutados da pesquisa, @ sabor: elaborardo, andliso @ Intorpretago dos. ddados: esctita © revise do contetdo do. manuscrto ; aprovagao dl verséo final publiada. ‘Author Contributions: The author were responsible for ‘the designing, delineating, analyzing and interpreting the eta, production ofthe manuscript, cca revision ofthe. content and approval ofthe final version published Conttos de interesse: Os autores declararam nfo haver ‘enhum confito de nteresse referante a este arigo. Conte of interest: None reported. ‘Avaliagio do artigo ‘Arigo avatiado por pares. Article Peer Review Double review. [CRBECT | TocantinGpols Bia |v. 6 | 12480 | 020873 /uttsbec 12480 | 201 | TSSNTHsD5-a85 19 Souza, Le 8, Santos, M, & Samos, VS. (2021). Eprints afaas na dre pris picasa ees ls esac dad pita ra ‘Agéncia de Fomento CAPES. Funding CAPES. ‘Como citar este artigo / How to cite this article APA Souza, L. S., Santos, M, & Santos, V. S. (2021). Experidncias ‘educacionais alicanas na diaspora @ ‘experiéncies afrodiaspéricas na educapo: cidlogo de ‘seberes desde as préicas culturais. ev. Bras. Educ. Camp, 6 012480, Htlpydx dol org/10-20873/uf bec 212480 ABNT ‘SOUZA, L. $; SANTOS, M; SANTOS, V. S. Experiéncias ‘ecucacionais atricanas| na diéspora © experioncias frodiaspéricas na educaedo: diélogo de saberes desde 8s praticas cuturas. Rev. Bras, Educ, Camp, Tocantinopols, v.81 2480, 2021, hntpsaxego\org/10.2087a/un foeo.612480 (CRBEC | Tocaatindpols Ball |v. | 12480 | 1020873 /asbecei2480_| 2021 [7S

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