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CAPÍTULO 1

Introdução a Geologia Arqueológica

A evolução e o aprimoramento dos estudos arqueológicos implicaram a


associação da Arqueologia com outras ciências, entre as quais a Biologia e a
Física, de onde se originaram a Arqueobotânica, a Zooarqueologia e a
Arqueometria. A Arqueobotânica e a Zooarqueologia têm se dedicado à
reconstituição das assembléias biológicas pré-históricas, propiciando a
interpretação do modo de subsistência e a dieta das antigas comunidades
humanas e, por extensão, dos constituintes florísticos e faunísticos da região.
A Arqueometria, por sua vez, promove a datação de objetos arqueológicos e
prospecta geofisicamente sítios enterrados.
A Geologia Arqueológica é uma subdisciplina que utiliza os princípios e
as técnicas da Geologia na solução de problemas arqueológicos. As Ciências
da Terra colocam à disposição dos arqueólogos a Geomorfologia, a
Sedimentologia, a Pedologia, a Geocronologia, a Geofísica e a Estratigrafia.
Como o ambiente físico é o local onde se desenvolvem as ações
humanas, estudam-se as inter-relações entre as populações humanas
ancestrais e o ambiente que ocupavam (Figura 1.1), por meio das possíveis
alterações promovidas por elas no território, como, por exemplo, o uso dos
recursos naturais disponíveis e os processos que conduziram à formação,
preservação e destruição dos sítios arqueológicos e o conseqüente impacto
ambiental.
2

A Geomorfologia é a ciência que se dedica ao estudo das formas de


relevo, o que implica conhecer suas origens, rochas, climas e ações
endógenas e exógenas que determinaram/determinam a morfologia do
terreno. Essa ciência se apresenta sob múltiplos enfoques, entre eles a
Geomorfologia Aplicada, a Geomorfologia Climática, a Geomorfologia
Submarina, etc., merecendo destaque a Geomorfologia Antropogênica, que
trata do estudo da ação humana sobre as formas que constituem a superfície
terrestre, como é o caso do desaterro antropogenético (desnudação, erosão) e
o aterro antropogenético (acumulação).
Ainda que grandes modificações geológicas na superfície da Terra
tenham ocorrido no transcurso de milhões de anos antes da existência do ser
humano e, portanto, não tenham causado interferência direta sobre nossa
espécie, as mudanças em escala menor de tempo desencadeadas após o
surgimento do homem ocasionaram/ ocasionam impactos sobre o nosso
modus vivendi. No primeiro caso, estão o soerguimento das grandes cadeias
de montanhas e a disposição dos oceanos e continentes atuais e, no segundo,
a posição dos rios e das linhas de costa nas últimas dezenas de milhares de
anos. Independente da escala, qualquer comunidade humana habita ao lado
de certos representantes da flora e da fauna, durante um determinado tempo,
uma região que é estruturada sobre uma forma de relevo específica.
Já a Sedimentologia é a ciência geológica que estuda os depósitos de
materiais sólidos acumulados na superfície ou próximos a ela, sob baixas
temperaturas e pressões. Esses corpos constituem-se por sedimentos que,
graças aos processos diagenéticos1, transformam-se em rochas sedimentares.
Os chamados sedimentos são fragmentos de litossomas2 pré-existentes ou
elementos e compostos dissolvidos na água sendo eles, respectivamente,

1
Conjunto de processos físicos e químicos ocorrentes sob baixas temperaturas e pressões que
levam a litificação dos sedimentos.
2
Sinônimo de rocha.
3

resultantes da ação desagregadora e decompositora de agentes intempéricos


atuando sobre as rochas expostas na superfície.

FLORA

PAISAGEM Comunidade 1 Comunidade 2 FAUNA

CLIMA

Figura 1.1. Ecossistema humano mostrando as relações entre comunidades vizinhas e o meio
ambiente composto por flora, fauna, clima e entorno (paisagem). Fonte: modificado de Fedele
(1976).

Entre os objetivos do estudo de um sedimentito3, destacam-se sua


descrição, classificação e interpretação paleoambiental. A descrição e a
classificação são importantes para associar o corpo rochoso aos processos de
formação e para vinculá-lo a um grupamento de rochas assemelhadas. A
interpretação paleoambiental auxilia na reconstituição do ambiente
(paisagem) de deposição ocorrente em um ponto da superfície terrestre num
certo momento da história da Terra.
Portanto, é bastante clara a relação entre a Geomorfologia e a
Sedimentologia, ainda que nem todos os relevos reflitam a presença de rochas
sedimentares. Contudo, por ocuparem 80% da superfície da Terra, aquelas
rochas, além de assumirem grande importância para a geomorfologia, são
também fundamentais para os homens, pois é basicamente sobre essa
superfície que as populações humanas se distribuem.

3
Rocha sedimentar.
4

A Pedologia é a ciência que estuda a origem e o desenvolvimento dos


solos. Num sentido mais amplo, corresponde à parte da superfície terrestre
que suporta e mantém as plantas. O seu limite inferior coincide com aquele da
ação dos organismos e do clima; o superior, com a própria superfície terrestre
e os limites laterais, com os outros solos, rochas ou água.
Para o geólogo, solo, no sentido lato, compreende todo o manto de
intemperismo, camada constituída por detritos de rochas e minerais e por
elementos e compostos químicos; porém, para outros profissionais,
especialmente para aqueles que se dedicam à agricultura, compreende a
porção delgada da superfície do manto de intemperismo ou a profundidade
penetrada pelas pequenas formas de vegetação e que passa, gradativamente,
para o subsolo e, em subsuperfície, para a rocha sã.
As atividades antrópicas terrestres, quando não realizadas sobre as
rochas, o são sobre os solos. Nas suas superfícies, se deslocaram/deslocam
grandes contingentes humanos à procura de regiões mais favoráveis à
sobrevivência, para a fuga da perseguição de grupos rivais, ou simplesmente
para o lazer. Essas movimentações ocorrem, desde há muito, por estradas
traçadas, na maioria das vezes, sobre os solos. É neles que o homem tem
erigido suas fortificações, moradias, templos e sepulturas, e é deles que tem
sido retirada parte significativa de seu sustento alimentar.
Por todas essas razões, não é de surpreender que o solo seja o guardião
maior dos tesouros arqueológicos.
A Geocronologia estuda o tempo em relação à geoistória. A cronologia
dos eventos pode ser feita de modo absoluto (idade absoluta) quando se
utilizam isótopos de Rb, Sr, Sm, Nd, Pb, U, etc., ou de maneira relativa (idade
relativa). As unidades geocronológicas dispostas hierarquicamente são Éons4,
Eras5, Períodos6, Épocas7, Idades8 e Cronos9. Ossos humanos, peças de

4
Maior unidade geocronológica divisora do tempo geológico.
5
Unidade geocronológica que compreende vários Períodos.
5

cerâmica, restos de fogueiras e alguns utensílios de bronze encontrados em


sítios arqueológicos estão entre os itens possíveis de serem datados. As peças
de cerâmica e algumas de bronze podem ser datadas por termoluminiscência,
um método de datação absoluta com alcance confiável em torno de 10.000
anos. A argila possui pequenas quantidades de minerais radioativos, que
bombardeiam minerais de quartzo, retirando os elétrons de sua posição,
aprisionando-os na lama. Aquecendo-se a argila a mais de 380 °C, os elétrons
retornam à sua posição original e emitem luz. Medindo-se a quantidade de luz
emitida e a de material radioativo ainda restante, determina-se o tempo
transcorrido desde o cozimento da argila.
A matéria orgânica pode ser analisada pelo método do Carbono 14, cujo
14
alcance, segundo alguns, atinge 40.000 ou 50.000 anos. O C é um isótopo
instável do Carbono, que surge na parte superior da atmosfera por colisão
14
entre raios cósmicos e o núcleo do Nitrogênio 14. Este C faz parte da
atmosfera e é absorvido pelos animais e vegetais enquanto vivos; ao
morrerem, estes deixam de absorvê-lo, e ele decai para Nitrogênio 14 à
14 14
medida que o tempo passa. Essa diferença entre a quantidade de C e N
presente nos restos orgânicos é utilizada para datar a matéria orgânica.
A Geofísica estuda, entre outros fenômenos, a gravidade terrestre, o
magnetismo, a sismicidade e as propriedades físicas da crosta da Terra. Um
método geofísico muito empregado é o do Radar de Penetração do Solo (GPR,
Ground Penetrating Radar), por meio do qual se obtém uma “radiografia” do
subsolo.
O aparelho consiste, basicamente, numa antena transmissora-receptora,
por onde são enviadas ondas eletromagnéticas para o interior da terra (Figura
1.2). Estas são refletidas ao atravessarem corpos com texturas diferentes,

6
Unidades geocronológicas que constituem subdivisões de uma Era.
7
Unidades geocronológicas que correspondem a subdivisões de um Período.
8
Subdivisão cronológica com amplitude inferior à de Época.
9
Menor unidade geocronológica.
6

retornando à antena, onde são recebidas e remetidas a um computador que a


ela se encontra acoplado. Softwares apropriados analisam os dados e
transformam-nos, em presença de anomalias, em hipérboles, que aparecem
na tela do computador, as quais, após passarem por tratamento com
programas específicos, em laboratório, tornam-se auxiliares importantes na
delimitação de locais de escavação.

Figura 1.2. Operação com o Radar de


Penetração do Solo (GPR). A antena
transmissora-receptora (seta) é
deslocada por um dos geólogos ao longo
de linhas-guia estendidas no solo. O
outro elemento da equipe transporta
baterias às costas e uma plataforma à
frente onde descansa o leptop. Varredura
realizada no Sítio Arqueológico de São
Miguel das Missões, Município de São
Miguel das Missões, RS. Foto: Carlos
Henrique Nowatzki.

Finalmente, a Estratigrafia é o ramo das geociências que estuda a


sucessão e a idade das rochas e todos os seus caracteres, propriedades,
atributos e paleoambientes. Pode ser estudada sob dois enfoques: o
litoestratigráfico e o de seqüências deposicionais. A Estratigrafia tradicional,
denominada de Litoestratigrafia, analisa a disposição dos litossomas no tempo
e no espaço, onde as camadas mais velhas dispõem-se na base e as mais
novas, no topo da unidade. Na Estratigrafia de Seqüências, estuda-se uma
sucessão de estratos limitada, na base e no topo, por discordâncias, por não-
deposição ou por suas conformidades correlatas, o que corresponde a uma
seqüência deposicional. Essa é, portanto, uma unidade constituída por uma
sucessão relativamente concordante de estratos relacionados geneticamente.
Entre os diversos métodos de averiguação arqueológica, está o
estratigráfico, por meio do qual se promove o cuidadoso desaterramento da
sucessão de camadas que constitui o sítio investigado (Figura 1.3).
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Do exposto, podemos concluir que a Geologia Arqueológica auxilia na


(1) avaliação do contexto temporal de um sítio por meio da Estratigrafia e da
Geocronologia, (2) interpretação dos processos naturais de formação de um
sítio e (3) no estudo do contexto da paisagem pré-histórica de um sítio.

Figura 1.3. Escavação arqueológica


realizada segundo o método estratigráfico.
Ruínas maias de Chizen Itza, Cancun,
México. Foto: Carlos Henrique Nowatzki.

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