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354 AMILCAR CABRAL (') LibertagGo nacional e cultura Estamos muito felizes por poder participar nesta ceriménia realiza- da em homenagem ao nosso companheiro de luta e digno filho de Afri- a, 0 saudoso Dr. Eduardo Mondlane, antigo Presidente da Frelimo, cobardemente assassinado pelos colonialistas portugueses e pelos seus aliados em 3 de Fevereiro de 1969, em Dar-Es-Salaam. ‘Queremos agradecer & Universidade de Siracusa e, particularmente, a0 Programa ¢ Estudos sobre a Africa de Leste, dirigido pelo erudito professor Marshall Segall, esta iniciativa, F uma prova nao apenas do respeito e da admirago que sentem em relagio a inesquecivel persona- lidade do Dr. Eduardo Mondlane, mas também da solidariedade para coma luta herdica do povo mogambicano e de todos os povos de Africa pela libertagiio nacional e o progresso. ‘Ao aceitar 0 vosso convite ~ que consideramos dirigido ao nosso ovo e 20s nossos combatentes— quisemos uma vez mais demonstrat a nossa amizade militante e a nossa solidariedade ao povo de Mogambi- que e 20 seu bem-amado chefe, o Dr. Eduardo Mondlane, ao qual esti- vemos figados por laos fundamentais na luta comum contra 0 mais retrégado dos colonialismos, o colonialismo portugués. A nossa amniza- de ¢ a nossa solidariedade sfo tanto mais sinceras quanto nem sempre (0) Conferncia promincinds no prince Mernoria deicedo ao Dr Eduardo Montl- ne, Universe de Siracusn (sto Unidos de Ameria) ~ (Programe de Estos da At de Leste, om 20d Fevereiro de 197, Verso extaida de Obras Psevhides de Amcor Cabral: A Armada Tora, Unidad Lua, vos textos coordenedos por Mri do Anca Lise, Comité Exeeutvo date do PAIGCe Seara Nova, 199, pp. 22-293, 355 estivemos de acordo com o nosso camarada Eduardo Mondlane, cuja morte foi, alids, uma perda também para 0 nosso povo. ‘Outros oradores jé tragaram o retrato e fizeram o elogio bem mere- cido do Dr. Eduardo Mondlane, Quererfamos apenas reafirmar a nossa admirago pela figura de afticano patriota e de eminente homer de cul- tura que ele foi. Quereriamos igualmente afirmar que o grande métito de Eduardo Mondlane ndo foi a sua decisio de lutar pelo seu povo, mas sim de tet sabido integrar-se na realidade do seu pais, identificar-se com © seu povo € aculturar-se pela luta que dirigiu com coragem, inteligén- cia € determinagao. Eduardo Chivambo Mondlane, homem afticano originério de um meio rural, filho de camponeses ¢ de um chefe tribal, crianga educada por missionérios, aluno negro das escolas brancas do Mogambique colo- nial, estudante universitério na racista Africa do Sul, auxiliado na juven- tude por uma fundagao americana, bolseito de uma Universidade dos Estados Unidos, doutor pela Northwestern University, alto funcionario das NagSes Unidas, professor na Universidade de Siracusa, presidente da Frente de Libertagiio de Mogambique, caido como combatente pela liberdade do seu povo. A vida de Eduardo Mondlane é, com efeito, particularmente rica de experincias. Se considerarmos o breve periodo durante o qual trabalhou como operario estagidrio numa exploragdo agricola, verificamos que 0 seu ciclo de vida engloba praticamente todas as categorias da sociedade afticana colonial: do campesinato & «pequena burguesie» assimilads e, no plano cultural, do universo rural a uma cultora universal, aberta para ‘6 mundo, pata os seus problemas para as suas contradigdes e perspecti- vas de evolugéo. O importante é que, depois desse longo trajecto, Eduardo Mondlane foi capaz, de realizar 0 regresso & aldeia, na personalidade de um com- batente pela libertagio e pelo progresso do seu povo, enriquecido pelas experiéncias quantas vezes perturbadoras do mundo de hoje. Deu assim um exemplo fecundo: enfientando todas as dificuldades, fugindo &s ten- tages, libertando-se dos compromissos de alienagio cultural (e, portan- 40, politica), soube reencontrar as suas préprias raizes, identificar-se com 336 seu povo e dedicar-se a causa da libertagdo nacional e social. Bis o que 8 imperialistas Ihe nao perdoaram. Em vez. de nos limitarmos a problemas mais ou menos importantes da luta comum contra os colonialistas portugueses, centraremos a nossa conferéncia num problema essencial: as relagdes de dependéncia e de reciprocidade entre a luta de libertagao nacional e a cultura, ‘Se conseguirmos convencer os combatentes da libertagio afticana ¢ todos os que se interessam pela liberdade e pelo progresso dos povos africanos da importdncia decisiva deste problema no processo da luta, teremos rendido uma significativa homenagem a Eduardo Mondlane. Um cruel dilema para o colonialismo: liquidar ou assimilar? Quando Goebbels, o cérebro da propaganda nazi, ouvia falar de cul ‘ura, empunhava a pistola. Isso demonstra que os nazis ~ que foram ¢ sio a expresso mais trégica do imperialismo e da sede de dominio ~ mesmo sendo todos tarados como Hitler, tinham uma clara nogao do valor da cultura como factor de resisténcia ao dominio estrangeito. ‘A historia ensina-nos que, em determinadas circunstancias, ¢ facil ao estrangeiro impor o seu dominio a um povo. Mas ensine-nos igual- mente que, sejam quais forem os aspectos materiais desse dominio, ele 6 se pode manter com uma repressdo permanente e organizada da vida cultural desse mesmo povo, nao podendo garantir definitivamente a sua implantagdo a no ser pela liquidago fisica de parte significativa da populagdo dominada, Com efeito, pegar em armas para dominar um povo é, acima de tudo, pegar em armas para destruir ou, pelo menos, para neutralizar ¢ parali- sara sua vida cultural. E que, enquanto existir uma parte desse povo que possi ter uma vida cultural, o dominio estrangeito no poderé estar segu- ro da sua perpetuago, Num determinado momento, que depende dos factores internos e externos que determinam a evolugdo da sociedade ‘em questao, a resisténcia cultural (indestrutivel) poder assumir formas novas (politicas, econémicas, armadas) para contestar com vigor 0 domi- nio estrangeiro, as 0 ideal, para esse dominio, imperialista ou nao, seria uma destas alternativas ~ ou liquidar praticamente toda a populagdo do pais dominado, eli- minando assim as possibilidades de uma resistencia cultural; — ou conseguir impor-se sem afectar a cultura do povo dominado, 0 &, harmonizar 0 dominio econémico e politico desse povo com 1 st personalidade cultural A primeira hipétese implica genocidio da populagio indigena e cri¢ um véicuo que rouba ao dominio estrangeiro contetido e objecto: 0 povo dominado. A segunda hipétese nao foi até hoje confirmada pela historia, A grande experiéncia da humanidade permite admitir que nto tem viabilidade prética: nfo & possivel harmonizar 0 dominio econémi- co € politico de um povo, seja qual for 0 grau do seu desenvolvimento, Para fugit a esta altemativa ~ que poderia ser chamada o dilemada resisténcia cultural ~0 dominio colonial imperialist tentou criar teorias que, de facto, nao passam de grosseiras formulagdes do racismo e se tra- uzem, ne pritica, por um permanente estado de sitio pars as populagdes nativas, baseado numa ditadura (ou democracia) racist. , por exemplo, o caso da pretensa teoria da assimilagdo progressi- vva das populagdes nativas, que nao pessa de uma tentativa, mais ou menos violenta, de negara cultura do povo em questi. O nitido fracasso desta «teoria», posta em pritica por algumas poténcias cotoniais, entre as quais Portugal, é a prova mais evidente da sua inviabilidade, se nfo mesmo do seu carécter desumano. No caso portugués, em que Salazar afirma que a Africa nao existe, atinge mesmo 0 mais elevado grau de absurdo. igualmente o caso da pretensa teoria do apartheid, criada, aplics da e desenvolvida com base no dominio econémico e politico do povo da Africa Austral por uma minoria racista, com todos os crimes de lesa~ -humanidade que isso importa. A pritica do apartheid traduz-se por uma explorago desenfrvada da forga de trabalho das massas africanas, encar- ceradas ¢ reptimidas no mais cinico e mais vasto campo de concentragao que a humanidade jamais conhecen, 358 A libertagio nacional, acto de cultura Estes factos dao bem a medida do drama do dominio estrangeiro perante a realidade cultural do povo dominado, Demonstram igualmen- te a intima ligagdo, de dependéncia e reciprocidade, que existe entre 0 “facto cultural ¢ 0 facto econémico (¢ politico) no comportamento das sociedades humanas. Com efeito, em cada momento da vida de uma sociedade (aberta ou fechada), cultura éa resultante mais ou menos cons~ ciencializada das actividades econdmicas e politica, a expresso mais ‘ou menos dinamica do tipo de relagdes que prevalecem no seio dessa sociedade, por um lado, entre o homem, (considerado individual ou colectivamente) € a natureza, e, por outro, entre os individuos, os grupos de individuos, as camadas sociais ou as classes. ‘O valorda cultura como clemento de resisténcia ao dominio estrangei- ro reside no facto de cla ser a manifestac2o vigorosa, no plano ideol6gico ou idealista, da realidade materiale histérica da sociedade dominada ou adominar. Fruto da histéria de um povo, a cultura determina simultane- amente a histéria pela influéncia positiva ou negativa que exerce sobre ‘a evolugo das relagdes entre o homem € o seu meio ¢ entre os homens ‘ou grupos humanos no seio de uma sociedade, assim como entre socie~ dades diferentes. A ignorancia desse facto poderia explicar tanto 0 fra- ‘caso de diversas tentativas de dominio estrangeiro como 0 de alguns movimentos de libertagio nacione Vejamos 0 que € a libertagdo nacional, Consideramos esse fenéme- no da hist6ria no seu contexto contempordneo, ou seja, a libertagdo nacio- nal perante 0 dominio imperialista. Como ¢ sabido, este é, tanto nas formas como no contetido, diferente dos outros tipos de dominio estran- geiro que 0 procederam (tribal, aristocrato-militar, feudal e capitalist do tempo da livre concorréncia). ‘A caracteristica principal, como em qualquer espécie de dominio imperialista, é a negagio do processo histérico do povo dominado por meio da usurpagiio violenta da liberdade do processo de desenvolvimen- to das forgas produtivas. Ora, numa dada sociedade, 0 nivel de desen~ volvimento das forgas produtivas e o regime de utilizagaio social dessas forvas (regime de propriedade) determinam o modelo de producdo. Quan- to a nés, 0 modo de producao, cujas contradigdes se manifestam com 359 maior ou menor intensidade por meio da luta de classses, é 0 factor prin- cipal da histéria de cada conjunto humano, sendo o nivel das forgas pro- utivas @ verdadeira e permanente forga motriz da Historia nivel das forcas produtivas indica, em cada sociedade, em cada ‘conjunto humano considerado como um todo em movimento, o estado em ‘que se encontra essa sociedade e cada um dos seus componentes face & ‘atureza, a sua capacidade de agir ou de reagir conscientemente em rela- ‘920 a natureza. Indica e condiciona o tipo de relagées materias (expressas objectiva ou subjectivamente) existentes entre o homem e o seu meio. © modo de produgio que representa, em cada fase da Histéria, o re- sultado da pesquisa incessante de um equilibrio dinamico entre o nivel das forgas produtivas ¢ 0 regime de utilizagdo social dessas foryas, indi ca 0 estado em que se encontra uma sociedade ¢ cada um dos seus com- Ponentes, perante cla mesma e perante a Histéria. Indica e condiciona, por outro lado, o tipo de relagdes materiais (expressas objectiva ou sub- ectivamente) existentes entre os diversos elementos ou os diversos con- Juntos que formam a sociedade em questo: relagées ¢ tipos de relagses entre o homem ca natureza, entre o homem ¢ 0 seu meio; relagdes e tipos de relagdes entre os componentes individuais ou colectivos de uma socie- dade, Falar disso ¢ falar de histéria, mas é igualmente falar de cultura, A cultura, sejam quais forem as caracteristicas ideolégicas ou idea listas das suas manifestagdes, & assim um elemento essencial da histéria de um povo. E talvez a resultante dessa histéria como a flor é a resultan- te de uma planta. Como a histéria, ou porque é a histéria, a cultura tem como base material o nivel das forgas produtivas e o modo de produgao. Mergulha as suas raizes no hiimus da reatidade material do meio em que se desenvolve e reflecte a natureza orginica da sociedade, podendo ser mais ‘ou menos inffuenciada por factores extemos. Se a hist6ria permite conhe- cer a natureza e a extensiio dos desequilibrios e dos contfitos (econdmi- 0s, politicos e sociais) que caracterizam a evolucdo de uma sociedade, 4 cultura permite saber quais foram as sinteses dindmicas, elaborades e fixadas pela consciéncia social para a solugio desses conflitos, em cada ctapa da evolugdo dessa mesma sociedade, em busca de sobrevivencia € progresso. O estudo da historia das lutes de libertagao demonstra que so em ¢geral precedidas por uma intensificagaio das manifestagdes culturais, que 360 se concretizam progressivamente por uma tentativa, vitoriosa ou nao, da afirmagio da personalidade cultural do povo dominado como acto de negagdio da cultura do opressor. Sejam quais forem as condigées de sujei 80 de um povo a0 dominio estrangeiro e a infiuéncia dos factores eco- némicos, politicos e sociais na pritica desse dominio, é em geral no facto cultural que se situa o germe da contestagiio, levando & estruturagdio ao desenvolvimento do movimento de libertagio, / Quanto a nés, o fundamento da libertago nacional reside no direi to inalienével que tem qualquer povo, sejam quais forem as formulas adoptadas a0 nivel do diteito internacional, deter a sua prépria histéria, objectivo da libertagaio nacional é, portanto, a reconquista desse direito, usurpado pelo dominio imperialist, ou sej: a libertagio do processo de desenvolvimento das forgas produtivas nacionais. Ha assim libertagio nacional quando, ¢ apenas quando, as forgas produtivas nacionais so totalmente libertadas de qualquer espécie de dominio estrangeiro. A liber- tagiio das forgas produtivas e, consequentemente, a faculdade de doter- minar livremente 0 modo de produgio mais adequado & evolugao do povo libertado, abre necessariamente perspectivas novas a0 proceso cultural da sociedade em questi, conferindo-Ihe toda a sua capacidade rogresso. “ “tm powo que se liberta do dominio estrangeiro no seré cultural- mente livre a nfo ser que, sem complexos ¢ sem subestimar a importan- cia dos contributos positives da cultura do opressor ¢ de outras culturas, retome os caminhos ascendentes da sua propria, cultura que se alimenta da realidade viva do meio, negue tanto as influéncias nocivas como qualquer espécie de subordinagto a culturas estrangeiras. Veros assim que, se o dominio imperialista tem como necessidade vital praia 8 opressio cultural, a libertagdo nacional é, necessariamente, um acto de cultura, O cardeter de classe da cultura Com base no que acaba de ser dito, podemos considerar © movi- mento de libertago como a expressio politica organizada da cultura do povo em luta. A direcgio desse movimento pode assim ter uma nogo 361 clara da cultura no ambito da luta e conhecer profundamente a cultura do sou povo, seja qual for o nivel do seu desenvolvimento econémico. Actualmente, tomou-se um lugar comum afitmar que cada povo tem ‘sua cultura, Jé 14 vai o tempo em que, numa tentativa para perpetuar 0 dominio dos povos, a cultura era considerada como o apandgio de povos (ou nagées privilegiadas ¢ em que, por ignoréncia ou mé-fé, se confundia cultura e tecnicidade, se no mesmo cultura e cor da pele ou forma dos ‘olhos. O movimento de libertagao, representante ¢ defensor da cultura do povo, deve ter consciéncia do facto de que, sejam quais forem as con- digdes materiais da sociedade que representa, esta é portadora e crindo- Ta de cultura, ¢ deve, por outro lado, compreender o carécter de massa, © carécter popular da cultura, que no é, nem poderia ser, apanigio de um ou de alguns sectores da sociedade. Numa anélise profunda da estrutura social que qualquer movimen- to de libertagao deve ser capaz de fazer em fungio dos imperativos da uta, as caracteristicas eulturais de eada categoria tém win lugar de pri- ‘mordial importéncia. Pois embora a cultura tenha um caricter de massa, no ¢ contudo uniforme, nio se desenvolve igualmente em todos os sec. tores da sociedade. A atitude de cada categoria social perante a luta 6 ditada pelos scus interesses econdmicos, mas também profundamente influenciada pela sua cultura, Podemos mesmo admitir que sio as dife- engas ¢ niveis de cultura que explicam os diferentes comportamentos ddos individuos de uma mesma categoria sécio-econdmica face ao movi mento de libertagdo. E ¢ ai que a cultura atinge todo 0 seu significado para cada individuo: compreensti e integragaio no seu meio, identifica- ‘o.com os problemas fundamentais e as aspiragées da sociedade, acci- {ago da possibilidade de modificagdo no sentido do progresso. Nas condigdes especificas do nosso pais ~ e ditiamos mesmo de Africa ~ a distribuigao horizontal e vertical dos niveis de cultura tem ‘uma certa complexidade. Com efeito, das aldeias as cidades, de um grupo Einico a outro, do camponés ao operitio ou ao intelectual indigena mais (ou menos assimilado, de uma classe social a outra, e mesmo, como afir- mémos, de individuo para individuo, dentro mesma categoria social, ha Variacdes significativas do nivel quantitative e qualitativo da cultura. Ter esses factos em consideraco ¢ uma questdo de primordial importancia para 0 movimento de libertagao. 362 ‘Se nas sociedades de estrutura horizontal, como a sociedade balanta, por exemplo, adistribuigio dos niveis de cultura é mais ou menos unifor- ime, estando as variages apenas ligadas as caracteristicas individuais ¢ ‘Ags grupos etdrios, nas sociedades de estrutura vertical, como a dos Fulas, ba variagdes importantes desde o cimo & base da pirimide social, Isso demonstra uma ver mais a intima ligago entre o factor cultural ¢ o factor econdmico e explica também as diferengas no comportamento global ou sectorial desses dois grupos étnicos face ao movimento de ibertagaio. E certo que a multiplicidade das categorias sociais e étnicas cria uma certa complexidade na determinagao do papel da cultura no movimento de libertag%o, mas é indispensavel nao perder de vista a importéncia decisiva do cardcter de classe da cultura no desenvolvimento do movi- mento de libertagiio, mesmo nos casos em que esta categoria esté ou naria. rae ceric do dominio colonial demonstra que, na tentativa de petpetuar a explorago, o colonizador niio s6 cria um pesto sistema, de repressdo da Vida cultural do povo cotonizado, como ainda provoca e desenvolve @ alienagdo cultural de parte da populagaio, quer por meio i de um abismo sa assimilagio dos indigenas, quer pela eriagao socal ent alte is populares. Como resultado social enize as elites autéctones e as mi r Sepa de divs ou de apofundameto das cviseso slo oe sovidade, suede qu parte considertvel da popula, especialmente # apequea burgusa» urbana ou campesina, asim a menalidad do colonizador e considere-se como cultalmente superior a0 povo aa pertencee cujos valores cutras ignora ou despreza, Esta situngo, carat da mais dos intlectis clonizados, va ertlizando 8 medida que aumentam os privlégiossoias do grupo asimilado ou atienado, endo implicates directs no comportamento dos indvidvos desse gripo perant o movimento de libertaga Revela-e assim indi pensivel una reconverslo dos esprites ~ das mentalidades ~ para ast verdad itegragfo no movimento de liberia, Essa resonversio reaficanzagdo, no nosso cso — pode vei se ates da ut, nas se completa no decurso dela, no contacto quotidiano com as 1 populates na comune dossecrifeion que utnesige, £ preciso, no entanto, tomar em consideragio o facto de ave ve eae te a perspectiva da independéncia politica, a ambiglo ¢ 0 opot 318 que afectam em geral o movimento de libertago podem levar & luta indi- viduos no reconvertidos. Estes, com base no sew nivel de instrugao, nos seus conhecimentos cientificos ¢ técnicos, ¢ sem perderem em nada os seus preconceitos culturais de classe, podem atingir os postos mais ele- vados do movimento de libertacao. Isto revela como a vigilancia ¢ indis- pensivel, tanto no plano da cultura como no da politica. Nas condigdes coneretas ¢ bastante complexas do processo do fendmeno do movimen- to de libertagao, nem tudo 0 que brilha € ouro: dirigentes politicos — ‘mesmo os mais eélebres — podem ser alienados culturais. Mas o cardcter de classe da cultura ¢ ainda mais sensivel no com- portamento das categotias privilegiadas do meio niral, especialmente no ‘que se refere as etnias que dispoem de uma estrutura social vertical, onde, ‘no entanto, as influéneias da assimilagdo ou alienagao cultural so nulas ow praticamente nulas. E, por exemplo, o caso da classe dirigente fula. Sob o dominio colonial, « autoridade politica dessa classe (chefés trad nais, familias nobres, dirigentes religiosos) é puramente nominal ¢ as ‘massas populares tém a consciéneia de que a verdadeira autoridade resi- de age nas administragdes coloniais. Contudo, a classe dirigente man- tém, no essencial, a sua autoridade cultural sobre as massas populares do grupo, com implicages politicas de grande importincia Consciente desta realidade, 0 colonialismo, que reprime ou inibe pela raiz as manifestagdes culturais significativas da parte das massas populares, apoia e protege na cipula, o prestigio e a influéncia cultural da classe dirigente. Instala chefes que gozem da sua confianga e sejam ‘mais ou menos aceites pelas populagdes, concede-thes varios privilégios ‘materiais, ineluindo a edueagao dos filhos mais velhos, cria postos de chefe onde no existiam, estabelece e inctementa relagdes de cordiali- dade com os dirigentes religiosos, consttéi mesquitas, organiza viagens a Meca, ete. E, acima de tudo, garante, por intermédio dos Srgaos repres- sivos da administragao colonial, os privilégios econdmicos e sociais da classe dirigente em relagto s massas populares. Mas nem tudo isto torna impossivel que, entre as classes dirigentes, haja individuos ou grupos de individuos que adiram 20 movimento de libertagao, embora menos fre- ‘quentemente do que no caso da «pequena burguesia» assimilada. Varios chefes tradicionais e religiosos integram-se na Iuta desde o inicio ou no seu decurso, dando uma contribuigio entusiasta & causa da libertagao, 364 Mas ainda neste caso a vigiléncia ¢ indispensdivel: mantendo bem firmes os seus preconceitos culturais de elasse, os individuos desta eategora ‘yéem em geral no movimento de libertagio o tinico processo valido para, gervindo-se dos sacrificios das massas populares, conseguirem eliminar a opressio colonial sobre a sua propria classe e restabelecerem assim o ‘seu dominio politico ¢ cultural absoluto sobre 0 povo. No ambito geral da contestagio ao dominio colonial imperialista ¢ nas condigdes concretas a que nos referimos, verifica-se que entre os nas figis aliados do opressor se encontram alguns altos funcionérios & intelectuais de profisso liberal, asimilados, ¢ um elevado mimero de representantes da classe dirigente dos meios ruras. Se esse facto dé uma medida da influéncia (negativa ou positiva) da cultura e dos preconceitos cculturais no problema da op¢ao politica face ao movimento ce lpetacto revela igualmente os limites dessa influéneia ¢ a supremacia do factor ‘lasse no comportamento das diversas categorias sociais. O alto funcio- rrio ou o intelectual assimilado, caracterizado por uma total al ease cultural, identifica-se, na opgto politica, com o chefe tradicional ou re sioso, quent softeu qualquer influéncia cultural significative cobangst ra. E que esas duns categories colocam acim de todos on duos of solicitagdes de natureza cultural ~ © contra as aspiragdes do povo a seus privilégios econdmicos e sacias, os seus inferesses de class. is uma verdade que 0 movimento de libertago nfo pode ignorar, s98 Ps tie trair os objectives economics, politicos, sociais e culturais da tut Definir progressivamente uma cultura nacional sem minimizar a contribuigao positiva stieo, Tal como no plano politic a que as classes ou camadas prvilegindas podem dara uta, 0 movies de libertagio deve, no plano cultural, basear @ sua acedo na cola pon lor, soja qual for adiversidade dos niveis de cultura no pais. con este cultural do dominio colonial ~ fase primeria do movimento de Iiberiac® ~ s6 pode ser enearada eficazmente com base na cultura das mass bathadoras dos campos e das cidades,incluindo a «pequen hres nacionalista (revolucionéria), reafricanizada ou disponivel para 365 ‘Reonversto cultural. Seja qual for a complexidade desse panorama cul tural de base, o movimento de libertagdo deve ser eapaz de nele ditin, Buir © essencial do seeundirio, o positive do negativo, o progressive de ‘Baccionario, para caracterizar a linha mestra da definigto Prsresive de uma cultura nacional, moses Para que a cultura possa desempenar o papel importante que Ihe Dele no dibito do desenvolvimento do movimento delibertaga, este deve nto com a realidade do meio € com os problemas e as aspiragdes fundatn Por uma identificagto cultural progressiva ue participam na luta. O processo desta divergentes, resolver as contradigdes e rocurando a liberdade e o progresso. A objectivos por amplas camadas da popu ‘do porante todas as dificuldades e tod Vitoria politica e moral Assima, cultural decisiva para o desenvol to de libertagao, rentais do povo e, por outro, das diversas categorias sociais deve harmonizar os interesses definir os objectivos comuns, tomada de conseiéncia desses lagio, reflectida na determina los os sacrificios, é uma grande ‘rata-se igualmente de uma realizagto Ivimento ulterior ¢ 0 éxito do movimen- Adderrota cultural do colonialismo a quttit® msiores sto as diferengas entre a cultura do povo. dominado ¢2 do opressor, mais possfvel se toma esta vitéri: 4 do conquistador. Talvez se poss. el . ¥ possa mesmo Himar que a derrota de Napoledo, fossem quaisfossein as motivagies 366 econdmicas e politicas das suas guerras de conquista, foi no ter sabido (01 podido) limitar as suas ambigdes ao dominio dos povos cuja cultura era mais ou menos semelhante a Franga. O mesmo se poderia dizer de outros impérios, antigos, modernos ou contemporéneos. Um dos erros mais graves, se néio mestno 0 mais grave, cometido pelas poténcias colonais em Africa, tera sido ignorar ou subestimar a forga cultural dos povos afticanos. Esta atitude é particularmente evi dente no que se refere ao dominio cultural portugués, que no se con- tentou em negar absolutamente a existéncia aos valores culturais do Africano e a sua condigto de ser social, como ainda teimou em proibir- -the qualquer espécie de actividade politica. O povo de Portugal, que 10 gozou as riquezas usurpadas aos povos africanos pelo colonialismo portugués, mas que assimilou, na sua maioria, a mentalidade imperia- lista das classes dirigentes do seu pais, paga hoje muito caro, em trés guertas coloniais, o erro de subestimar a nossa realidade cultural, Atesisténcia politica e armada dos povos das colénias portuguesas, tal como dos outros paises ou regides de Africa, foi esmagada pela supe- riotidade téeniea do conquistador imperiatista, com a cumplicidade ou atraigéo de algumas classes dirigentes indigenas. As elites fis & hist6- ria A cultura do povo foram destruidas. Foram massacradas populagdes inteiras. A eta colonial instalou-se em todos os crimes da exploragio que ‘© caracterizam, Mas a resisténcia cultural do povo afticano nao foi des- truida. Reprimida, perseguida, traida por algumas categorias sociais comprometidas com o colonialismo, a cultura africana sobreviveu a todas as tempestades refugiada nas aldeias, nas florestas e no espirito de gera- des de vitimas do colonialismo. ‘Como a semente que espera durante muito tempo as condigdes pro- picias & germinagdo para preservar a continuidade da espécie e garantir a stia evolugo, a cultura dos povos africanos desabrocha hoje de novo, através de todo continente, nas lutas de libertagdo nacional. Sejam quis forem as formas dessas lutas, os seus Exitos ou fracassos ¢ @ dura- fo da sua evolugao, elas marcam o inicio de uma nova fase da histéria do continente e sto, tanto na forma como no contetido, o facto cultural mais importante da Vida dos povos afticanos. Fruto e prova do vigor eul- tural, a luta de libertagao dos povos de Africa abre novas perspectivas a0 desenvolvimento da cultura, ao servigo do progresso. 367 Riqueza cultural da Africa Passou j 0 tempo em que era necessério procurar argumentos para Provar a maturidade cultural dos povos afticanos, A irracionalidade das bater, com diplomacia mas rigorosamente, os elementos negativos e reaccionarios; ¢, finalmente, para que possa utilizar eficazmente as for- {708 ¢ eliminar as fraquezas, ou transformé-las em forgas. Acultura n: nal, condi¢ao do desenvolvimento da luta Quanto mais tomamos consciéncia de que a principal finalidade do ‘movimento de fibertago ultrapassa a conquista da independéncia poli- fica para se situar no plano superior da libertagdo total das forgas produ 370 tivas e da construgao do progresso econémico, social ¢ cultural do povo, mais evidente se toma a necessidade de proceder a uma andlise selectiva dos valores da cultura no ambito da luta. Os valores negativos da cultura sto, em geral, um obstéculo ao desenvolvimento da luta e & construgio desse progresso. Tal necessidadc torna-se mais aguda nos casos em que, para enfrentar a violéncia colonialista, o movimento de libertagao tem de ‘mobilizar e organizar 0 povo, sob a direceao de uma organizagio politica sélida e disciplinada, a fim de recorrer & violencia libertadora ~ a luta armada de libertago nacional. Nesta perspectiva, o movimento de libertago deve ser capaz, para além da andlise acima exposta, de efectuar, passo a passo mas solida- mente, no decurso da evolugao da sua acgto politica, a confluéncia dos niveis de cultura das diversas eategorias sociais disponiveis para a luta ¢ transformé-los na forsa cultural nacional que serve de base ao desen- volvimento da luta armada ¢ que € a sua condica0, Convém notar que a anélise da realidade cultural dé j4 uma medida das forgas e das fraque- zas do povo face s exigéncias de Iuta e representa, portanto, uma con- tribuigdo valiosa para a estratégia ¢ as tacticas a seguit, tanto no plano politico como ilitar, Mas s6 no decurso da luta, desencadeada a partir ide uma base satisfatéria de unidade politica ¢ moral, a complexidade dos problemas culturais surge em toda a sua amplitude. Isso obriga com fre- quéncia a adaptagdes sucessivas da estratégia e das tdcticas as realidades que sé a luta pode revelar. A experiéncia da Iuta demonstra como € ut6- pico e absurdo pretender aplicar esquemas utilizados por outros povos durante a sua luta de libertagdo e solugdes por eles encontradas para os problemas que tiveram que enfrentar, sem considerar a realidade local (e, especialmente, a realidade cultural) ode dizer-se que, no inicio da Inta, seja qual for o seu grau de prepa- rgdio, nem a direegao dos movimento de libertago nem as massas mili- tantes e populares tém uma consciéncia nitida do peso da influéncia dos ‘valores culturais na evolugo dessa mesma Tuta: quais as possibilidades que etia, quais os limites que impde e, prineipalmente, como ¢ quanto a cultura é, para o povo, uma fonte inesgotivel de coragem, de meios mate- rinis e morais, de energia fisica e psiquica, que Ihe permitem aceitar sacrificios e mesmo fazer «milagres»; e, igualmente, sob alguns aspects, ‘como pode ser uma fonte de obsticulos e dificuldades, de concepodes 37

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