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TERAPIA NARRATIVA DE REAUTORIA Joao Batista / Carina Magalhaes / Patricia Pinheiro ‘Anténio Ribeiro / Catarina Rosa / Joana Silva Miguel M. Goncalves PSICOTERAPIAS BERUNRRAMIIIII ics:inc/0u contento de tmergénca ‘A Terapia Narrativa da Reautoria (TN) surgiu no fim dos anos 80 do século XX, ten- 4o sido inicialmente formulada por Michael White e David Epston (White & Epston, 1990), dois terapeutas familiares oriundos da Austrélia e da Nova Zeléndia, res- petivamente, De acordo com Michael White (Bubenzer, West & Boughner, 1994), ‘a TN originou-se a partir do seu interesse pelo trabalhos de Gregory Bateson, da sua influéncia na terapia familiar e de Michel Foucault (Gongalves, 2008). AN resulta da integracdo de diferentes éreas de conhecimento, constituindo-se como um olhar inovador sobre a psicopatologia e a psicoterapia (McLeod, 2000), Tem sido desenvolvida por diversos autores (Freedman & Combs, 1996; McLeod, 1997; Parry & Doan, 1994), tornando-se um modelo usado em diferentes contextos, como a adicéo (Gardner & Poole, 2003), o trauma (Beaudoin, 2005), a violéncia nas relacdes de intimidade (Goncalves, Matos & Santos, 2008) ou a depressio (Lopes et a, 2074). £ também utilizada com diferentes populacées, nomeadamente, criangas, adultos, casais e familias. xistem diversos modelos terapéuticos de inspiragso narrativa, mas atendendo a limitacdo de esparo, nesta secco vamos focar-nos nas bases tedricas ¢ ‘nos objetivos da TN formulados por White (2007) e por White e Epston (1990), oo A TN nio se formou a partir do discurso psicol6gico, constituindo uma sintese de contribuiges de diversas ciéncias sociais e humanas (Besley, 2002), No entanto, os autores que influenciaram a TN participaram, de alguma forma, na construgéo do paradigma pés-estruturalista, O pés-estruturalismo evidencia @ participacéo humana nha construcéo do conhecimento, assumindo a natureza relativa (contextual) do sig- rificado (Sexton, 1997). Desta forma, a TN foi influenciada pelas nocdes de que as realidades humanas sao construidas socialmente, constituldas através da linguagem « organizadas na forma de narrativas (Freedman & Combs, 1996). No classico livro de White e Epston (1990), Narrative Means to Therapeutic Ends, {que lancou as bases deste modelo, os autores identifica Bateson, Bruner e Foucault ‘como as suas principais influéncias. Outros autores, como Derrida, Goffman, Geertz ‘ou Wittgenstein, influenciaram igualmente a génese e estrutura da TN (Freedman & Combs, 1996). De seguida, apresentam-se as nogées que infiuenciaram a TN. Do mapear a narrativa: a influéncia de Bateson e Bruner Gregory Bateson, um dos proponentes da chamada primeira cibernética da tera- pia sistémica (Relvas, 2000), foi uma influéncia central da TN. De acordo com Bateson (1972;1999), conhecemos a partir de um processo de comparacio e distingdo entre dois 186 © ‘TERAPIA NARRATIVA DE REAUTORIA campos de significagio, como num contraste entre figura e fundo. A criagao de contrastes a0 longo do tempo permite, assim, 0 mapeamento dos acontecimentos e a sua distingdo (Goncalves, 2008). Outra influéncia de Bateson na TN refere-se 8 nolo de “constrangimen- tos de redundancia" (White & Epston, 1990). Este conceito pode exprimir-se na dela de que hé constrangimentos ao longo do tempo que se traduzem na probabilidade aumentada de um determinado acontecimento ocorrer em detrimento de outros. Bateson refere-se a este tipo de explicaczo como uma explicacdo negativae, 20 longo da sua obra (1972;1998), as- sume que as ciéncias humanas no deveriam procurar explicacées positivas, como acontece quando se conceptusliza um comportamento como resultado de uma fixecSo ou aprendiza~ gem (p.ex: alguém esta persistentemente triste, porque tem caracteristicas depressivas de personalidade). Sugere, alternativamente, que se procurem explicacSes negativas, mapean- do as circunstancias e constrangimentos que tomaram os comportamentos mais provaveis. ‘Apesar da influéncia destas nogoes na TN, Michael White (White & Epston, 1990) co mecou a interessar-se pela metéfora narrativa, por ser mais dindmica e préxima da forma como os clientes falam em terapia. © interesse pelo uso da metéfora narrativa iniciara- se na década de 80 do século XX, com autores como Bruner (1986), Sarbin (1986) ou Polkinghorne (1968). Como refere Bruner (1986), é a partir desta alture que o significado se torna um aspeto central nas ciéncias socials, valorizando-se a forma como se interpreta o mundo e os cédigos que regulam essa atribuicio de significado. Bruner (1990) prope que os seres humanos dispem de duas formas de estruturar 0 conhecimento: 0 modo paradigmatico e o modo nartativo. O modo paradigmatico baseia- se na logica e na racionalidade, visando identificar explicacbes gerais para os fenémenos thumanos. © modo narrativo baseia-se na verosimithanca e na plausibilidade de uma dada versio da realidade. Ou seja,certas explicagSes e versées dos acontecimentos so prefe- renciais em funcéo da verséo cultural que partilhamos com os outros, € no por qualquer critério externo e fixo de verdade (Bruner, 1980). Os seres humanos podem operar nestes dois modos em funcio dos contextos em que se mover. Por exemplo, se estamos a estudar psicoterapia, podemos dizer que & verdade que White se inspirou em Bateson e Foucault (equi, a verdade é dos factos histéricos). Se estamos 2 imaginar como seré o dia de amanha, ‘ou a nossa vida daqui a 10 anos, estamos a operar no modo narrativo.Efécil percebermos @ relevncie do modo narrativo, se recordarmos um acontecimento inesperado. € virtualmen- te impossivel fazer sentido do mesmo mobilizando 0 modo paradigmatic, jé que, nestas ciccunstancias, a partitha desse acontecimento ou 2 memorizagio do mesmo envolve a cria- fo de narrativas de vida (0 que os psicélogos cogritivos designam por meméria autobio- aréfica [Nelson & Fivush, 2004). Em psicoterapia & mais importante o modo narrativo do que o modo paradigmatico, jA que uma parte significativa do processo de construcdo da realidade subjetiva (i, do conhecimento humano no quotigiana) ocorre através da aribuicio de significado as expe- rincias, tendo um cardcter aberto, contextual e partithado (Bruner, 1990). Ou seja, a inter pretacdo da experiéncia ocorre de uma forma partithada com os outros, fundada a partir dos 2 187 PSICOTERAPIAS discursos vigentes na cultura a que a pessoa pertence (Haré-Mustin, 1994). Como referer ‘White e Epston (1990), no esforco de atribuir sentido & vida, as pessoas encaram a tarefa de configurar as suas experiéncias em sequéncias temporais, de forma a alcancar um relato coerente de si mesmas e do mundo que as rodeia. Ao mesmo tempo, @ narragao de eventos de vida implica uma selecio dos aspetos @ historiar, havendo sempre experiéncias que néo sdo narradas (Freedman & Combs, 1996). Como se iré verificar na descrigdo do proceso terapeutico, este cardcter aberto e indeterminado da nartativa ¢ uma nogéo central da TN, que esta na base da possibilidade (ou inevitabilidade) dos seres humanos mudarem ao longo das suas vidas. Considera-se, assim, que as narrativas de vida organizam os eventos de vida da pes- 502, estabilizando ou ordenando provisoriamente a sua identidade (Goncalves, 2003), e que rnesse processo ha sempre uma interpretagdo dominante da experiéncia ¢ eventos que so ‘excluidos, nao sendo narrados por nao se encaixarem na interpretacdo dominante da expe- riéncia (Bruner, 1986). Considere-se, a titulo de exemplo, uma interpretagao dos eventos de vida centrada nas premissas “eu no tenho valor” ou "sou uma falhada”, As experiéncias de vida que confirmem estas nodes serdo privilegiadas na narracio desta pessoa, enquanto aquelas experiéncias que ndo se enquadrem nestas premissas sero negligenciadas ou ex- cluidas das narrativas de vida, ‘A adogdo da metafora narrativa permite, desta forma, evidenciar diferentes constran- _gimentos, de forma semelhante ao proposto por Bateson (1972; 1999], a varios niveis, des- de a cultura & histéria pessoal. Esta metafore faclita igualmente a compreensdo da forma como determinados eventos de vida sao privilegiados e outros negligenciados na interpre- tacdo da experiéncia, Aanilise do poder e a desconstrucao: a influéncia de Foucault ‘A metafora narrativa serve igualmente de ponte entre o territério da significagao € do conhecimento enquanto poder, Considerando a existéncia de miltiplas historias (com _miltiplos significados) sobre uma pessoa e as suas relagBes, White e Epston (1990) sugerem ‘que ha narrativas que promover o bem-estar e o sentimento de competéncia e outras que cconstrangem, desqualficam e patologizam. A histéria que prevalece ou domine a etribuicéo de significado aos eventos quotidianos determina, em larga medida, a natureza da nossa experiéncia vivida e os nossos padrées de acio. £ esta ideia da prevaléncia de historias patologizantes nas pessoas em sofrimento psicoligico que toa relevante a exploracdo do conhecimento enquanto poder (White & Epston, 1990). ‘Michel Foucault aprofundou a forma como os processos de construcdo histérico-cul- tural constrangem os pressupostos que organizam a nossa vide, tendo influenciado a TN ‘a este nivel (Goncalves, 2008). Na perspetiva de Foucault (1986), 0 poder ¢ constitutivo, nna medida em que molda a vida, as ideias ¢ as relacbes das pessoas. Mals ainda, a lingua- ‘gem & um instrumento de poder, organizando-se em discursos, formatando as escothas 188 © ‘TERAPIA NARRATIVA DE REAUTORIA das pessoas em relacéo aos eventos de vida que podem ser historiados e & forma como 0 *devern” ser (Freedman & Combs, 1996). Os discursos valorizados pelo poder num determi- nado contexto histérico-cultural tornam-se, portanto, “verdades” que definem normas em tomo das quais as pessoas séo incitadas a constitur as suas vidas (Foucault, 1979; 1984). Esta forma de pader normativo, emergente a partir do século XVIL foi sendo interna- lizada, organizando a conduta das pessoas, e criando modos de subjetivagéo que indicam, nomeadamente, 0 que é adequado e normal, organizando assim a nossa subjetividade, es- pecificando o que é aceitavel e o que seré marginalizado (Goncalves, 2008; Monk & Gerhart, 2003). Por exemplo, nas sociedades ocidentais & normal as pessoas pensarem a sua expe- riéncia a partir de um discurso psicologizado em que dominam termos como autoconceito, autoestima, determinagao pessoal, etc. € facil de perceber que estes termos s6 podem ser corganizadores da conduta apés o lluminismo (Danziger, 1990). Este discurso abre novas possibilidades de significagdo da experiéncia, mas cria também importantes limitacoes. Finalmente, Foucault (1974; 1984) sugeriu de igual forma que o resgate de conheci- rmentos marginaizados e negligenciados e a criagdo de um espaco adequado para que pos- sam ser desempenhados condur, necessariamente, 20 questionamento dos conhecimentos dominantes. Resumidamente, a dupla influéncia de Foucault na formulacao da TN assent, por um lado, na andlise de como os discursos dominantes se constituem verdades que ocul- ‘tam outras possibilidades: por outro lado, no modo como a recuperacéo de conhecimentos previamente negligenciados pode permitir &s pessoas recuperar possibilidades alternatives preferencias (White & Epston, 1980). EE ot 100s CContrariamente ao que acontece com outros modelos de psicoterapia, a TN néo par- te de uma teoria do funcionamento psicol6gico que oriente 0s objetivos e praticas clinicas. Pelo contrério, organiza-se a partir de uma série de pressupostos tedricos que evidenciam o cardcter contextual e hermenéutico da psicoterapia. Nesse sentido, os objetivos deste modelo nao so formulados numa linguagem centrada no funciona- mento psicol6gico (p.ex: melhorar o humor ou a autoestima), mas na centralidade dos processos de atrbuigdo de significado (interpretacéo) da experiénciae na influén- ia no individuo das relagoes de poder nos contextos em que esta inserido. ‘Como foi refetido, as narrativas de vida incorporam diferentes interpretacdes da realidade, influenciadas pelos discursos dominantes numa dada cultura, dando coe- réncia& vida da pessoa (White & Epston, 190), Quando uma narrativa de vida deixa de conseguir integrar as diferentes facetas da experiéncia, tornando-se inflexivel e limitadora, estamos perante o que White e Epston (1990) designaram por narrative problematica ou saturada pelo problema. Este tipo de narrativa, por estreitar o campo da significacéo e da ago, gera sentimentos de impoténca, sofrimento ou desalento, podendo resultar no pedido de ajuda psicoterapéutica (White & Epston, 1990). 169 PSICOTERAPIAS Esta nogdo nao s6 evidencia a dimensdo opressiva dos discursos culturals, mas também pressupée uma perspetiva altemativa da psicopatologia. De facto, White (1994) considera 2 concecéo tradicional de psicopatologia, assente na nogio de dé- ice, como uma forma de objetivacdo da experiéncia. Por contraponto, a TN pro- 1pée que os problemas psicolégicos assentam na aceitacao de verdades e pressupos- tos que se tornam opressivos, néo possibilitando & pessoa o perspetivar de formas ‘mais satisfatérias de interpretar a experiéncia ¢ construir a sua identidade (White & Epston, 1990). Um objetivo central da TN decorre desta concecao de problema psicolégico como ‘© dominio de uma narrativa problematica, e consiste na identificacao e desconstru- ‘sd0 dos pressupostos impostos & pessoa, bem como dos discursos culturais subjacen- tes (Parry & Doan, 1994). Com a desconstrugéo, evidencia-se o cardcter construido das narrativas culturais dominantes,o seu poder na vida das pessoas e a forma como estas foram internalizadas (Freedman & Combs, 1996). Uma das consequéncias das narrativas dominantes ¢ a severalimitacéo imputada 8 interpretacdo das experincias de vida, uma vez que todos os eventos excluidos ou negligenciados por esta narrativa ndo sdo narrados nem partithados, sendo esqueci dos (Goncalves, 2008; White & Epston, 1990). Desta nogdo decorre outro objetivo central da TN, 0 de recuperar os conhecimentos subjugados pelos discursos dorni- nantes, de forma a gerar historias alternativas que incorporem aspetos importantes da experiéncia até entdo negligenciados (White & Epston, 1990). © poder transfor- mador da narrativa baseia-se, assim, na capacidade de a pessoa se relacionar de for- ‘mas preferencials e mais satisfatorias com os eventos de vida, no contexto de novos signiticados (Anderson & Goolishian, 1992). A medida que se abre a possiblidade de desempenhar as historias alternativas, outros aspetos satisfatérios e previamente preteridos da experiéncia da pessoa podem ser postos em circulacio nos seus dife- rentes contextos de vida (White & Epston, 1990). Ou seja, as histérias alternatives terdo, entdo, de ser consolidadas pelo seu desempenho e validacdo no espaco social da pessoa (Goncalves & Goncalves, 2001), [ATTN considera que 0s problemas se iniciam e s8o alimentados pelas historias opres- sivas que dominam a vida das pessoas. Neste contexto, 0 processo terapéutico en- volve a criagdo de espaco para a autoria de narrativas alternativas, que criem poss bilidades de a pessoa assumir poder sobre a direcao da sua vida (Carr, 1998). Assim, a TNé desenvolvida através da descoberta da histéria dominante da problematica, da sua compreensdo e subsequente reautoria (Gardner & Poole, 2003). Neste processo, © questionamento terapéutico assume particular relevancia, ndo se tha de informacao, mas permitindo conhecer as formas de significacéo habituais da 190 ‘TERAPIA NARRATIVA DE REAUTORIA pessoa, exarinar os constrangimentos a que esté sujeita e explorar formas alternati- ‘vas de interpretar as experiéncias de vida (Freedman & Combs, 1996). ‘White e Epston (1990) propdem que o processo terapéutico se desenrola em trés fases: desconstrucéo, reconstrucéo e consolidacso. Na primeira fase, da descons- trucdo, € utiizado um conjunto de estratégias que permite o questionamento das “verdades" que sustentam a narrativa problemstica (White, 1994). A segunda fase, de reconstrucéo, consiste na construcéo de narrativas alternativas que permitem ao cliente ensaiar novas formas de se relacionar com o problema. Por iltimo, a terceira fase envolve a consolidacao da narrativa de mudanca (Goncalves, 2008). Apés 0 de- senvolvimento de uma nova histéria, congruente com as preferéncias, esperancas © valores da pessoa, promove-se a sua expanséo de uma forma estruturada. De salientar que nao existe uma separacéo clara, ou estanque, das trés fases, ha- vendo, pelo contrério, um movimento dinémico entre elas, de forma a potenciar & interligar as mudangas obtidas em cada uma delas (Goncalves, 2008). De seguida descrevern-se as fases da TN em pormenor. Fase 1: Desconstrucao ‘Como foi mencionado, esta abordagem assume que as pessoas chegam & terapia de- vido aos constrangimentos impostos pela narrativa dominante, procurando situar-se o pro- blema “fora” das pessoas. Trata-se de uma perspetiva alternativa face &s abordagens tra- dicionais em psicoterapia, em que o problema é percecionado como estando internalizado, isto &, dentro da pessoa (Goncalves & Henriques, 2000). Se o problema domina a vida da pessoa e & considerado um défice interno, 6 mais facilmente percecionado como inultra- passével (Goncalves & Henriques, 2000). Partindo deste pressuposto, a exteralizacio do problema assume-se como uma técnica central da TN. ‘Aexternalizacéo pretende reverter a compreensao interna do problema, permitindo a sua objetivacao (White, 2007). © problema deixa de ser a pessoa e passa a ser o problema, tomando as opcdes para o resolver mais vsiveise acessiveis (White, 2007). A formulagao de questies externalizadoras permite ao terapeuta ndo s6 distingur a pessoa do problema, mas também mapear 0s efeitos do problema na vida da pessoa. Pretende-se, assim, com- preender quais os recursos que o problema utiliza para exercer 0 poder sobre a pessoa e de que forma esta poder’ reagir, anular ou diminuir 0 seu impacto (Goncalves & Henriques, 2000). Embora a extemalizacao nao tenha por objetivo conduzir a pessoa a comportar-se de forma diferente, na iberdade conferida pela construsdo de riltiplas relagoes com o pro- blema hé um conve implicito para que a pessoa se comporte de modo a no dar poder ao problema, recuperando, assim, a autoria sobre a sua vida, Desafir anarrativa problemitica pode permitir a diminuigao da culpa que a pessoa sente por no conseguir mud, fomentar ‘a compreensao das estratégias que o problema utiliza para ter poder, evitar que a identida~ de da pessoa se confunda com o problema e, deste modo, faclitar a mudanca (Goncalves & Henriques, 2000), 191 PSICOTERAPIAS [Nesta fase inicial,é importante compreender a narrativa de vida da pessoa segundo a sua perspetiva, com recurso & escutaativa e empética, com uma utilizagdo cuidada de ques 162s (Anderson & Goolishian, 1992; White & Epston, 1990). De seguide, apresenta-se um conjunto de t6picos (Tabela 10.1) que podem guiar a formulacdo de questées no proceso de extermalizacio. BERRY onstrucao da exteralizacdo (adaptado de Freedman & Combs, 199 a Tépicosexternalizadores Objetivos Exemplos, Historia da relagdo com Pereeber como. problema seins- “De que forma. sombra tem vin- 0 problema talou na vida da pessoa, doa gonna poder na sua vida?” ‘Aceder a0 papel das priticas cul- “Que caracteristcas do. meio Influéncias contextuais _turais dominantes que suportam onde vive d0 apoio ao funcio- co problema. ‘namento da sombra" ‘Aceder 20 Impacto do problema ‘nos virios dominios da vida da “Que efeitos tem a sombra Efeitns ‘pessoa e nos seus relacionamen- sua relacdo com os seus fithos’ bs fiplrar as exratgias através “Que argumentos usa a sombre estratésias tay quiso problema ifuenca a prs a vara fazer algo que € Midoeesteloqoesdapesioa, Contra a seu bem-estar?™ Compreender 0 que petende 0 “Qual € 0 objetivo de sombre Objetives provera paroavdae pesca.” pareasiavider™ Mapear 0 modo como os dver- "De que medo a soma se alia Inter-rlacdo sosproblemasseapolam uns nos com ® perfeconismo para ter ‘outros. 0b controla?” Este tipo de questées permite que a pessoa pense e sinta a influéncia do problema de forma externalizada, comecando a perspetivar como poderia ser @ sua vida sem o proble- ima, Neste contexto, quando a externalizagio ¢ bern sucedida comecam a surgir excecdes 120 problema ~ resultados tinicos, @ partir dos quais sera possivel construir a reautoria da historia de vida (Carr, 1998). De seguida, apresenta-se uma vinheta clinica que ilustra o uso da extemalizagdo, As vinhetas apresentadas pretendem apenas exemplificar as estratégias que © terapeuta pode utilizar no contexto da TN. Na pritica deste modelo é importante apoiar o cliente na elaboracao das suas metiforas e histérias de vida especiticas. O nome da cliente ¢ ficcional. Vinheta clinica 1 - Da internalizagao a externalizacao Cliente (C): Sou uma pessoa com baixa autoestima, sem confianga em mim propria [discurso internalizador]. Terapeuta (T}: Como & que este problema tem afetado a sua vide, Lufsa [reformula e explora efeitos do problema]? , 192 TERAPIA NARRATIVA DE REAUTORIA, CC: Vivo angustiada. No trabalho sinto muita falta de confianca. Estou sempre a penser que a qualquer momento vou cometer um grande erro e que vou ser despedida, No meu casamento também. Muitas vezes passa-me pela cabeca que nao é justo para ‘0 meu marido ter a0 lado uma pessoa como eu, que esta sempre em baixo [discurso internalizador). ‘LOK, entéo este problema tem contaminado diferentes éreas da sua vida, Convence-2 de que a Luisa no é boa o suficiente para manter coisas que séo importantes para si, 6 isso [reformulagdo externalizadora]? : Sim, estd presente em vérios contextos, persegue-me [ciscurso externalizador. Estou sempre a pér em causa o meu valor [discurso intemalizador} T: Pode explicar-me melhor como & que este problema a persegue [explora estraté- gias do problema]? : Segue-me para todo lado, como se fosse a minha sombra[discurso externalizador]. ‘Acha que “sombra” € um bom nome para o problema [negocela 0 rétulo exteralizador]? CC: Talvez. Acho que hd sempre qualquer coisa que me impede de estar bem [discurso externalizador T: OK. Como é que a “sombra® a impede de se sentir bem [explora estratégias do problema? Pengo sempre que nao faco nada bem [discurso internalizador] Fale como se fosse a sombra, “tu.” [Solicita que assuma a vor do problema]. "Tu ndo fazes nada em condigdes, nao vales nada” [discurso externalizador}. fem ideia de quando é que @ “sombra” a comecou a tentar convencer de que no tinha valor [explora historia da relaco com o problema]? (C: Nao sei bem, mas acho que a "sombra” jé me persegue ha alguns anos, 6 néo tinha tanta forca como agora [discurso externalizador| ‘Apesar da externalizagdo ser considerada a técnica de desconstrucdo por exceléncia da ‘IN, pode no ser a mais indicada (White, 1989), sobretudo quando nao hé um problema fortemente internalizado. Em situagbes de praticas opressivas, como violencia ou abuso sexual, White (1989) sugere que a externalizacao deverd ser usada em relacdo 8 atitudes, crencas e estratégias que mantém a opressao. £ preciso ter em consideracdo que, para além da externalizacio, ha uma diversidade de estratégias que podem ser utiizadas no processo de desconstrucdo. A titulo de exemplo, enunciamos trés estratégias adicionais de descons- ‘rugdo: a identificagio dos pressupostos que sustentam o problema, as questdes da “expe- ridncia da experincia" ea escrita de cartas. {A identificacBo dos pressupostos que sustentam o problema consiste na andlise da forma como a histéria é narrada, de modo a identificar igualmente os temas implicitos. Terapeuta e cliente sé0 convidados a imaginar o mundo sem as pressuposicoes da narra- tiva dominante ou com pressuposicées alternativas (Goncalves, 2008). Algumas quest6es 193 PSICOTERAPIAS podem orientar o terapeuta neste desafio dos pressupostos: “Que formas de narragdo se- riam potenciadas por pressupostos alternativos? Como seriam posicionados o narrador e (08 outros atores envolvidos? O que se tora mais central numa histéria com estes pressu- postos subjacentes?” (Goncalves, 2008). Estas questédes podem ser formuladas 20 cliente, adequando a linguagem (p. ex: "Imagine que tinhamos 0 poder de o reprogramar no seu funcionamento, agora sem estas ideias ou obrigagGes. Como seria o seu dia a dia?”) Por sua vez, as questées da experiéncia da experiéncia permitem a ativacdo de conhe- cimentos ou experigncias esquecidas ou negligenciadas pela narrativa dominante, O cliente € convidado a imaginar 0 que outras pessoas significativas na sua vida esto capazes de ver cemsi (p. ex. qualidades, competéncias), e que para si se encontra oculto (Goncalves, 2008), A experiéncia da pessoa é assim perspetivada a partir da experiéncia de outro significative (que valide a pessoa). No mesmo sentido, também na escrita de cartas (Madigan, 1997; Nylund & Ceske, 1997) é usada a perspetiva de outros significativos, ou da prépria pessoa noutro tempo his- térico. O cliente & convidado a escrever uma carta com um conjunto de questées, drigida ‘a alguém significativo, para obter versées alternativas & sue. Algumas dessas questées po- derdo ser: “De que modo o problema X esté a ocultar as melhores capacidades do/a__2; Que recursos € que ofa tem que nunca permitiram que X controlasse completa~ mente a sua vida?" (Goncalves, 2008). No uso destas duas ultimas técnicas € importante ser cuidadoso na escolha dos interlocutores do cliente e no as usar se as relacées forem invalidantes. Uma alternativa € 0 cliente escrever uma carta a si proprio, no futuro ou no ppassado, procurando conceber-se de forma alternativa a partir dessas perspetivas. Fase 2: Reconstrucao A medida que se desenrola 0 processo de desconstrucao do problema, vo surgin- do detalhes fora da narrative problematica que podem ser meras intengSes para ter uma relacio diferente com o problema no futuro, ou emergirem acontecimentos (p. ex, com- portamentos, atitudes, emogdes) fora da légica do problema (Freedman & Combs, 1996), Estes momentos de excecéo as histérias problemticas designam-se por resultados tinicos (White & Epson, 1990). Os resultados inicos sdo uma forma de acesso ao processo de reau- toria (White, 2007), permitindo o desenvolvimento de novos significados ¢ a emergéncia de cexperiéncias que foram ignoradas devido @ influéncia da histéria dominante (White, 1993). Desta forma, a partir de aspetos que parecem contradizer a histéria dominante, o terapeu- ta facilta 0 desenvolvimento de resultados dnicos, introduzindo questées que suscitem a sua emergéncia, para depois serem elaborados ¢ integrados numa narrativa coerente € alternativa (Goncalves, 2008). A énfase & colocada na descricéo dos sentimentos, agdes comportamentos manifestados na ocorréncia destas excegées e na forma como outros

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