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NATUREZA DO CONHECIMENTO Neste capitulo, versamos sobre a origem ¢ a esséncia do conhecimento, as razSes que levam 4 produgio do conhecimento, os critérios de validacdo do conhecimento, as formas de aquisi¢ao do conhecimento e os tipos de conhecimento. Definicao de conhecimento E a capacidade humana de transformar a natureza e de criar realidades materiais, artificiais ¢ nao materiais. “Ato ou efeito de conhecer; ideia, no¢ao, informacao, noticia que se tem a respeito de qualquer coisa” (ENCICLOPEDIA BARSA UNIVERSAL, 2007, v. 5, p. 1554). A origem do conhecimento Nao existe consenso sobre a origem do conhecimento. Existem duas grandes vertentes: de um lado, a religiosa; do outro lado, a filos6fica. Na primeira vertente, 0 conhecimento tem origem definida: a divina. Ela prega que a inteligéncia humana é dadiva de uma entidade onisciente como parte da missGo que os seres humanos receberam dela para reger todas as outras faturas da Terra e transformar a natureza. Essa vertente, baseada em cren- cas e em dogmas, reduz qualquer possibilidade de didlogo sobre a otigem do conhecimento. Mas na vertente filos6fica nao ha consenso sobre o assunto. Quatro escolas teéricas (que parecem conversar de costas viradas umas para 6 METODOLOGIA DA PESQUISA SOCIAL + Santos /Klenen /Castifeira as outras) versam sobre a origem do conhecimento. Séo as seguintes: inte- ectualista, racionalista, empirista e aprioristica. Intelectualista ~ Para esta escola, o conhecimento pode ser adquirido tanto pela razdo quanto pela experiéncia. Aristoreles (384-322 a.C.), um dos maiores pensadores de todos os tempos, é 0 seu expoente maximo. Seus escritos aborciarn praticamente todas as areas do conhecimento estabelecidas na Grécia Antiga e ainda exercem influéncia sobre quase todos os campos da ciéncia moderna. Aristételes inventou o estudo da légica (ciéncia do ra- ciocinio) e formulou a argumentagdo légica conhecida como silogismo. Um exemplo de silogismo: “Todo grego & humano. Todo ser humano é mortal. Logo, todo grego mortal” (ENCICLOPEDIA BRITANICA ONLINE, 2014) Arist6teles acreditava que, por meio da logica, seria possivel aprender tudo sobre 0 mundo. Para ele, 0 conhecimento depende da observacio da natureza e do uso dos sentidos, e que toda teoria deve ser baseada em fatos. Racionalista ~ Os racionalistas argumentam que 0 conhecimento é gerado através da razfio humana. Plato (427-347 a.C.), Renée Descartes (1596- 1650) ¢ Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716), alguns dos seus maiores expoentes, entendem que a razdo, independentemente da experiéncia, é 0 meio seguro de aquisica0 do conhecimento, acentuando a atividade criadora do intelecto (AMOROS, 2002). Descartes foi o primeiro filésofo a abandonar a racional de Aristételes sobre 0 conhecimento e foi também o primeiro a formular a moderna verso dualistica de mente-corpo e a desenvolver a nova, racional baseada na observacao € na experimentacao. Ao aplicar o sistema da duvida metédica e ao estabelecer as bases epistémicas para um novo raciona- lismo, “Penso, logo existo” (do latim, Cogito, ergo sum ou, como ele preferia dizer no scu idioma materno francés, Je pense, donc je suis), Descartes deixou de lado o conhecimento baseado na autoridade patriarcal ¢ religiosa, no mito eno senso comum. O conhecimento, na concepcao cartesiana, é como uma Arvore na sua interconexo e no seu enraizamento. A metafisica correspon- de as raizes, a fisica equivale ao tronco ¢ a medicina, a mecanica ¢ a moral equivalem-se aos ramos e suas folhagens. Empirica (do grego empeiria) ~ Surgiu na Inglaterra em reacao ao raciona- lismo que comecava a dominar na parte continental da Europa principalmente na Franca. Os empiristas defendem que 0 conhecimento ¢ adquirido apenas através da sensagao, da experiéncia, porque a mente humana nasce vazia, como uma folha em branco, e é preenchida ao longo da vida pela experiéncia, Em Natureza do Conhecimento 7 suma, eles consideram a experigncia como a tnica fonte geradora do conheci- mento; negam a atividade criadora do espirito no processo do conhecimento © acentuam o papel passivo (meramente receptivo) da mente humana (AMO- ROS, 2002). Destacaram-se nesta escola Francis Bacon (1561-1626) com 0 seu método experimental indutivo; Thomas Hobbes (1588-1679) com a sua sociologia que pressupée a passagem de um estado natural do caos para um estado social de direito; George Berkeley (1685-1753), que transitou entre 0 idealismo e 0 empirismo; John Locke (1632-1704); e David Hume (1711- 1776), herdeiro do empirismo de Locke e do idealismo de Berkeley. Os em- Piristas, sobretudo na figura de Locke, argumentam que “todos os conceitos originam-se da experiéncia, que todos os conceitos s6 podem ser aplicados a coisas passiveis de experimentasao e que todas as crencas ou proposicdes racionalmente aceitéveis so justificadas ou conhecidas apenas através da experiéncia” (ENCICLOPEDIA BRITANICA ONLINE, 2014). Na teoria em- Pirica, tanto os conceitos quanto as crengas ¢ as proposigées s40 considera- dos “a posteriori se for possivel aplica-los somente com base na experiéncia, © so chamados “a priori” se puderem ser aplicados independentemente da experiéncia. Assim, de acordo com essas definicoes, 0 empirismo é a visio de que todos os conceitos, ou todas as crencas e proposicdes racionalmente aceitaveis, so a posteriori, néo a priori. Os “empiristas consideram as ciéncias naturais o tipo ideal de ciéncia, uma vez que se baseiam em fatos observaveis © mensuraveis” (ENCICLOPEDIA BARSA UNIVERSAL, 2007, v. 6, p. 2122). Aprioristica Escola ou teoria explicativa que defende que todo o conhe- cimento é adquirido « priori, com base em principios anteriores a experiéncia, ou seja, a causa de fendmenos independe da natureza dos fatos. O apriorismo surgi como anteparo, uma posicao intermedifria, entre 0 racionalismo ¢ 0 empirismo. Referindo-se a Immanuel Kant (1724-1804), 0 mais importante teérico do apriorismo, Amorés (2002) notou que todo o conhecimento co- mega com a experiéncia, mas nem todo conhecimento provém da experiéncia. ha no sujeito elementos de conhecimento a priori (independentes da expe- riéncia) ~ intuig6es, conceitos, juizos. Para exemplificar: 0 espago e 0 tempo Ao so objetos ou coisas de que tenhamos experiéncia, cles sao sim a nossa forma de ter experiéncia das coisas. Mas Kant, como citado na Enciclopédia Britanica Online (2014), enfatizou as limitagdes da razao humana. A mente humana, por mais agugada que seja, no consegue discemnir a realidade na sua plenitude nem interpreté-la adequadamente. O trabalho de Kant sobre 8 METODOLOGIA DA PESQUISA SOCIAL « Santos /Kienen /Castineira epistemologia ¢ ética influencion praticamente toda a filosofia iluministae a contemporanea, particularmente a escola idealista. A esséncia do conhecimento Tal como nao hé consenso filos6fico com rela¢ao a origem do conheci mento, também existem divergéncias sobre como se chegar 3 esséncia do conhecimento. Muitos autores ¢ uma variedade de escolas de pensamento teorizaram sobre essa questao. Por razées didéticas, agrupamos quatro principais teorias ou doutrinas sobre essa questo: dogmatismo, ceticismo, relativismo e pragmatismo. Dogmatismo ~ Teoria filoséfica que acredita na possibilidade de se co- nhecer a verdade absoluta sem margem para diivida e para discussao. Isso pressupée um exercicio de confianga na capacidade humana de criat realida- des inquestionaveis, mesmo que essas realidades nao tenham passado pela verificacao cientifica. O dogmatismo é articulado em dois paradigmas: te6rico © ético. © tedrico nao vé problemas nem conflito na relagao entre sujeito e objeto de pesquisa. O ético postula a existéncia da ética normativa e religiosa, Anormativa aceita a possibilidade de se conhecer valores, verdade da relagio entre sujeito-objeto e instituicao de normas de conduta. A religiosa defende posi¢ao idéntica a anterior, mas atribui a Deus 0 poder sobre o conhecimento humano. O fundamentalismo dogmético impede qualquer possibilidade de didlogo. Platéo e Aristételes destacaram-se entre os dogmiticos. Ceticismo ~ Baseado no pensamento de Kant ¢ de Descartes, os céticos duvidam da existéncia do conhecimento verdadero e da possibilidade de se chegar & verdade absoluta. Por isso, defendem a necessidade do exercicio da divida, do questionamento permanente, mesmo quando se estd diante de verdades aparentemente incontestaveis. Existem duas formas de ceticismo: filos6fico (busca da verdade e o exercicio da diivida sobre as verdades co- nhecidas) e cientifico (procedimentos que ajudam na realizacdo da pesquisa cientifica). O ceticismo apresenta duas modalidades: sistematico-metédica e metafisica. A primeira é fiel a tese de que & impossivel ao ser humano cheger & verdade absoluta, e que se deve duvidar de qualquer verdade, mesmo daquelas verdades aparentemente inataciveis. Mas essa diivida metédica nao deve sig- nificar paralisia. Pelo contrario, deve-se buscar permanentemente a verdade. A segunda, metafisica, fala da possibilidade de acesso parcial 4 esséncia da verdade e accita a existéncia de algum conhecimento verdadeito em certas Natureza do Conhecimento 9 situagdes, ndo em todas. Na mesma linha do ceticismo, o criticismo diz que a verdade pode ser conhecida somente pela critica e reflexdo e que s6 pode ser conhecida pela correlacdo entre a critica e a reflexdo. Relativismo — E a doutrina que admite que uma ideia ou um fato depen- de das condigdes do tempo e do meio, e que todo o conhecimento ¢ relativo (ENCICLOPEDIA BARSA UNIVERSAL, 2007). Portanto, o conhecimento relativo da verdade é baseado na intengao ou acao consciente dos sujeitos envolvidos na sua produgao. E também a possibilidade relativa de se atingir a verdade, dependendo da época, do lugar e do grupo social. Pragmatismo — Nascido em oposicdo ao agnosticismo e ao intelectua- lismo, o pragmatismo é um conceito utilitarista de verdade, que postula a harmonizacao entre o ser humano ¢ 0 seu habitat. E um sistema de filosofia que preconiza a subordinagao do pensamento & acao e a verdade & utilidade para a vida (ENCICLOPEDIA BARSA UNIVERSAL, 2007). Defende que a verdade consiste na relacdo entre 0 fato, a possibilidade do seu éxito e a sua utilidade pratica, Razées para a produgao do conhecimento ‘So trés as principais razes que levam o ser humano a produzir o conhe- cimento: questionamento, necessidade e curiosidade. Questionamento — O ser humano questiona porque quer saber e nao se contenta com a resposta pronta, sempre quer saber mais. Uma maxima popular diz que “Sé nao pergunta, quem esta morto”. Descartes disse que © ser humano pensa, logo existe. Podemos acrescentar que 0 ser humano questiona, logo existe, ou seja, é 0 questionamento permanente que move a humanidade a procurar respostas as suas indagagoes, ‘Necessidade ~ A necessidade de sobrevivencia levou o ser humanoa criar ferramentas e mecanismos de produgao de bens e sistemas de relagoes so- ciais. Por exemplo, a necessidade de manter em interagao pessoas fisicamente distantes levou o ser humano a criar mecanismos de comunicacao cada vez mais complexos ao longo dos tempos. De tam-tam e berrante, o ser humano progrediu para o telégrafo, 0 telefone, 0 fac-simile, a fibra ética, a Internet ¢ para cada vez mais novos e sofisticados mecanismos de comunicagéo. A necessidade de preservacao do acervo cultural levou a criacao da escrita e de todas as formas de preservaco da mensagem para as futuras geracoes. 10 METODOLOGIA DA PESQUISA SOCIAL + Santos /Kienen / Castineira Curiosidade ~ A curiosidade leva o ser huano a explorar o desconhecido, a querer desvendar os mistérios da natureza, Por exemplo, foi a curiosidade diante do flash resultante do atrito de um objeto sobre determinada rocha que levou a criagdo do fogo. As trés razes, quase sempre interligadas, so os motores da produgo do conhecimento. Daf 0 surgimento da filosofia e da ciéncia, que fundamentam a progressiva capacidade humana de transformar a natureza e de criar reali- dades materiais e imateriais. Critérios de validacao do conhecimento Sao trés os principais critérios: pensamento dominante e consenso social, tradicao autoridade. Pensamento dominante ¢ consenso social - O pensamento dominante uma ideia, uma teoria, um quadro de referéncia que reina em determinado periodo ¢ lugar ¢ pode transformar-se em consenso social. Na Idade Média, por exemplo, o geocentrisme foi o consenso social dominante. Era consenso, portanto, dizer que “A Terra € o centro do universo.” Na Idade Moderna, 0 seocentrismo foi paulatinamente substituido pelo heliocentrismo de Nicolau Copétnico (1473-1543) e Galileu Galilei (1564-1642). O préprio heliocen- trismo jé se tornou uma teoria vencida, depois que foram descobertos outros temas e galaxias. Até hé pouco mais de uma década, o ovo era encarado como vildo da sati- de, fatal para o coragao, por causa do seu nivel de colesterol. Hoje em dia, os nutricionistas falam do consumo do ovo com moderaco, como se recomenda para outras comidas. Percebe-se que todo o pensamento dominante e todo 0 consenso social podem ser provisérios. Assim, uma verdade ou uma teoria, que no passado era de aceitacao quase geral, pode nao servir mais. Isso leva-nos 4 conclusao de que praticamente tudo o que sabemos baseia-se no consenso social e em vivéncias pessoais (SANTOS, 2013, p. 8). Santos concluiu que grande “parte do conhecimento de cada individuo em qualquer sociedade 6, na verdade, um processo de aprendizagem e de aceitagio daquilo que ‘todos’ em dado momento sabem e aparentemente aceitam como verdade”, Porque uma pessoa que nao aceitasse esse consenso teria mais “problemas de inserglo efetiva no seu grupo social, na sua sociedade. E se essa pessoa ‘questionasse seriamente 0 consenso social pondo em risco algumas verdades Natureza do Conhecimenta 14 estabelecidas, ver-se-ia em apuros e poderia em casos extremos ser afastado do convivio social”. Tradigao ~ Como carga cultural e acervo do conhecimento acumulado ao longo dos tempos, a tradigao oferece alguns beneficios para questio- namento humano, pois disponibiliza muitas informac&es que podem servir de respostas ao questionamento e podem possibilitar 0 desenvolvimento de novos conhecimentos. “A tradigdo é, portanto, a garantia de continuidade, do aprofundamento dos saberes humanos. Sem ela cada geracao teria que comegar praticamente do erro a caminhada de desvendamento, interpretacao e transformacio da natureza” (SANTOS, 2013, p. 8). Porém, de acordo com Santos, “a tradigio pode ser prejudicial ao questionamento humano, uma vez que tende a deixar-nos conformados com as respostas prontas ¢ confinados a0 consenso social. Por natureza, a tradicao tende a resistir a novidades, em nome da preservacdo dos costumes ¢ valores acumulados por geragées”, Autoridade — £ uma pessoa revestida de algum poder, seja de ordem ca- rismética, tradicional, religiosa, legal, seja de cunho cientifico. A autoridade 6 vinculada a tradi¢ao, ao consenso social prevalecente em determinado meio social (SANTOS, 2013, p. 9). Do ponto de vista cientifico, a autoridade é um especialista que se destaca dos outros gragas a sua reconhecida sabedoria e 4 contribuicdo indelével a determinada area das ciéncias. Por isso, tendemos a acreditar na palavra dela; sentimos mais seguranga perto de pessoas que podem proteger-nos, que podem encontrar solucGes para as nossas indagacGes e necessidades. Quando falamos, por exemplo, da fisica e especificamente da teoria da relatividade, o primeiro nome que vem a cabega 0 de Albert Einstein (1879-1955). O austriaco Sigmund Freud (1856-1939) continua a ser a maior autoridade em psicandlise, ¢ o canadense Marshall McLuhan (1911-1980) ainda é uma das maiores referéncias no estudo da comunicacio dle massa e da globalizagdo. O francés Blaise Pascal (1623-1662) € 0 pioneiro da informatica, por ter criado a primeira calculadora algoritmica do mundo, da mesma forma o inglés Alan Mathison Turing (1912-1954) é considerado 0 pai da computasao, devido aos seus estudos teéricos em Inteligéncia Artificial e sobre o funcionamento do “modelo computador”, além das suas pesquisas aplicadas, na area de criptografia, desenvolvidas durante a Segunda Guerra Mundial ¢ os estadunidenses Bill Gates (1955-) e Steve Jobs (1955-2011) tornaram-se sinénimos de exceléncia na area de informatica. 12, METODOLOGIA DA PESQUISA SOCIAL Santos / Kienen / Castineira Mas ser autoridade tem suas condicionantes. Nao basta uma pessoa ter uma ideia brilhante, encontrar uma solugao inovadora para um problema. ssa ideia precisa ter respaldo da sociedade e ndo enurar em choque com 0 pensamento dominante nem afrontar a tradigao. O préprio proponente também deve ter aceitagao da sociedade. Caso contrario, a sua ideia nfo avanca, Em algumas situag6es, a ideia prospera, mas 0 seu proponente, no. Vamos dar um exemplo bem conhecido e provocativo: Jesus Cristo. Ao pregar amor a0 proximo, sem discriminacao (vide a parabola do Bom Samaritano), ele afrontou a um s6 tempo 0 pensamento dominante, o consenso social ¢ a tradi¢ao do lugar onde viveu. A tradicdo religiosa era de “Olho por otho, dente por dente”, mas Cristo disse que, se necessério, “Dé 0 outro lado da sua face para o seu algoz bater”. O pensamento dominante e o consenso social eram de que um mensageiro de Deus chegaria para libertar 0 povo escolhido da dominagio. A expectativa era de libertaao do pecado e da dominacéo romana. Enquanto © povo judeu aguardava a chegada triunfal do Salvador, eis que apareceu um nazareno pobre e ainda por cima nascido em Belém ~ um povoade sobre 0 qual se esperava nada de relevante ~ a clamar para si essa miss4o, Obviamen- te, ele ndo s6 nao foi reconhecido pela elite religiosa como o Salvador, como foi morto na cruz como um impostor. Galileu Galilei nfo foi morto, mas foi coagido a renegar a conclusao dos seus estudos heliocéntricos. Apesar do seu inegavel conhecimento em fisica, matemética e astronomia, Galilei néo ousou afontar 0 pensamento dominante naquela época. Formas de aquisigao do conhecimento © ser humano desenvolveu virias formas de aquisi¢éo do conhecimento, dentre as quais destacamos as cinco mais importantes: ‘Observagio — £ o ponto de partida para a aquisigao de qualquer conheci- mento. Ela pode ser feita de forma meramente sensorial, como também pode ser uma prética ou um método de investigago mais elaborado. Nesse caso, 0 pesquisador pode manter relativo distanciamento do seu sujeito de estudo ou procurar “integrar-se ao grupo estudado por um periodo relativamente longo, como se fosse um de seus membros, de modo a captar com maior riqueza de detalhes a vida do grupo estudado ¢ a minimizar a influéncia de sua presenga sobre este” (NOVO DICIONARIO AURELIO, 1999) Meditacao ~ Ea reflexao ou a concentragio intensa de espirito para um autoexame interior. Diferentemente da contemplacao, a meditago pressupde uum momento em que a pessoa retira-se para um lugar calmo para poder pensat 44 METODOLOGIA DA PESQUISA SOCIAL «Santos / Kienen / Castinelra Outros, como Gil (1999), destacam a observagio, a crenca, a literacura fic- cional, a autoridade, a filosofia e a ciéncia. Por razOes meramente didaticas, enumeramos sete tipos (SANTOS, 2013), como estd explicitado no Quadro 1. A novidade na nossa tipificasao é a inclusdo do conhecimento midiatico a. ampliagio do conhecimento artistico para 0 simbélico. Quadro 1 - Tipos de conhecimento humano Saber Caracteristicas Empirico © senso comum, a experincia de vida ou a rotina empirica & «a explicagao, descri¢ao e/ou interpretacao de fenémenos no Ambito cultural de cada sociedade: um conjunto de informagées apreendidas, formal @ informalmente, consciente e inconscientemente, na rotina didria; ..a fonte geradora e de fruiglo de todos os outros conhecimentos, ‘Tr@s fatores limitam o saber empirico: a existéncia difusa dos principios da racionalidade, a experiéncia como base da explicacdo da realidade e a dificuldade de se generalizar e replicar experiéncias particulares e pessoais, (GANTOS, 2013, p. 5). Ainfusdo é a transmisséio da mensagem de um ente divino 2 um profeta. E através do profeta que a mensagem divina chega aos crentes. incluem-se nesse conhecimento a religiéo, a espiritualidade, a teologia. 0 fundamento do conhecimento infuso é a crenga em Deus. "O conhecimento infuso é, entretanto, limitado por basear-se apenas em crengas que nao podem ser testadas" (SANTOS, 2013, p. 6). Mitol6gico Engloba lendas, fabulas, artes divinat6rias, ocultismo, © mito pode ser igualado 8 religiéo, mas tem duas dimensdes: uma sobrenatural (onde se iguala a fé religiosa) e outra real (o sentimento humano). Dois sentidos sustentam 0 mite Sentido literal-alegérica - Come valor didatico para explicar a natureza e o ser humano. ‘Simbélico Natureza do Conhecimento 15 ‘Sentido simbslico ~ Como evoluctio do sentido literal. alegérico. Representa algum valor original que no poderia ser explicado pela ciéncia, pela religido ou por Outra forma de conhecimento. Porém, o sentido simbélico Go mito nao consegue explicar a plenitude da realidade, Na Idade Moderna, o mito era explicado alegoricamente. A dimensao simbélica era excluida do saber ow poder, dat ser também excluida do pensamento cientifico moderno. | Aciéncia tradicional nao utilizava a dimensao simbélica | como elemento valido para a procura da verdade, Por 'sso, langou mao dos métodos para interpretar 0 mito. Atualmente, 0 estudo do mito encontra algum espaco quando se utiliza a metodotogia fenomenolégica Fung6es do mito: ‘Narrativa ~ Descrever uma eventual relacdo entre fatos, pessoas, simbolos e forcas ocultas: Pedagégica - Ensinar a verdade humana e/ou divina; Explicativa/ustificative - Explicar e justificar a origem da humanidade e do universo ea relacao destes com 0 mundo extrassensorial. | santos 2013, p. 6) destacou o cardter exclusvista do | saber mitol6gico: “poucas pessoas tém a capacidade de Fevelar e interpretar fendmenos extrassensoriais. E, tal como 0 conhecimento infuso, ele é baseado em crencas e, Por isso, no pode ser replicada'. Ea representacao da realidade através da ficcao, das criagbes artisticas, posticas e literdrias, Essa epresentasao ndo se condiciona ao tempo, ao espaco €205 fatos. Por exemplo, no filme “Flinstones”, os Personagens celebram o Natali Como assim, se | historicamente Jesus nasceu depois da era jurdssica? £ um | exemplo da liberdade ficcional tipica do conhecimento simbélico, A limitacao do saber simbélico é a visao geralmente Particularizada que seus autores tm da realidade. Mesmo quando se trata de uma obra documental, ele Pode fugir ao escrutinio a que so sujeitas as obras cientificas (SANTOS, 2013). 16 M=TODOLOGIA DA PESQUISA SOCIAL + Santes/Kienen / Castiieira Filoséfico O saber filos6fico €, por exceléncia, o questionamento, | a especulagio, a reflexdo e a racionalidade logica, Ea forma de questionamento e de especulagao racional do senso comum, Situa-se na fronteira entre 0 senso comum ea ciéncia, O questionamento é a esséncia do ser humano. Mas na Grécia Antiga, o questionamento fol sistematizado em filasofia da ciéncia. Porém,“o problema do saber filoséfico reside no fato de que ‘a despeito de seus inegavets méritos, ndo raro avanca para o terreno das explicacdes metafisicas ¢ absolutistas, que nao Possibilitam sua adequada verificagao” (GIL, 1999, p. 20, apud SANTOS, 2013, 9. 6) Mididtico © conhecimento midiatico € o proceso de comunicaggo humana mediada por especialistas: jornalistas, Publicitarios, marqueteiros, relagSes publicas etc. “O saber midiatico refere-se ao processo de interacdo social em que 0 conhecimento é produzido e/ou reverberade or quer faz a midia [..] também faz o que se chama de ‘histéria do cotidiano’e, por isso, € uma importante fonte | documental de pesquisa” (SANTOS, 2013, p, 6). Mas 0 saber midiatico, de acordo com Santos, “esta longe de ser Giéncia, ndo apenas pela sua natureza, mas também por estar eivado de ditames mercadolégicos de interesses Cientitico Eo conhecimento com racionalidade testavel ¢ replicavel. Gragas a um conjunto de caracteristicas (método, logica, objetividade, replicabilidade, progressividade, universalidade, laicidade), 0 conhecimento clentifico aparece com uma margem maior de seguranca em ‘comparago com outros conhecimentos. 0 avanco do | conhecimento cientifico depende do estagio de evolugso edo contexto cultural de cada sociedade. Fonte: Elaborado pelos autores. Nota: Na esséncia, todos os conhecimentos sio “expressées da mesma necessidade"’ conbecer ¢ transformar a natureza para o bem-estar da humanidade, de forma metédica, apurada e progressiva do senso comum. A religio, os mitos, a arte ea midia so questionamentos ¢ elaboracées derivados do senso comum. Por isso, os cientistas nao devem desprezar 0 saber comum ¢ outros conhecimentos. Natureza do Conhecimento 17 Exercicios de consolidagio do estudo do Capitulo 1 Conceitue produce do conhecimento. Caracterize canhecimento do senso comum, mitolégico, simbélico, filoséfico, midiatico, Aponte semelhancas e diferencas entre praducéio do conhecimento no mundo animal e no mundo humano ‘A produgao do conhecimento no mundo animal ¢ no dos humanos é igual em sofisticagao, progressividade e universalidade? Por qué? Comente: 0 ser humano deve produzir “novos conhecimentos mais auda- AAnalise a seguinte frase: A filosofia, apesar de ser “mae de todas as ciéncias", 1nGo explica todas as instncias da producdo do conhecimento. Explique por que o fundamento da ciéncia é a experimentacSo metédica, objetiva, logica, sistematica, verificdvel, geral Por que as formas de conhecimento (senso comum, crencas, ficcdo, autori- dade, filosofia) “nao satisfazem aos espiritos mais criticos” (GIL, 1999, p, 20)? Estabeleca distincao entre conhecimento cientifieo ¢ outros conhecimentos,

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