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CONSIDERAGGES SOBRE O SENTIDO DA COLONIZACAO FERNANDO A. Novalis As paginas introdutorias de Formagao do Brasil contempordneo (1.8 edi Go, 1942), em que Caio Prado Jr. procura definir 0 “sentido” mais geral profundo da colonizacéo portuguesa no Brasil (1), constituem indiscutivel- mente até hoje o texto mais rico e sugestivo para a compreensio dos meca- nismos estruturais de nossa hist6ria colonial. Todo 0 andamento da obr: alids gira em torno daquelas idéias basicas; ao examinar as varias manifes- tacdes da vida colonial (povoamento, economia, sociedade, administracdo, etc), © autor volta constantemente as formulacées iniciais, comprovando-as ¢ enri- quecendo-as. Curiosamente e infelizmente, o impacto do livro, sem dtvida um marco na nossa historiografia, féz-se sentir quase que exclusivamente nas andilises particulares e nao na visio global que sugeria. Como téda grande obra, apresenta uma espinha dorsal de anilise, ao mesmo tempo que indica numerosas pistas para investigacdes particulares; estas fecundaram pesquisas ulteriores, mas aquela visio mais profunda do processo nio foi devidamente assimilada, -se que o Brasil 6 ais do Pais, alguns Assim, continua sendo um lugar comum af fruto da colonizac&o européia, reservar-se, nas histérias gt capitulos ou mesmo volumes sdbre 0 “periodo colonial”, sem levar em conta é, entretanto, s manifes- todas as implicacdes que envolvem a nossa “formacio colonial”, Sbvio que sem a visio estrutural mais profunda perdem sentido tacées particulares e superficiais; e ndo smente para a compreensio daquela fase do nosso passado, senfo ainda para um efetivo entendimento do Brasil de hoje torna-se indispensavel uma andllise explicitadora dos mecanismos do antigo sistema colonial, em cujo bdjo se desenrolou a colonizacio da América @) Cf. Caio Prado Jr, Formacto do Brasil contemporineo, 4.8 ed, Sio Paulo, 1953, pp. 18-26. 56 FERNANDO A. NOVA! portuguésa. Basta ver o papel que ocupam nas discussées contemporaneas st bre 0 desenvolvimento econdmico os problemas de persisténcia ou superacio da “economia colonial”. Vale pois a pena tentar rediscutir 0 assunto. acto Comecemos por fixar 0 significado mais geral do fendmeno col: encarada do Angulo das relacdes dos homens com a natureza, colonizacio en- volve sempre uma forma de ocupacéo, povoamento e valorizaciio de novas Areas, isto é, alargamento e organizacdo do ectimero (2). ste conceito geo- grafico apanha efetivamente 0 denominador comum de téda e qualquer colo- nizac&io, mas deixa por isso mesmo de lado os componentes propriamente histéricos que 0 fendmeno vai assumindo em cada momento de sua manifes- taco; assim, na época moderna, entre o Renascimento e a Revolucao Fran- cesa, a politica Mercantilista imprime um carter especifico a ocupacio valorizagio das novas regides, conformando-as de acdrdo com as tendéncias do capitalismo comercial em curso de desenvolvimento, isto é, noutras palavras, fa colonizacdo dos séculos XVI, XVII e XVIII assume a forma mercantilista. Nao obstante, essa conceituacio é importante e mesmo imprescindivel para discutirmos e criticarmos a tipologia das coldnias, elaborada pelos ted- icos do colonialismo, e desta forma aproximarmo-nos da colonizacio portu- guésa na América. Se, de fato, colonizacdo envolve sempre ocupacio, povoa- mento e valorizacdo de novas areas, — ficam naturalmente excluidas catego- rias como “colénias de conquista” de classificacdo de Roscher (areas em que os conquistadores visam vantagens nfio da producto, mas da exploracdo poli- tica e militar dos indigenas, como por ex. as dominagées de Alexandre Magno no Oriente, ou dos normandos no sul da Itélia), “colénias comerciais” das classifieacées de Roscher e Leroy-Beaulieu (entrepostos, fixados em paises os mas onde 0 coméreio nfo adquiriu a liberdade de movimentos das na- ces civilizadas), e “coloniais de posicao” do esquema classificatério de Geor- ges Hardy (estabelecimentos militares para garantir posicdes estratégicas, rotas, ete.) (3). Séo fenémenos de outra ordem, que nfo envolvem expanséo do ectimeno, endo entram pois no Ambito da colonizacdo propriamente dita; ‘© que nfo quer dizer que no se possam ligar, estar mesmo na raiz do pro- cesso colonizador, Em si mesmos porém nao constituem colonizacdo. Feitas estas exclusées, defrontamo-nos com a classica distincio entre colénias de povoamento e de exploracdo. Formulada primeiramente por Ri cher (1848) retomada e melhor explicitada por Leroy-Beaulieu (1874), a Cf. Maximilien Sorre, Les mi peuples, Parls, 1955, p. 12 Gf W.Hosener e 1%. Jannase Koloniaipotitik! and ‘Ausw Lelpalg, i885 (a. primeira. edicao S18). Paul Leray-Beaulleu, De Ia ies. peuples moderes, Paris, 1814. Georges Hardy, La politique partage de la terre, Paris, 1937, CONSIDERACOES SOBRE 0 SENTIDO DA COLONIZACAO 5T classificacéo se orienta n&o s6 pela forma que assume a ocupacdo e valori- zacio da nova Area, mas também pelo tipo de relagdes que mantém com centro de origem, isto 6, relacdes metrépole-colonia, As “colénias de povoa- mento” (“agricolas”, na nomenclatura de Roscher) instalam-se em regiées pouco habitadas, de ambiente geografico semelhante ao da metrépole; para elas dirigem-se povoadores com bens e familias, instalam-se autonomamente, © pouco a pouco progridem, Sao assim frouxos os laos com a mée-patria esta deve ser grande e populosa para promover uma grande emigracdo para © ultramar — do contrario perdem-nas, como ocorreu com os estabeleci- mentos da Holanda e da Suécia na América do Norte. Nao se exigem gran- des investimentos, mas sim volumosa migracdo, pois se trata de povoamento. A produedo é em grande parte semelhante A metropolitana, 0 progresso é lento, a ambiéncia democratica, a independéncia inevitdvel. Exemplo: a Nova In- glaterra. As colénias de plantacdo ("‘Pflanzungskolonien”) ou de explora- cao (4) instalam-se para abastecer a metrépole dos chamados “produtos co: loniais”: acacar, café, indigo, tabaco, algodao... O meio geogréfico sera necessariamente diverso do metropolitano para produzir essas “Kolonialwaren”; © inter-tropico é a zona de eleicao para ésse género de empreendimento. O colono é, aqui, antes de tudo, empresario; reclamam por isso essas colénias grandes inversées de capital, e organizacdo “artificial” (sic!) do trabalho, tais a escravidao ou migracéo engajada (“indentured”) ou mesmo a coloni- zacio “sistematica” preconizada por Wakefield, que recomendava primeiro uma organizacdo “racional” da propriedade (isto é, as terras coloniais deviam ser vendidas a empresérios) e s6 depois se fomentaria a emigracéo, pois do contrério (os emigrantes se apropriando da terra abundante e livre) escas- searlam bracos na coldnia... (5) A producdo dessas colénias de exploracdo visa pois 0 mercado metropolitano, a riqueza cresce rapidamente; 0 cresci- mento demografico ¢ porém lento, a sociedade “deixa muito a desejar”. O espitito democratico é débil e néo amadurece cedo para a liberdade, As colénias antilhanas exemplificam a “plantation” tipica. Percebe-se facilmente ‘as intenc6es que motivaram os autores a estabelecer ésse critério de diferen- clacdo: alids, éles o dizem explicitamente; visava-se antes de tudo orientar a politica colonial das poténclas européias. Sem embargo, ao estabelecerem 0s tipos de coldnias, as classificacdes procuram ordenar os varios compo- nentes da realidade histérica, e desta forma dao-nos uma aproximacio para equacionarmos a colonizacdo que lastreia a formacio brasileira. Wica claro que, em suas linhas gerais (os tipos, como ja notava Leroy-Beaulieu, nunca se apresentam em estado puro), a colonizacio do Brasil se insere nos qua- dros do segundo tipo, isto é, colénia de exploracio, (@_Na primeira ediedo de sua obra (4874) Leroy-Beaulieu nfo usa as expre- sbes , na realidade modelares. para ‘caracterlzar duns estruturas fundamentalmente distintas, como ja acentuou. inéisivamente Caio Prado Sr (op. cit). Tal nomenclatura, contudo, ocorse nas numerosas reedicoes” do De It colonisation ches lee peuples modernes; Veja-se poF éxemplo a 8* edicao, Paris 1802, tL, pp. 568 e sexs (g) Gr A” Siogiried, «award Gibbon Wakeflelds, In Les Techniciens de la Colonisation, Paris, 1947, pp. 175-199 Facamos aqui um paréntese, para comentar a critica que mais recente- mente Georges Hardy apresentou a essa distinclo classica. Povoamento, diz @le, cobre realidades distintas, nem hé exploraco sem povoamento; so t6das reas do povoamento europeu: ha que distinguir a forma do povoa- mento, De ai, classificar as colénias em colénias de “enraizamento” (nas quais mento” (onde o elemento indigena continua sendo a massa da popula: naturalmente “enquadrada” pelos europeus..."). Ora, tal critica nfo no: parece de forma alguma convincente. Ao substitui mico por um critério no fundo étnico, perdem-se de vista as relacées entre metrépole e colénia, O que Hardy verdadeiramente nao compreendeu € que, ésto que dbviamente no possa haver exploracio sem povoamento, nem éste sem aquela, numa estrutura o essencial € a exploraco, noutra © povoamento; as colonias de exploracao povoam-se para explorar (isto é, produzir para 0 mereado metropolitano), as de povoamento exploram os recursos do ambiente no fundamental para prover o seu proprio mercado (isto é, exploracio para © povoamento); numa situac&o, povoamento explica a exploracdo, noutra é a partir da exploraco que se pode entender 0 proprio povoamento, Caio Pra- do Jr., que penetrantemente identificou a fecundidade destas duas configu ragdes e Ihes marcou nitidamente os contornos na introducao de sua extraor dinaria obra j4 citada, parte dai para a anélise da estrutura econémica da colénia em dois setores basicos: um, essencial e imediatamente voltado para © centro dinamico metropolitano (economia de exportacio), outro dependente e que se explica a partir do primeiro (economia de subsisténcia), acentuando que naturalmente os produtos de exportacio podem ser, e o sio, também, consumidos na colonia, e os de subsisténcia eventualmente exportados (ou passar de subsisténcla para exportacéo) sem que isso em nada retire a validez explicativa daquela caracterizacio (6). Também para Celso Furtado, que sob outros aspectos se afasta das andlises de Caio Prado Jr., silo as duas cate- gorias fundamentais de coldnias de exportacio ou exploracio e colénias de Povoamento que interessam, para situar a formacdo econémica brasileira no quadro da expansdo colonial européia (7). J4 0 velho Roscher parece que pereebia bem 0 aleance da distincilo; no curso de sua classifieacdo, tendo fixado 0 tipo de “colonias agricolas” (que como vimos j4 esboca o conceito de colénias do povoamento), ao passar a tratar das “colnias de plantacAo’ (exploracdo) como categoria distinta, pergunta-se se nao seria 0 caso de considera-las um subtipo das coldnias agricolas, pois que de agricultura se trata; mas, insiste com acuidade, a diferenca é tao essencial que se tornou 0 fundamento da tenebrosa guerra e seccesséo nos Estados Unidos da Amé- rica (8). Portanto: colonizacdo significa, no plano mais genérico, alargamen- to do espaco humanizado, envolvendo ocupacio, povoamento e valorizacio redominam a populacio de origem européia) e colénias de “enquadra- se 0 critério sécio-econd- rmacio do Brasil Contemporineo, 4 ed, Sko Paulo, 1953, pp. 19-26, ‘ Celso Furtado, Formacto Econdmica do Brasil, Rio de Janeiro, 1958, Ct. Kotonten..., pp. 23-24 i | | | | ! : i ERACOES SOERE © SENTIDO DA COLONIZACKO 59 de novas areas (Sorre); historieamente, na época moderna, entre a expansio ultramarina e européia e a revolucio industrial, explorac&o e povoamento (Leroy-Beaulieu) constituem-se nos dois sentidos bésicos em que se processa © movimento de curopeizacdo do mundo, delimitando as duas categorias fun- damentais de colonias geradas nesse periodo. Assim, a poco e pouco, atra. vés a critica dos conceitos, vamo-nos aproximando da perspectiva histérica pols sémente ela permite enlacar todos ésses elementos, revelando-Ihes 0 sen- tido como partes de uma totalidade conereta e dinamica, que procuraremos agora explicitar Rigorosamente, a consecucho do desiderato acima formulado exigiria ie toda a historia da expansdo ultramarina e colonial européia nos séculos XVI, XVII e XVIII. O que evidentemente esta além de nosso aleance e fora de nosso propésito, neste artigo, Na verdade, pésto que sd- mente 0 estudo histérico conereto do periodo pode resolver os problemas e explicitar as conexdes entre os varios segmentos da realidade nas suas milti- plas manifestagées, no seré de certo indtil a tentativa de estabelecer, base das linhas mais gerais da histéria da época, 0 esquema conceitual ¢ explicativo com que se deva abordar a andlise de uma das manifestacdes esse complexo: no caso, a histéria da colonizacéo por quadro do antigo sistema colonial. # nesta faixa de indagacées que nos col 10s, procurando fixar e explicitar os pressupostos com que se deve enfo- car, de maneira efetivamente compreensiva, 0 Brasil-colénia, fuguésa no Brasil, no Visualizada em conjunto, a chamada Bpoca Moderna, isto 6, 0 periodo que transcorre entre o Renascimento e a Revolucdo Francesa, ou entre a expanséo ultramarina e a revoluelo industrial, se nos apresenta como a etapa da histéria do Ocidente em que predominam as formas politicas do absolu- tismo, ¢, no plano social, a organizacdo da sociedade em “estados” ou “ordens”; di lo © Angulo de observacto pi econémicas, defrontamo-nos com 0 capitalismo comercial (9) e a politica mercantilista; contempordneamente, assiste-se & prodigiosa expansio mariti- ma e comercial da Europa, e seu conseqtiente desdobramento na implantacio das colénias no ultramar. Tais as pecas do sistema, e 0 scu simples enun- ciado j4 nos conduz & procura das conexdes reciprocas. Entre a monarquia unitdria centralizada, ou mais exatamente entre 0 processo de unificacdo € "ao universo das relacées @) Sobre , Annales "(feonomies. “Soclétés, Civilisation). Ja- nelro-marco 1980, pp. 32 e. se¥s. (43). M, Nunes Dias, © Capit quico portugues (1415-1549), Coimbra, 1963, 1, pp. 88 ¢ seus 15)" FP x4, Godino. estu rocentinta portugutsa, Lisboa, ois) as clapas dos descobrimentos portugues fo XV erm fungao das viele: situdes ao absolutismo monarquico em Portugal | | | CONSIDERACOES SOBRE 0 NTIDO DA COLONIZAC. essencialmente comercial, como um desdobramento da expanséo comercial européia; produzir para o mereado exterior, fornecer produtos tropicais ou metal nobre ao comércio europeu — eis 0 “sentido da colonizac&o” (20), « € sem diivida a formulacdo dessa categoria (ou descoberta désse “sentido que permitiu ao autor definir os dois setores basicos (exportacdo, subsisténcia) a partir dos quais analisa a estrutura econdmica da colénia. ‘Todavia, as indagacdes que fizemos até aqui, cremos, permitem levar ainda mais longe a andlise do “sentido” da colonizacio. Efetivamente, inse- rida no contexto mais geral do Antigo Regime — isto é no contexto da politica mercantilista do capitalismo comercial executada pelo estado abso. lutista — a colonizacdo da época moderna revela nos tracos essenciais seu carater mereantil e capitalista; queremos dizer, os empreendimentos coloni. zadores se promovem e se realizam com vistas, sim, ao mereado europeu, mas, tendo em consideracdo a etapa em que isto se da, a economia européia assi- mila ésses estimulos coloniais, acelerando a acumulac&o primitiva, por parte da burguesia comercial. A aceleragéo da acumulacdo primitiva configura, ois, o sentido ditimo da colonizacdo moderna. Note-se que ao nos expressarmos assim envolvemos na formulac&o varias decorréncias: situa-se, por um lado, © momento histérico-econémico em que se localiza 0 processo; mais ainda, a colonizago fica indissolivelmente ligada ao proceso histérico de for do capitalismo moderno, & transicio do capitalismo comercial para 0 indus: trial (capitalismo pleno). Caio Prado Jinior, que abriu decisivamente 0 ca- minho para esta anélise, talvez tenha pago até certo ponto seu tributo a tradicdo da historiografia brasileira sempre menos voltada para as vincula. GOes da histéria do Brasil com a historia geral da civilizacio ocidental assim, apesar do passo fundamental que a sua obra representa, pensamos ser ainda possivel ir além no esfOrco de apreender o sentido da colonizacao De fato, ela se apresenta agora como uma peca no conjunto de mecanismos que, promovendo a acumulacdo originaria, tendiam a possibilitar a superacio dos entraves institucionais e econdmicos que ainda perturbavam a expansio do capitalismo moderno europeu (21). Peca alls essencial; como parte inte. grante da politica mercantilista, J vimos que a colonizacéo fornecia uma espécie de retaguarda & economia metropolitana, tornando-a independente das outras poténcias nacionais; promovendo a acumulacio de capital e 20 mesmo ‘tempo ampliando o mercado consumidor de manufatura, criava os pré-requi- sitos da transicdo para o capitalismo industrial Situada neste contexto, articulada nos componentes do Antigo Regime, a colonizacio moderna revela, portanto, como tracos essenciais aquéles meca- nismos através dos quais o processo colonizador promove a aceleraco da acumulac&o capitalista; a acumulacdo na economia européia configura os fins, os mecanismos de exploraedo colonial, os meios. O conjunto désses me- Formacto do Brasil Contemporanco, pp. 13 Maurice Dobb, Studley in the Dev tobment 0 64 FERNANDO A. NOVAIS canismos — processos econdmicos e normas da politica econdmica — consti tuem 0 sistema colonial que integra e articula a colonizacao com as econo- mias centrais européias; tal sistema de relagdes torna-se portanto a catego- ria fundamental de téda esta andlise. Reformulando agora: a colonizacio do Névo Mundo da-se nos quadros do Antigo Sistema Colonial, isto ¢, 0 sis- tema colonial do Antigo Regime. A colonizacdo portuguésa no Brasil se de- senrola dentro désse sistema de relacdes, que Ihe imprime a sua marca, de- terminando as linhas definidoras da estrutura sécio-econdmica que aqui se instaura, dando sentido as expressOes “Brasil-colénia” e “periodo colonial’ Nem toda a colonizacio da América, porém, se desenrola dentro das traves do sistema colonial. Os sistemas nunca se apresentam, historicamente, em estado puro, Apesar de coeva, a colonizacdo da América setentrional temperada da-se fora dos mecanismos definidores do sistema colonial merean- tilista; é em fune&o dos problemas religiosos da Inglaterra, e sobretudo dos ajustamentos e das crises do absolutismo désse pais durante o século XVII — época em que se inicia e se consolida a colonizacao da América do Norte que se pode compreender a colonizacio de povoamento, e nao de exploracto que 14 se realizou. E aqui retomamos as duas categorias — povoamento, exploracio — para Ihes explicitar 0 verdadeiro sentido na época moderna colénias de exploracio so as que se formam e se desenvolvem dentro dos quadros do sistema colonial; as de povoamento, posto que contempordneas, situam-se A margem do sistema. A independéncia dos Estados Unidos da América originou-se, como se sabe, da resisténcia dos colonos a tentativa de aplicacdo, por parte da velha metrépole, do pacto colonial a Nova Inglaterra revelando-se, assim, incompatibilidade entre sistema colonial e colénias de povoamento. Isto nos conduz a uma iltima observacdo, indispensavel antes de con- cluir. Inserindo a colonizacéo moderna no contexto do Antigo Regime — absolutismo, capitalismo comercial, politica mercantilista, sistema colonial — fe procurando esclarecer as conexdes que articulam os varios componentes dase todo, destaeando as tens6es socials derivadas da ascensdo burguesa a partir da estrutura feudal e através da época moderna, cremos ter escapado a um possivel economismo que nos poderia ter viciado a andllise, que se pre- tende globalizadora. Além disso, importa fiear bem claro que, ao tentarmos fixar as categorias essencials dese processo histérico, néo buscamos de forma alguma os denominadores comuns presentes necessariamente em t6das as ma- nifestacées coneretas, mas sim as determinantes estruturais, isto é, os compo- nentes a partir dos quais 6 possivel compreender 0 conjunto das manifesta- Ses, aquéles componentes que definem, explicitam, tornam inteligiveis os demais, e se nfo definem por éles. Em suma, tentamos demarcar a posicao metodolégica a partir da qual se deve proceder a anélise da colonizacéo. Aceita essa perspectiva, torna-se claro que, por exemplo, existindo cold- nias de povoamento no bojo da expansio ultramarina mercantilista que exige CONSIDERACOES SOBRE 0 SENTIDO DA COLONIZACKO 65 exploracdo — é a partir da colonizacio exploradora que se pode entender 0 conjunto e pois também as colénias de povoamento, e nfo 0 contrério. Igual- mente, se 0 “Brasil-coldnia” se enquadra como colénia de exploracio nas li- nhas do Antigo Sistema Colonial, nao quer isto dizer que tddas as manifes. tacdes da colonizacdo portuguésa do Brasil expressem diretamente ésse me- canismo; mas, mais uma vez, os mecanismos do sistema colonial mercanti lista constituem 0 componente basico do conjunto, a partir do qual deve pois ser analisado, No caso vertente, torna-se logo essencial analisar a posic&o de Portugal no quadro do desenvolvimento econémico do Ocidente e no das relaées politicas internacionais, para se pereeber as mediacdes através das quais o sistema mais geral se expressa no segmento particular. Sistema glo- bal: as relagées entre o capitalismo mercantil europeu em desenvolvimento e as economias coloniais periféricas; segmento particular: relagdes da metré- pole portuguésa com a colénia-Brasil,

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