You are on page 1of 26
[ESTA ORRA BENEFICIOU DO PROGRAMA pp APOTO A TRADUGAO EA PUBLICAGAO gure Nacional do Livro | Ministério da Cultora Francis acute Frangais| Ministéxio Frances dos Negocios Ptrandelros ¢ Europeus uvRAGE PUBLIE AVEC LE SOUTIBN DU PROGRAMME D'AIDE ALA TRADUCTION BT ALA PUBLICATION crentee Navional du Livre | Ministae Francais Chargé dela culture Taettut Frangait | Ministéxe Prangais des Affaires Perangeres ex Buropéennes -rirovo onsciNat Politiques de Vinmitié ‘autor Achille Mbembe ‘reapugho Marta Langa avisho 1. Baptista Coelho contercho enirica Rui Silva |wwwaliataria.org paciwacho Rita Lynce snepnessho Guide — Artes Grificas corvnigHT © 2016 fiitions de La Découverte, Paris ‘ sony Antigona | Direitos reservados pare Portugal 1.4 gpigio Julho 2017 DL 428099/17 ISBN 978-972 608-2897 [ANTIGONA EDITORES REFRACTARIOS Ra Silva Carvalho, n.°152,2° 3250-257 Lisboa | Portugal +352 28324 4170 info@antigonapt| wwwantigons pt Para Fabien Eboussi Boulaga, Jean-Francois Bayart e Peter L. Geschiere foram fecundas fontes de inspirago e, muitas vezes sem 0 saberem, interlocutores da linha da frente. ‘Agradeco aos meus colegas do Johannesburg Workshop in Theory and Criticism (WTC), Leigh-Ann Naidoo, Zen companheiros, Marie e Kelly Gillespie por terem sido fié vecim como a Najibha Deshmukh ea Adila Deshmukh pela sua profunda amizade. ‘meu editor Hugues Jallon ea sua equipa, Pascale Itis, ‘Thomas Deltombe e Delphine Ribouchon, foram, como habic tualmente, um infalivel apoio. ‘Dedico este ensaio a uum homem para lé dos nomes, Fabien Eboussi Boulaga, ea dois amigos indefectiveis, Jean-Francois Bayart e Peter L. Geschiere. 20 1 ASAIDA DA DEMOCRACIA © objecto deste livro é contribuir, a partir de Africa, onde Give e trabalbo (mas também a partir do resto do mundo, ‘uma critica do nosso que nao deixo de percorrer), pars tempo ~ um tempo de repovoamento ¢ de globalizacdo do mundo sob a 6gide do militarismo e do capital e, come der mjeira consequéncia, um tempo que promove a saida da “Yemocracia (ou a sua inversio) Para levar adiante este DI” jecto, adoptaremos uma abordagem transversal tenis 1) res motivos da abertura, da travessia e da circulagso, Tal diligéncia s6 sera frutuosa se proporcionar uma leitura regressiva do nosso presente. la parte do pressuposto segundo o qual qualduer Vi dadeiza desconstrugio do mundo actual comega pelo total Ler Christophe Salvat, Formation et dfusion dela pense économique ibéra le frangaise. André Morallet et économie politique du XVIe site, tes, Lyon, 2000; Daniel Diatkine (org), «Le libéralisme & 'épreuve: de Tempire aux nations (Adam Smith et économie coloniale), Cahiers 'éconortepoliti- ‘que, n° 27 28,1996. 4 conflitos e guerras de distribuicio ou de monopélio. Como resultado deste movimento de alcance planetario, desenhou- -se uma nova distribuigdo da Terra, com as poténcias oci- dentais no centro e, fora dele ou nas margens, as periferias — dominios de abundante luta e dedicados a ocupacio € pilbagem. E além disso é preciso ter em conta a distingdo genera- lizada entre os formatos da colonizacio comercial ~ ou ainda das feitorias ~ e a colonizacao de povoamento propria- mente dita. Certamente, em ambos os casos, considerava-se que o enriquecimento da colénia ~ de qualquer colénia ~ s6 fazia sentido se contribuisse para o enriquecimento da metropole. A diferenca, no entanto, residia no facto de que acolénia de povoamento era concebida como uma extensio da nacio, ja a colonia de feitoria ou de exploracio era ape- nas uma maneira de enriquecer a metrépole através de um comércio assimétrico, desigual, quase sem nenhum inves- timento de peso no terreno. Alias, o dominio das colénias de exploracio destinava- -se teoricamente a um objectivo, e a implantacao dos euro- peus nestes lugares era proviséria. No caso das coldnias de ovoamento, a politica de migracdo visava conservar na esfe~ ra da nacdo pessoas que seriam perdidas se tivessem ficado entre nés. A coldnia servia de saida paraestes indesejaveis, categorias da populagao «cujos crimes e deboches» poderiam ser «rapidamente destrutivos», ou cujas necessidades os leva iam a prisio ou os forcariam a mendigar, tornando-os int teis para o pais. Esta cisto da humanidade em populacdes iteis» e «indteis» ~ cexcedentarias» e esupérfluas» ~ era a regra, medindo-se a sua utilidade, basicamente, pela capaci- dade de desenvolvimento da forca de trabalho. Alids, o repovoamento da Terra no inicio da era moder- na nao passa apenas pela colonizacio. As migragdes ¢ a ‘mobilidade explicam-se igualmente porfactores religiosos. 25 q No curso do periodo 1685-1730, a seguir a revogacio do Edito dle Nantes, cerca de 170 mil a 180 mil huguenotes deixaram 4 Franca, A emigracao religiosa atinge muitas outras comu- nidades. Na realidade, diferentes tipos de circulacdes inter- nacionais imbricam-se, quer se trate de judeus portugueses cujas redes comerciais se articulam em torno dos grandes Portos europeus de Hamburgo, Amesterdao, Londres ou Bordéus; de italianos que investem no mundo da financa, do negécio ou dos oficios altamente especializados, como © vidro e produtos de luxo; e até de soldados, mercenarios, engenheiros que, devido a varios conflitos da época, passam alegremente de um a outro mercado da violencia’. Na alvorada do século xx1, jé nao é pelo trafico de escra- vos nem pela colonizagao de regides longinquas do globo que se repovoa a Terra. O trabalho, na sua acepcao tradicio- nal, ja no é necessariamente 0 meio privilegiado de for- magio de valor. O momento é agora de agitacdo, de grandes € pequenas deslocacées e transferéncias, em suma, de novas figuras de éxodo®. As novas dinamicas circulatorias e a for- macao das diésporas passam, em grande parte, pelo comér- cio ou pelo negécio, pelas guerras, por desastres ecolégicos € catistrofes ambientais, e por transferéncias culturais de toda a ordem. 0 envelhecimento acelerado de grupos humanos das nagdes ricas do mundo representa, deste ponto de vista, um acontecimento de consideravel alcance. E o inverso dos excedentes demograficos tfpicos do século x1x que acabé- mos de evocar. A distancia geogrifica enquanto tal deixa © Ver Jean-Pierre Bardet e Jacques Pupaquies (org). Histoire des populations de Europe. 1. Des origines aux prémices de la révolution démagraphique, Fayard, Paris, 1998, > Sobre amplitude das novas formas de circulagio, ver World Bank, Deve lopment Goals in an Era of Demographie Change. Global Monitoring Report, 2015/2016, 2016 (disponivel em eww worldbankorg) % de significar um obstéculo & mobilidade. As grandes rotas da migracio diversificam-se, e os dispositivos cada vex mais sofisticados de evasdo das fronteiras actuam. Se, de sitbito, 05 fluxos migratérios, centripetos, se orientam simultanea: mente em varias direccdes, a Europa e os EUA continuam a ser, sobretudo, os principais pontos de fixacao das multi dées em movimento ~ em particular as que vem dos centros de pobreza do planeta. Aqui surgem novas aglomeragies constroem-se, apesar de tudo, novas cidades polinacionais. Como prova das novas circulagoes internacionais, véo apa- recendo, a pouco e pouco e por todo o planeta, varios con- juntos de territérios-mosaico. Esta nova disseminacao de colénias ~ que vem juntar-se as anteriores vagas de migracdes provenientes do Sul ~ aralha os critérios de pertenca nacional. Pertencer 4 nacio no é apenas uma questo de origem, mas também de esco- Iha. Uma massa incessantemente crescente de pessoas parti- cipa agora em varios tipos de nacionalidades (nacionalidade de origem, de residéncia, de escolha) e de ligagdes identi- ‘arias. Em certos casos, tém de se decidir: ou se fundem na populacio, pondo termo as duplas fidelidades, ou, em caso de delito que ponha em perigo a xexisténcia da nacio», se arris- cam a ser privadas da nacionalidade de acolhimento"®. ‘Além disso, quanto a parte fulcral do repovoamento ~ em curso ~ da Terra, nao encontramos unicamente os humanos. Os ocupantes do mundo jé nao se limitam aos seres huma- nos. Mais do que nunca, esto incluidos imimeros artefactos € todas as espécies vivas, organicas e vegetais. Também as foreas geologicas, geomorfol6gicas e climatol6gicas comple- °° Ver Seyla Benhabib e judith Resnik (org), Migrations and Mobiles. it -enshi, Borders, and Gender, New York University Press, Nova forque, 2009: €Seyla Benbabib, The Rights of Others. Aliens, Residents, and Citizens, Cam bridge University Press, Cambridge, 2004, a tama panéplia dos novos habitantes da Terra", Certamente, no se trata de seres nem de grupos ou de familias de seres enquanto tais. No limite, nao se trata nem de ambiente nem de natureza. Sio agentes e meios de vida ~ a agua, 0 ar, 0 pé, ©s mictébios, as térmitas, as abelhas, os insectos -, 0s pro- tagonistas de relagdes especificas. Passamos assim da condi- $0 humana para a condicdo terrestre, O segundo traco caracteristico do nosso tempo 6 rede- finicéo ~ em curso ~ do humano no quadro de uma ecologia geral ¢ de uma geografia agora alargada, esférica, irrever- sivelmente planetaria. De facto, o mundo ja nao é conside- tado apenas um artefacto fabricado pelo homem. Depois de viver na Idade da Pedra e da Prata, do Ferro e do Ouro, © homem, por sua ver, tende hoje em dia a tornar-se plas- tico. O acontecimento do homem plastico e do seu corolério, © sujeito digital, vai directamente ao encontro de intimeras, convicedes tidas, até hoje, por verdades imutaveis. Eo caso da crenca segundo a qual existiria uma «essé cia do homemp, um chomem genérico» separivel do.animal ou do mundo vegetal; ou, ainda, que a Terra qué ele habita © explora nao seria sendo um objecto passivo das suas inter- vengdes. Eainda a ideia segundo a qual, de todas as espécies vivas, 0 «género humanoy seria o tinico a ter-se libertado Parcialmente da sua animalidade. Com a quebra das cadeias da necessidade biol6gica, ele ter-se-ia erguido quase até ao nivel do divino. No inverso destes votos de {é e de muitos Outros, admite-se agora que, no seio do universo, o género ‘humano, em particular, é apenas parte de um conjunto mais vasto de seres vivos, que inclui os animais, os vegetais ¢ outras espécies. "* Otermo «novos habitantesy no significa que eles ndo estivessem cd antes, Por enovor, deve entender-sea mudanca do seu estatito-n08 nossos spo. sitivos de epresentagio. Sobre estas questbes, ver Bruno Latour, Faced ‘Hit conférence sur le nouveau régime climatique, La Découverte, Paris, sor 28 Se observarmos a biologia e a engenharia genética, nio 14, propriamente falando, qualquer eesséncia do homem» a salvaguardar nem qualquer «natureza do homem» a pro- teger. Sendo assim, néo se coloca quase nenhum limite a modificagéo da estrutura biolégica e & genética da huma- nidade. No fundo, entregando-se as manipulacées genéticas e germinais, é sempre possivel, pensa-se, nao apenas

You might also like